Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 243/2015-T
Data da decisão: 2015-12-21  IRS  
Valor do pedido: € 703,38
Tema: IRS; registo de recibos verdes; duplicação de colecta
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Decisão Arbitral

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 8 de Abril de 2015, A…, com o NIF…, apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), um pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS nº 2014 … no valor de € 703,38 (setecentos e três euros e trinta e oito euros). Com o Requerimento foram juntos, para além da procuração e comprovativo de pagamento da taxa inicial, seis documentos.

2. No requerimento apresentado o Requerente não designou árbitro tendo sido por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

3. O tribunal arbitral ficou constituído em 22 de Junho de 2015.

4. A Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) enviou o processo administrativo (PA) e a Resposta em 1 e 2 de Setembro de 2015, respectivamente.

5. No dia 10 de Novembro de 2015 realizou-se a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, procedendo-se nela à inquirição de testemunhas apresentadas pelo Requerente. O tribunal solicitou a junção ao processo de diversos documentos, marcou prazo para junção de alegações escritas e designou o dia 21 de Dezembro de 2015 para comunicação da decisão final.

6. Em 18 de Novembro e 26 de Novembro de 2016, respectivamente, o Requerente apresentou alegações e nove documentos e a Requerida as suas alegações. 

 

7. O Pedido de Pronúncia

O Requerente sustenta, em síntese (da nossa responsabilidade):

-          Outorgou em Setembro 2011, com efeitos retroactivos a Maio do mesmo ano, um contrato de prestação de serviços com o B…, recebendo em contrapartida dos serviços prestados um valor de € 5.000.00 (cinco mil euros) mensais, acrescido de subsídio de férias e de Natal, o que representa um valor anual de € 70.000,00 (setenta mil euros).

-          No ano de 2011, auferiu ao abrigo daquele contrato o montante de € 46.666,66 (quarenta e seis mil, seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), tributável em IRS como rendimento da denominada categoria B, correspondente ao trabalho prestado entre os meses de Maio e Dezembro de 2011, bem como, na respectiva proporção, aos subsídios de Natal e Férias.

-          No ano de 2012, auferiu o montante de € 70.000,00 (setenta mil euros), tributável em IRS como rendimento da denominada categoria B.

-          No ano de 2013, auferiu igualmente um montante de €70.000,00 (setenta mil euros), tributável em IRS como rendimento na denominada categoria B, conforme declaração da entidade que procedeu ao pagamento e respectiva retenção na fonte (Doc.3).

-          Relativamente aos anos de 2012 e 2013, em vez de emitir 10 facturas/recibos, cada um no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) e 2 facturas/recibos no valor de € 10.000,00 (dez mil euros) cada, correspondentes estas últimas aos meses em que a retribuição mensal lhe era paga em dobro, por incluir o subsídio de férias e o subsídio de Natal, emitiu em Janeiro dos anos 2012 e 2013, recibos/facturas que reportavam ao ano civil imediatamente anterior.

-          Assim, em 10 de Janeiro de 2012 emitiu a factura/recibo nº …, no valor de € 8.333,33 (oito mil trezentos e trinta e três euros trinta e três cêntimos) mas incluiu o valor deste recibo na declaração de IRS referente ao ano de 2011.

-          E em 26 de Janeiro de 2013, emitiu a factura/ recibo nº…, no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), tendo incluído o valor deste recibo na declaração de IRS referente ao ano de 2012.

-          Esta situação deve-se ao facto de, no momento em que procedeu ao preenchimento dos referidos recibos verdes/facturas, não ter introduzido a data a que se referia a respectiva prestação de serviços, pelo que o sistema automaticamente assumiu a data da emissão; mas, embora com data de 2012 e 2013, correspondem à prestação de serviços ocorrida em Dezembro do ano imediatamente anterior e cujo valor foi efectivamente declarado e devidamente tributado naqueles anos (exercícios fiscais de 2011 e 2012).

