Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 276/2015-T
Data da decisão: 2016-01-18  IRC  
Valor do pedido: € 379.007,25
Tema: IRC - dedutibilidade de gastos; RETGS
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Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Paulo Lourenço e Dr. Victor Simões, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-07-2015, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A. (doravante abreviadamente designada por "Requerente"), com o Número de Identificação Fiscal..., com sede na Av...., n.º ... – Edifício..., Piso..., ...-... Carnaxide, na sequência do indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2014..., submetida no âmbito da liquidação adicional de IRC n.º 2013..., relativa ao ano de 2010, requereu a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária, doravante “RJAT”), e pretende pronúncia arbitral sobre a ilegalidade da referida liquidação e a sua anulação, bem como o reembolso da quantia no montante de € 379.007,25 (€ 220,811,345 de IRC e € 159.195,80 de derrama municipal), com juros indemnizatórios.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 29-04-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-06-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 29-07-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e a sua absolvição dos pedidos.

Por despacho de 01-10-2015, decidiu-se dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.

As partes apresentaram alegações.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente A..., S A., NIF..., no ano de 2010, encontrava-se enquadrada no regime geral de IRC, pertencendo a um grupo de sociedades tributado nos termos do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), sendo sociedade dominante do grupo;

b)      Em 31 de Dezembro de 2010 o grupo era composto pelas seguintes sociedades dominadas:

B..., S.A., com o NIF...;

C.... S.A., com o NIF...;

D..., S.A., com o NIF...;

E..., S.A.. com o NIF...,

F..., S.A, com o NIF...;

G..., SA, com o NIF...,

H..., SA, com o NIF...;

I..., Lda.. com o NIF...;

J..., S A., com o NIF...;

c)      Foi efectuada uma acção inspectiva, com base na OI2011..., à sociedade D..., SA. (doravante “D...”), relativa ao exercício de 2010;

d)     No ano de 2010, a D... apresentou na conta ... –K...– SGPS movimentos agregados no valor de € 26.700.000,00, conta essa que era utilizada usada para reflectir o valor de empréstimos intragrupo com a Requerente, sociedade dominante, nos termos do quadro seguinte:

e)      Não foi celebrado nenhum contrato relativo a estes empréstimos que tiveram como objectivo suprir dificuldades pontuais de tesouraria, no âmbito das relações entre a D... e a Requerente;

f)       Relativamente aos empréstimos referidos não foi estipulado nem houve pagamento de quaisquer juros;

g)      No ano de 2010 a D... contraiu empréstimos bancários, designadamente os seguintes:

h)      Os empréstimos obtidos pela Requerente, identificados acima, originaram encargos bancários com juros e similares nos seguintes montantes:

i)        A Autoridade Tributária e Aduaneira, no Relatório da Inspecção Tributária, entendeu relativamente a estes empréstimos, o seguinte:

3.4 Da aceitabilidade da totalidade dos gastos com juros e similares

O sujeito passivo, se não tivesse efetuado aqueles empréstimos à empresa dominante, não teria necessidade de recorrer a todos os empréstimos evidenciados nos quadros nº 5 e 6, nem teria incorrido em todos os sustos detalhados no quadro nº 7, conforme infra se determina:

Nos termos do n.º 1 do art.º 23º do CIRC consideram-se gastos os que com provada mente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Conforme acima descrito, os juros e encargos financeiros similares suportados no ano de 2010, no valor de 781.515,91 EUR não teriam ocorrido caso o sujeito passivo não tivesse efetuado o empréstimo, sem juros, à empresa dominante, pelo que estes gastos não são indispensáveis para a realização dos rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora, não podendo, por isso, ser aceites para efeitos fiscais, nos termos do já transcrito n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.

O Supremo Tribunal Administrativo, em processos em que a matéria controvertida era semelhante á descrita neste ponto, decidiu pela dispensabilidade dos custos financeiros incorridos pelo financiamento gratuito de outras sociedades (neste sentido vejam-se os Acórdãos de 2009-05-20 no procº 1077/20081, de 2007-02-07 no procº 1046/20052, consultáveis em www.dgsi.pt, que concluem, em resumo, que não constituem gastos de uma sociedade, nos termos do art.º 23.º do CIRC, os encargos por si suportados com empréstimos bancários contraídos para fazer face a necessidades de financiamento efetuados a uma sociedade (ainda que associada ou intergrupo) pelos quais não cobrou quaisquer juros.

Assim, não é gasto fiscal, nos termos do art.º 23.º do CIRC, a parte dos gastos financeiros que respeitam aos empréstimos do sujeito passivo à empresa dominante.

De seguida calcular-se-á a parte dos gastos financeiros correspondente aos empréstimos efetuados peio sujeito passivo à empresa dominante, já que o total da conta 69 - Gastos Financeiros (quadro n.º 07) corresponde à totalidade dos gastos anuais, pelo que importa saber determinar qual a parte, não aceite fiscalmente, que corresponde àqueles empréstimos efetuados pelo sujeito passivo. A resposta a esta questão, passa pela análise aos valores totais dos empréstimos obtidos, aos custos financeiros totais, apurando quais seriam os custos financeiros (e, consequentemente, o resultado fiscal) caso não existisse aquele financiamento.

Em ordem a determinar essa parte correspondente, calculou-se o saldo final mensal dos empréstimos obtidos e empréstimos efetuados, pois, tendo em conta que ao longo do ano aquelas contas vão sofrendo oscilações, será um valor que reflete de forma mais precisa o valor dos empréstimos obtidos.

 

Após calcular os saldos finais mensais, estimar-se-á o saldo médio mensal do total dos empréstimos obtidos e efetuados, dividindo o total agregado pelo número de meses do ano, o que dá uma média mensal dos empréstimos obtidos de 8.333.333,33 EUR (100.000.000,00 EUR /12) e uma média mensal de empréstimos efetuados de 3.041,666,67 (36.500.000,00 EUR /12).

A proporção dos gastos financeiros que não vão ser aceites corresponde à fração entre a média mensal de empréstimos efetuados e a média mensal dos empréstimos obtidos e que corresponde a 0,365 (3.041.666,67 EUR / 8.333.333,33 EUR).

Multiplicando a fração anteriormente obtida com a totalidade dos gastos financeiros obtém-se a quota parte daqueles gastos financeiros, que correspondem aos encargos relacionados com os empréstimos efetuados pelo sujeito passivo à empresa dominante e que, ao abrigo do art.º 23.º do CIRC, não podem ser aceites como custos fiscais, cujo valor ê de 285.253,34 EUR {781.516,00 EUR x 0,365).

Em conclusão, ao lucro tributável declarado pelo sujeito passivo no ano de 2010 será acrescida a importância de 285.253,34 EUR.

 

j)        A D... tinha na sua contabilidade referente ao ano de 2010 a conta ... – Correções Relativas a Períodos Anteriores, com o total de gastos (débitos) de € 1.099.481,91 EUR, e na declaração de rendimentos do exercício de 2010 (Mod. 22 de IRC de 2010) foi acrescido no campo 710, do quadro 07, o valor de € 22.771,00;

k)      A Autoridade Tributária e Aduaneira, no Relatório da Inspecção Tributária entendeu sobre esta conta ... o seguinte:

3.6 Gastos relativos a exercícios anteriores

Na conta ... - Correções Relativas a Períodos Anteriores, o total de gastos (débitos) foi de 1.099.481,91 EUR, sendo que na declaração de rendimentos do exercício de 2010 (Mod. 22 de IRC de 2010) só foi acrescido no campo 710, do quadro 07, o valor de 22.771,00 EUR.

Atendendo ao princípio da especialização dos exercícios consagrado no n.º 1 e no n.º 2, do art. 18º, do CIRC, que prevê que os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica e que as componentes positivas ou negativas, consideradas como respeitando a períodos anteriores, só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas, foi o sujeito passivo notificado, em 2012-09-11, para enviar o extraio da conta..., bem como a justificação da aceitabilidade fiscal dos montantes registados nesta conta, que não foram acrescidos no campo 710, do quadro 07, da Declaração Modelo 22 de IRC, de 2010 (ponto 21 da notificação, ver anexo n.º 1), solicitando-se a junção dos elementos probatórios que entendessem.

O sujeito passivo enviou o extrato da conta em 2012-10-26 (ver anexo n.º 5), por e-mail, (ver anexo n.º3 - página n,º 7), que de seguida se reproduz (ver quadro n.º 10).

A justificação da aceitabilidade apresentada foi a que consta na coluna "texto" do quadro n.º 10.

Por se entender insuficiente aquela resposta, contactou-se o sujeito passivo, na pessoa do seu TOC, por e-mail enviado em 2012-11-02 (ver anexo n.º 3 - página n.º 9), informando-o de que não se conseguia perceber quais os lançamentos que estavam na origem dos 22.770,50 EUR acrescidos ao lucro tributável, e que continuava por fundamentar a aceitabilidade fiscal do remanescente, alertando-o de que, caso os mesmos não fossem validados à luz do n.º 2 do art.º 18.º do CIRC, seriam acrescidos, pelo que novamente se solicitou a justificação da aceitabilidade fiscal do remanescente, tendo sempre em atenção o n.º 2 do art.º 18.º do CIRC, sendo que poderiam juntar os elementos probatórios que entendessem.

