Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 272/2015-T
Data da decisão: 2018-12-10  IRC  
Valor do pedido: € 18.028,01
Tema: IRC – Benefícios fiscais à interioridade; atividades agrícolas – Reserva de lei formal – Hierarquia das normas – Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão). - Substitui a Decisão Arbitral de 20 de outubro de 2015
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Em cumprimento do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 519/2018, processo n.º 226/16, de 17 de outubro de 2018, no qual se decidiu

a) não julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, na parte em que determina que, até à aprovação da portaria prevista no n.º 1, são aplicáveis às medidas de incentivo relativas à interioridade as regras estabelecidas na Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, das quais resulta a exclusão da sua aplicação ao benefício fiscal previsto no artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais para as atividades económicas de natureza agrícola;

e

e, em consequência, julgar procedente o presente recurso, determinando a reformulação da decisão recorrida, em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade formulado.”,

reformula-se e substitui-se a anterior e acima identificada decisão arbitral:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

(Reformula e substitui a decisão arbitral de 15 de outubro de 2015)

 

  1. RELATÓRIO

A A..., Ld.ª, sujeito passivo com o NIPC..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... ..., (doravante designada por Requerente), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante, AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2015..., relativa ao exercício do ano de 2011, da quantia de € 38 301,28 e da respetiva nota de compensação n.º 2015..., da qual resultou imposto a pagar no montante de € 18 028,01, com data limite de pagamento em 26 de março de 2015.

O pedido de declaração de ilegalidade e de anulação da liquidação adicional de IRC e da nota de compensação acima identificadas e regularmente notificadas à Requerente assenta nos seguintes os fundamentos:

  1. O imposto em causa foi liquidado com base em correções meramente aritméticas, conforme consta do relatório de inspeção tributária;
  2. A fundamentação das referidas correções e, consequentemente, da liquidação adicional a que deram origem, foi a seguinte: No decurso do procedimento inspetivo, verificou-se que o sujeito passivo indicou no quadro 4 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2010, o regime de redução de taxa, considerando reunir as condições que lhe permitem usufruir do benefício fiscal relativo à interioridade, previsto no artigo 43.º do EBF.

  Refere o n.º 7 do artigo 43.º do EBF, que “…todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças”, sendo essa portaria a 170/2002, de 28 de fevereiro.

  Assim, retira-se da alínea a) do artigo 2.º da portaria 170/2002, que as atividades de agricultura e pesca, identificadas, respetivamente, nas secções A e B da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas – CAE, não podem beneficiar do incentivo à interioridade.

  Ora, atendendo ao facto do sujeito passivo desenvolver uma atividade agrícola constante da secção A do CAE (CAE 001192 – Outras Culturas Temporárias, N.E.), não reúne o mesmo as condições legais exigidas para que possa usufruir do benefício fiscal da interioridade.”;

  1. A Requerente opõe-se a este entendimento da AT, traçando a evolução legislativa dos “benefícios fiscais à interioridade”, desde a aprovação da Lei n.º 171/99, de 18 de setembro e sua regulamentação através do Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de dezembro e da Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, que excluíram a agricultura e as pescas dos incentivos atribuídos por aqueles diplomas às empresas localizadas nas áreas do interior, designadas por “áreas beneficiárias”, até à publicação da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro (Orçamento do Estado para 2007) que, revogando a Lei n.º 171/99, de 18 de setembro, transferiu os benefícios fiscais à interioridade para o artigo 39.º-B, do EBF (que corresponde ao artigo 43.º, do EBF, após a renumeração dada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho), sob a epígrafe de “Benefícios relativos à interioridade”, em cujo n.º 1 se determinava que “1 - Às empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes:

a) É reduzida a 20% a taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), prevista no n.º 1 do artigo 80.º do respectivo Código, para as entidades cuja atividade principal se situe nas áreas beneficiárias;

b) No caso de instalação de novas entidades, cuja atividade principal se situe nas áreas beneficiárias, a taxa referida no número anterior é reduzida a 15% durante os primeiros cinco exercícios de atividade;

c) As reintegrações e amortizações relativas a despesas de investimentos até (euro) 500000, com exclusão das respeitantes à aquisição de terrenos e de veículos ligeiros de passageiros, dos sujeitos passivos de IRC que exerçam a sua atividade principal nas áreas beneficiárias podem ser deduzidas, para efeitos da determinação do lucro tributável, com a majoração de 30%;

d) Os encargos sociais obrigatórios suportados pela entidade empregadora relativos à criação líquida de postos de trabalho por tempo indeterminado nas áreas beneficiárias são deduzidos, para efeitos da determinação do lucro tributável, com uma majoração de 50%, uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou outra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 58.º do Código do IRC”, determinando o n.º 7, daquele artigo 39.º-B, do EBF, que “7 - A definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças”;

4. O artigo 39.º-B, do EBF, viria a ser regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, em cujo artigo 8.º se previa que “as disposições necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes atividades económicas, serão objeto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social” (n.º 1) e que “Às medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior”;

5. Considera a Requerente que o regime contido na Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, enquanto exclui a agricultura e as pescas dos incentivos fiscais à interioridade, comporta a derrogação do n.º 1 do artigo 43.º, do EBF (anterior artigo 39.º-B), que expressamente prevê a atribuição dos referidos benefícios fiscais “Às empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias» (…)”, como é o seu caso e que tal derrogação constitui violação do princípio da legalidade fiscal (artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa), ao criar uma nova norma de incidência sem intervenção da Assembleia da República;

6. Pois que “a norma do n.º 2 do Art.º 8.º D.L. 55/2008, de 26 de março, ao mandar regulamentar as medidas de incentivo pelas regras estabelecidas da Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, extingue na prática, o benefício fiscal que o Decreto-Lei que visa regulamentar instituiu”;

7. Daí que a Requerente invoque a inconstitucionalidade do n.º 2 do Artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março:

a) “Desde logo, porquanto se verifica um óbvio conflito de normas: o Art. 43.º EBF, o D.L. 55/2008, de 26 de março e a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, no sentido de que o propugnado pelo EBF em matéria de benefícios fiscais à interioridade é integralmente derrogado pelos diplomas que visam regulamentar o acesso a tais benefícios”;

b) “Por outro lado, e a proceder da forma defendida pela AT, temos uma Portaria de regulamentação a contrariar frontalmente do Decreto-Lei que visa regulamentar”;

c) (…) o princípio constitucional (fiscal) da reserva de lei desdobra-se em duas vertentes, quais sejam, o princípio da reserva de lei (formal) e o princípio da reserva material (de lei) ”;

d) “A primeira (o princípio da reserva de lei formal) implica que haja uma intervenção da lei parlamentar, a fixar materialmente a própria disciplina dos impostos e/ou a intervir formalmente, autorizando o governo – legislador, as assembleias legislativas regionais ou as autarquias locais a estabelecer, dentro de certos pressupostos, que hão de constar da respetiva lei de autorização, aquela disciplina (a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes) ”;

e) “A segunda (o princípio da reserva material da lei formal) exige que a lei (da Assembleia da República, decreto-lei autorizado, decreto legislativo regional ou regulamento autárquico) contenha, o mais completa possível, a matéria reservada, ou seja, a que, constitucionalmente, diz respeito à incidência, à taxa, aos benefícios fiscais e às garantias dos contribuintes, relativamente a cada imposto”;

 f) “Em matéria de incidência, positiva ou negativa, só a lei e o decreto-lei autorizado são fonte de Direito Fiscal. Cfr. Art.º 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP (reserva relativa de competência da Assembleia da República) ”;   

g) “ (…) na Constituição, o princípio da legalidade do imposto, conjugado com o da anualidade, reflete-se nos preceitos contidos nos Art.ºs 103.º/2, 104.º, 165.º/1,i)”;

h) “(…) o princípio da legalidade desdobra-se em dois aspectos: (…) quanto à preeminência da lei, ele domina toda a ordem jurídica (…) só se pode agir validamente em subordinação à lei, aceitando a sua preeminência (…)”;

i) “Quanto à reserva de lei, trata-se de um aspecto menos amplo e menos extenso (…) ganha particular relevo no campo do Direito Fiscal, porquanto os impostos só podem ser criados e estruturados por lei. E trata-se de uma reserva de lei em sentido formal, posto que a lei criadora dos impostos deve provir de um órgão cm competência legislativamente normal (Arts.º 103.º, 165.º/1,i) CRP”;

j) “(…) mesmo sobre matérias pela Constituição reservadas à lei formal, poderá o Governo legislar, também através de decretos-lei, na base de autorizações legislativas. Em tal caso, a Assembleia da República limita-se a “definir o objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização”;

k) “(…) Relativamente às matérias reservadas à lei, e aos limites impostos pelo Art.º 103 CRP, só parecem ser admissíveis em matéria tributária, regulamentos complementares, ou de execução, não sendo admissíveis regulamentos autónomos, ou independentes, que é o que sucede na situação sub judice”;

l) “Está assim, em suma, consagrada uma reserva de lei material que se traduz numa obrigação de constar de lei toda a disciplina essencial de cada imposto, o que, de acordo com o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição inclui a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes” “Estamos assim também perante um princípio da legalidade qualificada do qual decorre a tipicidade do imposto ou “numerus clausum”;

m) “ (…) a Constituição consagra ainda expressamente no n.º 3 do Art.º 103.º o direito à resistência em matéria de impostos, podendo o cidadão resistir ao pagamento exigido de um imposto que não tenha sido ditado no estrito cumprimento da Constituição, (…)”;

n) “ (…) não poderão ser exigidos ao contribuinte impostos que não sejam criados e disciplinados por lei, entendendo-se (…) que seja esta a determinar todos os elementos essenciais”;

o) “(…) No caso dos autos, é indiscutível que a norma do n.º 2 do Art.º 8.º D.L. 55/2008, de 26 de março não tem natureza meramente regulamentar”;

p) “Não consta, assim, da autorização legislativa que a Assembleia Legislativa concedeu ao Governo qualquer referência à possibilidade de proceder à modificação e/ou anulação do universo de sujeitos passivos do IRC nem para alteração das normas de incidência”;

q) “Cumpre ainda referir que, mesmo que a norma do n.º 2 do Art.º 8.º D.L. 55/2008, de 26 de março, tenha resultado da obrigação de transposição de diretivas comunitárias, ainda assim, tal transposição teria que obedecer às exigências constitucionais da reserva de lei fiscal”;

r) “Coloca-se portanto, nos presentes autos, a questão de decidir e de saber se, não constando as normas questionadas de lei nem de decreto-lei autorizado, as mesmas são inovadoras relativamente ao quadro legal que vigorava à data da sua aprovação”;

s) “(…) o que se verifica n entendimento da Requerente, é que a norma do n.º 2 do Art.º 8.º D.L. 55/2008, de 26 de março, ao mandar regulamentar as medidas de incentivo pelas regras estabelecidas da Portaria 170/2002, de 28 de fevereiro, extingue, na prática, o benefício fiscal que o Decreto-Lei visa regulamentar instituiu”;

t) “(…) A alteração introduzida pelo n.º 2 do Art.º 8.º DL 55/2008, de 26 de março, é pois, uma norma inovadora, na medida em que repristinou a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, a qual exclui do seu âmbito e aplicação atividades como a que está em causa nos autos – a agrícola”;

u) “Sendo portanto mais do que questionável a exclusiva intenção de regulamentação a que alude o preâmbulo do DL 55/2008; na verdade, esta configura uma lei inovadora, visto não se ter limitado a regular as condições de acesso das entidades beneficiárias – como se propunha – antes sim introduziu na ordem jurídica algo que dela não decorria: a exclusão, entre outras, da atividade agrícola no que tange aos benefícios à interioridade”;

v) “Dir-se-á que tal exclusão da agricultura, até ao ato normativo em causa, não só não era certa, como aliás nem sequer existia na ordem jurídica; desta forma a nova lei nada veio confirmar ou regulamentar, antes sim inovar, pelo que se impõe a consideração da sua ilegalidade, por inconstitucional”;

x) “Consequentemente, ilegal e inconstitucional será a liquidação impugnada nos autos, porquanto é sustentada e fundamentada nas invocadas normas que padecem do referido vício”;

z) “Por outro lado, temos ainda a considerar a questão do conflito de normas, sendo que, por força do já aludido n.º 2 do Art.º 8.º do DL 55/2008, a repristinação da Portaria 170/2002 origina um óbvio conflito hierárquico de normas”;

aa) (…) “Quando o Governo aprova um Decreto-Lei e este contraria uma norma constitucional, verifica-se uma inconstitucionalidade (…) [e] um regulamento do Governo, ou seja, uma portaria tem menos valor hierárquico que um decreto-lei, o que significa que se uma portaria contraria um decreto-lei, esta portaria é ilegal”;

bb) “(…) A norma do n.º 2 do artigo 8.º do DL 55/2008 ao repor a vigência da Portaria 170/2002, e consequentemente ao derrogar o benefício fiscal à atividade agrícola (…) [viola] os aludidos princípios constitucionais, mormente o da hierarquia das normas, pelo que (…) se impõe também a anulação da liquidação impugnada (…)”.

Protesta a Requerente proceder ao pagamento voluntário do imposto liquidado adicionalmente, peticionando, para além da anulação da liquidação impugnada, a restituição do montante que vier a ser pago na pendência dos presentes autos, acrescida dos respetivos juros de mora e compensatórios.

