Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 271/2015-T
Data da decisão: 2015-12-15  IMI  
Valor do pedido: € 2.741,64
Tema: IMI; classificação dos prédios
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Decisão Arbitral

                                                             

O árbitro Dr. André Festas da Silva, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 06 de Julho de 2015, decide o seguinte.

 

I. RELATÓRIO

I.1

1.      Em 24 de Abril de 2015 a A…, S.A., sociedade com sede na Avenida … n.º …, em Lisboa (…-…), com o número único de matrícula e de pessoa coletiva n.º … requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 28 de Abril  de 2015.

3.      A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

4.      A AT apresentou a sua resposta em 21 de Setembro de 2015.

5.      Por despacho de 22.09.2015, foi agendada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para o dia 19-10-2015.

6.      Nessa reunião o requerimento de produção de prova adicional de natureza pericial solicitado pela Requerida foi dispensado pelo Tribunal.

7.      A Requerente não apresentou alegações escritas.

8.      A Requerida não apresentou alegações escritas.

9.      Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a anulação dos actos de fixação do valor patrimonial, enunciados (i) na ficha de avaliação nº …, referente ao prédio nº…, sito na freguesia de …e …e (ii) na ficha de avaliação nº…, respeitante ao prédio n.º…, sito na freguesia de… .

 

I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

1.      A Requerente submeteu duas declarações modelo 1, através das quais solicitou a avaliação:

(i)                 Do prédio urbano nº …, sito na freguesia de … e… .

(ii)               Do Prédio urbano nº … sito na freguesia … .

2.      Destas avaliações resultou o seguinte:

(i)                 Ao prédio urbano nº…, sito na freguesia de … e … foi atribuído o um VPT de €324.080,00; e

(ii)               Ao Prédio urbano nº…, sito na freguesia …, foi atribuído o um VPT de 238.000,00.

3.      Face a estas avaliações, não concordando com as mesmas, a Requerente apresentou relativamente a cada um dos prédios pedido de 2ª avaliação, centrando a sua discórdia na classificação dos prédios urbanos como “Outros” e consequente fixação do VPT com base no método previsto no nº 2 do artigo 46º do Código do IMI.

4.      Conforme decorre das notificações das avaliações, os prédios foram avaliados considerando o enquadramento dos mesmos na classificação de “Outros”.

5.      Ambas as comissões cumpriram acriticamente e sem leitura do artigo 6º do Código do IMI, o critério que consta do “Manual de Avaliação de Prédios Urbanos”, da Direcção de Serviços de Avaliação datado de Maio de 2011.

6.      Em suma, a classificação destes prédios urbanos como “outros” radica no “Manual”. Mas certo é que o “Manual” não contém um único fundamento para – nos termos do artigo 6º do Código do IMI – se afastar da classificação deste prédio como “comercial”.

7.      Ainda que os prédios em causa fossem susceptíveis de ser classificados como “outros”, o método de avaliação preferencial continuaria a ser a fórmula prevista no artigo 38º.

8.       As Comissões de avaliação – sem se terem dado ao trabalho de identificar porque não avaliaram os edifícios nos termos do artigo 38º- classificaram os prédios como “outros”, atribuindo-lhes valores patrimoniais calculados com base no valor de mercado do terreno adicionado pelos custos de construção.

9.      Desde logo, relativamente à avaliação do prédio urbano nº …, sito na freguesia …, cumpre notar que o somatório dos items enunciados não corresponde ao valor atribuído ao prédio. Efectivamente, foi atribuído o valor de 194.340.00€ e do somatório das parcelas identificadas na ficha de avaliação resulta 163.450.00€.

10.  Mas, o que queremos aqui realçar é que as comissões de avaliação, sem mais, autonomizaram um custo de construção para as seguintes realidades:

(i)                 Lojas de conveniência e edifícios técnicos (os únicos edifícios realmente existentes);

(ii)               Áreas de abastecimento:

(iii)             Pavimento betuminoso

(iv)             Lavagens

(v)               Passeios de zona de ar/água.