-          A Autoridade Tributária pretende incluir a factura/recibo nº…, no valor de € 8.333,33 (oito mil trezentos e trinta e três euros três cêntimos) na declaração de rendimentos do ano de 2012 mas como demonstrado, a factura/ recibo nº…, no valor de € 8.333,33 (oito mil trezentos e trinta e três euros três cêntimos) foi já incluída na declaração de rendimentos referente ao ano de 2011, não tendo Autoridade Tributaria suscitado qualquer questão quanto a liquidação do imposto desse exercício.

-          A Autoridade Tributária pretende igualmente incluir a factura/recibo nº …, no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), na declaração de rendimento do ano de 2013, mas essa factura/recibo nº … (cinco mil euros), foi já declarada nos rendimentos do ano de 2012.

-          Em Agosto de 2013, a Autoridade Tributária foi esclarecida de situação idêntica ocorrida com a declaração de rendimentos do ano de 2012 - quer em 2012 quer em 2013 o Requerente emitiu recibos/facturas correspondente a um rendimento anual de € 70.000,00 (setenta mil euros) anuais, valor efectivamente declarado e pago o respectivo imposto, sendo esses valores objecto de retenção nos meses a que respeitavam os serviços correspondentes (mesmo sem os recibos/facturas se encontrarem emitidos) e foram incluídos pela entidade pagadora na declaração de rendimentos desses anos sendo efectivamente tributados como rendimentos auferidos nesses anos.

-          A aparente discordância entre rendimentos auferidos e declarados no ano de 2013 resulta de um lapso no preenchimento emissão dos recibos verdes/facturas e a pretendida correcção da declaração de rendimentos relativos a 2013 e 2012 equivaleria a uma dupla tributação dos rendimentos respeitantes a Dezembro de 2012 e 2011, porquanto esses rendimentos foram efectivamente declarados e tributados nos rendimentos de 2011 e 2012 e seriam agora novamente tributados relativamente a 2012 e 2013, situação que, obviamente a lei não pretende.

-          A verdade material deve prevalecer como critério de apuramento dos rendimentos auferidos, não se lhe podendo sobrepor uma realidade meramente formal exclusivamente baseada na data da emissão dos recibos, pelo que a liquidação impugnada deve ser anulada.

 

8. A Resposta

A Requerida responde, em síntese (da nossa responsabilidade):

-          A pretensão do Requerente de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS tem com o objecto a liquidação referente a 2013 com o nº 2014…, invocando dupla tributação (exercícios de 2012 e 2013) quanto ao ano de 2012.

-          Acontece que, relativamente ao ano de 2012, o requerente emitiu recibos no montante total de €73.333,33 mas na declaração de rendimentos referente ao mesmo ano declarou rendimentos da categoria B no valor, apenas, de €70.000,00.

-          No ano de 2013 o requerente emitiu recibos no montante total de €75.000,00 e na declaração de rendimentos referente a este ano de 2013, declarou rendimentos da categoria B no valor de €70.000,00.

-          Tais divergências, entre os valores de recibos emitidos e os valores declarados deram origem à correcção de que resultou a liquidação agora sindicada.

-          O Pedido não pode ser acolhido porque a prova constante do processo administrativo demonstra inequivocamente que outra não poderia ser a actuação da AT, porquanto os valores declarados pelo requerente são inferiores aos valores dos montantes efectivamente auferidos e constantes dos recibos que emitiu.

-          O Requerente não fez prova das afirmações constantes da PI, em 8º, 9º, 11º, 13º, 15º, 20º e 21º.

-          As listagens de recibos emitidas mostram que o Requerente a 25 de Janeiro de 2013 procedeu conscientemente à anulação do recibo nº 16 que tinha emitido em 17/01/2013, mas emitiu um recibo, o nº 17, declarando rendimentos auferidos também a 25/01/2015, pelo que não se compreende que tenha cometido de novo um lapso, sendo inverosímil que, no exacto momento em que corrige um erro anulando um recibo, emita um outro não atentando no conteúdo do mesmo.

-          Se a tese do Requerente estivesse certa deveria ter corrigido as declarações de 2011 e 2012 que alega incluírem recibos do ano anterior, por nelas ter declarado valores a mais.