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou atempadamente a sua resposta, esclarecendo da não existência de controvérsia sobre a matéria de facto, mas pugnando pela legalidade da liquidação controvertida e pela constitucionalidade da norma que a sustenta, com os seguintes fundamentos:

  1. De acordo com a legislação em vigor à data dos factos, a AT concluiu não ser aplicável à Requerente a redução de taxa de IRC a 15% prevista na alínea a) do nº 1 do art. 43º do EBF; [q]ue assim é, decorre da conjugação do nº 7 daquele art. 43º do EBF com o nº 2 do art. 8º do Decreto-Lei nº 55/2008, de 26/03, o qual remete, por sua vez, para a alínea a) do art. 2º da Portaria nº 170/2002, de 28/02, inexistindo mais regulamentação sobre a matéria em apreço;
  2. (…) o benefício fiscal à interioridade concede às empresas que se fixarem em determinadas regiões desfavorecidas benefícios que, entre outros, compreendem a redução da taxa de IRC, desde que estejam preenchidos determinados requisitos. Esta medida de incentivo fiscal constitui um auxílio de Estado com enquadramento a nível comunitário nos auxílios de minimis para efeitos dos art. 87º e art. 88º do Tratado da UE. (…);
  3. O regime de redução de taxa de IRC em discussão foi primeiramente consagrado no art. 7º da Lei nº 171/99, de 18/09, diploma este que remetia, no seu art. 13º, para decreto-lei a aprovar pelo Governo, o qual conteria as normas regulamentares necessárias à sua boa execução. Esta norma foi posteriormente alterada pelo art. 54º da Lei nº 30-C/2000, de 29/12;
  4. Uma vez que a redução de taxa de IRC, enquanto benefício fiscal à interioridade, constituía uma medida de auxílio de Estado, as Autoridades Portuguesas notificaram a Comissão Europeia do projeto de auxílios contidos naquela Lei nº 171/99, de 18/09, tendo a Comissão a 19/09/2001 deliberado, nos termos do art. 87º do Tratado, não levantar objecções à sua execução por entender que estavam satisfeitas as condições para ser considerados compatíveis com o mercado comum, conforme auxílio estatal N 223/01 – Portugal, referente ao regime de incentivos fiscais de combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior;
  5. Conforme vem expressamente referido naquela decisão da Comissão Europeia, primeiro parágrafo do seu ponto II, trata-se de um regime aplicável “fora dos sectores da agricultura e da pesca, bem como da indústria carbonífera”;
  6. Reunidas as condições para a aplicabilidade das medidas de auxílio de Estado contidas na Lei nº 171/1999, de 18/09, foi então aprovado o Decreto-Lei nº 310/2001, de 10/05, destinado à regulamentação das normas destinadas à sua boa execução; (…)o Decreto-Lei nº 310/2001, de 10/05, no seu art. 6º, remeteu para Portaria a aprovar as disposições que se revelem necessárias para assegurar o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia; [p]or fim, a Portaria nº 170/2002, de 28/02, fixou as regras necessárias ao integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente ao incentivo previsto no art. 7º da Lei nº 171/1999, de 18/09;
  7. Entretanto, o art. 7º da Lei nº 171/1999, de 18/09, foi transposto para o EBF, passando a constar do 39º-B desta diploma legal, aditado pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, e alterado pela Lei nº 67-A/2007, de 31/12; [n]a sequência de várias alterações introduzidas no regime constante da Lei nº 171/1999, de 18/09, foi aprovado o Decreto-Lei nº 55/2008, de 26/03, destinado a estabelecer as normas de regulamentação necessárias à boa execução do art. 39º-B do EBF, tendo revogado o Decreto-Lei nº 310/2001, de 10/12, e mantido as regras estabelecidas pela Portaria nº 170/2002, de 28/12, a título transitório;
  8. (…) os incentivos à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, por serem susceptíveis de ser considerados auxílios de Estado, estão sujeitas a análise pela Comissão Europeia, com vista a apurar a sua conformidade com as orientações comunitárias sobre essa matéria, ao abrigo do Tratado da EU;
  9. No que respeita à atividade agrícola, a regulamentação comunitária sobre este sector de atividade económica encontra-se no Regulamento (CE) nº 1860/2004, de 06/10, e no Regulamento (CE), nº 875/2007, de 24/07. Estes regulamentos fixam uma regra de minimis para o sector da agricultura, referente a auxílios que os Estados-Membros poderão conceder, desde que verificadas as necessárias condições de controlo e aplicação, designadamente, o respeito por um limite de minimis por empresa (…);
  10. (…) Estes regulamentos consubstanciam uma autorização dada aos Estados-Membros para, no âmbito das políticas que considerem necessárias e oportunas, poderem conceder auxílios de Estado segundo as orientações comunitárias sobre esta matéria;
  11. (…) a Portaria nº 170/2002, de 28/02, exclui do seu âmbito de aplicação os apoios concedidos à atividade agrícola em virtude de o seu objecto incidir apenas sobre a regulamentação dos auxílios de minimis concedidos ao abrigo do Regulamento (CE) nº 1998/2006, de 15/12, aplicável às empresas de todos os sectores da atividade económica, com exceção dos previstos no art. 1º deste Regulamento, aí incluída a agricultura;
  12. (…) a Lei nº 53-A/2006, de 29/12, que introduziu o art. 39º-B do EBF, atual art. 43º, ao prever a possibilidade de a redução de taxa de IRC se aplicar, também, às atividades do sector agrícola, consignou uma norma cuja exequibilidade estava dependente da aprovação de regulamentação específica, conforme estabelece o seu nº 7, necessária ao cumprimento do Regulamento (CE) nº 1860/2004, de 06/10 e, posteriormente, do Regulamento (CE) nº 875/2007, de 24/07;
  13. Assim, o Decreto-Lei nº 55/2008, de 26/03, ao remeter para a Portaria nº 170/2002, de 28/02, manteve a regulamentação já existente na ordem interna para a execução dos auxílios de minimis à generalidade dos sectores de atividade económica, com exceção, entre outros, do sector agrícola;
  14. (…) a Portaria nº 170/2002, de 28/02, não é ilegal ou tão pouco inconstitucional uma vez que o seu âmbito de aplicação incide sobre os auxílios de minimis contemplados para a generalidade das atividades económicas, em conformidade com as orientações comunitárias sobre esta matéria; (…) ao excluir do seu âmbito de aplicação a atividade agrícola não está, com isso, a impedir a aprovação de outras normas regulamentares destinadas a tornar exequível a medida de minimis também ao sector agrícola, mas antes a explicitar que o seu conteúdo normativo não se destina a dar cumprimento ao Regulamento (CE) nº 1860/2004 da Comissão, de 06/10, relativo à aplicação dos artigos 87º e 88º do Tratado CE aos auxílios de minimis no sector da agricultura;
  15. (…) O facto de o propósito de coesão económica e social, no que à atividade agrícola diz respeito, ser objecto de regulação específica no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC), através dos Fundos Estruturais, (dos quais, aliás, a Requerente já é beneficiária, no âmbito do FEAGA), poderá justificar a ausência daquela regulamentação, ausência esta que traduz uma vontade legítima do legislador;
  16. (…) importa chamar à colação o primado do direito comunitário, uma vez que a exequibilidade de uma qualquer medida de auxílio de minimis, no caso a da aplicação do benefício de redução de taxa de IRC também às empresas do sector agrícola, depende do estrito cumprimento das normas comunitárias sobre esta matéria e, consequentemente, das competentes normas regulamentares;
  17. (…) a medida de incentivo fiscal concretamente referente à redução de taxa do imposto sobre o rendimento, como vem a ser o caso da alínea a) do nº 1 do art. 43º do EBF, ora em discussão, embora consignada pelo legislador em moldes que admitem a sua aplicabilidade às empresas que exerçam uma atividade económica de natureza agrícola, vê a sua exequibilidade dependente da aprovação das normas regulamentares necessárias a garantir o respeito pelas orientações comunitárias emitidas ao abrigo do Tratado da EU, por força do primado do direito comunitário, consignado no art. 8º da CRP;
  18.  (…) o Regulamento (CE) nº 1860/2004, de 06/10, posteriormente Regulamento (CE) nº 875/2007, de 24/07, constitui um dos atos jurídicos, enumerado no art. 288º do TFUE, que integra a ordem jurídica da União, caracterizando-se por ser diretamente aplicável na ordem jurídica dos Estados-Membros sem que deva ser objecto de qualquer ato interno de transposição; (…) porque o regulamento visa garantir a aplicação uniforme do direito da União a todos os Estados-Membros, tem ainda o efeito de tornar não aplicáveis quaisquer normas nacionais que sejam incompatíveis com as disposições materiais nele contidas;
  19. (…) a alínea a) do nº 1 do art. 43º do EBF consignou a aplicação de um benefício fiscal (…) à atividade agrícola, que, por força do direito comunitário está obrigada ao cumprimento das condições estabelecidas pelo Regulamento (CE) nº 1860/2004, de 06/10 e, posteriormente, Regulamento (CE) nº 875/2007, de 24/07 (…) [que] vigoram direta e imediatamente na ordem jurídica interna, impõem limites que incumbe ao Estado português observar (…);
  20. Logo, a não aprovação de normas de execução que garantam o cumprimento daquelas orientações comunitárias impede na prática a aplicação da alínea a) do nº 1 do art. 43º do EBF, nos termos aqui pretendidos pela Requerente, sob pena de se incorrer numa violação do direito comunitário;
  21. A inexequibilidade da alínea a) do nº 1 do art. 43º do EBF, para os efeitos pretendidos pela Requerente, retira qualquer sustentação legal à tese por si propugnada de que o nº 2 do art. 8º do Decreto-Lei nº 55/2008, de 26/03, ou a Portaria nº 170/2002, de 28/02, estariam a derrogar o benefício fiscal consignado naquela alínea a) e, consequentemente, a violar o disposto no nº 2 do art. 103º da CRP e a alínea i) do nº 1 e nº 2 do art. 165º da CRP; (…) não está em causa a derrogação daquela norma, tanto mais que o âmbito de aplicação da Portaria nº 170/2002, de 28/02, sendo distinto do pretendido pela Requerente, por não incidir sobre os auxílios de minimis à agricultura, não se revela minimamente apto a produzir a derrogação que a Requerente alega;
  22. (…) a Portaria nº 170/2002, de 28/02, não exclui ou derroga o benefício pretendido pela Requerente, simplesmente não o regulamenta porque o mesmo não faz parte do seu âmbito de incidência; [d]e igual forma, não existe qualquer conflito entre o art. 43º do EBF e os diplomas que regulamentam o acesso a tal benefício, mais concretamente o Decreto-Lei nº 55/2008, de 26/03 e a Portaria nº 170/2002, de 28/02;
  23. (…) atendendo à primazia do direito comunitário sobre o direito interno, não se pode considerar existir aqui qualquer inconstitucionalidade, nem tão-pouco ilegalidade alguma, na medida em que a legislação nacional se limitou a dar cumprimento aos atos jurídicos comunitários, vinculativos para o Estado Português;
  24. (…) Nestes termos, não é legítimo concluir que o art. 43º do EBF tenha consignado um benefício fiscal à interioridade também para as empresas que exerçam atividade agrícola e que esse direito tenha, posteriormente, sido derrogado pelos diplomas que visavam a sua regulamentação (…);
  25. Ademais, tão-pouco seria esta a sede própria para aferir de eventual inércia ou omissão legislativa invocada pela Requerente;
  26. Concluindo, devem os vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade ser julgados improcedentes, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação impugnada, por configurar uma correta aplicação da lei aos factos (…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, absolvendo-se a entidade Requerida do pedido”.

O pedido de constituição do tribunal arbitral deu entrada no CAAD em 24 de abril de 2015, foi aceite pelo Exm.º Presidente do CAAD em 28 de abril de 2015 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, na mesma data.

Tendo a Requerente optado por não nomear árbitro, o Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, sem oposição das Partes.

O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 6 de julho de 2015 e é materialmente competente para apreciar e decidir o litígio objeto dos presentes autos.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º

112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções e, não tendo sido requerida a produção de prova adicional, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT.

Por despacho de 30 de setembro de 2015, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), foi proposta a dispensa de alegações escritas, se a Requerente a isso se não opusesse, no prazo de 10 dias, tendo sido fixado o dia 30 de outubro de 2015 para a prolação da decisão arbitral.

Não foram produzidas alegações.

2. Matéria de facto.

a. Factos que se consideram provados.