11.  Ainda assim, diferentes comissões conseguem apurar – não se conhecendo com base em que critérios - diferentes custos de construção.

12.  E quando chegamos ao valor de mercado do terreno, a desordenação e disparidade são absolutas. Ao ponto de os valores se alterarem, sem mais, da primeira para a segunda avaliação.

13.  Estamos perante uma amálgama indiscriminada de critérios. Que de critério objectivo tem apenas a ausência de critério e fundamento.

14.  Nas comissões de avaliação foi decidido que as estações de serviço configuram prédio do tipo “outros”.

Todavia, a Requerente não vislumbra o motivo pelo qual as estações de serviço não englobam a tipologia de “prédio comercial” ou “prédio para serviços”.

15.  Atentemo-nos no disposto no nº 2 do citado artigo 6º “ Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença que tenham como destino normal um destes fins”.

16.  Parece-nos óbvio que as estações de serviço constituem um local que tem como destino normal a prática de actos de comércio (venda de combustíveis, bebidas e alimentos).

17.  Mas se dúvidas houvesse, exibimos as respectivas cópias das licenças de utilização emitidas pelas Câmaras Municipais de …e de... .

18.  Por sua vez, o óbvio também tem que ser repetido: O “Manual de Avaliações” não se sobrepõe ao Código do IMI.

19.  Os prédios “comerciais” ou para “serviços” avaliam-se nos termos do artigo 38º do Código do IMI.

20.  Resumindo: mesmo tratando-se de prédio “outros” há que utilizar o critério do artigo 38º, com as modificações que se relevarem necessárias. E, apenas quando tal não é possível, é que está legitimado o recurso ao método do custo.

21.  Porque foi determinado o custo de construção da “área de abastecimento” (cobertura metálica) e do “pavimento”?

22.  Ora a “cobertura metálica” não é um prédio para efeitos de IMI, na medida em que não consubstancia um edifício ou construção nem desempenha uma utilidade semelhante.

23.  Consubstancia antes um equipamento composto por placas metálicas assentes no solo, mas que não assume de todo uma funcionalidade idêntica à de um edifício ou construção.

24.  E sucede que a base de incidência do imposto não pode ser estendida aos bens de equipamento e maquinaria.

 

I.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

1.         Os factos relacionados com os actos avaliativos “sub judice” são poucos, e sem causarem discordância entre as partes. Convém recordá-los para enquadrar a matéria litigiosa:

            a) Por iniciativa do contribuinte, permitida pelo artigo 130º, nº 3, alínea a) do CIMI, os procedimentos avaliativos dos prédios supra referidos relativamente ao prédio inscrito sob o artigo … da freguesia de … e … , iniciou-se em 19.12.2014, com a apresentação da declaração modelo 1 do IMI, no SF de …, que deu origem a uma primeira avaliação, na qual se estabeleceu o valor patrimonial (VPT) de €393.311,00, sendo o prédio classificado como urbano “outros”. Relativamente ao prédio inscrito sob o artigo …, da freguesia de …, concelho de Santarém, o procedimento iniciou-se em 24.11.2014, com a apresentação da declaração modelo 1 de IMI, no SF de…, que deu origem a uma primeira avaliação, na qual se estabeleceu o valor patrimonial (VPT) de €238.000.00, sendo o prédio classificado como urbano “outros”.

            b) Não tendo concordado com este valor, nem com a classificação do prédio, o contribuinte requereu segunda avaliação, nos termos do artigo 76º, nº 2 do CIMI, e pugnou pela sua reclassificação como urbano destinado a comércio, da qual resultou uma diminuição do VPT para €324,080.00, para o prédio de…, e para o prédio sito em …o VPT reduziu-se para €194.340.00, mas não se alterou a classificação do prédio.