-          Nunca a situação em apreço poderia configurar uma situação de dupla tributação, figura que respeita à incidência de dois tributos de natureza distinta sobre o mesmo facto tributário, o que não é o caso dos autos, pelo que deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida.

 

9. Questões a decidir

A questão fundamental objecto do Pedido consiste em saber se a liquidação de IRS referente a 2013 está inquinada de ilegalidade por existência de factualidade que confirme que a mesma situação tributária foi objecto de tributação em dois exercícios diferentes.

 

10. Saneamento

O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não padece de qualquer nulidade mostrando-se reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

II Fundamentação

11. Factos provados

11.1. O Requerente assinou com “B…, SA”, em 16 de Setembro de 2011, um contrato de prestação de serviços válido por três anos, com início em 1 de Maio de 2011, tendo por objecto a prestação de serviços de consultadoria relativamente aos vários projectos imobiliários do Fundo de Pensões do Banco contra o pagamento de uma avença mensal ilíquida de € 5.000,00 paga 14 vezes ao ano (Doc. n.º 1 junto com o Pedido e que se dá por integralmente reproduzido).

11.2. A B…, em cumprimento do disposto na alínea b) do nº 1 do art. 119º do CIRS em declarações datadas respectivamente de 20 de Janeiro de 2012, 20 de Janeiro de 2013 e 20 de Janeiro de 2014, declarou ter pago ao Requerente, nos anos de 2011, 2012 e 2013, a título de rendimentos da categoria B, efectuando as respectivas retenção de IRS, tudo nos seguintes montantes: em 2011, rendimento de € 46.666,66, retenção de € 10.033,34; em 2012, rendimento de € 70.000,00, retenção de € 15.050,00; em 2013, rendimento de € 70.000,00, retenção de € 17.500,00 (Docs. nº 3, 4 e 5 juntos com o Pedido e que se dão por integralmente reproduzidos). 

11.3. Nas declarações modelo 3 de IRS entregues relativamente ao período entre 2011 e 2014, o Requerente inscreveu como rendimento da categoria B os seguintes rendimentos: na declaração do ano de 2011, entregue em 15 de Maio de 2012, € 46.666,66; na declaração do ano de 2012, entregue em 5 de Junho de 2013, € 70.000,00; na declaração do ano de 2013, entregue em 2014 [1], € 70.000,00 e na declaração do ano de 2014, entregue em 8 de Maio de 2015, € 70.000,00 (Documentos juntos aos autos pelo Requerente em 18.11.2015 e PA fls. 27 e 28).

11.4. Durante os anos fiscais de 2011 a 2014, o Requerente emitiu quarenta recibos nos seguintes montantes, respectivamente: com datas de 2011, três recibos (nºs … a …) no valor total de € 38.333,33; com datas de 2012, doze recibos (nºs … a …) no valor total de € 73.333,33; com datas de 2013, onze recibos (nºs … a …) no valor total de € 60.000,00 e com datas de 2014, catorze recibos (nºs … a …), neste último caso, dois recibos no montante total de € 15.000,00, referentes a prestações de serviços em 2013 e doze recibos, no montante total de € 70.000,00, referentes a prestações de serviços em 2014 (Documento nº 2, junto com o Pedido).

11.5. O Requerente englobou o montante de € 8.333,33 correspondente ao recibo nº …, emitido em 10 de Janeiro de 2012 na declaração de IRS de 2011 por o considerar referente a Dezembro de 2011 (Documento nº 2 junto com o Pedido).

11.6. O Requerente englobou o montante de € 5.000,00, correspondente ao recibo nº …, emitido em 25 de Janeiro de 2013, na declaração de IRS de 2012 por o considerar referente a Dezembro de 2012 (Documento nº 2 junto com o Pedido).

11.7. O Requerente englobou os montantes correspondentes aos recibos nºs … e … de € 5.000,00 e € 10.000,00, emitidos, respectivamente, em Janeiro e Fevereiro de 2014, na declaração de IRS de 2013 por as considerar, e como tal as indicar expressamente, referentes a Novembro e Dezembro de 2013, respectivamente (Documento nº 2 junto com o Pedido).

