Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 273/2015-T
Data da decisão: 2015-10-02   
Valor do pedido: € 15.397,30
Tema: IS – Verba 28 da TGIS -
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CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 273/2015

Tema: IS – Verba 28

 

 

 

Decisão Arbitral

 

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

A…, NIF …, com domicílio na Rua …, n.º …, em Lisboa, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade da primeira prestação da liquidação de Imposto do Selo relativo ao ano 2014, no valor de €5.132,48.

 

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 28.04.2015 e automaticamente notificado à AT.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 07.07.2015.

 

A AT respondeu, defendendo a improcedência do pedido.

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a realização de alegações finais, em face do teor da matéria contida nos autos.

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

II.                MATÉRIA DE FACTO

 

Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)    O Requerente é dono do prédio urbano sito na Avenida …, nº …, em Lisboa, o qual se encontra inscrito na matriz predial urbana da freguesia das ... sob o n.º ..., constituído em regime de propriedade total;

 

B)    O referido imóvel é um prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o descrito como um ”prédio com R/C e 7 andares, tendo o R/C uma cave. Forrado a cantaria, forrado a mármore até ao nível do 1º andar e o restante da fachada a marmorite. Cobertura a telha. Tem no R/C um amplo vão com o n.º 95-A, e mais 2 vãos de porta. Nos andares por andar 4 vãos em sacada corrida. 95-A, Garagem - uma ampla divisão, 3 divisões, retrete e lavabos e cave.

 

 

R/C porteira – 1 divisão, cozinha e casa de banho.

1.º - 8 divisões, coz, 3 casas de banho e dispensa

2.º - 8 divisões, coz, 3 casas de banho e dispensa

3.º - 8 divisões, coz, 3 casas de banho e dispensa

4.º - 8 divisões, coz, 3 casas de banho e dispensa

5.º - 8 divisões, coz, 3 casas de banho e dispensa

5.º - 8 divisões, coz, 3 casas de banho e dispensa

6.º - 8 divisões, coz, 3 casas de banho e dispensa

7.º- 8 divisões, coz, 3 casas de banho e dispensa

Nº de pisos do artigo: 9

Nº de andares ou divisões com utliz. Independente: 8 Valor patrimonial total: €1.812.650,00”.

 

 

C)    O Requerente foi notificado no montante total de €5.132,48 (Cinco mil cento e trinta e dois euros e quarenta e oito cêntimos) referente à primeira prestação de Imposto do Selo, através dos seguintes ofícios:

 

·         2015 ..., de 20 de Março de 2015, recebido a 31 de Março de 2015, no valor de €747,44 (setecentos e quarenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos);

 

·         2015 ..., de 20 de Março de 2015, recebido a 31 de Março de 2015, no valor de €747,44 (setecentos e quarenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos), referente ao 2.º andar;

 

 

·         2015 ..., de 20 de Março de 2015, recebido a 31 de Março de 2015, no valor de €747,44 (setecentos e quarenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos), referente ao 3.º andar;

 

·         2015 ..., de 20 de Março de 2015, recebido a 31 de Março de 2015, no valor de €747,44 (setecentos e quarenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos), referente ao 4.º andar;

 

·         2015 ..., de 20 de Março de 2015, recebido a 31 de Março de 2015, no valor de €747,44 (setecentos e quarenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos), referente ao 5.º andar;

·         2015 ..., de 20 de Março de 2015, recebido a 31 de Março de 2015, no valor de € 747,44 (setecentos e quarenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos), referente ao 6.º andar;

 

·         2015 ..., de 20 de Março de 2015, recebido a 31 de Março de 2015, no valor de €647,84 (seiscentos e quarenta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), referente ao 7.º andar;

 

D)    O imóvel em questão compreende 8 andares e divisões com utilização independente, com mais de 80 anos, tendo sido construído no início do século passado, cujo VPT foi determinado separadamente, nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 2, alínea b) do Código de Imposto Municipal sobre Imóveis;

 

E)    Sendo que sete destas divisões são afectas a habitação, perfazendo o valor patrimonial tributário (VPT) o total de €1.539.730,00 (um milhão quinhentos e trinta e nove mil setecentos e trinta euros):

 