2.         Há que ter em conta nesta análise a composição dos prédios, quando sabemos que o fim primordial a que se destina, por natureza é a venda a retalho de combustíveis.

            Assim, o prédio inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia de…, segundo o termo de avaliação na parte justificativa do VPT diz-se o seguinte: “Tendo em conta as características do prédio bem como das especificidades inerentes à finalidade a que se destina, bomba de gasolina com abastecimento de combustíveis e comércio em edifício de apoio, infra estruturas de lavagem, ou seja de múltipla ocupação, tornando-se inviável a avaliação com a utilização da fórmula indicada no artigo 38º do CIMI. Assim sendo, o prédio foi avaliado pela aplicação do método do custo adicionado do valor do terreno, conforme determina o nº 2 do artigo 46º do CIMI. Neste justificativo é reproduzida a estrutura de custo, com a exclusão dos equipamentos e terreno não transformado. Foram considerados o valor de terreno, das edificações existentes e dos pavimentos (betuminoso e cimentadas em passeio).

            O valor do terreno foi determinado tendo em conta a envolvente, tendo em conta que é uma zona com alguma qualificação urbanística, dotada de infra-estruturas. O valor atribuído foi de 125€ m2”.

3.         De referir ainda, que no alvará de licença de utilização nº …/98, emitido pela Câmara Municipal de … não consta nada de relevante quer para a posição da Requerente, quer da Requerida.

4.         De referir ainda, que do alvará de licença de autorização de nº …/2010, emitida pela Câmara Municipal de…, consta que a edificação se destina à seguinte utilização: Estabelecimento comercial (loja de conveniência).

5.         Portanto desde já se pode afirmar que o destino primordial de um posto de abastecimento ou de uma estação de serviço é proceder ao abastecimento dos veículos com combustível, utilizando-se os equipamentos adequados para o efeito.

6.         Desta narrativa podemos concluir que o destino dos prédios da ora Requerente é a venda de combustíveis a retalho ao público, e os prédios onde desenvolve esta actividade é prima facie um posto de abastecimento com várias unidades de abastecimento, sendo o prédio destinado a desenvolver a actividade de empresa.

7.         Das outras actividades que aí se desenvolvem, destaca-se a loja de conveniência, afirmando-se que não é a actividade principal da A…, nem é o destino principal dos prédios. Trata-se de uma actividade acessória, de apoio aos clientes que se abastecem de combustíveis sendo, pois, a actividade principal, o fornecimento de combustível aos seus clientes.

8.         De todo exposto, bem como das fotografias que constam do termo da avaliação e do senso comum que cada um de nós tem desta realidade, não temos dúvidas em afirmar que estamos perante um posto de abastecimento de combustíveis, ou de uma estação de serviço, ao qual a entidade Requerente anexou, no espaço do logradouro, sobrante, uma loja de conveniência, entre outras valências ligadas ao abastecimento de combustíveis como ar/água e a lavagem de viaturas, mas que não desvirtua a definição legal de estação de serviços, nem de posto de abastecimento de combustíveis.

9.         Ora a lei descreve exaustivamente o que são prédios urbanos “outros”. Podemos até afirmar que é categoria residual de todas as realidades que são consideradas prédios pelo artigo 2º do CIMI, e que não tem cabimento nas espécies de prédios urbanos elencados nas alíneas precedentes do artigo 6º do CIMI:

10.       Ora, sem qualquer esforço interpretativo para além do literal, e tendo em conta o texto legal destacado, dir-se-á que um posto de abastecimento de combustíveis comporta edifícios e construções licenciadas para esse fim, que é a exploração de postos de abastecimento, e que não são fins habitacionais, comerciais, industriais serviços, isto na óptica do destino do prédio.

11.       Não há dúvida de que a A… pratica actos de comércio, enquanto vende a retalho combustíveis, e que nos casos concretos, os alvarás ou nada referem ou referem tão-somente estabelecimento comercial/loja de conveniência (ainda que indevidamente como iremos ver); mas não é isso que determina que os prédios – postos de abastecimento de combustíveis – tenham como fim o comércio!