Em resposta enviada por e-mail de 2012-11-19 (ver anexo n.º 3 - página n.º 5), o sujeito passivo informou que o critério foi o de retirar ao saldo da conta ... os movimentos que não seriam para incluir no campo 710 do modelo 22. Todos os restantes movimentos assumem que fossem para acrescer e portanto não seriam gasto fiscal.

A justificação e fundamentação para os movimentos nesta conta que não foram acrescidos no quadro 07, limita-se apenas ao facto de que eram imprevisíveis as entradas das faturas registadas, no fecho de 2009.

Assim, pelo que se conseguiu apurar, apenas dois movimentos não foram acrescidos ao quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, de 2010: o doc n.º ... e o doc n.º..., no valor de 370.107,49 EUR e 706.603,92 EUR respetivamente (os assinalados no quadro n.º 9), com um valor agregado de 1.076.711,41 EUR.

A fundamentação apresentada pelo sujeito passivo é insuficiente, na medida em que, se se tratou de imprevisibilidade da 'entrada das faturas' na data do fecho das contas do ano anterior, conforme invocado, tal facto deveria ter sido demonstrado através da apresentação de elementos que sustentassem e corroborassem o aludido.

Atendendo a que, nos termos do art.º 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos recai sobre quem os invoque e ainda aos elementos/justificações apresentados peio sujeito passivo, conclui-se quê o sujeito passivo não logrou fundamentar a legitimidade daqueles custos ao abrigo do n.º 2 do art.º 16.º do CIRC, pelo que os mesmos serão acrescidos ao Lucro Tributável.

Assim acrescer-se-á o montante de 1.076.711,41 EUR ao campo 710, do quadro 07, da declaração modelo 22, de IRC, de 2010.

 

l)        Na sequência da inspecção à D... a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou as seguintes correções no valor total de 1.361.964,75€:

m)    As correcções referidas basearam-se em:

i) Não-aceitação de um gasto no montante de Euro 285.253.34 (duzentos e oitenta e cinco mil, duzentos e cinquenta e três euros e trinta e quatro cêntimos), correspondente a parte dos encargos financeiros suportados pela D... ao abrigo de um financiamento obtido junto de uma instituição bancária; e

(ii) Não-aceitação de um gasto no montante de Euro 1.076711,41 (um milhão e setenta e seis mil, setecentos e onze euros e quarenta e um cêntimos), porquanto a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que corresponde a um gasto de exercício anterior (designadamente do exercício de 2009);

n)      Na sequência do exercício do direito de audição sobre o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira referiu no Relatório da Inspecção Tributária o seguinte:

9.1 Análise do Direito de Audição

O exercício do direito de audição (ver anexo n.º 6) foi feito nos seguintes termos (por uma questão metodológica, agruparam-se os pontos apresentados no direito de audição, para mais fácil análise):

9.1.1 - Contesta a correção proposta de IRC no valor de 285.253,34 EUR (parágrafos 3.º ao 39.º do direito de audição) - ponto 3.1 a 3.4 do relatório

Assim vem dizer que:

9.1.1.1 Sobre afirmações de que o contrato de mútuo celebrado com a … é totalmente independente dos movimentos da conta ... – K...— SGPS

Os movimentos da conta ... —K...— SGPS — reportam-se a operações de gestão centralizada de tesouraria efetuadas com a K...- SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS S.A., sociedade dominante do perímetro de entidades tributadas de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), no qual o sujeito passivo se íntegra, com o intuito de colmatar uma situação de excesso de tesouraria verificado na esfera do sujeito passivo.

Com vista a uma adequada contextualização é fundamental lembrar que o sujeito passivo foi criado em 2009 com o objetivo de gerir o estabelecimento hospitalar correspondente ao antigo Hospital ... (Hospital...), em regime de parceria público-privada tendo, por conseguinte, se celebrado um contrato de gestão com o Estado Português, e ficado com excedentes de tesouraria em 2010.

Assim, e em virtude das 'entradas de capital" verificadas no ano da sua constituição, o sujeito passivo ficou com um excesso de tesouraria.

Ora os gastos financeiros "suportados no ano de 2010, no valor de 781.515.91 EUR" são indubitavelmente aceites para efeitos fiscais, visto que, por um lado, não se apresenta qualquer nexo de causalidade com os fluxos financeiros supra referidos, porquanto se reportam a um contrato de mútuo celebrado com a L... celebrado anteriormente, em fevereiro de 2009 (cfr. doc. 2), não sendo, portanto, contemporâneos à operação de gestão centralizada de tesouraria.

Efetivamente, e conforme aliás resulta do próprio projeto de relatório, as operações de cobertura de carência de tesouraria com a K...- SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS S.A. (sociedade dominante) apenas tiveram lugar entre janeiro de 2010 (12/01/2010) e setembro de 2010 (15/09/2010), conforme resulta do ponto 3.1. do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção.

Por conseguinte, o contrato de mútuo celebrado com a L... é totalmente independente da referida operação de cobertura de carências de tesouraria, pelo que, os gastos financeiros associados seriam sempre imputáveis ao sujeito passivo, pela razão que tal contrato de mútuo é o contrato de financiamento do contrato de gestão (anexo ao mesmo inclusivamente) celebrado entre o Estado Português e a Entidade Gestora do Estabelecimento.

Este contrato de mútuo e/ou de financiamento inclui-se pois no âmbito do conjunto de contratos que foram feitos para servir o propósito de tal contrato de gestão, consistindo os gastos financeiros ora alvo de análise nos gastas financeiros inerentes ao bom cumprimento de tal contrato de financiamento.

É portanto claro e inquestionável que os gastos financeiros registados em 2010 e ora em análise são simplesmente aqueles inerentes ao "bom e pontua! cumprimento das obrigações" de tal contrato de financiamento do contrato de gestão e que sempre ocorriam independentemente da ocorrência de tal operação de gestão centralizada de tesouraria.

É pois óbvio que a finalidade de tal contrato de mútuo está adstrita e vinculada ao financiamento do projeto de gestão hospitalar, pelo que os gastos financeiros inerentes ao seu cumprimento por parte da Declarante também tem causa naqueles objetivos (cfr. Doc. 2), demonstrando-se, assim, a indispensabilidade destes gastos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente (cfr. resulta do artigo 23º do Código do IRC).

É pois falaciosa a argumentação lançada no projeto de correções que defende que "o sujeito passivo, se não tivesse efetuado aqueles empréstimos à empresa dominante, não teria necessidade de recorrer a todos os empréstimos evidenciados nos quadros nº 5 e n.º 6, nem teria incorrido em todos os custos detalhados no quadro nº 7, conforme infra se determina." (cfr. pág. 4/11 do projeto).

Por outro lado, registe-se que a operação de gestão centralizada de tesouraria apenas foi iniciada em janeiro de 2010 (12/01/2010), tendo como objetivo potenciar benefícios de situação de excesso de tesouraria.

Nesta conformidade, a conclusão exarada no projeto não assenta em quaisquer pressupostos lógicos, visto que o mútuo com a L... não só não foi celebrado no período compreendido entre janeiro e setembro de 2010, como foi outorgado em exercício anterior e acaba por vigorar em exercícios posteriores.

Sendo fundamental registar que, os financiamentos concedidos pela L... que vêm sendo obtidos desde período anterior a 2010, e com vista ao financiamento do contrato de gestão hospitalar (cfr. Doc. 2), antes da ocorrência desta operação de gestão centralizada de tesouraria sendo que o "total da conta 69 — Gastos Financeiros (quadro n.º 07) corresponde à totalidade dos gastos anuais" {cfr. pág. 4/1 1 do projeto) traduz simplesmente os gastos inerentes ao bom cumprimento do contrato de financiamento.

Os mútuos concedidos ao abrigo de tal contrato de financiamento e os respetivos gastos de financiamento inerentes ao seu cumprimento que são agora objeto de análise são completamente distintos dos financiamentos intragrupo efetuados, tendo tais mútuos sido estipulados no âmbito de definição do modelo de financiamento do contrato de gestão do estabelecimento hospitalar a celebrar com o Estado Português e logicamente muito antes de tais operações de tesouraria,

Como exemplo da total ausência de inter-relação entre os mútuos concedidos no âmbito do contrato de financiamento e tais operações de tesouraria, aponte-se o facto de existirem em tal contrato cláusulas de reembolso voluntário antecipada (v. cláusulas décima e segunda e segs), logo, tal implica que o reembolso antecipado não pode posteriormente ser ré obtido automaticamente por parte da ora Declarante de acordo com as suas variações de liquidez.

Depreende-se pois que os empréstimos obtidos e respetivos gastos de financiamento eram provenientes dos mútuos concedidos ao abrigo do mencionado contrato de financiamento e não eram provenientes das contas-correntes adstritas às operações de gestão centralizada de tesouraria, sendo indubitável concluir que a capacidade de alteração/reembolso é completamente distinta.

Destaque-se que este contrato de mútuo para financiamento do contrato de gestão é totalmente distinto da realidade das operações de gestão de tesouraria via conta-corrente, dado que se a ora Declarante procedesse ao reembolso de montantes obtidos via mútuo, se precisasse mais tarde destes montantes reembolsados, não é garantido o novo ou repetido financiamento, ou pelo menos, que este fosse obtido nas mesmas condições, tratando-se pois de realidades distintas e que não se interrelacionam.

Aliás, tratando-se de contrato mútuo com as suas características que lhe são inerentes, caso a ora Declarante prescindisse dos montantes obtidos pelo motivo de estarem a decorrer operações de gestão centralizada de tesouraria, correria depois o risco de quando mais tarde viesse a necessitar dos montantes que prescindiu (reembolsados), que tais montantes não fossem de novo concedidos ou que fossem concedidos em condições muito mais onerosas.