2.1. A Requerente é uma sociedade com sede em município considerado “área beneficiária”, que prossegue a título principal a atividade de “Outras Culturas Temporárias, n. e.”, CAE 1192, enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável, em sede de IRC, e no regime normal trimestral, para efeitos de IVA;

2.2. A Requerente indicou no quadro 4 da declaração modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2011, o regime de redução de taxa, por considerar reunir as condições que lhe permitiam usufruir do benefício fiscal relativo à interioridade, previsto no artigo 43.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF);

2.3. Através do ofício n.º..., da Direção de Finanças de ..., de 4 de julho de 2013 foi o sujeito passivo notificado para, no prazo de 15 dias a contar da data da notificação, e nos termos dos artigos 60.º do Regime Complementar de Inspeção Tributária (RCPIT) e 60.º, da Lei Geral Tributária (LGT), exercer o direito de audição sobre o projeto de relatório elaborado pela Divisão de Inspeção Tributária II daquela Direção de Finanças, contendo correções à coleta dos exercícios dos anos de 2010 e de 2011;

2.4. As referidas correções foram efetuadas no âmbito de uma ação de inspeção interna, de âmbito parcial e com o limite temporal restrito aos exercícios dos anos indicados, aberta com base nas ordens de serviço n.ºs OI2012... e OI2012..., emitidas pela Direção de Finanças de ... em 20 de setembro de 2012;

2.5. No que respeita ao ano de 2011, em análise nos presentes autos, as correções traduziram-se na eliminação da tributação à taxa reduzida de 15%, por aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 1, alínea a), do EBF (benefício fiscal à interioridade), de que resultou uma coleta adicional de € 17 223,92, a que acresceram juros moratórios;

2.6. Os fundamentos para as correções propostas foram, segundo o projeto do Relatório da Inspeção Tributária, “o facto do Sujeito Passivo usar o benefício fiscal da interioridade (art. 43º do Estatuto dos Benefícios Fiscais) não tendo no entanto, reunido as condições legais exigidas para o efeito por incumprimento do disposto na alínea a) do artigo 2º da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro”; “Refere o n.º 7 do artigo 43.º, do EBF que, “… todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, sã estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças”, sendo essa a portaria 170/2002 de 28 de fevereiro”; (…) “ retira-se da alínea a) do artigo 2.º da portaria 170/2002 que as atividades de agricultura e pescas, identificadas, nas secções A e B da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE) não podem beneficiar do incentivo à interioridade” (pág. 5 do RIT);

2.7. Não tendo o sujeito passivo exercido o direito de audição, foram mantidas as correções anteriormente mencionadas, com despacho de concordância do Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, por delegação de competências do Diretor de Finanças, de 1 de agosto de 2013, sendo-lhe o relatório final notificado através do ofício n.º ... da Direção de Finanças de ..., de 2 de agosto de 2013;

2.8. Em 22 de janeiro de 2015, foi emitida a liquidação n.º 2015..., no valor de € 38 301,28, a que corresponde a nota de compensação n.º 2015..., de que resultou um valor a pagar de € 18 028,01, com data limite de pagamento voluntário em 26 de março de 2015.

 

b. Fundamentação da matéria de facto provada

A convicção deste Tribunal Arbitral Singular quanto aos factos acima descritos assentou na análise crítica das peças processuais insertas no processo e na prova documental produzida, tanto pela Requerente, como pela Requerida (PA).

 

c. Factos não provados

Não foi provado que, no decurso dos presentes autos, a Requerente tenha procedido ao pagamento da liquidação impugnada.

 

3.MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Delimitação da questão a decidir

Está em causa nos presentes autos a apreciação da legalidade da correção efetuada pela Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... à declaração modelo 22 de IRC apresentada pela Requerente em 30 de maio de 2012, por referência ao exercício de 2011 (declaração n.º...), relativamente ao benefício fiscal à interioridade, ou seja, saber se a liquidação adicional decorrente dessa correção e aqui impugnada enferma do vício de violação de lei, uma vez que se fundamenta no facto de que, no ano de 2011, a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, obstava a que a Requerente beneficiasse do regime legal de incentivos fiscais à interioridade, designadamente a redução da taxa de IRC, em razão da atividade (agrícola) prosseguida.

A decisão arbitral proferida nos autos em 15 de outubro de 2015 anulou a liquidação impugnada e a respetiva nota de compensação, por considerar que “Sendo a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, um regulamento de execução, que, por via da repristinação operada pelo n.º 2 do artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, tem por objetivo regulamentar os benefícios fiscais à interioridade previstos pelo artigo 43.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (artigo 39.º-B, anteriormente à renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho), de que podem usufruir as “empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas “áreas beneficiárias”, é forçoso concluir que as suas regras apenas poderão ser aplicáveis ao caso concreto dos presentes autos se e na medida em que não limitarem o âmbito do benefício fiscal relativo à interioridade, ou estaremos perante uma situação de inconstitucionalidade, quer por violação do disposto no n.º 5 do art. 112.º da CRP, quer por violação do disposto nos arts. 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental”.

A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.

 

  1. Da não inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março

O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 519/2018, processo n.º 226/16, 3.ª Secção, de 17 de outubro de 2018, decidiu formular juízo de não inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, se interpretada como tendo subjacente uma remissão, «sem restrições», para as regras da Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, com os fundamentos que se transcrevem e aos quais se adere:

A norma em apreciação – extraída do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março – resultou de uma intervenção legislativa do Governo quanto aos incentivos à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, tendo sido revogado o anterior diploma legislativo sobre a mesma questão, designadamente, o Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de dezembro.

Resulta do Decreto-Lei n.º 55/2008 que as Portarias n.º 1467-A/2001, de 31 de Dezembro e n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro – emanadas para dar execução ao diploma revogado - continuam a ser aplicáveis em matéria respeitante ao regime fiscal da interioridade previsto, à data, no artigo 39.º-B do EBF: a primeira, para os anos de 2007 e 2008, ex vi do n.º 1 do artigo 6.º daquele diploma legal e relativamente às áreas territoriais beneficiárias; a segunda, enquanto não for publicada a portaria a que alude o n.º 1 do artigo 8.º do mesmo diploma legal, ex vi do n.º 2 do mesmo artigo e, designadamente, no que respeita à aplicação dos benefícios às atividades económicas beneficiárias.

É precisamente a apreciação da constitucionalidade da remissão para a Portaria n. º 170/2002, de 28 de Fevereiro, efetuada pelo n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n. º 55/2008, de 26 de março, que constitui objeto do presente recurso, em que se levantam duas questões de inconstitucionalidade: (i) uma relacionada com a questão de saber se a norma citada permite que uma norma hierarquicamente inferior disponha de forma inovatória em relação à norma que visa regulamentar, violando o disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP; (ii) e a outra diz respeito à possibilidade de a matéria em causa ser objeto de regulação por ato não legislativo, nomeadamente, por portaria, já que, segundo a decisão recorrida, tal matéria se enquadra no âmbito de reserva de lei parlamentar, prevista nos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP.

A primeira questão abrange naturalmente apenas a norma constante do ato legislativo, e não já do regulamento, uma vez que é o legislador que é destinatário da proibição constante do n.º 5 do artigo 112.º da CRP. Assim, o que importa determinar é se a norma legislativa confere a um ato regulamentar uma força jurídica equivalente à lei e, por isso, padece de vício de inconstitucionalidade, já que a disposição regulamentar que a contrarie sofrerá, por tal facto, de um vício (que é de legalidade e, apenas indiretamente, de inconstitucionalidade) que não cabe nos poderes de cognição deste Tribunal.

A segunda questão – atinente ao problema de determinar a possibilidade de tratamento por via regulamentar de matéria relativa a benefícios fiscais - respeita aos limites constitucionais dos poderes de normação regulamentar executiva ou complementar da administração. O reenvio da lei para o regulamento (remissão normativa) também está sujeito aos limites constitucionais da reserva de lei, pelo que a norma de ato legislativo que procede à “deslegalização” será materialmente inconstitucional se for de julgar tal matéria como pertencendo a reserva de lei. A questão poderia envolver também normas constantes do ato regulamentar, quer seriam inconstitucionais se fossem de julgar como pertencendo a reserva de lei, mas o objeto do recurso vem delimitado apenas pela norma constante do ato legislativo.

(…)

Comecemos por analisar a alegada violação do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição, pelo reenvio normativo integrante do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março.

(…)

Não decorre, todavia, do texto da norma sub judice que o seu efeito seja o de conferir à portaria a possibilidade de derrogar ou alterar, ainda que parcialmente, a norma contida no diploma legal. A norma não “delega”, nem “autoriza” ou habilita a Administração a criar por regulamento uma disciplina jurídica derrogatória, modificativa ou revogatória dessa ou de outra lei, provocando um rebaixamento ou uma degradação do grau hierárquico, expressamente proibido pelo n.º 5 do artigo 112.º da CRP.

O sentido da remissão operada pela norma impugnada é o de manter transitoriamente em vigor um regulamento que foi editado ao abrigo de uma lei habilitante já revogada.

 Com efeito, o Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de dezembro, ao abrigo do qual foi editada a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro (artigo 6.º), foi revogado e substituído pelo Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março. Este diploma, não só habilita o regulamento a emitir disciplina normativa sobre o mesmo espaço material de regulação da Portaria, reproduzindo ipis verbis a lei habilitante revogada (n.º 1 do artigo 8.º), como, através da norma impugnada, mantém em vigor a Portaria, enquanto não houver regulamentação da nova lei (n.º 2 do artigo 8.º).

A manutenção em vigor de regulamento emitido ao abrigo de lei habilitante revogada não o eleva à função e força de lei, pois tal é expressamente proibido pelo princípio da tipicidade das leis (artigo 112.º, n.º 5, da CRP). Apenas se verifica uma simples remissão normativa em que a lei admite que uma fonte jurídica hierarquicamente inferior se assuma como um seu complemento enquanto não houver nova regulamentação. A lei remete para um regulamento já existente a determinação de certos elementos normativos que complementam a ordenação que a própria lei reenviante estabelece. Não se trata, pois, de um reenvio normativo em que a lei, mantendo-se em vigor, autoriza a sua modificação ou revogação por ato hierarquicamente inferior, mas apenas de autolimitação da norma remitente, que renuncia a regular a totalidade da matéria e chama outra para concluir ou completar transitoriamente essa regulação.

Não obstante a inserção sistemática internormativa que se dá entre as regras materiais da lei de remissão e o regulamento, não se verifica integração da norma reenviada na norma reenviante. O reenvio para o regulamento tem natureza meramente formal. Como refere Gomes Canotilho, «a norma regulamentar executora ou complementar continua a ser uma norma separada e qualitativamente diferente da norma legal, pois a norma legal reenviante não incorpora o conteúdo regulamentar nem lhe pode atribuir força legal» (cfr. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5.ª ed. pág. 836).

Ora, no âmbito da proibição estabelecida no n.º 5 do artigo 112.º da CRP não se incluem as remissões normativas que consistem no facto de a lei remeter para normas regulamentares executivas ou complementares da disciplina por ela estabelecida. A proibição constitucional compreende apenas os reenvios normativos que se traduzem nos chamados «regulamentos delegados» ou «autorizados» (proibição dos regulamentos modificativos, suspensivos ou revogatórios das leis). Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira em anotação àquele artigo, «o n.º 5 também não proíbe os chamados reenvios normativos (ou remissões normativas), designadamente nos casos em que a lei remete para a administração a edição de normas regulamentares executivas ou complementares da disciplina por ela estabelecida. Através desta remissão normativa a lei prossegue dois objetivos: a) autorização ou habilitação da administração para editar regulamentos (função habilitante); b) execução ou complementação material da normação legal (função normativa)» (cfr. Constituição da República Anotada. Vol. II, 4.ª ed. pág. 70).

O n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, opera um reenvio normativo para normas regulamentares já existentes. Por via da remissão subsiste um regulamento já editado – Portaria n.º 170/2002 - cumprindo-se a função de execução e complementação material da nova legislação. A subsistência da Portaria nesses termos não constitui sequer novidade, quer porque corresponde ao regime geral da caducidade (ou revogação tácita) dos regulamentos em consequência da revogação da lei habilitante (artigos 145.º, n.º 2 e 146.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Procedimento Administrativo - CPA), quer porque a LOE de 2007, ao revogar a Lei n.º 171/99, de 18 de setembro e integrar os benefícios fiscais à interioridade no EBF, manteve-a transitoriamente em vigor (alínea l) do artigo 88.º). O objetivo da lei da Assembleia da República e do decreto-lei que estabeleceu as normas regulamentares necessárias à execução do artigo 39.º - B do EBF (atual artigo 43.º) foi o mesmo: evitar um vazio normativo no sistema jurídico, suscetível de entravar a aplicação da nova legislação relativa aos incentivos fiscais à interioridade.

Porém, a remissão de lei para regulamento está também sujeita aos limites constitucionais da reserva de lei, não podendo a lei demitir-se da regulação do «núcleo essencial» das matérias e da fixação de critérios disciplinadores básicos. A proibição constitucional emergente do n.º 5 do artigo 112.º da CRP conduz necessariamente ao estabelecimento de limites à lei reenviante, para que a mesma não contribua para a criação de regulamentos com força ou valor de lei. Por isso, a própria lei reenviante está sujeita aos limites constitucionais da reserva de lei (artigos 164.º e 165.º da CRP), não podendo deixar de esgotar toda a regulamentação «primária» das matérias reservadas. Assim, no espaço constitucionalmente reservado à lei, cuja normação originária compete à Assembleia da República, estão vedadas remissões normativas que confiram à Administração o poder de emitir um regime jurídico inovador incidente sobre matérias reservadas.

Tratando-se de remissão para regulamento emanado ao abrigo de legislação revogada, a observância do limite intransponível da reserva de lei tem por referência o conteúdo regulamentar. A subsistência das normas regulamentares, quando a revogação da lei habilitante foi acompanhada da respetiva substituição por lei nova, depende da sua compatibilidade com o novo conteúdo legal substitutivo. Mas a sobrevivência do regulamento por vontade expressa do legislador, ainda que não se harmonize integralmente com a lei nova, não pode consentir na invasão de matérias legais por regulamento.

Uma remissão normativa que permita tal resultado será inconstitucional, por ofensiva do princípio da reserva de lei. O problema confunde-se já com a segunda questão de constitucionalidade, respeitante aos limites constitucionais dos poderes de normação regulamentar executiva ou complementar da administração.