F)     Trata-se de um prédio constituído por divisões susceptíveis de utilização independente, sendo o VPT de cada uma das divisões o seguinte:

 

·         2015 ..., de 20 de Março de 2015, recebido a 31 de Março de 2015, com um VPT de €224.230,00 referente ao 1.º andar;

 

·         2015 ..., de 20 de Março de 2015, recebido a 31 de Março de 2015, com um VPT de €224.230,00, referente ao 2.º andar;

 

·         2015 ..., de 20 de Março de 2015, recebido a 31 de Março de 2015, com um VPT de €224.230,00, referente ao 3.º andar;

 

·         2015 ..., de 20 de Março de 2015, recebido a 31 de Março de 2015, com um VPT de €224.230,00, referente ao 4º andar;

 

·         2015 ..., de 20 de Março de 2015, recebido a 31 de Março de 2015, com um VPT de €224.230,00, referente ao 5.º andar;

 

·         2015 ..., de 20 de Março de 2015, recebido a 31 de Março de 2015, com um VPT de €224.230,00, referente ao 6.º andar;

 

·         2015 ..., de 20 de Março de 2015, recebido a 31 de Março de 2015 com um VPT de €194.350,00, referente ao 7.º andar.

 

 

G)   O Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral do acto de liquidação de IS relativo ao ano 2014, no valor total de €15.397,30;

 

Não existem factos com relevo para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

Este Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos pelas Partes.

 

III.             MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber qual é o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de aplicação da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) relativamente aos prédios urbanos habitacionais constituídos em regime de propriedade vertical, que integrem andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.

 

A este propósito, o Requerente alega no seu pedido de pronúncia arbitral o seguinte:

1.      A Autoridade Tributária (à semelhança do que já havia feito no passado ano de 2014, relativamente ao IS de 2013), baseando-se na verba 28.1 do Código do IS, vem solicitar o pagamento deste imposto, o qual se configura desconforme com a realidade normativa, subvertendo o sentido da lei;

 

2.      Da norma em causa consta que se cobrará imposto do selo sobre a: “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a €1. 000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %”;

 

3.      Não podendo o Requerente (tal como não concordou com a liquidação do ano transacto) concordar com os actos de liquidação de Imposto do Selo tanto dos relativos à primeira prestação, como também com os actos de liquidação que venham a ser emitidos para cobrança da 2.ª e 3.ª prestações, cuja legalidade se questiona;

 

4.      Aliás, decorre do n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, que: “Em 2013, a liquidação de selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano”;

 

 

5.      Portanto, a AT só poderia tributar em sede de IS, de acordo com as mesmas normas que se aplicam ao IMI;

 

6.      Podendo-se concluir que há incidência do novo Imposto do Selo apenas no caso em que as divisões com utilização independente apresentem um VPT superior a €1.000.000,00 (um milhão de euros), o que claramente não sucede;

 

7.      E é só este o sentido que pode ser dado à aplicação da norma, tudo o mais é uma interpretação extrapolada da Autoridade Tributária, sem sustentação legal, que se encontra em efectiva contrariedade com o previsto em sede de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e, por remissão, em sede de Imposto de Selo;

 

 

8.      Logo, para efeitos de tributação no que toca à verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, não pode a AT considerar como valor de referência o valor total do prédio;

 

9.      A cobrança do Imposto do Selo nos termos apresentados pela AT viola o espírito da lei, indo em sentido oposto à vontade real do legislador;

 

 

10.  Pois, o que se visava, única e exclusivamente, era uma tributação sobre o património considerado de luxo, o que não corresponde de todo ao presente caso, devendo a AT reconsiderar os seus conceitos de bens de luxo;

 

11.  Também no mesmo sentido, a Decisão Arbitral no processo n.º 50/2013-T, do Centro de Arbitragem Administrativa, concluiu que: “A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedade de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”;

 

 

12.  Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”

 

13.  Aliás, do Projecto-lei retira-se que o legislador pretendeu tributar as situações da vida que manifestassem uma certa capacidade contributiva;

 

 

14.  Ou seja, a capacidade contributiva é o elemento essencial em que só podemos considerar que existe verdadeira igualdade de tratamento fiscal dos contribuintes se houver tributação idêntica para capacidades contributivas iguais, o que claramente não acontece neste caso;