11.8. Através de notificação (GIC1/…) de 2 de Junho de 2014 a AT comunicou ao Requerente que a sua declaração relativa ao ano de 2013 fora seleccionada para análise por ter sido detectado que “os rendimentos empresariais e profissionais declarados, são inferiores aos conhecidos” pelo que deveria “prestar os devidos esclarecimentos no site Portal das Finanças” (...) “e/ou regularizar automaticamente a situação entregando uma declaração corrigindo os factos que determinou a análise” ou “dirigir-se ao Serviço de Finanças da área do seu domicílio” (reclamação graciosa II junta pelo Requerente em 18 de Novembro p.p).

11.9. O Requerente respondeu à notificação referida no número anterior esclarecendo que “a razão de não concordância dos rendimentos da categoria B se deve a um lapso de preenchimento dos recibos verdes” porque “o sistema toma automaticamente como data de prestação de serviços a data de emissão de recibo”, “daí que em Janeiro de 2013 o sistema reconhece duas prestações de serviços no valor de € 5.000,00 cada uma quando uma delas se refere a Dezembro de 2012”. E acrescenta que já havia comunicado o facto ao serviço de finanças na prestação de esclarecimentos à anterior notificação respeitante à declaração de 2012 e que a situação fora considerada regularizada em sede de IVA (PA, fls. 11 e documento junto pelo Requerente).

11.10. O Requerente recebera já no ano anterior uma notificação (GIC1/…) datada de 25 de Julho de 2013, pedindo esclarecimentos sobre a discrepância quanto aos montantes de recibos verdes emitidos em 2012 e a importância de rendimentos da categoria B constante das declarações de rendimentos, a que respondera explicando tais divergências com a assunção automática pelos sistema da data de emissão dos recibos, e explicitando que as declarações de 2011 e 2012 estavam correctas e de acordo com as declarações da entidade que procede às retenções na fonte e com as declarações periódicas de IVA, acrescentando que os serviços do IVA haviam tido a situação como regularizada por não resultar prejuízo para a Fazenda Pública (documento junto pelo Requerente em 18.11.2015 como reclamação graciosa III).

11.11. A Requerida, através do ofício enviado em 17 de Novembro de 2014, notificou o Requerente de que da identificação de incorrecções relativas à declaração de IRS mod. 3 do ano de 2013, não se comprovava, pela análise das declarações de 2012 e 2013 a ocorrência de dupla colecta. Era pedido esclarecimento sobre as divergências e retenções declaradas em mod.10 por confronto com os recibos emitidos pelo sujeito passivo com os nºs … a … e … e …, a prestar em dez dias. E era convidado a substituir a declaração em caso de incorrecção e dado prazo para exercício de audição prévia no prazo de 15 dias (PA, fls. 12 a 14).

11.12. O Requerente apresentou, em 5 de Dezembro de 2014, no Serviço de Finanças Lisboa …, um Requerimento identificado como exercício de audição prévia em que explica as divergências entre datas de emissão dos recibos e os períodos a que efectivamente diz corresponderem, considerando que a “pretendida correcção da declaração de rendimentos relativos a 2013, equivaleria a uma dupla tributação do rendimento de Dezembro de 2012, porquanto esse rendimento foi efectivamente tributado na tributação dos rendimentos de 2012 e seria novamente tributado a 2013 (PA, fls. 32 a 36).

11.13. Foram emitidos documento de correcção e declaração oficiosa relativa a 2013 (referindo como data de análise 02-12-2014), registando-se no quadro 403 € 75.000,00 e nos quadro 1102, 1104 e 1106 um total de prestação de serviços de € 75.000 no ano de 2013, € 73.333,33 no ano N-1 e de € 46.666,66 no ano N-2 (PA, fls. 46 a 51).