Diga-se também que tais fluxos financeiros nunca poderiam ser a causa de tais empréstimos obtidos à L... visto que são posteriores e não anteriores à celebração do mencionado mútuo.

É portanto ilógico afirmar que algo é causa (operações de gestão centralizada de tesouraria) de um efeito (mútuo com a L...), quando esse efeito é anterior á causa.

Por outro lado ainda, em lado algum do projeto se mencionam quais foram as concretas razões que fizeram acionar o recurso a tal contrato de mútuo, designadamente:

(i) se foram necessidades prementes de falta de liquidez;

(ii) e, a ocorrer necessidade prementes de falta de liquidez, qual é o nexo de causalidade com a operação de gestão de tesouraria ora analisada.

Defende portanto que os juízos firmados no projeto são meramente conclusivos, não apresentando um iter argumentativo que permita concluir que os fluxos financeiros referentes a tal operações de gestão centralizada de tesouraria sejam a causa dos empréstimos obtidos em sede do referido contrato de mútuo.

 

Analisados os argumentos agora apresentados pelo sujeito passivo, verifica-se que estes assentam no pressuposto de que o contrato de mútuo celebrado com a L..., do qual derivam todos os custos contabilizados na conta 69, ocorreu em fevereiro de 2009, razão pela qual, no seu entender, não apresentam qualquer nexo de causalidade com os empréstimos efetuados à empresa dominante K...- Sociedade Gestora De Participações Sociais S.A, no ano de 2010.

Nesta matéria cumpre esclarecer que não foram efetuadas quaisquer correções aos encargos incorridos no ano de 2009 decorrentes do contrato de mútuo celebrado com a L... e destinado ao financiamento do projeto de gestão hospitalar no âmbito da parceria público-privada celebrada com o Estado Português.

O que é colocado em causa, é que em 2010, parte da liquidez do sujeito passivo para o qual mútuo com a L...contribuiu, foi canalizado não para o financiamento do projeto de gestão hospitalar mas antes para financiar a empresa dominante K...- SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS S.A (empréstimos esses sem juros).

Cumpre esclarecer ainda que as disponibilidades de qualquer empresa são um montante, que devido à sua natureza líquida rapidamente se diluem, sendo que com o decorrer do tempo torna-se muito complexo rastrear a sua origem. Isto é, quando uma empresa tem disponibilidades e as depois as consome, seja pelo pagamento a fornecedores, pagamento de vencimentos, seja pelo empréstimo, ou aplicações em investimentos vários, deixa de ser possível rastrear a sua proveniência. No fundo, as disponibilidades de uma empresa constituem um valor agregado, e quando se paga a um fornecedor ou um vencimento, ou se empresta, dificilmente se consegue fazer o nexo de causalidade com o input financeiro que lhe deu origem, tudo porque, como é bom de ver, o dinheiro é uma coisa fungível.

Não é possível assim, dada a natureza fungível das disponibilidades, aquando da sua utilização das mesmas saber qual o respetivo input financeiro.

O sujeito passivo vem alegar que a liquidez que o contrato de mútuo celebrado com a L... proporcionou ao sujeito passivo é totalmente independente e em nada contribuíram para os excedentes de tesouraria que possibilitaram os empréstimos à empresa dominante K...- SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS S.A. refletidos nos débitos da conta ... –K..., mas não o demonstra.

Constituindo os montantes em causa disponibilidades na sociedade inspecionada, em concreto depósitos de valores monetários nas suas contas bancárias, e atendendo à inexistência de quaisquer documentos contabilísticos suscetíveis de comprovar os argumentos pelo sujeito passivo avançados, tendo parte destes montantes sido canalizados para a sociedade A..., para outros fins que não os da sua atividade, a fração dos encargos relacionados com estes empréstimos a estes não poderão ser aceites como um gasto fiscal.

As correções agora propostas respeitam aos encargos incorridos pela inspecionada, com o mesmo mutuo, no ano de 2010, ano em que o sujeito passivo ao canalizou fundos para atividades que nada tem a ver com a sua, e que em nada contribuíram para realização de qualquer rendimento sujeito a imposto, pelo que se mantém válidas as conclusões, evidenciadas nos pontos 3.1 a 3.4 do relatório, de que parte dos custos evidenciados no quadro n.º 7 não podem ser considerados gastos fiscais por não serem indispensáveis.

 

9.1.1.2 Opções de gestão de que a Administração Fiscal não se deve imiscuir (B)

Aliás, para se poder caracterizar tais fluxos financeiros como sendo a causa do acionamento da obtenção de tais empréstimos, estes teriam que ser a única causa é nem sequer causa parcial, sob pena da Autoridade Tributária se imiscuir na organização do sujeito passivo ao ponto de pretender influenciar o modo corno esta gere a otimizacão dos seus fluxos financeiros.

A Administração fiscal não se pode imiscuir na gestão de qualquer entidade. E não é com o presente relatório que o faz.

Contudo o art.º 17.º do CIRC expressamente prevê que lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do CIRC.

A tomada de urna decisão de gestão de uma entidade cabe sempre aos seus representantes, nunca à Administração fiscal. Só que essas decisões têm de ser escrutinadas à luz do CIRC, no sentido de saber se as mesmas concorrem ou não para a formação do lucro tributável.

Sendo que caso se verifiquem gastos contabilísticos que não concorram para o lucro tributável, os mesmos terão de ser acrescidos e isso sim é o que está em questão.

Assim a afirmação de que aqueles empréstimos à empresa dominante K...-SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS S.A. são opções de gestão de que a Administração Fiscal não se deve imiscuir, em nada releva para alteração da proposta de correção fiscal em causa.

 

9.1.1.3 Ajustamento correlativo dentro do grupo - (C)

Refira-se que não faz sentido o levantamento da questão ora analisada, quando é sabido que a ora Declarante forma com a sociedade dominante que recebeu os mencionados empréstimos um grupo de sociedades tributado ao abrigo do RETGS nos termos dos atuais artigos 69" e seguintes do Código do IRC sendo portanto tributadas de acordo com o princípio da unidade fiscal.

Por conseguinte, e em boa verdade, qualquer transação entre ambas produz um efeito correlativo, anulando-se, consequentemente, em termos consolidados (RETGS).

Ou seja, qualquer ajustamento fiscal na esfera da Declarante em virtude de transações efetuadas com entidades que consigo partilham do perímetro do RETGS é na prática anulado aquando da determinação da matéria coletável agregada. Tal deverá também suceder nestas circunstâncias, consubstanciando-se esta correção num ato inútil e que portanto não deverá ser praticado pela AT.

 

O argumento de que não faz sentido o levantamento da questão ora analisada, na medida em que ajustamento fiscal entre ambas produz um efeito correlativo, anulando-se, consequentemente, em termos consolidados (RETGS) consubstanciando-se esta correção num ato inútil e que portanto não deverá ser praticado pela AT, não é exato.

O que se está a em causa é se estes gastos do sujeito passivo são ou não gastos fiscais, e se não o forem, terão de ser desconsiderados no sujeito passivo fazendo esse ajustamento negativo à empresa dominante K...- SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS SÁ, não ocorrendo qualquer efeito correlativo de sentido contrário com efeito nulo.

Assim a afirmação de um ajustamento correlativo dentro do grupo em nada releva para alteração da proposta de correção fiscal em causa.

 

9.1.1.4 Método usado para a correção adotado pela AT- (D)

Por último, importa ainda sublinhar que o método adotado pela AT no ponto 3.4. do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção de cálculo do montante concreto de correção de € 285.253,34 (gastos financeiros ponderados pela média mensal dos financiamentos obtidos e da média mensal dos financiamentos concedidos), não resulta da Lei (entenda-se Código do IRC), sendo que o único teste válido é o que resulta do n.º 1 e da alínea c) do n.º 1, do artigo 23º do referido Código, ou seja, são ou não indispensáveis, sendo que tal indispensabilidade fica demonstrada com a celebração de um contrato de mútuo decorrente do próprio Contrato de Gestão de Estabelecimento Hospitalar celebrado com o Estado Português, o qual é de longo prazo e se iniciou em 5 de fevereiro de 2009.

Face ao exposto, os gastos financeiros no montante de € 781,515,81 decorrentes dos empréstimos obtidos à L... são gastos aceites fiscalmente e expressamente previstos na alínea c) do n" 1 do artigo 23º do CIRC.

Refira-se que o CIRC não define qual método a aplicar no sentido de se apurar qual a proporção dos gastos financeiros que não serão gastos fiscais.

Mas a partir do momento em que se conclui que partes desses gastos não concorrem para o lucro tributável nos termos n" 1 do artigo 23º do CIRC, então necessariamente essa parte tem de ser quantificada. Para isso, socorreu-se do método descrito no ponto 3.4 do relatório, objetivo e norteado por critérios de razoabilidade.

Pelo que afirmação do sujeito passivo neste ponto em nada releva para alteração da proposta de correção fiscal em causa.

(...)

9.1.3 - Contesta a correção proposta de IRC no valor de 1.076.711,41 EUR (parágrafos 45,º ao 62." do direito de audição) - ponto 3.6 do relatório

Sobre esta proposta de correção, o sujeito passivo vem dizer que:

Relativamente ao montante de 1.076.711,41 EUR cumpre então esclarecer que se reportam a reversão de acréscimos de proveitos contabilizados e tributados em exercício anterior (entenda-se 2009) e não a custos (na terminologia então aplicável).