12.       Tendo a ora Requerente cumprido todas estas regras para desenvolver a sua actividade, licenciamento para construir e explorar postos de combustíveis, não se pode afirmar que o prédio tem um fim comercial ou serviços, tal como pretende a Requerente.

13.       “Foram seguidas as orientações do “Manual de Avaliação de Prédios Urbano”. Ora segundo a ora Requerente não se trata de lei, por isso não se sobrepõe ao CIMI, trata-se de um mero regulamento interno, de acesso restrito, apenas disponibilizado aos peritos regionais, que não serve para justificar a atribuição de prédio urbano “outros”.

14.       Pois bem, referem os termos de avaliação que se optou por aplicar o método do custo adicionado do valor do terreno, previsto no nº 2 do artigo 36º, em detrimento do método avaliativo no artigo 38º, pelo facto de ser um prédio “outro”, cujas características intrínsecas impedem a utilização da fórmula que consta do artigo 38º do CIMI.

15.       A descrição dos prédios da ora Requerente compõem-se de um terreno, onde se encontram as unidades de abastecimento, as áreas de acesso, as zonas de protecção, a referida “Pala de Cobertura das unidades de abastecimento”, ou como agora se refere “ a cobertura metálica” assim como a loja de conveniência os espaços de lavagem-auto e de abastecimento de ar/água, com os respectivos acessos.

16.       É difícil de admitir que a este prédio se possa aplicar um coeficiente de qualidade e conforto, e um coeficiente de vetustez.

17.       E por isso as comissões de avaliação optaram e bem, por seguir o método do custo adicionado do valor do terreno, conforme o permite o artigo 46º nº 2 e 3 do CIMI.

18.       Mas um prédio onde se praticam actos de comércio, não fica automaticamente, perante a lei fiscal referida, como sendo um prédio urbano com destino a comércio.

19.       Em conclusão, na aplicação do método do custo, o preço do terreno é obtido por comparação, ou seja pela utilização do método comparativo. Foi isso na verdade o que se verificou – a comissão de avaliação atribuiu um preço ao terreno tendo por base preços de terreno com semelhante aptidão construtiva bem como semelhante localização e em nosso entender a fundamentação é suficiente e está correta.

20.       Nos termos do artigo 2º nº 1 do CIMI, prédio é, toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenham valor económico.

21.       De acordo com o nº 2 do mesmo artigo, os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios fazendo o nº 3 presumir o carácter de permanência quando os edifícios os construções estiveram assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

22.       Uma vez integrada essa estrutura, que é uma pala, em bem imóvel, com o consequente cumprimento do seu destino económico, passa o bem móvel a ser considerado como parte integrante desse prédio, sem a autonomia económica que possibilite a sua qualificação autónoma como bem imóvel.

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

O processo é o próprio.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. – Thema Decidendum

 

A validade das avaliações efectuadas aos prédios, pela Requerida, para efeitos de IMI.

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respectiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1.      A Requerente submeteu duas declarações modelo 1, através das quais solicitou a avaliação:

(iii)             Do prédio urbano nº…, sito na freguesia de …e… .

(iv)             Do Prédio urbano nº … sito na freguesia… .

2.      Destas avaliações resultou o seguinte:

(iii)             Ao prédio urbano nº…, sito na freguesia de … e … foi atribuído o um VPT de €324.080,00; e

(iv)             Ao Prédio urbano nº…, sito ma freguesia…, foi atribuído o um VPT de 238.000,00.

3.      Face a estas avaliações, não concordando com as mesmas, a Requerente apresentou relativamente a cada um dos prédios um pedido de 2ª avaliação, centrando a sua discórdia na classificação dos prédios urbanos como “Outros” e consequente fixação do VPT com base no método previsto no nº 2 do artigo 46º do Código do IMI.