(…)

A questão que neste domínio se coloca consiste em saber se o Governo, através da norma do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, invadiu a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, restringindo o âmbito de abrangência de um benefício fiscal criado por este último órgão, a pretexto de apenas proceder à sua regulamentação, criando as condições normativas necessárias à sua boa execução.

A decisão recorrida recusou a aplicação desse preceito, interpretado no sentido de remeter para todas as regras da Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, nomeadamente para aquelas que se reportam à exclusão de certas atividades económicas do âmbito dos benefícios fiscais à interioridade, por violação do princípio da legalidade fiscal, consagrado nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2 da CRP.

A exigência constitucional de os impostos serem criados e disciplinados nos seus elementos essenciais por lei parlamentar, desdobra-se em dois subprincípios: (i) reserva de lei formal, que implica a intervenção do parlamento, ainda que este se limite a autorizar o governo a disciplinar determinada matéria fiscal (artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP); (ii) reserva material de lei, que exige que a lei defina, relativamente a cada imposto, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º, n.º 2, da CRP).       

Ora, a questão colocada nos autos reconduz-se ao confronto com o princípio da reserva de lei fiscal em sentido formal, decorrente do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição – exigência da intervenção da Assembleia da República, seja diretamente, seja através de uma autorização legislativa na produção normativa atinente às matérias abrangidas pela reserva. Com efeito, o que se questiona é a incidência da intervenção legislativa do Governo materializada na remissão normativa constante do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, sem autorização legislativa da Assembleia da República. 

É hoje pacífica a interpretação de que a reserva de lei formal abrange quer as matérias referidas na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º (criação de impostos, sistema fiscal e regime geral de taxas e demais contribuições financeiras das entidades públicas), quer as matérias contempladas no n.º 2 do artigo 103.º da CRP (incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes). Trata-se de garantir que a criação de impostos, bem como a definição dos seus elementos essenciais sejam definidos pelo órgão legislativo por excelência que é a assembleia representativa (Acórdãos nºs 274/86 e 680/2014). Assim, os benefícios fiscais constituem um domínio cuja normação originária também compete à Assembleia da República, ficando vedadas remissões normativas que confiram à Administração o poder de emitir um regime jurídico inovador na sua integralidade.

Assente que os benefícios fiscais à interioridade e o seu âmbito de incidência objetivo e subjetivo integram matéria de reserva de competência da Assembleia da República, será que a remissão constante do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, constituiu uma intromissão constitucionalmente ilegítima do Governo no domínio da competência reservada da Assembleia da República?

A resposta a essa pergunta já foi dada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 294/2018, nos seguintes termos:

«Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, uma norma emitida sem autorização parlamentar – o que abrange, em abstrato, as situações em que a lei habilitante simplesmente inexiste e os casos em que não abarca os aspetos regulados pela norma – apenas padece do vício de inconstitucionalidade orgânica, quando dispuser de forma inovadora sobre a matéria compreendida no âmbito da reserva relativa da Assembleia da República, não sofrendo, ao invés, de tal vício quando se limite a reproduzir substancialmente o regime preexistente, definido pelo órgão originariamente competente ou munido da necessária autorização (vide, entre muitos, os Acórdãos com os n.ºs 176/2010 e 479/2010).

Analisando comparativamente a norma do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, e a alínea l) do artigo 88.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007 (Lei n.º 53 A/2006, de 29/12), constatámos que ambas remetem expressamente para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro. De facto, a Assembleia da República, no mesmo diploma em que determinou o aditamento do artigo 39.º B ao Estatuto dos Benefícios Fiscais, prevendo a aplicabilidade do benefício a empresas que exercessem atividades económicas em áreas diversas, nomeadamente de natureza agrícola, deixou, por um lado, consignado, no n.º 7 do artigo aditado, que as normas regulamentares necessárias à boa execução respetiva seriam estabelecidas por portaria e, por outro lado, introduziu um regime transitório, onde expressamente referiu que “aos benefícios fiscais relativos à interioridade previstos (…) no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais são aplicáveis as regras estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de dezembro, e pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro” (artigo 88.º). Resulta, deste modo, claro que o Governo, no Decreto-Lei n.º 55/2008, se limitou a reproduzir – seguindo a mesma técnica remissiva – o regime transitório preexistente constante da Lei do Orçamento do Estado, emanada pela Assembleia da República. Apenas não se manteve a remissão para o Decreto-Lei n.º 310/2001, por ser a matéria das suas disposições alvo de regulamentação específica no Decreto-Lei n.º 55/2008, que, concordantemente, revogou aquele primeiro diploma (artigo 9.º).

Pelo exposto, conclui-se que a remissão operada pelo n.º 2 do artigo 8.º, norma em análise nestes autos, não constitui uma inovação relativamente à normação preexistente e emanada da Assembleia da República.

Diga-se, aliás, que resulta da conjugação do n.º 7 do artigo 39.º B, aditado ao Estatuto dos Benefícios Fiscais pelo artigo 83.º da Lei n.º 53 A/2006, com o regime transitório definido na alínea l) do artigo 88.º do mesmo diploma, que a Assembleia da República não pretendeu que a aplicabilidade do benefício fiscal à atividade económica agrícola fosse imediata ou diretamente exequível.

Conclui-se, pelo exposto, que a manutenção da exclusão de tal atividade até à publicação da portaria destinada a “assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes atividades económicas”, resultante da remissão operada pelo artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, não acarreta o invocado vício de inconstitucionalidade orgânica».

A conclusão que o n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 opera um reenvio a favor de regulamento em matéria de reserva de lei, sempre se poderá opor que ele não contém uma remissão normativa inovadora, por esta já resultar de anterior lei parlamentar – a alínea l) do artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro.

Com efeito, no que se refere ao benefício fiscal em causa nos autos – a redução da taxa de IRC, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF – a Portaria n.º 170/2002 é inaplicável às empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade de natureza agrícola. As únicas normas regulamentares que se referem ao benefício de redução da taxa de IRC excluem do seu âmbito de aplicação os sujeitos passivos que nas zonas beneficiárias exercem uma atividade económica nos sectores da agricultura e pesca. O n.º 4 do artigo 5.º estabelece o limite de €100 000 por entidade beneficiária, durante um período de três anos, «de acordo com as regras comunitárias definidas no Regulamento (CE) n.º 69/2001, da Comissão, de 12 de janeiro»; e o n.º 2 do artigo 6.º permite a acumulação com «outros auxílios de minimis, no respeito do limite de € 100 000 por entidade beneficiária, durante um período de três anos contado da data de atribuição do primeiro incentivo». Esse diploma comunitário, posteriormente substituído pelo Regulamento (CE) n.º 1998/2006 da Comissão, de 15 de dezembro (que ampliou para 200 000 euros o limite dos auxílios de minimis), exclui expressamente do seu âmbito de aplicação os sectores da agricultura e pesca (artigo 1.º). E isto porque os auxílios concedidos às empresas do sector agrícola são objeto de normação específica integrante do Regulamento (CE) n.º 1860/2004 da Comissão, de 6 de outubro de 2004, posteriormente substituído pelo Regulamento n.º 1535/2007 da Comissão, de 20 de dezembro de 2007.

Portanto, a Portaria n.º 170/2002 não regula todo o âmbito de incidência subjetivo dos benefícios fiscais à interioridade, mas apenas as empresas que exerçam as atividades económicas abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 69/2001, da Comissão, de 12 de janeiro. Isso não significa que as empresas cuja atividade principal é de natureza agrícola não tenham direito aos benefícios fiscais previstos no artigo 43.º do EBF. Simplesmente, tal como se preceitua no n.º 7 desse artigo, compete ao Ministro das Finanças produzir as normas regulamentares necessárias à execução desse tipo de benefícios à interioridade nos sectores não abrangidos pela Portaria n.º 170/2002.

De modo que a remissão normativa constante do n.º 2 do artigo 8.º da Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, não operando em matéria de reserva de lei já pela lei versada, não enferma de inconstitucionalidade orgânica.”.    

 

  1. Da interpretação do n.º 2 do artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março. A hierarquia das normas.

A questão a decidir já foi objeto de tratamento ao nível infraconstitucional pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), quer em data anterior, quer posteriormente à decisão arbitral de 15/10/2015, que agora se reformula, nos Acórdãos proferidos nos processos n.ºs 0115/15, de 09/09/2015, 0482/16, de 12/10/2016, 0493/16 e 0494/16, ambos de 18/05/2016, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/.

No mais recente dos mencionados Acórdãos do STA, relatado pelo Juiz Conselheiro Aragão Seia, decidiu-se que “Sendo certo que a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, excluía do âmbito da aplicação dos benefícios do regime fiscal à interioridade a actividade agrícola [art. 2.º, alínea a)], a mesma, nessa parte, não pode considerar-se aplicável por remissão do referido art. 8.º n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2008, na medida em que essa aplicação implicaria a revogação ou, pelo menos, a suspensão do art. 39.º-B do EBF.”.

Tal conclusão fundamenta-se na argumentação expendida no mesmo Acórdão citado, que se transcreve:

“É inequívoco que o art. 39.º-B do EBF, aditado pelo art. 83.º, n.º 1, da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), previa a concessão de benefícios fiscais relativos à interioridade, designadamente, «[à]s empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola».

Ou seja, o referido artigo previa (como, depois, o art. 43.º do mesmo Estatuto) que os benefícios fiscais à interioridade se aplicam, entre outros, ao sector da agricultura.

É certo que, como deixámos já dito, o n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, que veio estabelecer as normas de execução daquele art. 39.º-B do EBF, remetia, até ser aprovada a portaria conjunta por membro do Governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social, para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, cujo art. 2.º, alínea a), como deixámos já dito, excluía do âmbito da aplicação dos benefícios do regime fiscal à interioridade a actividade agrícola.

Mas, será que do confronto entre o art. 39.º-B do EBF e a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro resulta que o benefício fiscal à interioridade não é aplicável à actividade agrícola, como considerou a AT com o beneplácito da sentença recorrida? Dito de outro modo, será que a remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, efectuada ex vi do referido n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, tem a virtualidade de derrogar o art. 39.º-B do EBF, designadamente excluindo a actividade agrícola do âmbito da aplicação do referido benefício? A nosso ver, não.

Desde logo, porque assim o não permite a hierarquia das normas. Vejamos:

Na verdade, a referida portaria constitui um regulamento, ou seja, citando o acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Março de 2012, proferido no processo n.º 1100/11 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Abril de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32210.pdf), págs. 662 a 672, também disponível emhttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cc5328f21fd98fb6802579c30059534e.), «uma decisão de um órgão da administração pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas, pelo que se diferencia do acto administrativo, desde logo, por ser geral e abstracto, enquanto que o acto administrativo produz efeitos jurídicos num caso concreto (Sobre a matéria, vide FREITAS DO AMARAL, in “Direito Administrativo”, III, 1989, pág. 36 e seg., ESTEVES DE OLIVEIRA, in “Direito Administrativo” (Lições), 1979, pág. 144 e seg., MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in “Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 2.ª Edição, pág. 248)».

A referida portaria, quanto à relação com a lei e às suas funções, integra os regulamentos complementares ou de execução («Quanto à relação dos regulamentos com a lei e às suas funções […], os regulamentos podem ser de execução, complementares ou independentes. Os regulamentos de execução executam a lei; os regulamentos complementares desenvolvem aspectos de uma disciplina normativa que a lei não regulou mas que não são necessários para que esta adquira exequibilidade; os regulamentos independentes contêm disciplinas materialmente inovatórias» (MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, D. Quixote, 2007, pág. 246).), que, como ficou dito no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1548/13 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Janeiro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32240.pdf), págs. 3156 a 3162, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b977d4ce1df1371f80257d690031b143.) «consubstanciam uma “…tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo…são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida – tornando, no fundo, possível a prática dos actos administrativos individuais e concretos que são seu natural corolário.

Os regulamentos complementares ou de execução podem, por sua vez, ser espontâneos ou devidos. No primeiro caso, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização: todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. No segundo, é a própria lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo.

Enfim, estes regulamentos complementares ou de execução são, tipicamente, regulamentos «secundum legem», sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento.”, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2012, 2ª edição, págs. 185 e 186, ver também Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do direito Administrativo: temas nucleares, 2012, págs. 98 e 99».

Constituindo a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, um regulamento (normas emanadas do exercício da função administrativa), importa ter presente que fica sujeita ao princípio da legalidade administrativa nas suas duas vertentes (Seguimos aqui de perto o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República com o n.º 5/2004, de 1 de Julho de 2004, no Diário da República de 14 de Agosto de 2004 (https://dre.pt/application/file/716772), págs. 12589 a 12600, também disponível em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/7fc0bd52c6f5cd5a802568c0003fb410/33aaeac315ebfe1d80256e21003d5f11.): o princípio da primazia, ou da prevalência da lei e o princípio da reserva legal, significando o primeiro que os actos da administração (de qualquer uma das administrações públicas) não podem contrariar as leis e o segundo que esses actos têm de se fundar em leis (Cfr. JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, págs. 131 e 132, e GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, págs. 922 e 923).