Pelo que, a desconsideração de tal anulação (mediante o reconhecimento de um gasto, logo em 2010) resultaria numa gritante dupla tributação na esfera da Declarante. O que, não seria no mínimo aceitável num Estado de Direito.

A explicação é simples e clara: o movimento relativo aos Doc. n.º ... e Doc. n.º..., mencionados ponto 3.6. do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção, reportam, respetivamente, a uma reversão (contabilizada em 2010) de um acréscimo de proveitos registado em 2009 relativo a taxas moderadoras e, também a uma reversão contabilizada em 2010 de um acréscimo de proveitos, para a produção em ambulatório médico registada em 2009 (cfr. Doc. 3 do direito de audição), proveitos esses que têm como contraparte o Estado.

De facto, aquando do fecho de contas do exercido anterior e, em conformidade com as estimativas de produção e, consequentemente de faturação, reconheceu-se tal rendimento em 2009, o qual se veio a verificar sobreavaliado, procedendo-se simplesmente nas contas ora analisadas à reversão do acréscimo de tais proveitos.

Aliás, o facto de a Declarante demonstrar capacidade para logo em 2010 proceder a esta reversão, é demonstrativa da sua capacidade de gestão atempada dos seus indicadores de produção, sendo ainda de ressalvar a incerteza sempre inerente a estes contratos e proveitos que o grupo pode também demonstrar ter sucedido em outras circunstâncias semelhantes, pelo que a incerteza destas estimativas tem histórico precedente, como é aliás do conhecimento público e principalmente do próprio Estado.

Registe-se que até se pode equacionar que o tratamento contabilístico de tal reversão não tenha sido o mais elucidativo, dado se ter efetuado tal registo em conta de correções relativas a exercícios anteriores, no entanto o que já é indubitável por imposição da Proibição da Dupla Tributação do mesmo facto económico, é a não tributação deste acerto em 2010.

Aliás, registe-se que sendo um acréscimo de proveito, seria manifestamente ilegal não permitir tal reversão dado que, neste caso o Estado até tributou mais do que deveria ter tributado, pois tributou-se um proveito que nunca se chegou a efetivar, pelo que e até a ocorrer tal reversão o Estado Português tributa rendimento inexistente.

Mesmo que assim não se entenda e se entenda estarmos perante uma correção de gastos de exercício anterior, o que no entanto se discorda frontalmente, por mera precaução sempre se diga tal correção sempre teria também que se aceitar, mesmo que não seja no exercício de 2010

O princípio (de especialização) exige que os rendimentos e gastos sejam imputáveis ao exercício a que digam respeito, não exigindo mais que isso (veja-se que a letra do artigo 18.º do Código do IRC não exige mais do que esta simples exigência de imputação ao exercício certo). Com efeito, a restrição imposta por tal princípio cinge-se apenas e tão só à necessidade imputar os gastos e rendimentos ao exercício a que digam respeito, impondo inclusive que se efetue a devida especialização fiscal quando a especialização contabilística já não é possível, pelo que, os princípios da especialização dos exercícios e da proibição da dupla tributação impõem que nas situações em que se proceda ao acréscimo do custo de exercício anterior, se tenha que efetuar a correspondente correção ao exercício anterior a que tal custo diz respeito.

Neste sentido, cite-se o Ofício Circulado 14/93, de 23-11-1993:

"1. Nos termos do Art. 18º do CIRC os proveitos e custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas, do lucro tributável são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.

2. Assim, e competindo aos Serviços de Fiscalização no âmbito de análise interna ou externa o controlo da matéria coletável, determinada com base em declaração do contribuinte, devem os mesmos, sem prejuízo da penalidade ao caso aplicável, fazer as correções adequadas ao resultado líquido do exercício a que os custos ou proveitos digam respeito, quando, nos termos do art. 18º do CIRC, não sejam consideradas componentes negativas ou positivas do lucro tributável do exercício da sua contabilização."

Termina argumentando que no fundo trata-se de corrigir a especialização fiscal já que não é possível corrigir a especialização contabilística.

Assim, pelo que finalmente se consegue perceber, os movimentos em causa (ver quadro n.º 13), afinal não se tratam de custos relacionados com exercícios anteriores (2009), mas tratar-se-ão de reversão de proveitos estimados por excesso em 2009 que pretendem reverter em 2010.

Sintetizando o alegado pelo sujeito passivo, o que terá acontecido, foi que em 2009, o sujeito passivo terá prestado serviços ao Estado, mas por não ter passado as respetivas faturas dentro daquele exercício (por não conseguir quantificar/determinar esses mesmos serviços) e para respeitar o princípio de especialização dos exercícios, terá estimado montantes que foram acrescidos aos proveitos de 2009 (débito na conta ... 0 e crédito numa conta 7 de ganhos), cujo excesso face ao efetivamente verificado vem reverter/anular (crédito na conta ... e débito numa conta 7 de ganhos ou 6 de gastos).

O sujeito apresentou no direito de audição, dois documentos (doc n.º 3 do direito de audição - ver anexo n.º6),

O primeiro documento é um documento interno com o n.º... (e não o documento ... mas com este relacionado já que é mencionado na parte final deste, a referência doc 30/173 e que certamente se refere ao documento n.º...).

Pelo que se percebe, pelo documento o n.º..., o sujeito passivo debita a conta ... e credita a ... em 627.847,26 EUR. O documento n.º ... credita a conta ... e debita a conta ... (presume-se que se trata de um lapso do sujeito passivo que certamente se referirá à conta em causa...e não a esta) no montante de 370.107,49 EUR.

Traduzindo os movimentos contabilísticos em causa, o que o documento n.º ... faz, é anular um proveito que terá sido estimado em excesso no valor de 627.847,26 EUR.

O documento n.º ... transfere parte da anulação do proveito para uma conta de custo (em termos práticos o efeito é o mesmo).

Ou seja, foi anulado, presume-se que por excesso de estimativa, o valor de 627.847,26 EUR sendo que a contrapartida dessa anulação foi a diminuição de um proveito no valor de 257.739,77 EUR e um aumento de custo no valor de 370.107,49 EUR.

O descritivo deste documento refere "Correção, Produção no cálculo não estavam deduzidas as taxas moderadoras".

Quanto ao segundo documento apresentado no doc n.º 3 do direito de audição (ver anexo n.º 6), percebe-se que o documento n.º... consiste num print informático do documento n.º ... com a data de 2009-08-31 e lançado na contabilidade em 31-12-2009.

No documento n.º ... de 2009, existe um débito na conta... e um crédito na conta ... no valor de 1.936.032,92 EUR.

Pelo documento n.º..., no qual não consta as contas movimentadas, presume-se que terá sido debitado a conta ... por contrapartida da... .

Ou seja, em 2009 terá sido estimado o montante de 1.936.032,92 EUR de proveitos sendo que em 2010 houve uma anulação parcial dessa estimativa no valor de 706.603,92 EUR.

Independentemente do tratamento contabilístico a que tal reversão foi dado, a reversão de proveitos excessivamente estimados é perfeitamente normal e evidentemente que não é objetivo da Inspeção Tributária querer impor qualquer tipo de dupla tributação.

A reversão do excesso de rendimentos anteriormente tributados, por norma são aceites fiscalmente.

Contudo, e nos termos do n.º 1 do art.º 23º do CIRC consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Ora o sujeito passivo apresenta dois documentos internos com explicações/fundamentações/cálculos manuscritos.

O valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respetivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um caráter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele refletidos.

Assim, e porque o sujeito passivo se socorre de documentos internos deveria juntar outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a justeza e legitimidade do lançamento efetuado. E esses outros meios de prova devem incidir não só sobre a materialidade da operação em si mesma mas também sobre os demais elementos indispensáveis à quantificação dos respetivos reflexos.

Não basta justificar um custo/gasto/reversão com um documento interno (por si mesmo realizado). Ao lado desse suporte terá de demonstrar, por qualquer outro meio, a existência e principais características desse movimento. Nessa tarefa poderá carrear quaisquer meios de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade).

Sucede, assim que o sujeito passivo não conseguiu fazer aquela "demonstração inequívoca" daquela reversão e que lhe cabe, dado que é o sujeito passivo que tem o poder/dever de se munir dos elementos necessários para tal efeito.

Em boa verdade, tal como aparece 370.107,49 EUR e 706.603,92 EUR naqueles documentos, poderiam aí perfeitamente constar quaisquer outros valores.

Se efetivamente se tratam de reversões de excesso de proveitos, importava e muito, a junção de elementos adicionais que não suscitassem a menor dúvida da legitimidade dos mesmos.

Pelo que se mantém válidas as conclusões extraídas no ponto 3.6, juntando à fundamentação aí constante o n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, ou seja gastos não comprovados. Nesta medida o Ofício Circulado 14/93, de 23-11-1993 não tem aplicação.