11.14. Através do ofício nº …, do SF Lisboa …, datado de 10 de Dezembro de 2014, o Requerente foi notificado de que “em 5/12/2014 exerceu o direito de audição, declarando que o rendimento alegadamente omisso (...) foi declarado em 2012” e que ”da análise do total dos recibos electrónicos referentes às prestações de serviços efectuadas em 2012 e 2013 pelo sujeito passivo verificou-se que em 2012 declarou o valor correspondente aos recibos emitidos (€ 73.333,33) e que em 2013 declarou € 70.000,00 quando o valor recebido foi de € 75.000,00”. “Assim, será elaborada declaração oficiosa e apurado o imposto de que se mostrar em falta, sendo de acrescer juros compensatórios devidos e instaurado procedimento contra-ordenacional para exigência de coima” (PA, fls. 41).

11.15. Com data de 15 de Dezembro de 2014, e em resposta a ofício GI-…., de 17 de Novembro de 2014, a B… informou que procedeu ao pagamento ao Requerente durante o ano de 2013 de rendimento de categoria B no montante de € 70.000,00, correspondendo aos recibos … a … relativos a prestações realizadas em 2013 emitidos pelo SP em 2013 e recibos … e … relativos a prestações de consultoria realizadas em 2013 emitidos pelo SP em 2014 (processados pela B… em 2013). Referia ainda que os rendimentos dos recibos 29 e 31 haviam sido incluídas nos modelo 10 da B… relativo ao exercício de 2013 e que o recibo nº … emitido em Janeiro de 2013 se referia a prestação de serviços realizada em Dezembro de 2012 (PA, fls. 43).

11.16. Com data de 16 de Dezembro de 2014 foi emitida a nota de cobrança no valor de € 703,38, referente ao IRS do período de 01-01-2013 a 31-12-2013, para pagamento até 21 de Janeiro de 2015 (Documento junto com o Pedido).

11.17. O pagamento da liquidação referida no número anterior foi efectuado em 19 de Dezembro de 2014 (PA, fls. 2 e 56).

11.18. Sobre os rendimentos declarados relativamente ao exercício de 2014 foi emitida a liquidação nº 2015… , datada de 7 de Junho de 2015, com data limite de pagamento de 31 de Agosto de 2015, que o Requerente pagou em 19 de Agosto de 2015 (documento junto pelo Requerente em 18 de Novembro de 2015).

11.19. Em 10 de Março de 2015, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

12. Factos não provados

Não há factos não provados a considerar como relevantes para a decisão do presente processo.

 

13. Fundamentação dos factos provados e não provados

Os factos foram dados como provados e não provados com base na avaliação feita pelo tribunal das peças processuais entregues pelas Partes e dos documentos juntos aos autos, designadamente o processo administrativo, conforme referência feita relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto fixada.

 

A audição das testemunhas em 10 de Novembro de 2015 ajudou a esclarecer a leitura da documentação junta aos autos, confirmando-se que a liquidação de 2012 não foi objecto de qualquer impugnação e se encontrava paga.

 

14. Aplicação do direito

14.1. O direito aplicável

14.1.1. A situação tributária e o Pedido de pronúncia arbitral

O Requerente pretende que, provando-se que efectuou registos incorrectos de facturas/recibo que deram origem em sucessivos anos a liquidações incorrectas, com duplicação de tributação, deve ser anulada a liquidação referente ao ano de 2013 por constituir tributação de rendimento não auferido realmente nesse ano e já anteriormente objecto de tributação. 

 

Está em causa a tributação em IRS de rendimentos que são objecto de incidência deste imposto como categoria B, “rendimentos empresariais e profissionais” (art. 3º, nº 1, alínea b), do CIRS).

 

Enquanto relativamente à categoria A de rendimentos o que conta é o momento em que os rendimentos são pagos ou postos à disposição do titular (nº 1 do artigo 2º do CIRS), relativamente à categoria B, o nº 6 do artigo 3º do CIRS dispõe: “Os rendimentos referidos neste artigo ficam sujeitos a tributação desde o momento em que para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão de factura ou documento equivalente ou, não sendo obrigatória a sua emissão, desde o momento do pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 18.º do Código do IRC, sempre que o rendimento seja determinado com base na contabilidade” [2] .