Assim, um regulamento de execução, tendo em conta a sua função instrumental de concretizar ou pormenorizar a lei em que se funda, terá de ser considerado ilegal sempre que nele se contenha qualquer norma contra ou praeter legem, isto é, cujo conteúdo disponha em contrário ou para além da disciplina legislativa (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, edição da AAFDL, 1977, pág. 200. No mesmo sentido, também FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, com a colaboração de LINO TORGAL, volume II, Almedina, 2001, pág. 160, onde afirma que «os regulamentos de execução são, tipicamente, regulamentos “secundum legem”, sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento» (ob. cit., pág. 160)).

Concluímos, pois, que a referida portaria não pode contradizer o disposto no art. 39.º-B do EBF, na redacção em vigor à data dos factos, sob pena de nulidade (Neste sentido, MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, ob. e vol. cit., que, a págs. 256/257, afirmam: «Os regulamentos que violem a lei ordinária têm também como único desvalor admissível a nulidade. Com efeito, a anulabilidade permitiria a produção de efeitos jurídicos pelo regulamento ilegal até à sua anulação, bem como a consolidação daquele na ordem jurídica passado o prazo para a sua anulação. Ou seja, o regulamento ilegal teria, na prática, a virtualidade de suspender a lei por si violada desde a sua entrada em vigor até à sua anulação, bem como a de revogar a lei por si violada no caso de a anulação não ser pedida no prazo legalmente previsto».).

E nem se diga que essa contradição foi querida pelo legislador, na medida em que a remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, resulta do referido n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, diploma este através do qual – como deixámos já dito e é referido no respectivo Preâmbulo – visa «o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais».

Desde logo, porque não é isso que resulta do teor do n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, que diz apenas que «[à]s medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior», depois de, no n.º 1 do mesmo artigo referir que «[a]s disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social».

Ou seja, a nosso ver, o que resulta da letra da lei é que, em ordem a assegurar o respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa – que poderão ser considerados como auxílios de estado (Sobre a temática dos auxílios de Estado e com numerosas referências doutrinais, vide o primeiro de muitos acórdãos proferidos por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 29/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Abril de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32220.pdf), págs. 1654 a 1671, também disponível emhttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4e814ebe3e52143980257b65003c2170. –, será aprovada uma portaria conjunta dos Ministérios da área das Finanças e da área do Trabalho e da Segurança Social e que, até que essa portaria seja aprovada, serão aplicáveis àqueles incentivos as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro.

Mas que decisão da Comissão Europeia é essa a que se refere o n.º 1 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março?

A nosso ver, não será outra senão aquela a que se refere o Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro (que, como deixámos já dito, veio regulamentar a Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro). Conforme já referimos, no preâmbulo daquele diploma, depois de se referir que os incentivos à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade criadas pela Lei n.º 171/99, «por serem susceptíveis de serem considerados como auxílios de Estado, foram, previamente à respectiva aplicação, notificados à Comissão Europeia», logo se esclarecia que «[n]o passado dia 19 de Setembro, a Comissão Europeia, após ter examinado as medidas constantes na Lei 171/99, de 18 de Setembro, face às orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JOCE, C 74, de 10 de Março de 1998) e às orientações relativas aos auxílios ao emprego (JOCE, C 334, de 12 de Dezembro de 1995), decidiu não levantar objecções à sua execução, desde que respeitadas as disposições comunitárias aplicáveis», motivo por que se encontravam «reunidas as condições para o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução da Lei 171/99, de 18 de Setembro, as quais, pelo disposto no seu artigo 13.º, são aprovadas por decreto-lei».

Ou seja, o Estado Português, porque os incentivos fiscais de combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior constantes da Lei n.º 171/99 podiam ser considerados auxílios estatais (com finalidade regional), susceptíveis, pois, de contender com a política de concorrência prosseguida pela União Europeia [cfr. art. 107.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), correspondente ao então vigente art. 87.º do Tratado da Comunidade Europeia (TCE)], procedeu à notificação da Comissão Europeia do respectivo projecto, nos termos do art. 88.º do TCE – hoje, corresponde-lhe o art. 108.º (Cujo n.º 3 dispõe: «Para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projectos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projecto de auxílio não é compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107.º, deve sem demora dar início ao procedimento previsto no número anterior. O Estado-Membro em causa não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final».) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) – (Segundo o estatuído no art. 108.º do TFUE (anterior art. 88.º do TCE) é da competência exclusiva da Comissão Europeia o exame permanente dos regimes de auxílios de Estado, em cooperação com os Estados-Membros, «com vista a impedir a entrada em vigor de ajudas contrárias ao Tratado, como se conclui do Acórdão Lorenz« (cfr. JOÃO NOGUEIRA DE ALMEIDA, A Restituição das Ajudas de Estado concedidas em Violação do Direito Comunitário, Coimbra, 1994, pág. 58 e segs.). Para tanto, é estabelecido um sistema de controlo prévio dos auxílios novos, previsto no n.º 3 do mesmo preceito e no art. 2.º do Regulamento do processo [Regulamento (CE) N.º 659/1999 do Conselho de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do art. 93.º do TCE], segundo o qual a Comissão deve ser informada, em devido tempo, dos projectos de auxílio, antes da sua execução.

«A fase preliminar do processo de controlo dos auxílios novos inicia-se, assim, com a notificação do projecto de auxílio, devendo os Estados […] utilizar, para o efeito, formulários recomendados pela Comissão. A obrigação de notificar previamente os projectos de auxílio é uma obrigação incondicional dos Estados relativos a auxílios novos, incluindo a modificação dos existentes […]» (cfr. ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS, Auxílios de Estado e Fiscalidade, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 271).).

A essa notificação respondeu a Comissão em 19 de Setembro de 2001, informando «o Governo português de que, após ter examinado o regime em questão face às Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JOCE C 74 do 10.3.1998) e das Orientações relativas aos auxílios ao emprego (JOCE C 334 do 12.12.1995), decidiu, nos termos do artigo 87.º do Tratado e do artigo 61.º do Acordo EEE, não levantar objecções à sua execução, já que os auxílios acima referidos satisfazem as condições estabelecidas para poderem ser considerados compatíveis com o mercado comum ao abrigo das derrogações previstas nas alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 87.º do Tratado e nas alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 61.º do Acordo EEE» (A decisão da comissão europeia pode ser consultada em http://ec.europa.eu/competition/state_aid/cases/136246/136246_1153928_19_2.pdf.).

Mas, não podemos deixar de ter presentes duas circunstâncias relacionadas com essa notificação prévia e a respectiva pronúncia por parte da Comissão: por um lado, que o Estado Português, na consulta que efectuou à Comissão, logo deixou de fora a agricultura (bem como a pesca e a indústria carbonífera), o que, aliás, a Comissão deixou registado (No ponto II da decisão, ficou dito: «A Comissão regista o facto de o regime em questão visar estimular o desenvolvimento regional através da concessão de auxílios à realização de projectos de investimento e acções susceptíveis de contribuir para a criação de emprego e para a modernização e dinamização das empresas localizadas nas regiões menos desenvolvidas do interior de Portugal. A este título, beneficia de um orçamento anual de 10000 milhões de escudos (+/ - 50 milhões de euros) e será aplicável até ao final de 2003, fora dos sectores da agricultura e da pesca, bem como da indústria carbonífera»».); por outro lado, que os benefícios em sede de IRC ao abrigo do regime em análise também não foram aqui considerados, como a Comissão também deixou registado (Como ficou dito na referida decisão, na nota de rodapé com o n.º 1: «Nos termos do dispositivo projectado pelas autoridades portuguesas, algumas destas empresas [localizadas nas áreas elegíveis] poderão beneficiar igualmente de uma redução das taxas do imposto sobre o rendimento (a taxa normal do imposto seria fixada em 25%, em vez dos actuais 32%, enquanto a taxa reduzida de imposto, aplicável às empresas cujo rendimento anual não excede 150000 euros, seria fixada em 15%, em vez dos actuais 20%). Esta vertente será contudo aplicada ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 69/2001 da Comissão relativo à aplicação dos artigos 87.º e 88.º do Tratado aos auxílios de minimis (JOCE L 10 de 13.1.2001) e não é abrangida pela presente notificação».).

Ou seja, a referida notificação do Estado Português à Comissão para efeitos de averiguar da compatibilidade dos auxílios em causa com o TCE e a decisão desta não se referem à agricultura – porque o próprio Estado Português a excluiu do âmbito do regime de incentivos fiscais de combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior –, nem se referem ao IRC, porque, como a decisão da Comissão refere expressamente, «Esta vertente será contudo aplicada ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 69/2001 da Comissão relativo à aplicação dos artigos 87.º e 88.º do Tratado aos auxílios de minimis (JOCE L 10 de 13.1.2001) e não é abrangida pela presente notificação».

Não será, pois, no respeito pela decisão da Comissão que poderá encontrar-se a justificação para afastar a aplicação dos incentivos em causa à agricultura e sustentar a exclusão desta actividade do âmbito daquela aplicação, nos termos da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, e até que seja aprovada uma portaria conjunta dos Ministérios da área das Finanças e da área do Trabalho e da Segurança Social.

Aliás, no art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 não se diz – contrariamente ao que parecem sustentar a AT, na fundamentação das liquidações adicionais impugnadas, e o Representante da Fazenda Pública – que as medidas de incentivo, até à aprovação da referida portaria conjunta, só serão aplicáveis às actividades previstas no art. 2.º da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, ou seja, que estão excepcionadas dos benefícios a actividade da agricultura, nos termos da alínea a) desse preceito.

Mas, se assim fosse (ou seja, se da remissão efectuada pelo art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 para a Portaria n.º 170/2002 resultasse excluída a agricultura do âmbito de aplicação do regime o benefício fiscal à interioridade fixado pelo art. 39.º-B do EBF, na referida redacção), sempre teríamos de concluir pela sua inconstitucionalidade, também invocada pela Recorrente [cfr. conclusão p)], atento o disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, preceito que estipula: «Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».

Dito de outro modo, não podia o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, conferir à Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, a virtualidade – que a hierarquia das normas lhe não confere – de revogar ou, pelo menos, de suspender a aplicação do art. 39.º-B do EBF, que foi aditado ao EBF pelo art. 83.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro. E, se a conferisse (pressuposto que, a nosso ver e como deixámos já dito, não se verifica), então haveríamos de concluir pela sua inconstitucionalidade, por violação do referido n.º 5 do art. 112.º da CRP.

Mas, sempre nesse pressuposto (que, reiteramos, a nosso ver se não verifica), não seria essa a única inconstitucionalidade a inquinar a norma legal (art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008), pois não podemos esquecer que nos encontramos em sede de benefícios fiscais, que constituem matéria sujeita à reserva de lei [arts. 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da CRP], e, por isso, não pode ser alterada por decreto-lei, a menos que este seja precedido de autorização legislativa.

Em conclusão, as regras previstas na Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro apenas poderão ser aplicáveis se e na medida em que não limitarem o âmbito do benefício fiscal relativo à interioridade, ou estaremos perante uma situação de inconstitucionalidade, quer por violação do disposto no n.º 5 do art. 112.º da CRP, quer por violação do disposto nos arts. 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental (Neste sentido, vide a decisão arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD de 4 de Julho de 2014, proferida no processo n.º 273/2013-T, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_irc=1&s_processo=&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=interioridade&s_artigos=&s_texto=&id=557, que seguimos.).”.

 

Como decorre da citada jurisprudência quer do Tribunal Constitucional, quer do STA, o n.º 2 do artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, não remete, “sem restrições” para “todas as regras da Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, nomeadamente para aquelas que se reportam à exclusão de certas atividades económicas do âmbito dos benefícios fiscais à interioridade”, como é o caso das atividades agrícolas, que não ficam excecionadas do acesso àqueles benefícios fiscais.

Conclui-se, pois, pela não aplicabilidade da referida Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, à situação em análise e pela ilegalidade da liquidação impugnada, que não poderá manter-se na ordem jurídica.

 

  1. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º, do RJAT, decide-se (i) julgar inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral; (ii) declarar-se a ilegalidade da liquidação adicional de IRC do exercício de 2011, impugnada; e (iii) determinar-se a sua anulação, com as demais consequências legais.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 18 028,01 (dezoito mil e vinte e oito euros e um cêntimo).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de dezembro de 2018

 

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do D.L. n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

A A..., Ld.ª, sujeito passivo com o NIPC..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... ..., (doravante designada por Requerente), vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante, AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2015..., relativa ao exercício do ano de 2011, da quantia de € 38 301,28 e da respetiva nota de compensação n.º 2015..., da qual resultou imposto a pagar no montante de € 18 028,01, com data limite de pagamento em 26 de março de 2015.

 

O pedido de declaração de ilegalidade e de anulação da liquidação adicional de IRC e da nota de compensação acima identificadas e regularmente notificadas à Requerente assenta nos seguintes os fundamentos:

  1. O imposto em causa foi liquidado com base em correções meramente aritméticas, conforme consta do relatório de inspeção tributária;
  2. A fundamentação das referidas correções e, consequentemente, da liquidação adicional a que deram origem, foi a seguinte: No decurso do procedimento inspetivo, verificou-se que o sujeito passivo indicou no quadro 4 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2010, o regime de redução de taxa, considerando reunir as condições que lhe permitem usufruir do benefício fiscal relativo à interioridade, previsto no artigo 43.º do EBF.

  Refere o n.º 7 do artigo 43.º do EBF, que “…todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças”, sendo essa portaria a 170/2002, de 28 de fevereiro.

  Assim, retira-se da alínea a) do artigo 2.º da portaria 170/2002, que as atividades de agricultura e pesca, identificadas, respetivamente, nas secções A e B da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas – CAE, não podem beneficiar do incentivo à interioridade.