 

o)      Na sequência da inspecção à D..., foi efectuada uma inspecção à Requerente, sociedade dominante, com emissão da OI2013..., para no âmbito do RETGS, projectar na declaração de rendimentos do grupo, sociedade dominante K..., SGPS, SA, NIPC..., as referidas correções referentes à matéria colectável da D...;

p)      No Relatório da Inspecção Tributária desta inspecção à Requerente, refere-se, além do mais, o seguinte:

III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à M. Coletável

 

1. Correções à Maioria Coletável da Sociedade "D... SA".

 

Em resultado da análise inspetiva OI2011... à sociedade "D... -, SA.", NIPC... relativa ao exercício de 2010, foram efetuadas as seguintes correções no valor total de 1.361.964,75€: (Anexo l, fls. 1 a 42):

Da aceitabilidade da totalidade dos gastos com juros e similares:

Conforme explanado no relatório de inspeção efetuado pela direção de finanças de..., o sujeito passivo, ao efetuar empréstimos sem juros, junto da empresa dominante, incorreu em gastos e encargos financeiros relacionados com empréstimos bancários obtidos. Assim, nos termos do art. 23º do CIRC não foram considerados gastos fiscais, a parte dos gastos financeiros que respeitaram aos empréstimos do sujeito passivo é empresa dominante, uma vez que estes gastos não são indispensáveis para a realização dos rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora, no montante de 285.253.34.

 Gastos relativos a exercícios anteriores:

Atendendo que sujeito passivo não logrou fundamentar a legitimidade dos custos constantes na conta ... - Correções relativas a períodos anteriores, no total de 1.099.481,91€ (gastos), e apenas ter acrescido no campo 710 do Q07 da Modelo 22 de 2010, o valor de 22.771,00€, nos termos do n.º 2 do artigo 18º do CIRC, o valor da diferença no montante de 1.076.711,41€ foi acrescido ao lucro tributável.

Deste modo, o lucro fiscal declarado 4.451.385.01€. foi corrigido em 1.361.964,75€, passando para um lucro tributável de 5.813.349,76€.

(...)

3. Correções à Matéria Coletável do Grupo

Tendo em conta as correções efetuadas aos resultados individuais da sociedade "D... SA", originaram que o lucro tributável do grupo fosse alterado de 4.451.385,01€, para 5.813.349,76€:

NIPC

Designação Social

Lucro/Prejuízo

Fiscal declarado

Correção

Lucro/Prejuízo

Fiscal Corrigido

...

F...

4.150.201,73

 

4.150.201,73

...

I...

244.990,89

 

244.990,89

...

K...

-1,277.095,92

 

-1277.095,92

...

H...

252.218,70

 

252.218,70

...

E...

9.372.150,46

 

9.372.150,46

...

M...

-112.505,21

 

-112.505,21

...

C...

916.783,44

 

916.783,44

...

B...

-1.170.545,42

 

-1.170.545,42

...

D...

1.390.552,46

1.361.964,75

2.752.517,21

...

G...

-9.350.547,05

 

-9.350.547,05

...

J...

35.180,93

 

35.180,93

     Soma algébrica dos

resultados (campo 380 a 382 –declaração de grupo

4.451.385,01

1.361.964,75

5.813.349,76

 

 

Contudo, o contribuinte indicou na Modelo 22 de grupo, como resultado fiscal do grupo o valor de 4.451.385,02€, peio que o valor do lucro fiscal corrigido é de 5.813.349,776.

 

q)      Na sequência desta inspecção à Requerente foi emitida a liquidação n.º 2013..., com o valor a pagar de € 220.811,45, que foi junta com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, liquidação essa em que a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma compensação com o montante de derrama municipal apurado em excesso pelo grupo no mesmo período, no montante de € 158.195,80;

r)        A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida, que foi indeferida por despacho de 29-01-2015, proferido pelo Senhor Director de Finanças Adjunto, manifestando concordância com uma informação em que se refere, além do mais, o seguinte:

3.1. Gastos com juros e similares (§ 12º a § 67º)

Após análise dos argumentos apresentados pela reclamante, tecemos as seguintes considerações:

Os sujeitos passivos são livres de efetuar a gestão das suas empresas, suportando os gastos que considerarem necessários. Diferente é a sua aceitação em termos fiscais. A aceitação fiscal dos gastos deverá obedecer à regra geral prevista no art.º 23º do CIRC.

Dispõe o n.º 1 do artº 23º do Código do IRC que, apenas, se consideram custos ou perdas os que "comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora", ou seja, a qualificação dos custos como dedutíveis implica que estejam em relação com a atividade exercida pela empresa em termos da sua adequação económica, face à finalidade de obtenção de resultados.

O Acórdão de 2006-03-29, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 01236/05, considera que "o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão das empresas, ditando como deve ser ela a aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevam no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução, mas para outros interesses alheios".

A este propósito, transcreve-se um excerto do acórdão do Tribunal Central Administrativo de 2009-03-10, proferido no processo n.º 02608/08, o qual, "Fazendo apelo ao Estudo de Tomás de Castro Tavares (Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, in CTF, nº 396, págs. 7 a 177)" conclui no sentido que "A indispensabilidade a que se refere o artigo 23º do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer ã conveniência (a despesa como ação conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da A.T. na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros. A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro."

Para efeitos de comprovação da indispensabilidade do custo, compete ao sujeito passivo informar a Autoridade Tributária da imprescindibilidade do mesmo, tal como lhe compete, e, nos casos em que tal se aplique, informar a Autoridade Tributária sobre os destinatários dos bens ou serviços e das razões que as motivaram, de forma a poder apurar-se se as mesmas são ou não estranhas aos fins da empresa e, consequentemente, se são fiscalmente dedutíveis ou não ao abrigo do artº 23.ºdo CIRC.

É sabido que a admissibilidade fiscal dos custos ou perdas é submetida, numa primeira análise, ao escrutínio do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC. Daqui retiram-se três requisitos essenciais para que um custo contabilístico seja valorado e aceite como custo fiscal: a comprovação, a indispensabilidade e a ligação aos ganhos sujeitos a imposto, sendo que a ausência cumulativa dos mesmos compromete a comprovação do objetivo que visa atingir.

Nestes termos, torna-se necessário, para responder positivamente à consideração como custos para efeitos fiscais, confirmar a sua indispensabilidade. Exige-se então que, para a aceitação do custo ou perda, para além da correspondência com um facto económico real, se forme um juízo valorativo que é aferido "por critérios" de racionalidade económica face aos objetivos estatutários e atendendo, por isso, à razoabilidade e fundamentação tias decisões de gestão do momento o nas circunstâncias em que são tomadas.

Se isto afasta à partida todos os custos que resultem de operações cuja finalidade é exclusivamente fiscal, de poupança de imposto, por lhes estar totalmente ausente razões economicamente válidas, exclui igualmente os custos em que, sem qualquer fundamentação bastante a aferir por parâmetros objetivos, não incorreria um operador económico diligente colocado em condições análogas.

Conforme vem sendo sancionado por orientação jurisprudencial consolidada, o requisito da indispensabilidade implica fatalmente, um juízo de sindicância objetiva dos custos suportados.

Sublinhe-se que, não se trata de julgar a bondade ou eficácia de qualquer decisão emitida em sede de liberdade de gestão empresarial, mas tão só efetuar uma apreciação de acordo com padrões comuns de normalidade e conveniência, sem prejuízo da possibilidade de uma justificação concreta, o que corresponde a uma orientação delimitativa que vem sendo subscrita pela jurisprudência8.

Nestes termos, e, no âmbito da inspeção realizada, demonstrou-se que "o sujeito passivo, ao efetuar empréstimos sem juros, junto da empresa dominante, incorreu em gastos e encargos financeiros relacionados com empréstimos bancários obtidos ... não foram considerados gastos fiscais, a parte dos gastos financeiros que respeitaram aos empréstimos do sujeito passivo à empresa dominante".

Como tal a dedutibilidade fiscal destes custos está afastada, uma vez que na sociedade inspecionada, relativamente aos encargos incorridos com o empréstimo de mútuo com a L..., no total de € 285.253,34:

- não existem "quaisquer documentos contabilísticos suscetíveis de comprovar os argumentos";

- "parte da liquidez do sujeito passivo para o qual mútuo com a L... contribuiu, foi canalizado não para o financiamento do projeto de gestão hospitalar mas antes para financiar a empresa dominante K... (empréstimos esses sem juros)"

(Transcrições do relatório da inspeção elaborado na Direção de Finanças de..., conforme folha 410 dos autos).

Desta forma, os encargos identificados não reúnem os requisitos de indispensabilidade dos custes, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.

Assim, quando a contabilidade ou escrita se mostre organizada segundo a lei comercial e fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se verificarem erros, inexatidões ou outros indícios fundados de que ela não reflete a matéria tributável efetiva do contribuinte.

Por conseguinte, existem erros ou inexatidões, suscetíveis de correcão fiscal e analisados os documentos em anexo à petição (contratos e extratos bancários), constatamos que os mesmos são insuficientes.

Assim, verificamos que a pretensão da reclamante não poderá ser aceite porquanto, não vem juntar aos autos prova documental efetiva que permita confirmar de forma clara e inequívoca o alegado na sua petição quanto à indispensabilidade dos gastos.

Nesta senda, afigura-se-nos que a correcão efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária se encontra correta.

3.2 Gastos relativos a exercícios anteriores (§ 68º a § 118º)

Vem a reclamante afirmar que os valores em causa infra discriminados, no montante total de € 1.076.711,41, não se tratam de gastos de exercícios anteriores, mas sim de reversão de proveitos estimados em excesso no período económico de 2009 e revertidos no ano de 2010.

No relatório da inspeção (cf. fl. 408 dos autos) constatou-se que estavam contabilizados (conta H ...) como custos do ano de 2009, dois documentos, n.º ... e..., no valor de € 370.107,49 e € 706.603,92, cuja justificação foi tratar-se de "imprevisibilidade da "entrada das faturas" na data do fecho das contas do ano anterior".