 

No caso objecto dos autos o contribuinte aufere montante de rendimentos de categoria B que torna obrigatória a emissão de factura/recibo não existindo mais dados sobre o regime a que se encontra sujeito. Contudo a controvérsia existente não incide sobre a determinação da data em que, no caso concreto, terão sido postos à disposição os rendimentos auferidos da entidade pagadora ou efectuado as prestações de serviços objecto da tributação, mas sim, atenta a emissão de facturas em anos sucessivos, se as correcções introduzidas pela AT à declaração de rendimentos do ano de 2013 e que deram origem à liquidação IRS nº 2014 … constituem uma dupla tributação. 

 

14.1.2. Dupla tributação

O Requerente caracteriza a ilegalidade invocada como dupla tributação, o que é contestado pela Requerida.

A dupla tributação é um conceito com que no direito tributário se designam os casos de concurso de normas o que acontece quando o mesmo facto se integra na previsão de duas normas diferentes, dando origem a mais do que uma obrigação de imposto. [3]

 

Assim, nos autos não está em causa um fenómeno de dupla tributação – aplicação de duas normas distintas – mas sim de pluralidade de aplicações da mesma norma que constitui a figura da duplicação de colecta referida no artigo 205º do CPPT ao estabelecer: “Haverá duplicação de colecta para efeitos do artigo anterior quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo”. “Ao contrário do que se passa na dupla tributação, não há neste caso concurso de pretensões mas sim uma única pretensão duplamente exigida. Trata-se aqui do instituto da duplicação, vedado pelo princípio ne bis in idem, o qual se coloca no plano da actividade tributária concreta ou secundária, na terminologia de Alessi, e não no da actividade abstracta ou primária[4]

 

No caso dos autos, em que o Pedido de pronúncia arbitral invoca que foram efectuadas diferentes liquidações de IRS incidentes, na realidade, sobre um mesmo rendimento (objecto da liquidação nº 2014…), está em causa, pois, apreciar se foi efectivamente cobrado duplamente o mesmo tributo [5] originando  duplicação de colecta.

 

A duplicação de colecta está prevista fundamentalmente como uma causa de inexigibilidade da obrigação tributária (fundamento de oposição à execução, nos termos do art. 205º, nº1, do CPPT) e não como vício do acto tributário. Contudo, além de fundamento de oposição à execução fiscal constitui uma ilegalidade que afecta a validade do acto tributário [6] pelo que será objecto de apreciação nos autos.

 

14.1.3. A audiência prévia

O Requerente em alegações veio invocar a nulidade do acto tributário devido ao facto de a AT ter procedido à liquidação adicional antes mesmo de ter decorrido o prazo da audição prévia.

 

Esta questão não foi suscitada pelo Requerente no Requerimento inicial, peça onde são expostos os factos e as razões de direito que fundamentam o Pedido, de acordo com o nº 1 do artigo 108º do CPPT, aplicável por força do art.29º, nº1, alínea a), do RJAT [7].  

 

De qualquer modo, sempre se dirá que embora tenha sido comentado pelo tribunal, na reunião realizada para inquirição de testemunhas, o facto de constar como data da correcção da declaração de IRS o dia 2 de Dezembro, anterior à entrega da resposta dada pelo contribuinte em audiência prévia, não fica comprovado (cf. factos provados, 11.11 a 11.14.) nem que esta entrou em prazo nem que a AT não a tomou ainda em consideração, apesar de não ter acolhido as razões nela invocadas.

 

14.2. A factualidade fixada e o enquadramento jurídico da situação dos autos

O Requerente invoca os erros por si cometidos no preenchimento dos recibos verdes/facturas registados nos meses de Janeiro de 2012 e de 2013, alegando que, porque não introduziu a data a que se referia a prestação de serviços, o sistema assumiu automaticamente a data em que o recibo foi emitido e que essa foi a causa das incorrecções detectadas e liquidações correctivas efectuadas. Mas, diz, tais recibos/facturas (embora com data de 2012 e 2013) correspondem a prestações de serviços realizadas em Dezembro dos anos imediatamente anteriores (2011 e 2012) e cujo valor foi efectivamente declarado e devidamente tributado, respectivamente, nestes mesmos exercícios fiscais (de 2011 e 2012).