  Ora, atendendo ao facto do sujeito passivo desenvolver uma atividade agrícola constante da secção A do CAE (CAE 001192 – Outras Culturas Temporárias, N.E.), não reúne o mesmo as condições legais exigidas para que possa usufruir do benefício fiscal da interioridade.”;

  1. A Requerente opõe-se a este entendimento da AT, traçando a evolução legislativa dos “benefícios fiscais à interioridade”, desde a aprovação da Lei n.º 171/99, de 18 de setembro e sua regulamentação através do Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de dezembro e da Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, que excluíram a agricultura e as pescas dos incentivos atribuídos por aqueles diplomas às empresas localizadas nas áreas do interior, designadas por “áreas beneficiárias”, até à publicação da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro (Orçamento do Estado para 2007) que, revogando a Lei n.º 171/99, de 18 de setembro, transferiu os benefícios fiscais à interioridade para o artigo 39.º-B, do EBF (que corresponde ao artigo 43.º, do EBF, após a renumeração dada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho), sob a epígrafe de “Benefícios relativos à interioridade”, em cujo n.º 1 se determinava que “1 - Às empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes:

a) É reduzida a 20% a taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), prevista no n.º 1 do artigo 80.º do respectivo Código, para as entidades cuja atividade principal se situe nas áreas beneficiárias;

b) No caso de instalação de novas entidades, cuja atividade principal se situe nas áreas beneficiárias, a taxa referida no número anterior é reduzida a 15% durante os primeiros cinco exercícios de atividade;

c) As reintegrações e amortizações relativas a despesas de investimentos até (euro) 500000, com exclusão das respeitantes à aquisição de terrenos e de veículos ligeiros de passageiros, dos sujeitos passivos de IRC que exerçam a sua atividade principal nas áreas beneficiárias podem ser deduzidas, para efeitos da determinação do lucro tributável, com a majoração de 30%;

d) Os encargos sociais obrigatórios suportados pela entidade empregadora relativos à criação líquida de postos de trabalho por tempo indeterminado nas áreas beneficiárias são deduzidos, para efeitos da determinação do lucro tributável, com uma majoração de 50%, uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou outra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 58.º do Código do IRC”, determinando o n.º 7, daquele artigo 39.º-B, do EBF, que “7 - A definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças”;

4. O artigo 39.º-B, do EBF, viria a ser regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, em cujo artigo 8.º se previa que “as disposições necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes atividades económicas, serão objeto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social” (n.º 1) e que “Às medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior”;

5. Considera a Requerente que o regime contido na Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, enquanto exclui a agricultura e as pescas dos incentivos fiscais à interioridade, comporta a derrogação do n.º 1 do artigo 43.º, do EBF (anterior artigo 39.º-B), que expressamente prevê a atribuição dos referidos benefícios fiscais “Às empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias» (…)”, como é o seu caso e que tal derrogação constitui violação do princípio da legalidade fiscal (artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa), ao criar uma nova norma de incidência sem intervenção da Assembleia da República;

6. Pois que “a norma do n.º 2 do Art.º 8.º D.L. 55/2008, de 26 de março, ao mandar regulamentar as medidas de incentivo pelas regras estabelecidas da Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, extingue na prática, o benefício fiscal que o Decreto-Lei que visa regulamentar instituiu”;

7. Daí que a Requerente invoque a inconstitucionalidade do n.º 2 do Artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março:

a) “Desde logo, porquanto se verifica um óbvio conflito de normas: o Art. 43.º EBF, o D.L. 55/2008, de 26 de março e a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, no sentido de que o propugnado pelo EBF em matéria de benefícios fiscais à interioridade é integralmente derrogado pelos diplomas que visam regulamentar o acesso a tais benefícios”;

b) “Por outro lado, e a proceder da forma defendida pela AT, temos uma Portaria de regulamentação a contrariar frontalmente do Decreto-Lei que visa regulamentar”;

c) (…) o princípio constitucional (fiscal) da reserva de lei desdobra-se em duas vertentes, quais sejam, o princípio da reserva de lei (formal) e o princípio da reserva material (de lei) ”;

d) “A primeira (o princípio da reserva de lei formal) implica que haja uma intervenção da lei parlamentar, a fixar materialmente a própria disciplina dos impostos e/ou a intervir formalmente, autorizando o governo – legislador, as assembleias legislativas regionais ou as autarquias locais a estabelecer, dentro de certos pressupostos, que hão de constar da respetiva lei de autorização, aquela disciplina (a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes) ”;

e) “A segunda (o princípio da reserva material da lei formal) exige que a lei (da Assembleia da República, decreto-lei autorizado, decreto legislativo regional ou regulamento autárquico) contenha, o mais completa possível, a matéria reservada, ou seja, a que, constitucionalmente, diz respeito à incidência, à taxa, aos benefícios fiscais e às garantias dos contribuintes, relativamente a cada imposto”;

 f) “Em matéria de incidência, positiva ou negativa, só a lei e o decreto-lei autorizado são fonte de Direito Fiscal. Cfr. Art.º 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP (reserva relativa de competência da Assembleia da República)”;    

g) “ (…) na Constituição, o princípio da legalidade do imposto, conjugado com o da anualidade, reflete-se nos preceitos contidos nos Art.ºs 103.º/2, 104.º, 165.º/1,i)”;

h) “(…) o princípio da legalidade desdobra-se em dois aspectos: (…) quanto à preeminência da lei, ele domina toda a ordem jurídica (…) só se pode agir validamente em subordinação à lei, aceitando a sua preeminência (…)”;

i) “Quanto à reserva de lei, trata-se de um aspecto menos amplo e menos extenso (…) ganha particular relevo no campo do Direito Fiscal, porquanto os impostos só podem ser criados e estruturados por lei. E trata-se de uma reserva de lei em sentido formal, posto que a lei criadora dos impostos deve provir de um órgão cm competência legislativamente normal (Arts.º 103.º, 165.º/1,i) CRP”;

j) “(…) mesmo sobre matérias pela Constituição reservadas à lei formal, poderá o Governo legislar, também através de decretos-lei, na base de autorizações legislativas. Em tal caso, a Assembleia da República limita-se a “definir o objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização”;

k) “(…) Relativamente às matérias reservadas à lei, e aos limites impostos pelo Art.º 103 CRP, só parecem ser admissíveis em matéria tributária, regulamentos complementares, ou de execução, não sendo admissíveis regulamentos autónomos, ou independentes, que é o que sucede na situação sub judice”;

l) “Está assim, em suma, consagrada uma reserva de lei material que se traduz numa obrigação de constar de lei toda a disciplina essencial de cada imposto, o que, de acordo com o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição inclui a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes” “Estamos assim também perante um princípio da legalidade qualificada do qual decorre a tipicidade do imposto ou “numerus clausum”;

m) “ (…) a Constituição consagra ainda expressamente no n.º 3 do Art.º 103.º o direito à resistência em matéria de impostos, podendo o cidadão resistir ao pagamento exigido de um imposto que não tenha sido ditado no estrito cumprimento da Constituição, (…)”;

n) “ (…) não poderão ser exigidos ao contribuinte impostos que não sejam criados e disciplinados por lei, entendendo-se (…) que seja esta a determinar todos os elementos essenciais”;

o) “(…) No caso dos autos, é indiscutível que a norma do n.º 2 do Art.º 8.º D.L. 55/2008, de 26 de março não tem natureza meramente regulamentar”;

p) “Não consta, assim, da autorização legislativa que a Assembleia Legislativa concedeu ao Governo qualquer referência à possibilidade de proceder à modificação e/ou anulação do universo de sujeitos passivos do IRC nem para alteração das normas de incidência”;

q) “Cumpre ainda referir que, mesmo que a norma do n.º 2 do Art.º 8.º D.L. 55/2008, de 26 de março, tenha resultado da obrigação de transposição de diretivas comunitárias, ainda assim, tal transposição teria que obedecer às exigências constitucionais da reserva de lei fiscal”;

r) “Coloca-se portanto, nos presentes autos, a questão de decidir e de saber se, não constando as normas questionadas de lei nem de decreto-lei autorizado, as mesmas são inovadoras relativamente ao quadro legal que vigorava à data da sua aprovação”;

s) “(…) o que se verifica n entendimento da Requerente, é que a norma do n.º 2 do Art.º 8.º D.L. 55/2008, de 26 de março, ao mandar regulamentar as medidas de incentivo pelas regras estabelecidas da Portaria 170/2002, de 28 de fevereiro, extingue, na prática, o benefício fiscal que o Decreto-Lei visa regulamentar instituiu”;

t) “(…) A alteração introduzida pelo n.º 2 do Art.º 8.º DL 55/2008, de 26 de março, é pois, uma norma inovadora, na medida em que repristinou a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, a qual exclui do seu âmbito e aplicação atividades como a que está em causa nos autos – a agrícola”;

u) “Sendo portanto mais do que questionável a exclusiva intenção de regulamentação a que alude o preâmbulo do DL 55/2008; na verdade, esta configura uma lei inovadora, visto não se ter limitado a regular as condições de acesso das entidades beneficiárias – como se propunha – antes sim introduziu na ordem jurídica algo que dela não decorria: a exclusão, entre outras, da atividade agrícola no que tange aos benefícios à interioridade”;

v) “Dir-se-á que tal exclusão da agricultura, até ao ato normativo em causa, não só não era certa, como aliás nem sequer existia na ordem jurídica; desta forma a nova lei nada veio confirmar ou regulamentar, antes sim inovar, pelo que se impõe a consideração da sua ilegalidade, por inconstitucional”;

x) “Consequentemente, ilegal e inconstitucional será a liquidação impugnada nos autos, porquanto é sustentada e fundamentada nas invocadas normas que padecem do referido vício”;

z) “Por outro lado, temos ainda a considerar a questão do conflito de normas, sendo que, por força do já aludido n.º 2 do Art.º 8.º do DL 55/2008, a repristinação da Portaria 170/2002 origina um óbvio conflito hierárquico de normas”;

aa) (…) “Quando o Governo aprova um Decreto-Lei e este contraria uma norma constitucional, verifica-se uma inconstitucionalidade (…) [e] um regulamento do Governo, ou seja, uma portaria tem menos valor hierárquico que um decreto-lei, o que significa que se uma portaria contraria um decreto-lei, esta portaria é ilegal”;

bb) “(…) A norma do n.º 2 do artigo 8.º do DL 55/2008 ao repor a vigência da Portaria 170/2002, e consequentemente ao derrogar o benefício fiscal à atividade agrícola (…) [viola] os aludidos princípios constitucionais, mormente o da hierarquia das normas, pelo que (…) se impõe também a anulação da liquidação impugnada (…)”.

 

Protesta a Requerente proceder ao pagamento voluntário do imposto liquidado adicionalmente, peticionando, para além da anulação da liquidação impugnada, a restituição do montante que vier a ser pago na pendência dos presentes autos, acrescida dos respetivos juros de mora e compensatórios.

 

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou atempadamente a sua resposta, esclarecendo da não existência de controvérsia sobre a matéria de facto, mas pugnando pela legalidade da liquidação controvertida e pela constitucionalidade da norma que a sustenta, com os seguintes fundamentos:

  1. De acordo com a legislação em vigor à data dos factos, a AT concluiu não ser aplicável à Requerente a redução de taxa de IRC a 15% prevista na alínea a) do nº 1 do art. 43º do EBF; [q]ue assim é, decorre da conjugação do nº 7 daquele art. 43º do EBF com o nº 2 do art. 8º do Decreto-Lei nº 55/2008, de 26/03, o qual remete, por sua vez, para a alínea a) do art. 2º da Portaria nº 170/2002, de 28/02, inexistindo mais regulamentação sobre a matéria em apreço;
  2. (…) o benefício fiscal à interioridade concede às empresas que se fixarem em determinadas regiões desfavorecidas benefícios que, entre outros, compreendem a redução da taxa de IRC, desde que estejam preenchidos determinados requisitos. Esta medida de incentivo fiscal constitui um auxílio de Estado com enquadramento a nível comunitário nos auxílios de minimis para efeitos dos art. 87º e art. 88º do Tratado da UE. (…);
  3. O regime de redução de taxa de IRC em discussão foi primeiramente consagrado no art. 7º da Lei nº 171/99, de 18/09, diploma este que remetia, no seu art. 13º, para decreto-lei a aprovar pelo Governo, o qual conteria as normas regulamentares necessárias à sua boa execução. Esta norma foi posteriormente alterada pelo art. 54º da Lei nº 30-C/2000, de 29/12;
  4. Uma vez que a redução de taxa de IRC, enquanto benefício fiscal à interioridade, constituía uma medida de auxílio de Estado, as Autoridades Portuguesas notificaram a Comissão Europeia do projeto de auxílios contidos naquela Lei nº 171/99, de 18/09, tendo a Comissão a 19/09/2001 deliberado, nos termos do art. 87º do Tratado, não levantar objecções à sua execução por entender que estavam satisfeitas as condições para ser considerados compatíveis com o mercado comum, conforme auxílio estatal N 223/01 – Portugal, referente ao regime de incentivos fiscais de combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior;
  5. Conforme vem expressamente referido naquela decisão da Comissão Europeia, primeiro parágrafo do seu ponto II, trata-se de um regime aplicável “fora dos sectores da agricultura e da pesca, bem como da indústria carbonífera”;
  6. Reunidas as condições para a aplicabilidade das medidas de auxílio de Estado contidas na Lei nº 171/1999, de 18/09, foi então aprovado o Decreto-Lei nº 310/2001, de 10/05, destinado à regulamentação das normas destinadas à sua boa execução; (…)o Decreto-Lei nº 310/2001, de 10/05, no seu art. 6º, remeteu para Portaria a aprovar as disposições que se revelem necessárias para assegurar o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia; [p]or fim, a Portaria nº 170/2002, de 28/02, fixou as regras necessárias ao integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente ao incentivo previsto no art. 7º da Lei nº 171/1999, de 18/09;
  7. Entretanto, o art. 7º da Lei nº 171/1999, de 18/09, foi transposto para o EBF, passando a constar do 39º-B desta diploma legal, aditado pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, e alterado pela Lei nº 67-A/2007, de 31/12; [n]a sequência de várias alterações introduzidas no regime constante da Lei nº 171/1999, de 18/09, foi aprovado o Decreto-Lei nº 55/2008, de 26/03, destinado a estabelecer as normas de regulamentação necessárias à boa execução do art. 39º-B do EBF, tendo revogado o Decreto-Lei nº 310/2001, de 10/12, e mantido as regras estabelecidas pela Portaria nº 170/2002, de 28/12, a título transitório;
  8. (…) os incentivos à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, por serem susceptíveis de ser considerados auxílios de Estado, estão sujeitas a análise pela Comissão Europeia, com vista a apurar a sua conformidade com as orientações comunitárias sobre essa matéria, ao abrigo do Tratado da EU;
  9. No que respeita à atividade agrícola, a regulamentação comunitária sobre este sector de atividade económica encontra-se no Regulamento (CE) nº 1860/2004, de 06/10, e no Regulamento (CE), nº 875/2007, de 24/07. Estes regulamentos fixam uma regra de minimis para o sector da agricultura, referente a auxílios que os Estados-Membros poderão conceder, desde que verificadas as necessárias condições de controlo e aplicação, designadamente, o respeito por um limite de minimis por empresa (…);
  10. (…) Estes regulamentos consubstanciam uma autorização dada aos Estados-Membros para, no âmbito das políticas que considerem necessárias e oportunas, poderem conceder auxílios de Estado segundo as orientações comunitárias sobre esta matéria;
  11. (…) a Portaria nº 170/2002, de 28/02, exclui do seu âmbito de aplicação os apoios concedidos à atividade agrícola em virtude de o seu objecto incidir apenas sobre a regulamentação dos auxílios de minimis concedidos ao abrigo do Regulamento (CE) nº 1998/2006, de 15/12, aplicável às empresas de todos os sectores da atividade económica, com exceção dos previstos no art. 1º deste Regulamento, aí incluída a agricultura;
  12. (…) a Lei nº 53-A/2006, de 29/12, que introduziu o art. 39º-B do EBF, atual art. 43º, ao prever a possibilidade de a redução de taxa de IRC se aplicar, também, às atividades do sector agrícola, consignou uma norma cuja exequibilidade estava dependente da aprovação de regulamentação específica, conforme estabelece o seu nº 7, necessária ao cumprimento do Regulamento (CE) nº 1860/2004, de 06/10 e, posteriormente, do Regulamento (CE) nº 875/2007, de 24/07;
  13. Assim, o Decreto-Lei nº 55/2008, de 26/03, ao remeter para a Portaria nº 170/2002, de 28/02, manteve a regulamentação já existente na ordem interna para a execução dos auxílios de minimis à generalidade dos sectores de atividade económica, com exceção, entre outros, do sector agrícola;
  14. (…) a Portaria nº 170/2002, de 28/02, não é ilegal ou tão pouco inconstitucional uma vez que o seu âmbito de aplicação incide sobre os auxílios de minimis contemplados para a generalidade das atividades económicas, em conformidade com as orientações comunitárias sobre esta matéria; (…) ao excluir do seu âmbito de aplicação a atividade agrícola não está, com isso, a impedir a aprovação de outras normas regulamentares destinadas a tornar exequível a medida de minimis também ao sector agrícola, mas antes a explicitar que o seu conteúdo normativo não se destina a dar cumprimento ao Regulamento (CE) nº 1860/2004 da Comissão, de 06/10, relativo à aplicação dos artigos 87º e 88º do Tratado CE aos auxílios de minimis no sector da agricultura;
  15. (…) O facto de o propósito de coesão económica e social, no que à atividade agrícola diz respeito, ser objecto de regulação específica no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC), através dos Fundos Estruturais, (dos quais, aliás, a Requerente já é beneficiária, no âmbito do FEAGA), poderá justificar a ausência daquela regulamentação, ausência esta que traduz uma vontade legítima do legislador;
  16. (…) importa chamar à colação o primado do direito comunitário, uma vez que a exequibilidade de uma qualquer medida de auxílio de minimis, no caso a da aplicação do benefício de redução de taxa de IRC também às empresas do sector agrícola, depende do estrito cumprimento das normas comunitárias sobre esta matéria e, consequentemente, das competentes normas regulamentares;
  17. (…) a medida de incentivo fiscal concretamente referente à redução de taxa do imposto sobre o rendimento, como vem a ser o caso da alínea a) do nº 1 do art. 43º do EBF, ora em discussão, embora consignada pelo legislador em moldes que admitem a sua aplicabilidade às empresas que exerçam uma atividade económica de natureza agrícola, vê a sua exequibilidade dependente da aprovação das normas regulamentares necessárias a garantir o respeito pelas orientações comunitárias emitidas ao abrigo do Tratado da EU, por força do primado do direito comunitário, consignado no art. 8º da CRP;
  18.  (…) o Regulamento (CE) nº 1860/2004, de 06/10, posteriormente Regulamento (CE) nº 875/2007, de 24/07, constitui um dos atos jurídicos, enumerado no art. 288º do TFUE, que integra a ordem jurídica da União, caracterizando-se por ser diretamente aplicável na ordem jurídica dos Estados-Membros sem que deva ser objecto de qualquer ato interno de transposição; (…) porque o regulamento visa garantir a aplicação uniforme do direito da União a todos os Estados-Membros, tem ainda o efeito de tornar não aplicáveis quaisquer normas nacionais que sejam incompatíveis com as disposições materiais nele contidas;
  19. (…) a alínea a) do nº 1 do art. 43º do EBF consignou a aplicação de um benefício fiscal (…) à atividade agrícola, que, por força do direito comunitário está obrigada ao cumprimento das condições estabelecidas pelo Regulamento (CE) nº 1860/2004, de 06/10 e, posteriormente, Regulamento (CE) nº 875/2007, de 24/07 (…) [que] vigoram direta e imediatamente na ordem jurídica interna, impõem limites que incumbe ao Estado português observar (…);
  20. Logo, a não aprovação de normas de execução que garantam o cumprimento daquelas orientações comunitárias impede na prática a aplicação da alínea a) do nº 1 do art. 43º do EBF, nos termos aqui pretendidos pela Requerente, sob pena de se incorrer numa violação do direito comunitário;
  21. A inexequibilidade da alínea a) do nº 1 do art. 43º do EBF, para os efeitos pretendidos pela Requerente, retira qualquer sustentação legal à tese por si propugnada de que o nº 2 do art. 8º do Decreto-Lei nº 55/2008, de 26/03, ou a Portaria nº 170/2002, de 28/02, estariam a derrogar o benefício fiscal consignado naquela alínea a) e, consequentemente, a violar o disposto no nº 2 do art. 103º da CRP e a alínea i) do nº 1 e nº 2 do art. 165º da CRP; (…) não está em causa a derrogação daquela norma, tanto mais que o âmbito de aplicação da Portaria nº 170/2002, de 28/02, sendo distinto do pretendido pela Requerente, por não incidir sobre os auxílios de minimis à agricultura, não se revela minimamente apto a produzir a derrogação que a Requerente alega;
  22. (…) a Portaria nº 170/2002, de 28/02, não exclui ou derroga o benefício pretendido pela Requerente, simplesmente não o regulamenta porque o mesmo não faz parte do seu âmbito de incidência; [d]e igual forma, não existe qualquer conflito entre o art. 43º do EBF e os diplomas que regulamentam o acesso a tal benefício, mais concretamente o Decreto-Lei nº 55/2008, de 26/03 e a Portaria nº 170/2002, de 28/02;
  23. (…) atendendo à primazia do direito comunitário sobre o direito interno, não se pode considerar existir aqui qualquer inconstitucionalidade, nem tão-pouco ilegalidade alguma, na medida em que a legislação nacional se limitou a dar cumprimento aos atos jurídicos comunitários, vinculativos para o Estado Português;
  24. (…) Nestes termos, não é legítimo concluir que o art. 43º do EBF tenha consignado um benefício fiscal à interioridade também para as empresas que exerçam atividade agrícola e que esse direito tenha, posteriormente, sido derrogado pelos diplomas que visavam a sua regulamentação (…);
  25. Ademais, tão-pouco seria esta a sede própria para aferir de eventual inércia ou omissão legislativa invocada pela Requerente;
  26. Concluindo, devem os vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade ser julgados improcedentes, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação impugnada, por configurar uma correta aplicação da lei aos factos (…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, absolvendo-se a entidade Requerida do pedido”.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral deu entrada no CAAD em 24 de abril de 2015, foi aceite pelo Exm.º Presidente do CAAD em 28 de abril de 2015 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, na mesma data.

 

Tendo a Requerente optado por não nomear árbitro, o Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, sem oposição das Partes.

 

O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 6 de julho de 2015 e é materialmente competente para apreciar e decidir o litígio objeto dos presentes autos.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º

112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções e, não tendo sido requerida a produção de prova adicional, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT.

 

Por despacho de 30 de setembro de 2015, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), foi proposta a dispensa de alegações escritas, se a Requerente a isso se não opusesse, no prazo de 10 dias, tendo sido fixado o dia 30 de outubro de 2015 para a prolação da decisão arbitral.

 

Não foram produzidas alegações.

 

2. Matéria de facto.

a. Factos que se consideram provados.

2.1. A Requerente é uma sociedade com sede em município considerado “área beneficiária”, que prossegue a título principal a atividade de “Outras Culturas Temporárias, n. e.”, CAE 1192, enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável, em sede de IRC, e no regime normal trimestral, para efeitos de IVA;

2.2. A Requerente indicou no quadro 4 da declaração modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2011, o regime de redução de taxa, por considerar reunir as condições que lhe permitiam usufruir do benefício fiscal relativo à interioridade, previsto no artigo 43.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF);

2.3. Através do ofício n.º..., da Direção de Finanças de..., de 4 de julho de 2013 foi o sujeito passivo notificado para, no prazo de 15 dias a contar da data da notificação, e nos termos dos artigos 60.º do Regime Complementar de Inspeção Tributária (RCPIT) e 60.º, da Lei Geral Tributária (LGT), exercer o direito de audição sobre o projeto de relatório elaborado pela Divisão de Inspeção Tributária II daquela Direção de Finanças, contendo correções à coleta dos exercícios dos anos de 2010 e de 2011;

2.4. As referidas correções foram efetuadas no âmbito de uma ação de inspeção interna, de âmbito parcial e com o limite temporal restrito aos exercícios dos anos indicados, aberta com base nas ordens de serviço n.ºs OI2012... e OI2012..., emitidas pela Direção de Finanças de ... em 20 de setembro de 2012;

2.5. No que respeita ao ano de 2011, em análise nos presentes autos, as correções traduziram-se na eliminação da tributação à taxa reduzida de 15%, por aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 1, alínea a), do EBF (benefício fiscal à interioridade), de que resultou uma coleta adicional de € 17 223,92, a que acresceram juros moratórios;

2.6. Os fundamentos para as correções propostas foi, segundo o projeto do Relatório da Inspeção Tributária, “o facto do Sujeito Passivo usar o benefício fiscal da interioridade (art. 43º do Estatuto dos Benefícios Fiscais) não tendo no entanto, reunido as condições legais exigidas para o efeito por incumprimento do disposto na alínea a) do artigo 2º da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro”; “Refere o n.º 7 do artigo 43.º, do EBF que, “… todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, sã estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças”, sendo essa a portaria 170/2002 de 28 de fevereiro”; (…) “ retira-se da alínea a) do artigo 2.º da portaria 170/2002 que as atividades de agricultura e pescas, identificadas, nas secções A e B da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE) não podem beneficiar do incentivo à interioridade (pág. 5 do RIT);

2.7. Não tendo o sujeito passivo exercido o direito de audição, foram mantidas as correções anteriormente mencionadas, com despacho de concordância do Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, por delegação de competências do Diretor de Finanças, de 1 de agosto de 2013, sendo-lhe o relatório final notificado através do ofício n.º ... da Direção de Finanças de..., de 2 de agosto de 2013;

2.8. Em 22 de janeiro de 2015, foi emitida a liquidação n.º 2015..., no valor de € 38 301,28, a que corresponde a nota de compensação n.º 2015..., de que resultou um valor a pagar de € 18 028,01, com data limite de pagamento voluntário em 26 de março de 2015.

 

 

b. Fundamentação da matéria de facto provada

A convicção deste Tribunal Arbitral Singular quanto aos factos acima descritos assentou na análise crítica das peças processuais insertas no processo e na prova documental produzida, tanto pela Requerente, como pela Requerida (PA).

 

c. Factos não provados

Não foi provado que, no decurso dos presentes autos, a Requerente tenha procedido ao pagamento da liquidação impugnada.