4.       Na segunda avaliação os prédios foram avaliados considerando o enquadramento dos mesmos na classificação de “Outros”.

5.      Nas comissões de avaliação foi decidido que as estações de serviço configuram prédio do tipo “outros”.

6.      As estações de serviço constituem um local que tem como destino normal a venda de combustíveis, bebidas e alimentos.

7.      Da licença de utilização, emitida pela Câmara Municipal de…, do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art…, da freguesia de …, Concelho de Santarém, consta que a edificação se destina a estabelecimento comercial (loja de conveniência).

8.      Da licença de utilização, emitida pela Câmara Municipal de…, do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o n.º…, da freguesia de… e…, Concelho de Matosinhos, consta que a edificação se destina a Estação de Serviços.

 

IV.2. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados. 

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos dados como provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 8 são dados por assentes por acordo das partes, por análise do processo administrativo e pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 10 do pedido de constituição do Tribunal Arbitral).

 

V. Aplicação do direito aos fatos

 

a)      Classificação dos prédios como “Outros”

 

A Requerida alega que as avaliações sindicadas são ilegais porque os prédios foram classificados como “outros” e não como comerciais ou para serviços.

De acordo com o art. 2º do CIMI o conceito de prédio assenta em três elementos: um elemento de natureza física (fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência), um elemento de natureza jurídica (exigência de que a coisa - móvel ou imóvel - faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva) e um elemento de natureza económica (exigência de que a coisa tenha valor económico em circunstâncias normais).

No caso, não se questiona que os prédios em causa constituam prédios para efeitos fiscais.

Mais, embora o conceito de prédio urbano constante do art. 4º do CIMI seja um conceito residual, relativamente ao de prédio rústico (pois que prédios urbanos são todos os que não devam ser classificados como rústicos), as partes não põem em causa a classificação dos prédios como urbanos. 

Deparamo-nos, no presente processo, essencialmente, com a análise jurídica do que se dispõe no art. 6º, n.º1 do CIMI, no que se refere à classificação dos prédios urbanos, o qual passamos a transcrever:

 

Espécies de prédios urbanos

 

1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.

 

As classificações do art. 6º são efetuadas pelo legislador em função do destino económico que seja atribuído aos prédios. Neste sentido Cfr. J. Silvério Mateus, L. Corvelo Freitas, Os Impostos Sobre o Património Imobiliário, Engifisco, 2005, pág. 113

 

Para que os prédios possam ser classificados como habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços deveremos ter em conta em primeiro lugar a respetiva licença (art. 6º, n.º2 do CIMI). “ (…) para efeitos de especificação do prédio urbano, deve atender-se ao requisito formal revelado pelo licenciamento do mesmo.” In Tributação do Património, António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás, Almedina, 2015, Pág. 44

No mesmo sentido prossegue José Maria Pires: “Nestes casos a Lei é relativamente rígida, considerando que, para efeitos do artigo 6º o que releva é a afectação que consta do licenciamento, não deixando margem para que se possa atribuir qualquer relevo à utilização efetiva do imóvel.” Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, pág. 81

A propósito da análise do art. 41º do CIMI, J. Silvério Mateus, L. Corvelo Freitas Mateus referem: “O enquadramento dos prédios urbanos numa das afectações previstas neste artigo depende, em primeira linha e como está previsto no n.º2 do art. 6º, da utilização prevista no licenciamento atribuído face à legislação comum aplicável”. In, Os Impostos (…), pág. 203

Só no caso de não existir licença é que de se deverá ter em conta a afetação normal do prédio para o podermos classificar dentro dos diversos tipos de prédios urbanos.