Analisada a petição e os documentos em anexo referentes a "gastos relativos a exercícios anteriores", temos a salientar:

Os documentos apresentados números 10, 11, 12, 13, 15 e 16, conforme folhas 291 a 299 e 305 a 308 dos autos, são fotocópias de lançamentos contabilísticos;

- Os documentos apresentados números 14 e 17, conforme folhas 300 a 304 e 309 a 312 dos autos, são respetivamente, fotocópia da declaração modelo 22 (2009) e ata de fecho de contas.

Ora, o código do IRC é muito claro quanto à obrigatoriedade das sociedades comerciais disporem de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal salientando a al. a) do n.º 3 do artº 17.º do CIRC e refere que a contabilidade deverá "estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade (...) ", estando consagrados no artigo 115.º do CIRC, os deveres específicos para a escrita das empresas, nomeadamente na al. a) do n.º 3 - "Na execução da contabilidade (...) todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário".

À luz da lei conclui-se pois, que para serem dedutíveis, os gastos serão obrigatoriamente comprovados por documentos válidos, entendendo-se, em regra, por documento válido aquele cuja origem externa - é a regra geral quanto aos que justificam as aquisições de bens e serviços - demonstre de forma inequívoca, a veracidade da operação económica, subjacente ao lançamento contabilístico efetuado, bem como os demais elementos indispensáveis à quantificação dos respetivos reflexos.

Reafirmamos o entendimento da jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, através do Acórdão n.º 01466/06 de 30 de janeiro de 2007, ao entender que "À luz dos princípios expostos não constituem encargos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados (existem quando não se encontram apoiados em documentos externos em termos de possibilitar conhecer fácil, dará e precisamente a operação, evidenciando a causa, natureza e montante) e ..."

No mesmo sentido é a opinião de Freitas Pereira no seu Parecer emitido no CEF n.º 3/92, de 6/1/1992, publicado na CTF n.º 365, págs. 343 a 352, "A inexistência de documento externo destinado a comprovar uma operação para a qual ele devia existir afecta necessariamente, e em princípio, o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno. É que o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele refletidos.

Nesta sequência, não confirmamos a argumentação apresentada pela reclamante e afigura-se-nos que a correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária se encontra correta.

3.3. DA SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO (§ 119º e § 120º)

O processo de execução fiscal só pode ser suspenso se existir uma reclamação graciosa, uma impugnação judicial ou um recurso judicial que tenha por objecto a legalidade da divida exequenda - art.º52.º da LGT e art" 169º do CPPT. Todavia, estes procedimentos só por si não determinam a suspensão da execução fiscal.

Salvo os casos previstos na lei, torna-se indispensável que seja constituída ou prestada uma garantia, nos termos dos artºs 195.º e 199.º do CPPT, ou a penhora garanta a totalidade da divida exequenda e do acrescido.

Concluiu-se, pois, que após consulta à base de dados da Autoridade Tributária, a suspensão do processo de execução fiscal ocorreu à data 2014-09-08, conforme folhas 451 e 452. dos autos.

4. Parecer

Tendo em consideração o exposto, após análise dos elementos recebidos, constatamos que a reclamante não carreou para o processo dados relevantes e fidedignos, através da apresentação de novos elementos, pelo que afigura-se-nos que as correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária se encontram corretas.

VI - PROPOSTA DE DECISÃO

Face ao acima exposto e, salvo melhor entendimento, propõe-se o INDEFERIMENTO da presente reclamação graciosa, de acordo com os fundamentos supra descritos.

VII - INFORMAÇÃO SUCINTA

Realizada a instrução do processo, foi elaborado o Projeto de Decisão, o qual foi notificado à reclamante, através do ofício n.º..., de 2014-12-05, registo nos CTT - RD ...PT - 2014-12-05 (cf. fls. 462 e 463 que se juntam aos presentes autos), enviado para a sede, com a finalidade de exercer, querendo, o direito de participação na modalidade de audição prévia, nos termos do art.º 60.º da Lei Geral Tributária, faculdade que não exerceu, apesar de ter recebido a notificação em 2014-12-09, conforme fls. 464 dos autos.

Nestes termos, face ao exposto, propõe-se a convolação em definitivo do projeto de decisão e o INDEFERIMENTO da reclamação graciosa com os fundamentos da presente informação.

s)       A D... celebrou com a L... o contrato de financiamento cuja cópia consta do documento n.º 8 junto com a reclamação graciosa, cujo teor se dá como reproduzido;

t)       A D... celebrou com o Estado Português o contrato de gestão cuja cópia consta do documento n.º 5 junto com a reclamação graciosa, cujo teor se dá como reproduzido;

u)      No ano de 2009, a Requerente recebeu nos meses de Fevereiro e Agosto de 2009 quantias relativas a realização de capital e prestações acessórias no montante global de € 9.500.000,00 (documento n.º 7 junto com a reclamação graciosa);

v)      Em 29-04-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

2.1.1. A Requerente afirma que pagou a quantia liquidada (artigo 17.º do pedido de pronúncia arbitral), mas não consta do processo qualquer documento comprovativo, pelo que não se dá como provado que o pagamento tenha sido efectuado.

 

2.1.2. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e com base nas alegações das Partes, nos pontos em que não se trata de factos que devam ser provados por documento.

 

2.1.3. Não se provou que os montantes obtidos com os empréstimos contraídos pela D... em 2009 junto da L... tivessem sido utilizados para efectuar financiamentos à sociedade dominante do grupo em 2010.

 

2.1.4. Não se provou que os registos contabilísticos apresentados pela Requerente na reclamação graciosa relativos a taxas moderadoras e despesas com ambulatório médico correspondam exactamente a operações efectuadas, pelo que adiante se refere, no ponto 3.2. deste acórdão.

 

2.1.5. A Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada por correio electrónico expedido em 07-12-2015, para juntar ao processo o processo administrativo no prazo de 5 dias, processo este que não juntou no prazo previsto para a resposta, com impõe o artigo 17.º, n.º 2, do RJAT.

A Autoridade Tributária e Aduaneira só veio juntar o processo administrativo no dia 28-12-2015, muito depois do prazo fixado.

Por esse motivo, não se tomará em consideração o processo administrativo, que, aliás, não é imprescindível para proferir a decisão, depois de ter sido sanada pelo Sujeito Passivo a incompletude dos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

3. Matéria de direito

 

            3.1. Questão da dedutibilidade ou não dos encargos financeiros com financiamento bancário

 

A D... efectuou empréstimos à Requerente, sociedade dominante do grupo em que aquela se integra.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, se a D... não tivesse efectuado empréstimos à empresa dominante, não teria necessidade de recorrer a todos os empréstimos evidenciados nos quadros nº 5 e 6, nem teria incorrido em todos os custos detalhados no quadro nº 7, quadros estes reproduzidos na matéria de facto fixada.

No exercício do direito de audição, a Requerente defendeu que o contrato de mútuo celebrado com a L..., do qual derivam todos os custos contabilizados na conta 69, ocorreu em Fevereiro de 2009, razão pela qual, no seu entender, não apresentam qualquer nexo de causalidade com os empréstimos efectuados à empresa dominante K...- Sociedade Gestora De Participações Sociais S.A, no ano de 2010.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «o que é colocado em causa, é que em 2010, parte da liquidez do sujeito passivo para o qual mútuo com a L... contribuiu, foi canalizado não para o financiamento do projecto de gestão hospitalar mas antes para financiar a empresa dominante».

A Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu, no Relatório da Inspecção Tributária relativo à D..., que «não é possível assim, dada a natureza fungível das disponibilidades, aquando da sua utilização das mesmas saber qual o respetivo input financeiro. O sujeito passivo vem alegar que a liquidez que o contrato de mútuo celebrado com a … proporcionou ao sujeito passivo é totalmente independente e em nada contribuíram para os excedentes de tesouraria que possibilitaram os empréstimos à empresa dominante K...- SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS S.A. refletidos nos débitos da conta ...-K..., mas não o demonstra».

No Relatório da Inspecção Tributária relativo à Requerente, Autoridade Tributária e Aduaneira foi mais assertiva quanto à existência de nexo de casualidade entre os empréstimos e os encargos suportados ao dizer que «o sujeito passivo, ao efetuar empréstimos sem juros, junto da empresa dominante, incorreu em gastos e encargos financeiros relacionados com empréstimos bancários obtidos».

Na decisão da reclamação graciosa, na linha do Relatório da Inspecção Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira afirmou que, relativamente aos referidos encargos com empréstimos não se comprova o requisito da indispensabilidade exigido pelo artigo 23.º do CIRC para a sua relevância como gastos financeiros, pois

- não existem "quaisquer documentos contabilísticos suscetíveis de comprovar os argumentos";

- "parte da liquidez do sujeito passivo para o qual mútuo com a L... contribuiu, foi canalizado não para o financiamento do projeto de gestão hospitalar mas antes para financiar a empresa dominante K... (empréstimos esses sem juros)"

 

Acrescenta-se ainda na decisão de indeferimento da reclamação graciosa que «quando a contabilidade ou escrita se mostre organizada segundo a lei comercial e fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se verificarem erros, inexatidões ou outros indícios fundados de que ela não reflete a matéria tributável efetiva do contribuinte. Por conseguinte, existem erros ou inexatidões, suscetíveis de correcão fiscal e analisados os documentos em anexo à petição (contratos e extratos bancários), constatamos que os mesmos são insuficientes».