 

3.MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Delimitação da questão a decidir

Está em causa nos presentes autos a apreciação da legalidade da correção efetuada pela Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... à declaração modelo 22 de IRC apresentada pela Requerente em 30 de maio de 2012, por referência ao exercício de 2011 (declaração n.º...), relativamente ao benefício fiscal à interioridade, ou seja, saber se a liquidação adicional decorrente dessa correção e aqui impugnada enferma do vício de violação de lei, uma vez que se fundamenta no facto de que, no ano de 2011, a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, obstava a que a Requerente beneficiasse do regime legal de incentivos fiscais à interioridade, designadamente a redução da taxa de IRC, em razão da atividade (agrícola) prosseguida.

 

  1.  O regime dos benefícios fiscais à interioridade

Os benefícios fiscais à interioridade, inicialmente regulados pela Lei n.º 171/99, de 18 de setembro, tiveram por objetivo o “combate à desertificação humana” e a “recuperação acelerada das zonas do interior” (artigo 1.º, n.º1), competindo ao Governo regular, por decreto-lei, “a definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias” (artigo 2.º, n.º 2), assim como “as normas regulamentares necessárias à boa execução [daquela] lei” (artigo 13.º).

Os n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º, da Lei n.º 171/99, de 18 de setembro, consagraram a redução da taxa de IRC, mediante as condições estabelecidas no seu n.º 3, tendo o artigo 8.º estabelecido a majoração de 30% das amortizações relativas a despesas de investimento até 100 milhões de escudos, em que se não incluíam as despesas relativas à aquisição de terrenos e de veículos ligeiros de passageiros, efetuadas por sujeito passivos de IRC que exercessem, a título principal, a sua atividade nas áreas beneficiárias.

 

No seguimento das alterações introduzidas à Lei n.º 171/99, de 18 de setembro pelo artigo 54.º, da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro (O. E. para 2001), viria a ser publicado o Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de dezembro, em cujo preâmbulo se esclareceu que os incentivos estabelecidos pela Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, na redação dada pelo artigo 54.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro, por serem suscetíveis de serem considerados auxílios de Estado, foram, previamente à respectiva aplicação, notificados à Comissão Europeia que, na sua resposta de 19 de setembro daquela ano, decidiu não levantar objecções à sua execução, desde que respeitadas as disposições comunitárias aplicáveis.

 

Assim, o Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de dezembro regulamentou as condições de acesso das entidades beneficiárias, as entidades responsáveis pela concessão dos incentivos, as obrigações a que ficam sujeitas as entidades beneficiárias, bem como as consequências em caso de incumprimento. De acordo com o seu artigo 6.º, sob a epígrafe de “Disposições comunitárias”, foi estabelecido que “As disposições que se revelem necessárias para assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes atividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos Ministérios das Finanças, do Planeamento e do Trabalho e da Solidariedade”.

 

Nesta esteira, foi publicada a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro que, no seu artigo 2.º excluiu expressamente do seu âmbito de aplicação: a) “Agricultura e pesca, identificadas, respetivamente, nas secções A e B da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas — CAE, revista pelo Decreto-Lei n.º 182/93, de 14 de Maio; (…)”.

 

O regime constante da Lei n.º 171/99, de 18 de setembro, na redação introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, foi substituído pelo regime instituído pelo artigo 39.º - B, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aditado pelo n.º 1 do artigo 83.º, da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro (O. E. para 2007), com a seguinte redação:

Artigo 39.º-B - Benefícios relativos à interioridade

1 - Às empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes:

a) É reduzida a 20% a taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), prevista no n.º 1 do artigo 80.º do respectivo Código, para as entidades cuja atividade principal se situe nas áreas beneficiárias;

b) No caso de instalação de novas entidades, cuja atividade principal se situe nas áreas beneficiárias, a taxa referida no número anterior é reduzida a 15% durante os primeiros cinco exercícios de atividade;

c) As reintegrações e amortizações relativas a despesas de investimentos até (euro) 500000, com exclusão das respeitantes à aquisição de terrenos e de veículos ligeiros de passageiros, dos sujeitos passivos de IRC que exerçam a sua atividade principal nas áreas beneficiárias podem ser deduzidas, para efeitos da determinação do lucro tributável, com a majoração de 30%;

d) Os encargos sociais obrigatórios suportados pela entidade empregadora relativos à criação líquida de postos de trabalho por tempo indeterminado nas áreas beneficiárias são deduzidos, para efeitos da determinação do lucro tributável, com uma majoração de 50%, uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou outra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 58.º do Código do IRC.

2 - São condições para usufruir dos benefícios previstos no número anterior:

a) A determinação do lucro tributável ser efectuada com recurso a métodos diretos de avaliação;

b) Terem situação tributária regularizada;

c) Não terem salários em atraso;

d) Não resultarem de cisão efectuada nos últimos dois anos anteriores à usufruição dos benefícios.

3 - Ficam isentas do pagamento de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as aquisições:

a) Por jovens com idade compreendida entre os 18 e os 35 anos de idade, de prédio ou fracção autónoma de prédio urbano situado nas áreas beneficiárias, destinado exclusivamente a primeira habitação própria permanente, desde que o valor sobre o qual incidiria o imposto não ultrapasse os valores máximos de habitação a custos controlados acrescidos de 50%;

b) De prédios ou fracções autónomas de prédios urbanos, desde que situados nas áreas beneficiárias e afectos duradouramente à atividade das empresas.

4 - As isenções previstas no número anterior só se verificam se as aquisições forem devidamente participadas ao serviço de finanças da área onde estiverem situados os imóveis a adquirir, mediante declaração de que conste não ter o declarante aproveitado anteriormente de idêntico benefício.

5 - As isenções previstas no n.º 3 ficam dependentes de autorização do órgão deliberativo do respectivo município.

6 - Para efeitos do presente artigo, as áreas beneficiárias são delimitadas de acordo com critérios que atendam, especialmente, à baixa densidade populacional, ao índice de compensação ou carência fiscal e à desigualdade de oportunidades sociais, económicas e culturais.

7 - A definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças.

8 - Os benefícios fiscais previstos no presente artigo não são cumuláveis com outros benefícios de idêntica natureza, não prejudicando a opção por outro mais favorável.»

 

O Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, revogou o Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de dezembro, referindo o seu preâmbulo, que, «Com o aditamento do artigo 39.º-B ao Estatuto dos Benefícios Fiscais pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, alterado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, foram renovadas diversas medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, tendo sido substituído o regime constante da Lei n.º 171/99, de 18 de setembro, na redação introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro.

Encontram-se, pois, reunidas as condições para o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Nestes termos, disciplinam-se neste decreto-lei as condições de acesso das entidades beneficiárias, as entidades responsáveis pela concessão dos incentivos, as obrigações a que ficam sujeitas as entidades beneficiárias, bem como as consequências em caso de incumprimento».

 

Nos termos do nº 1 do artigo 6.º, deste Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, “Para efeitos da aplicação das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões que sofrem de problemas de interioridade, definidas no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, são consideradas como áreas territoriais beneficiárias para os factos verificados em 2007 e 2008, aquelas que são identificadas na Portaria n.º 1467-A/2001, de 31 de dezembro”, estabelecendo o seu n.º 2, que, “Para os anos subsequentes, compete ao Ministro das Finanças, em conjunto com os membros do Governo responsáveis pelas áreas das autarquias locais e o ordenamento regional, regular por portaria as áreas territoriais beneficiárias, as quais serão identificadas com base nos indicadores definidos no presente decreto-lei, construídos com os últimos dados estatísticos disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística”.

 

Por sua volta, o artigo 8.º, do mesmo Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, relativo às “Disposições Comunitárias”, estabeleceu, no n.º 1 que, “As disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes atividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social”, enquanto o n.º 2 dispôs que, até à publicação daquela Portaria, se aplicariam as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro.

 

Entretanto, o Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, procedeu à republicação do Estatuto dos Benefícios Fiscais, passando o artigo 39.º-B a ser o artigo 43.º, posteriormente revogado pelo n.º 1 do artigo 146.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (O. E. para 2012), com a mesma redação anterior, mantendo-se, no seu n.º 1, a referência à concessão dos benefícios fiscais nele previstos, “Às empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola (…) nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias» ”, sendo a Portaria n.º 1467-A/2001, de 31 de dezembro, a que se referia o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, aplicável aos anos de 2007 e de 2008, substituída pela Portaria n.º 1117/2009, de 30 de setembro, para os anos subsequentes.

 

O município da localização da sede da Requerente é uma das “áreas beneficiárias” constantes do anexo à Portaria n.º 1117/2009, de 30 de setembro; no que respeita às atividades beneficiárias, manteve-se a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro.

 

Contudo, a questão levantada pela Requerente é a de saber se a remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, efetuada pelo n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, tem a virtualidade de derrogar o artigo 43.º (anterior artigo) 39.º-B do EBF, excluindo a atividade agrícola do âmbito da aplicação do referido benefício.

 

  1.  Benefícios fiscais e reserva de lei

O princípio da legalidade em matéria fiscal desdobra-se nos princípios da reserva de lei formal, que implica sempre a intervenção da Assembleia da República, ou na fixação dos elementos essenciais dos impostos, ou sob a forma de autorização legislativa ao Governo (artigo 165.º, n.º 1, alínea i), 1.ª parte, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no princípio da reserva material de lei (formal), que determina que a lei da Assembleia da República e o Decreto-Lei autorizado (e ainda o Decreto Legislativo Regional – artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP) ou o Regulamento Autárquico – artigo 238.º, n.º 3, da CRP) contenham “a disciplina tão completa quanto possível da matéria reservada, matéria que, nos termos do n.º 2 do art. 103.º da CRP, integra, relativamente a cada imposto, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (…)”[1].

 

O que não significa que “exista uma reserva absoluta de lei formal que exclua o desenvolvimento da disciplina legal por decreto-lei não autorizado ou por regulamento[2]; trata-se, no entanto, de regulamentos complementares ou de execução, pois o n.º 5 do artigo 112.º, da CRP, proíbe os regulamentos delegados, ao dispor que “5. Nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.

 

Os regulamentos emitidos pelo Governo em matéria de impostos (decretos-regulamentares, resoluções do Conselho de Ministros, portarias, despachos normativos ou despachos simples com conteúdo regulamentar) revestem enorme importância na gestão de um sistema fiscal massificado, no entanto, “estes regulamentos não se confundem com a lei, pois, (…) «a lei partilha do caráter primário da função legislativa» ao passo que «o regulamento partilha do caráter secundário da função administrativa», de onde resulta a subordinação deste ao princípio da legalidade, nas suas duas vertentes da preferência e da reserva de lei. Vale isto por dizer, entre outras coisas, que os regulamentos em matéria tributária só podem ser produzidos mediante habilitação legal prévia, que os regulamentos que contradigam a lei são ilegais não devendo ser aplicados pelos tribunais e que a interpretação dos regulamentos deve ser feita sempre em conformidade com a lei.”[3].

 

Sendo a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, um regulamento de execução, que, por via da repristinação operada pelo n.º 2 do artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, tem por objetivo regulamentar os benefícios fiscais à interioridade previstos pelo artigo 43.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (artigo 39.º - B, anteriormente à renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho), de que podem usufruir as “empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias» ”, é forçoso concluir que as suas regras apenas poderão ser aplicáveis ao caso concreto dos presentes autos “se e na medida em que não limitarem o âmbito do benefício fiscal relativo à interioridade, ou estaremos perante uma situação de inconstitucionalidade, quer por violação do disposto no n.º 5 do art. 112.º da CRP, quer por violação do disposto nos arts. 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental”. (Neste sentido, a decisão proferida no processo arbitral n.º 273/2013-T, de 4 de julho de 2014, disponível em

https://caad.org.pt, e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 9 de setembro de 2015, no processo n.º 0115/15, disponível em http://www.dgsi.pt, a que aderimos.).

 

  1. Questões de conhecimento prejudicado

Face à solução dada à questão da não aplicabilidade da Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro à situação em análise, por contrariedade com normas de direito interno que lhe são hierarquicamente superiores, fica prejudicada a apreciação das normas de direito comunitário invocadas na resposta da Requerida, dado que, como vem sendo jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo e é referido no Acórdão acima citado, “ (…) no domínio do contencioso de mera legalidade, em que se integra a impugnação judicial prevista no processo tributário, o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do ato à luz da fundamentação contextual integrante do próprio ato, sendo totalmente irrelevantes para esse efeito outros fundamentos que não os que foram oportunamente externados (…)”.

 

  1. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º, do RJAT, decide-se (i) julgar inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral; (ii) declarar-se a ilegalidade da liquidação adicional de IRC do exercício de 2011, impugnada; e (iii) determinar-se a sua anulação, com as demais consequências legais.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 18 028,01 (dezoito mil e vinte e oito euros e um cêntimo).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 30 de outubro de 2015.

O Árbitro,

 

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] NABAIS, José Casalta, “Direito Fiscal”, 7.ª edição, 2014, Almedina, Coimbra, pág. 144.

[2] DOURADO, Ana Paula, “”O Princípio da Legalidade Fiscal – Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação”, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 143 e seguintes.

[3] VASQUES, Sérgio, “Manual de Direito Fiscal”, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 132, citando Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos (Lisboa, 2007) Direito Administrativo Geral, vol. III (Atividade Administrativa, 238-242.