“Equivalerá isto a dizer que um qualquer prédio urbano que esteja devidamente licenciado para a habitação, ou cujo destino normal seja a habitação, mesmo que esteja, na realidade afecto, por exemplo, ao exercício do comércio, deverá ser enquadrado – e avaliado – pelas regras atinentes aos prédios do tipo “habitacionais”.”In Tributação do Património, António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás, (…), pág. 157

 

A licença de utilização é emitido pela Câmara Municipal do Concelho onde se localiza o imóvel e tem por finalidade atestar a que uso se destina o edifício ou fração e que ele se encontra apto para o respetivo fim (art. 8º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas).

 

No caso em apreço, o prédio sito em … está classificado como “estabelecimento comercial (loja de conveniência) ” e o prédio sito em … está classificado como “estação de serviço” (Cfr. factos provados n.ºs 7 e 8).

Quanto ao imóvel de…, face à sua classificação constante da licença não podem existir dúvidas como à sua classificação como sendo um prédio comercial nos termos do art. 6º, n.º1, al. b) do CIMI. Um estabelecimento comercial (loja de conveniência) onde se praticam atos de revenda de bens consumo corrente (bebidas, alimentos, jornais, tabaco, etc.) deve ser considerado um estabelecimento comercial. A compra para revenda é o ato de comércio paradigmático[1]. Este imóvel está destinado ao comércio devendo como tal ser classificado para efeitos de IMI.

 

Resta-nos o imóvel sito em… . Qual é a classificação que lhe deve ser atribuída para efeitos de IMI?

O prédio em causa tem uma licença emitida pela Câmara Municipal onde a requerida é autorizada a utilizar o prédio como “estação de serviço”.

 A atividade de uma estação de serviço deve, ou não, ser considerada uma atividade comercial? Em função desta resposta devermos apurar a classificação que deve ser atribuída ao mesmo para efeitos de IMI.

 

Em primeiro lugar importa referir que embora a atividade de venda a retalho de combustível esteja sujeita a um procedimento de licenciamento distinto de outras atividades comerciais esse fato resulta apenas de uma maior preocupação de garantir a segurança das pessoas e bens e não da classificação como comercial, ou não, desta atividade. Cfr. Preâmbulo do Portaria n.º131/2002 de 9 de Fevereiro e da Portaria n.º362/2005de 4 de Abril.

Uma estação de serviço tem como principal propósito a compra e venda de combustíveis.

Devemos apurar se a compra e venda de combustíveis deve ser considerada uma atividade comercial, se os atos de compra e venda de combustível integram o conceito de ato de comércio, bem como, se a estação de serviço é um estabelecimento comercial.

 

Quanto ao conceito de atividade comercial, recorrendo aos ensinamentos do Prof. Miguel Pupo Correia do ponto de vista da ciência económica: “ (…) comércio: é toda a actividade de mediação entre a produção e o consumo de bens, em que o agente económico especula com o valor dos bens, correndo um risco e visando obter um lucro.” In Direito Comercial, 6ª Ed., 1999, pág. 49

“Tecnicamente, o comércio (…) é actividade lucrativa da produção, distribuição e venda de bens. O termo “comércio” pode, com propriedade, aplicar-se a qualquer dos segmentos do circuito que une produtores a consumidores finais e, ainda às atividades conexas acessórias.” In Manual de Direito Comercial, António Menezes Cordeiro, Almeida, 2003, Vol. I, Pág. 22

A atividade da Requerente no imóvel em causa consiste na venda de combustíveis a retalho. A Requerente é a mediadora entre o produtor dos combustíveis e o consumidor final, tendo como propósito obter lucro. 

Deste modo, a atividade de venda a retalho de combustíveis deve ser considerada uma atividade comercial.

 

Relativamente ao conceito de ato de comércio, o art. 2º do Código Comercial dá-nos a definição:

Art.º 2.º

Actos de comércio

Serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar.

 

Há duas categorias de atos de comércio: atos de comércio objetivos e atos de comércio subjetivos[2]. Os atos de comércio subjetivos são aqueles que “são caracterizados pela qualidade de comerciante dos seus agentes”[3], ou seja, a comercialidade deriva do sujeito.