 

Realmente parece resultar dos factos provados que a importância de € 8.333,33 constante do recibo nº … emitida em 10 de Janeiro, relativa a prestação da mesma data terá sido incluída na declaração do Requerente do ano de 2011 e, porque não posta em causa, objecto da tributação referente a esse ano, assim como incluída pela AT nas correcções efectuadas à declaração de rendimentos referente ao ano de 2012. Mas a importância constante do recibo emitido em Janeiro de 2013, e que aparece como respeitante a serviços prestados em dia desse mês - embora o Requerente defenda que respeita a serviços prestados em 12/2012 - apenas foi incluída pela AT em 2013 e excluída pela AT do ano de 2012 (na declaração referente a 2012, a importância corrigida pela AT de € 73.333,33 corresponde a € 70.000.00 - € 5.000,00 + € 8.333,33 [8]).

 

Verifica-se, pois, que com data de emissão em 2013 e fazendo referência expressa a prestações efectuadas em 2013 foram emitidas treze facturas, das quais, uma (recibo …, com data de 25 Janeiro de 2013) o Requerente considera dizer respeito a 2012 mas que os serviços da Requerida, na liquidação correctiva efectuada, não incluíram no ano de 2012 mas apenas no ano de 2013).

 

Foram essas 13 facturas (nº s … a …, … e …) que foram incluídas e consideradas na liquidação correctiva respeitante a 2013 – somando o montante de € 75.000,00 euros, e objecto de tributação em IRS.

 

Verifica-se também que os dois recibos nºs … e …, emitidos em Janeiro e Fevereiro de 2014 mas declarados como respeitantes a serviços prestados em Novembro e Dezembro de 2013, foram tributados nesse ano (2013) e não em 2014 já que a tributação desse anos incidiu apenas sobre os 12 recibos, respeitantes a prestações entre Janeiro e Dezembro de 2014, no montante de € 70.000,00.

 

Cabe recordar que o objecto do actual Pedido é a liquidação de 2013 para apreciação de cuja legalidade não adianta invocar que o montante de € 8.333,33 (oito mil trezentos e trinta e três euros três cêntimos) fora, sem correcção da AT, incluído pelo Requerente na declaração de rendimentos referente ao ano de 2011 – a sua consideração posterior, em 2012, pela Requerida poderia afectar sim a liquidação de 2012 e não a de 2013...

 

E quanto à inclusão da factura/ recibo nº …, no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) na declaração de rendimento do ano de 2013, viu-se que ainda que tenha sido considerada pelo Requerente como respeitando a 2012 não foi assim considerada pela AT que a desconsiderou em 2012.

 

Assim, não vale a alegação do Requerente de que “a correcção da declaração de rendimentos relativos a 2013 e 2012 equivaleria a uma dupla tributação dos rendimentos respeitantes a Dezembro de 2012 e 2011, porquanto esses rendimentos foram efectivamente declarados e tributados nos rendimentos de 2011 e 2012 e seriam agora novamente tributados relativamente a 2012 e 2013, situação que, obviamente a lei não pretende”.

 

É que, como analisado acima, a ter havido inclusão da mesma matéria colectável tributação em diferentes exercícios, isso não ocorreu entre 2012 e 2013 [9].

 

E a tributação em 2013 de € 75.000,00, corresponde à soma de € 70.000,00 (doze recibos com numeração entre … e …) mais um recibo (nº …) de € 5.000,00 que foi (ainda que, por invocado lapso do Requerente, de forma não correspondente à situação da vida real) emitido com data de 25 de Janeiro de 2013. Por outro lado, os recibos nºs … e …, emitidos, respectivamente, com datas de 3 de Janeiro e 3 de Fevereiro de 2014 mas declarados como respeitantes a 2013, foram considerados, adequadamente segundo a própria argumentação do Requerente, no englobamento de 2013, nada havendo a criticar.