Para calcular os encargos financeiros que são de considerar como incorridos com os empréstimos à sociedade dominante a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou um método proporcional, entendendo que 36,5% do montante total daqueles encargos suportados no ano de 2010 teriam sido suportados para efectuar os empréstimos.

Constata-se que, na cláusula 4.ªdo Contrato de Financiamento indicam-se as finalidades dos empréstimos e, designadamente, que «o Crédito de Médio Prazo só pode ser utilizado pela Mutuária para pagamento da contrapartida prevista na cláusula 57.ª (Contrapartida) do Contrato de Gestão para a Transmissão do Estabelecimento Hospitalar».

E, na Cláusula 57.ª Contrato de Gestão se refere que «na data da Transmissão do Estabelecimento Hospitalar, a Entidade Gestora do Estabelecimento paga ao Hospital ... ou à entidade para o efeito designada peta Entidade Pública Contratante, a título de contrapartida, pela aquisição do Estabelecimento Hospitalar, a quantia de 15 milhões de euros».

Para além disso, consta-se também que a Requerente recebeu no ano de 2009 € 9.500.000,00 de entradas de capital e prestações acessórias.

Neste contexto, se é certo que não de pode dar como provado que nenhuma parte dos empréstimos contraídos pela D... em 2009 foi utilizada para financiamentos à sociedade dominante também o é que não há qualquer indício de que isso tenha acontecido e os indícios existentes no processo apontam em sentido contrário.

Por outro lado, em face da dificuldade de prova da afectação de recursos financeiros, inerente à sua fungibilidade (como a própria Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu, no Relatório da Inspecção Tributária), tem de ser feita, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, menor exigência pelo aplicador do direito para se considerar cumprido o ónus probatório, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur». ( [1] )

Assim, apresentando a Requerente um princípio de prova da afectação dos financiamentos obtidos, que resulta do próprio teor do contrato de financiamento e do facto de ter obtido no ano de 2009 avultadas disponibilidades financeiras provenientes de entradas de capital e prestações acessórias, e não havendo qualquer indício que aponte em sentido contrário, há que concluir que, no mínimo, se está perante uma situação de dúvida fundada quanto à afectação de montantes resultantes do financiamento à realização de empréstimos pela D... à Requerente, dúvida essa que, por força do disposto no artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, tem de ser valorada processualmente a favor da Requerente, justificando a anulação da correcção em causa. 

Pelo exposto, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção relativa aos encargos financeiros com financiamento bancário, o que justifica a anulação da liquidação impugnada, na parte correspondente a esta correcção, por vício de erro sobre os pressupostos de facto.

 

3.2. Questão da correcção relativa a encargos considerados de exercícios anteriores a 2010

 

3.2.1. Posições das Partes

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira constatou que na conta ... - Correções Relativas a Períodos Anteriores, o total de gastos (débitos) foi de € 1.099.481,91 EUR, e na declaração de rendimentos do exercício de 2010 (Mod. 22 de IRC de 2010) da ... só foi acrescido no campo 710, do quadro 07 (relativo a «Correcções relativas a períodos de tributação anteriores»), o valor de € 22.771,00 EUR.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apurou ainda que a diferença entre aqueles valores reporta-se a dois movimentos não foram acrescidos ao quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, de 2010: o documento n.º ... e o documento n.º..., nos valores de € 370.107,49 e de € 706.603,92 respectivamente.

No exercício do direito de audição, a D... alegou, em suma, que aqueles movimentos em causa não se referiam a custos relacionados com exercícios anteriores, mas constituíam reversão de proveitos estimados por excesso em 2009, que têm por contraparte o Estado, relativos a taxas moderadoras e produção em ambulatório médico, que pretendeu reverter em 2010, tendo apresentado documentos.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, no Relatório da Inspecção Tributária relativo à D... entende que

A reversão do excesso de rendimentos anteriormente tributados, por norma são aceites fiscalmente.

Contudo, e nos termos do n.º 1 do art.º 23º do CIRC consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Ora o sujeito passivo apresenta dois documentos internos com explicações/fundamentações/cálculos manuscritos.

O valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respetivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um caráter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele refletidos.

Assim, e porque o sujeito passivo se socorre de documentos internos deveria juntar outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a justeza e legitimidade do lançamento efetuado. E esses outros meios de prova devem incidir não só sobre a materialidade da operação em si mesma mas também sobre os demais elementos indispensáveis à quantificação dos respetivos reflexos.

Não basta justificar um custo/gasto/reversão com um documento interno (por si mesmo realizado). Ao lado desse suporte terá de demonstrar, por qualquer outro meio, a existência e principais características desse movimento. Nessa tarefa poderá carrear quaisquer meios de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade).

Sucede, assim que o sujeito passivo não conseguiu fazer aquela "demonstração inequívoca" daquela reversão e que lhe cabe, dado que é o sujeito passivo que tem o poder/dever de se munir dos elementos necessários para tal efeito.

Em boa verdade, tal como aparece 370.107,49 EUR e 706.603,92 EUR naqueles documentos, poderiam aí perfeitamente constar quaisquer outros valores.

Se efetivamente se tratam de reversões de excesso de proveitos, importava e muito, a junção de elementos adicionais que não suscitassem a menor dúvida da legitimidade dos mesmos.

 

A D... apresentou com a reclamação graciosa documentos com o n.ºs 10, 11, 12, 13, 15 e 16, que são fotocópias de lançamentos contabilísticos, e os documentos n.ºs 14 e 17, que são a declaração modelo 22 referente ao exercício de 2009 e a acta do fecho de contas de 2009, 2010 e 2011, referente a reunião realizada em 02-08-2012, entre «os representantes da Entidade Pública Contratante e os representantes da Entidade Gestora do Estabelecimento».

Na decisão da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que,

«o código do IRC é muito claro quanto à obrigatoriedade das sociedades comerciais disporem de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal salientando a al. a) do n.º 3 do artº 17.º do CIRC e refere que a contabilidade deverá "estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade (...)", estando consagrados no artigo 115.º do CIRC, os deveres específicos para a escrita das empresas, nomeadamente na al. a) do n.º 3 - "Na execução da contabilidade (...) todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário"».

– «para serem dedutíveis, os gastos serão obrigatoriamente comprovados por documentos válidos, entendendo-se, em regra, por documento válido aquele cuja origem externa - é a regra geral quanto aos que justificam as aquisições de bens e serviços - demonstre de forma inequívoca, a veracidade da operação económica, subjacente ao lançamento contabilístico efetuado, bem como os demais elementos indispensáveis à quantificação dos respetivos reflexos»

– «a inexistência de documento externo destinado a comprovar uma operação para a qual ele devia existir afecta necessariamente, e em princípio, o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno. É que o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele refletidos»;

– «nesta sequência, não confirmamos a argumentação apresentada pela reclamante e afigura-se-nos que a correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária se encontra correta».

 

Por esta fundamentação final que consta da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que, reafirma a correcção efectuada no Relatório da Inspecção Tributária à D..., conclui-se que, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira defenda que, em princípio, os documentos válidos para prova dos factos que constam da contabilidade devam ser de origem externa, não excluiu a possibilidade de a prova ser feita por documentos de origem interna desde que existam «provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele refletidos», provas essas que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu não existirem no caso em apreço, em face dos documentos apresentados na inspecção e na reclamação graciosa.

 

3.2.2. Apreciação da questão da correcção relativa a encargos considerados de exercícios anteriores a 2010

 

A preparação das Demonstrações financeiras de uma entidade (excepto para informação de fluxos de caixa) deve utilizar o regime contabilístico do acréscimo (ou periodização económica), identificado no artigo 18.º do CIRC, designado como princípio da especialização dos exercícios.

Para aplicação técnica do reconhecimento contabilístico deste pressuposto fundamental da contabilidade financeira, o código de contas em uso em 2010 prevê as seguintes contas de Acréscimos de gastos e rendimentos e de Diferimentos de gastos e rendimentos.

            2721 – Devedores por acréscimos de rendimentos;

            2722 – Credores por acréscimos de gastos.

                                               e

            281 – Gastos a reconhecer;

            282 – Rendimentos a reconhecer

Os registos nas contas de Devedores e Credores por acréscimos de rendimentos e gastos (2721 e 2722) são regra geral suportados em estimativas, sem prejuízo de que as mesmas possam corresponder ao valor definitivo, no caso de ser conhecida já a documentação vinculativa posterior, na data do registo contabilístico do acréscimo.

Os registos de gastos e rendimentos a reconhecer (281 e 282) são regra geral suportados em documentação vinculativa, no ano do registo contabilístico do diferimento.

No que ao caso em questão se refere, a conta 2721 – Devedores por acréscimos de rendimentos – regista a débito a contrapartida dos rendimentos que devam ser reconhecidos no próprio período, ainda que não tenham documentação vinculativa, cuja receita só venha a ocorrer em período ou períodos posteriores (nota de enquadramento 2721 do SNC).

Refira-se que em 2009 (normalização contabilística base POC), esta conta tinha o código 2719 – Acréscimos de proveitos, mas com igual regra de movimentação.

Assim, quer a previsão de rendimentos de 2009 com taxas moderadoras, quer da produção em ambulatório médico, mesmo que não tenham documentação vinculativa, deveria ser reconhecida naquele ano, como foi, ainda que a sua facturação ou direito de receber ocorra em períodos posteriores.