Sendo a Requerente uma comerciante (art. 230º, 2º do CC), a compra e venda de combustíveis é considerada um ato de comércio.

Acresce que, mesmo que uma das partes não seja comerciante o regime jurídico aplicável é o previsto na lei comercial (art. 99º do Código Comercial).

Assim, a venda a retalho de combustíveis é um ato de comércio

 

Quanto à noção de estabelecimento comercial, tem a doutrina e jurisprudência convergido que se trata de uma unidade económica, organizada tendo em vista a prossecução de determinado fim e englobando, para o efeito, um conjunto de elementos, corpóreos (o imóvel/local onde funciona o estabelecimento, as mercadorias/produtos, a maquinaria, o dinheiro) e incorpóreos (os créditos e débitos, patentes, marcas, o know-how, clientela, aviamento etc.)[4].

Dir-se-á que o estabelecimento comercial ou industrial é a estrutura material e jurídica integrante, em regra, de uma pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas – coisas móveis e ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento - organizados com vista à realização do respetivo fim. O estabelecimento comercial é um conjunto de coisas, corpóreas e incorpóreas, devidamente organizado para a prática do comércio.

Porquanto, tendo o prédio uma estrutura integrada por elementos corpóreos e incorpóreos com vista à venda de combustíveis a retalho considera este tribunal que o mesmo é um estabelecimento comercial.

 

Face ao exposto, considerando a atividade desenvolvida no prédio como comercial, os atos aí praticados como sendo atos de comércio e o estabelecimento considerado como comercial deverá o prédio ser classificado para efeitos de IMI como sendo um prédio comercial (art. 6º, n.º1, al. b) do CIMI)[5].

 

Por fim, a classificação do prédio como “outros” é residual, ou seja, só são considerados “outros” os prédios que não integrem nenhuma das outras categorias (art. 6º, n.º4 do CIMI)[6]. Entendendo este tribunal que o prédio em causa se deve integrar a classificação de comercial, o prédio não deverá ser classificado como “outros”.

 

Em conclusão ambos os prédios (prédio inscrito na matriz predial urbana sob o nº. …, da freguesia de …e…, Concelho de Matosinhos e o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art…, da freguesia de …, Concelho de Santarém) deverão ser classificados como comerciais (art. 6º, n.º1, al. b) do CIMI). As avaliações sindicadas são ilegais, por considerarem os prédios como integrando a classificação de “outros” (art. 6º, n.º1, al. d) do CIMI), devendo por isso ser anuladas.

 

A apreciação dos demais vícios fica prejudicada pela solução atrás alcançada.

 

VI. DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando-se as avaliações:

a)      N.º…do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o n.º…, da freguesia de … e …, Concelho de Matosinhos;

b)      N.º … do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art…, da freguesia de …, Concelho de Santarém.

 

Fixa-se o valor do processo em €2.741,64 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente deferido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2015  

 

O árbitro,

 

(André Festas da Silva)

 



[1]              Cfr. Oliveira Ascensão, Direito Comercial, 1994, Vol. I, pág. 122

[2]              Sobre o conceito de ato de comércio Cfr. José de Oliveira Ascensão, Direito Comercial (…), págs. 57 a 99 e António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, Almedina, 2003, Vol. I, págs. 147 a 165.

[3]              In José de Oliveira Ascensão, Direito (…). Pág. 81.

[4]              Cfr. Ac. do STJ de 08/05/2008, proferido no processo 08B1182, António Menezes Cordeiro, Manual (…) pág. 239 e Oliveira Ascensão, Direito (…), págs. 491 a 532.

[5]              No mesmo sentido Cfr. decisão arbitral proferida no processo n.º 62/2013-T, de 13.12.2013.

[6]              Neste sentido Cfr. José Maria Pires, In Lições de Fiscalidade, Corrd. João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães, Vol. I, 2015, 4ª Edição, pág. 413.