 

Ou seja, ainda que se confirmasse, como parece, que a factura/ recibo nº …, no valor de € 8.333,33 (oito mil trezentos e trinta e três euros três cêntimos) foi incluída pela AT na declaração de rendimentos do ano de 2012, apesar de já declarada na declaração de 2011 e objecto de tributação nesse exercício, não resulta dos autos que a factura/ recibo nº …, no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), declarada nos rendimentos do ano de 2012 pelo Requerente tenha sido incluída na tributação que resultou das correcções relativas a esse exercício de 2012 efectuadas pela AT (que antes a terá apenas incluído na declaração oficiosa de rendimento referente ao ano de 2013).

 

Conclui-se, pois, que ainda que a soma de rendimento global objecto de tributação ao longo de quatro exercícios (entre 2011 e 2014) se possa revelar superior ao que resultaria do que o Requerente defende ser o correcto registo de recibos, de acordo com o contrato de prestação de serviços junto aos autos, não pode o presente Pedido - cujo objecto é a liquidação de IRS referente ao exercício de 2013  - ser considerado procedente por não se verificar, em concreto, nesse exercício de 2013 qualquer duplicação de tributação.

 

15. Decisão

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)      Julgar improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS referente ao Requerente e respeitante ao ano de 2013, no valor de € 1.744,59 (mil setecentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos), dele se absolvendo a Requerida.   

b)     Condenar o Requerente em custas.

 

16. Valor do processo

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 703,38 (setecentos e três euros e trinta e oito euros)

 

17. Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pelo Requerente.

 

Lisboa, 21 de Dezembro de 2015.

 

 

A Árbitro

 

 

 

(Maria Manuela Roseiro)

 



[1]              No PA (declaração entregue pelo contribuinte, fls. 27 e 28) não é reproduzido o rosto da declaração. 

 

 

[2]              Nos casos em que o regime de determinação da matéria colectável é o da contabilidade organizada, a aplicação das regras constantes do artigo 18º do CIRC significa o respeito do princípio da “competência económica”, da especialização de exercícios, ficando os rendimentos sujeitos a imposto antes de serem recebidos ou postos à disposição; e, nos casos em que não existe contabilidade organizada, ainda há que distinguir: se obrigatória a emissão de factura, a obrigação nasce no momento em que nasce a obrigação de a emitir, se não for obrigatória, o imposto é devido só no momento em que os rendimentos são pagos ou postos à disposição. Cf. José Guilherme Xavier de Basto, in “IRS Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos”, Coimbra Editora, 2007, p. 170 e ss.

[3]              Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, Almedina, 1993, p.31 e ss, estudando em detalhe os dois requisitos do conceito: a identidade do facto e a pluralidade de normas. 

[4]              Cf. Alberto Xavier, ibidem, p. 42 e 43.

[5]              “A duplicação de colecta resulta da aplicação do mesmo preceito legal mais do que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta” Cf. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, Áreas Editora, 2011, III vol. p. 527. Observa ainda, em nota (7) ao art. 205: “Se está paga uma quantia com base numa primeira liquidação e é efectuada uma segunda liquidação do mesmo tributo, relativa ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo (se se tratar de um imposto periódico) esta última está viciada por duplicação de colecta (...)” 

[6]              Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, vol. II, p. 113.

[7]              Cf. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, Áreas Editora, 6ª edição, II vol. p. 209.

[8]              € 70.000.00 (recibos … a …) - € 5.000,00 (recibo…) + € 8.333,33 (recibo …).

[9]              Ou seja, a argumentação do Requerente (Pedido, arts 10º e 11º), de que “a Autoridade Tributária pretende incluir a fatura/recibo nº …, no valor de € 8.333,33 (oito mil trezentos e trinta e três euros três cêntimos) na declaração de rendimentos do ano de 2012” mas que a fatura/ recibo nº …, no valor de € 8.333,33 (oito mil trezentos e trinta e três euros três cêntimos foi já incluída na declaração de rendimentos referente ao ano de 2011, não tendo Autoridade Tributária suscitado qualquer questão quanto a liquidação do imposto desse exercício”, não pode ter influência no presente caso, em que o que se discute é a legalidade da liquidação referente a 2013 e não a de 2012 (e tendo em conta a situação de 2011).