Pelo que a conta 271 – Acréscimos de proveitos (2721 em 2010) deve ser debitada pela estimativa do rendimento por crédito de uma conta – 7 – Rendimentos no exercício de 2009, e subsequentemente em exercícios posteriores creditada, aquando da emissão da facturação ou do direito a receber.

Após a compensação referida no ponto anterior, caso resulte ainda saldo devedor na conta 2721 – Devedores por acréscimos de rendimento e que tal signifique um excesso de estimativa efectuado em 2009, face à facturação ou direito a receber em 2010 ou exercício posterior, tal diferença deverá ser revertida / ajustada em exercício posterior a 2009.

Ou seja, se a estimativa do rendimento for efectuada num período por valor diferente do valor definitivo apurado em exercícios posteriores, deve então ser ajustada, no caso, pela conta ... – Correções relativas a períodos anteriores.

Contudo tal registo na conta ... não trata da correcção de um erro de ano anterior, porventura por não aplicação do princípio do acréscimo / especialização dos exercícios, mas tão só de um ajustamento a uma estimativa inicial de acordo com a Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 4.

A Norma Contabilística e de Relato Financeiro 4 – Politicas Contabilísticas, alterações nas estimativas contabilísticas e erros (NCRF 4) refere com interesse para o caso que:

• Uma alteração na estimativa contabilística é um ajustamento na quantia escriturada de um activo, com base na avaliação do presente estado do activo e que resulta de nova informação, não sendo correcção de erro (§ 5).

• Muitos itens nas demonstrações financeiras não podem ser mensurados com precisão, podendo apenas ser estimados. A estimativa envolve juízos de valor baseado na última informação disponível (§ 27).

• O uso de estimativas razoáveis é uma parte essencial da preparação de demonstrações financeiras e não diminui a sua fiabilidade (§ 28) (exemplo: estimativa de activos financeiros).

• Uma estimativa pode necessitar de revisão se ocorrerem alterações nas circunstâncias em que a estimativa se baseou ou em consequência de nova informação ou de mais experiência. Dada a sua natureza a revisão de uma estimativa não se relaciona com períodos anteriores e não é a correcção de um erro (§29).

• Uma alteração numa estimativa contabilística deve ser reconhecida prospectivamente incluindo-a nos resultados do período ou períodos da alteração (§31), sendo que o reconhecimento do efeito da alteração na estimativa contabilística é efectuado no período corrente e futuro da alteração (§5).

 

Significa isto, que para cumprimento do pressuposto do Acréscimo (especialização dos exercícios), não existindo documentação vinculativa, um acréscimo de rendimento é registado a débito na conta ... / ... com base numa estimativa, afectando o Resultado do ano (2009), com contrapartida em registo em conta 7= Rendimentos (crédito).

E posteriormente é ajustado/revertido, se tal estimativa for excessiva por conta de 6 – Gastos afectando o resultado desse período (2010) ou de períodos posteriores.

Assim e quanto ao documento ... de 31-03-2010 no valor de € 370.107,49 relativo ao acréscimo de rendimentos registado por estimativa em 2009 e sem base em documentação vinculativa e ajustado em 2010 por excesso de estimativa, foi adequadamente registado em 2010 na conta ... – Correções relativas a exercícios anteriores, salientando-se que em 2009 tal acréscimo de rendimento concorreu para a matéria colectável.

Quanto ao documento ... de 30-11-2010 de € 706.603,92 relativo à produção em ambulatório médico, também a estimativa excessiva contabilizada em 2009 e sem base em documentação vinculativa foi considerada para a matéria colectável de 2009, tendo sido ajustada / revertida em 2010 por registo na mesma conta 6881 – correções relativas a exercícios anteriores, afectando também o resultado do período em que se efectivou o ajustamento da estimativa.

Assim a demonstração inequívoca do ajustamento / reversão da estimativa, passará pela comparação da estimativa inicial efectuada em 2009, sem base em documentação vinculativa definitiva, com os rendimentos efectivos reconhecidos definitivamente em 2010.

Pelo que, tal demonstração entre a estimativa inicial – também baseada em documentos internos – com os rendimentos efectivos e definitivos apurados em 2010 – com suporte em documentação vinculativa – poderá ser efectivada com base em documentos internos, como a Autoridade Tributária e Aduaneira admitiu.

Por outro lado, apesar de não estamos em presença da situação tipificada no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, dado que os registos efectuados em 2010 em conta de gastos não tratam de gastos indispensáveis à obtenção dos rendimentos, mas de ajustamentos a rendimentos já tributados no exercício anterior, é inequívoco que, como se refere na decisão da reclamação graciosa, o artigo 17.º, n.º 3, alínea a), do CIRC impõe aos sujeitos passivos de IRC a organização da contabilidade e o artigo 115.º, n.º 3, alínea a), do mesmo Código [na redacção vigente em 2009, a que corresponde a alínea a) do n.º 2 do artigo 123.º após a republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009., de 13 de Julho] estabelece que, na execução da contabilidade, «todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário».

Assim, perante a exigência de prova que a Autoridade Tributária e Aduaneira fez no Relatório da Inspecção Tributária, a D... ou a Requerente, na falta de documentos externos, deveriam apresentar suporte documental interno dos acréscimos de rendimentos e ajustamentos posteriores com potencialidade para demonstrar de forma inequívoca os valores contabilizados, suporte esse que é fundamental para demonstração da correcção dos respetivos registos contabilísticos

Contudo, os meios de prova apresentados na inspecção à D... e com a reclamação graciosa não são suficientes para demonstrar de forma inequívoca a base de cálculo dos valores incluídos nos documentos internos.

Assim, no ano de 2009, os documentos internos que suportam os registos de acréscimos de proveitos/rendimentos deveriam estar sustentados em informação interna clara sobre as taxas moderadoras e a produção em ambulatório médico referentes ao ano de 2009, cuja facturação tenha sido efectuada em exercício posterior.

Por exemplo, o e-mail de 18-01-2010 (documento n.º 12 junto com a reclamação graciosa) refere-se a uma orientação para acréscimos de proveitos em 2009 de 1.936.032,92€, mas o documento interno ... de 31-08-2009 deveria estar sustentado no ficheiro da actividade de ambulatório médico SNS, a que o mesmo se refere, mas que não foi apresentado.

Também em 2010, designadamente os referidos documentos..., de 31-03-2010, e..., de 30-11-2010, deveriam estar sustentados em informação interna que permitisse comparar os valores estimados no ano anterior, com a facturação do próprio exercício, o que não aconteceu, sendo manifesto que não podem considerar-se suficientes prints informáticos dos registo contabilísticos desacompanhados de documentos que permitam confirmar a sua correcção.

Pelo exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção relativa a encargos considerados de exercícios anteriores a 2010.

 

4. Pedidos de reembolso do imposto e juros indemnizatórios 

 

A Requerente formula pedidos de reembolso do imposto que diz ter pago e de juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral e do direito ao reembolso que lhe serve de base.

No que concerne aos juros indemnizatórios, o artigo 43.º da LGT, na parte aqui aplicável, estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso dos actos, há apenas erro da Autoridade Tributária e Aduaneira no que concerne à correcção efectuada relativa aos encargos financeiros com financiamento bancário, sendo esse erro imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que o direito a reembolso e juros indemnizatórios, apenas poderá existir relativamente à quantia de impostos e juros indemnizatórios correspondentes a essa correcção.

Porém, como resulta daquele n.º 1 do artigo 43.º da LGT, é requisito dos juros indemnizatórios o «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, no caso em apreço a Requerente não apresentou qualquer documento comprovativo do pagamento das quantias liquidadas, pelo não se pode dar como provado que o pagamento tenha sido efectuado.

Pelo exposto, improcede o pedido de reembolso e de juros indemnizatórios, sem prejuízo dos direitos que à Requerente possam ser reconhecidos em execução de julgado.

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, na parte correspondente à correcção do lucro tributável da Requerente no montante de € 285.253,34, relativa aos gastos financeiros com empréstimos, e julgá-lo improcedente quanto à correcção relativa a gastos de exercícios anteriores, no montante de € 1.076.711,41;

  – anular parcialmente a liquidação adicional de IRC e derrama municipal n.º 2013..., na parte correspondente à correcção do lucro tributável da Requerente no montante de € 285.253,34;

– julgar improcedente os pedidos de reembolso de quantias e de juros indemnizatórios, sem prejuízo dos direitos que possam vir a ser reconhecidos a Requerente em execução do presente acórdão.

 

          6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 379.007,25.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.426,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 79,06 e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 20,94%.

 

Lisboa, 18-01-2016

 

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Paulo Lourenço)

 

 

 

(Victor Simões)

 

 

 

 

                       

             

 



( [1] )            Essencialmente neste sentido, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 203, cujos ensinamentos são seguidos no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/83, de 11-7-1983, publicado no Diário da República, I Série, de 27-8-1983 e no BMJ n.º 328, página 297, em que se refere: «não vale a máxima negativa non sunt probanda; a natural dificuldade da prova de um facto e coeficiente que não altera a repartição do ónus da prova; o mais que esse coeficiente, como outros, "podem é tornar aconselhável [...] a máxima iis difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur"».

                Na mesma linha, pode ver-se o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 17-12-2008, processo n.º 0327/08, cuja jurisprudência é seguida no acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2-2-2011, processo n.º 016/11.