 

15.  Para além da violação aqui patente da igualdade fiscal, temos também a violação da segurança jurídica, atendendo ao momento da criação e da aplicação desta lei, a qual foi criada em 2012, mais propriamente em Outubro, com efeitos nesse mesmo ano;

 

 

16.  E mais, a AT escolhe o que lhe convém tributar retirando ardilosamente do conjunto do prédio a Cave, que nem por “magia” poderia tributar, mas continua a tributar aquilo que só com grande ginástica legislativa o poderia fazer;

 

17.  Mais se concorda com o que decorre da sentença do CAAD no processo n.º 218/2013-T que afirma: Desde logo porque não se compreende ou explica a razão da tributação apenas de imóveis afetos a fins habitacionais, com exclusão, por conseguinte, daqueles que, embora de valor superior a €1.000.000, não estão afetos a essa finalidade.”:

 

 

18.  Aplicando assim ao caso da aqui Requerente o que provem da mesma sentença: “(…) a liquidação de Imposto do Selo ora em apreciação viola manifestamente o princípio da igualdade fiscal previsto no artigo 13.º da CRP, porque: (i) é baseada numa norma que trata contribuintes que se encontrem em situações idênticas de forma bem diferente, não sendo a medida da diferença aferida pela sua real capacidade contributiva; (ii) é baseado numa solução legal arbitrária desprovida de qualquer fundamento racional (…).”;

 

19.  Procederá assim, com fundamento na violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, o pedido de anulação do acto tributário de liquidação de imposto selo.”;

 

20.  Com especial relevância para o caso em concreto, o decidido no processo n.º 396/2014-T já referido, que incidiu exactamente sobre este mesmo prédio e sobre o mesmo pedido e causa de pedir, onde a posição da AT não mereceu acolhimento “(…) ao pretender fixar como valor de referência para a incidência do imposto de selo, o valor global do prédio em causa, por não o admitir o CIMI que é, como já se referiu, a base legal remissiva de suporte daquele.

 

21.  Não tendo nenhum dos andares, susceptíveis de utilização independente, valor patrimonial superior a um milhão de euros, não há lugar a incidência da verba 28.1 prevista na TGIS;

 

22.  Donde se conclui padecer a liquidação objecto do presente pedido arbitral de ilegalidade, pelo que se impõe a sua anulação.”;

 

23.  Em suma, no presente caso, que nenhum dos andares destinados a habitação tem um valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00 (um milhão de euros), não se verifica o pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na verba 28 da Tabela Geral e consequentemente devem ser os actos de liquidação anulados;

 

24.  Em consequência, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e do 61.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), calculados sobre €5.132,48 (Cinco mil cento e trinta e dois euros e quarenta e oito cêntimos);

 

 

25.  Mais deverá ser atendido para a presente causa, que ainda ocorrerão mais duas prestações para liquidação da verba ora em causa, perfazendo as 3 prestações o valor total de €15.397,30 € (quinze mil trezentos e noventa e sete euros e trinta cêntimos), valor correspondente à totalidade do tributo e que a AT, certamente, não se coibirá de exigir.

 

Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:

 

1.      A situação do prédio do Requerente subsume-se literalmente na previsão da verba 28;

 

2.      O Requerente é proprietário de um prédio em regime de propriedade total ou vertical. Da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI. Logo,

 

3.      Encontrando-se os prédios de que é proprietária, em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal, atribui a qualificação de prédio;

 

 

4.      Assim, o ora Requerente, para efeitos de IMI e também de imposto selo, por força da redacção da referida verba, não é proprietário de 8 fracções autónomas, mas sim de um prédio, segundo a sua caderneta predial;

 

5.      O que o Requerente pretende é que a AT considere, para efeitos de liquidação do presente imposto, que exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal, já que não deve existir discriminação no tratamento jurídico-fiscal destes dois regimes de propriedade, por ser ilegal;

 

6.      A Lei fiscal não comporta qualquer lacuna, determinando o Código do IMI, para o qual a citada verba remete, que no regime da propriedade horizontal as fracções constituem prédios. Não estando o prédio submetido a este regime, juridicamente as fracções são partes susceptíveis de utilização independente, sem que haja partes comuns;

 

7.      Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal atribui relevância esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do artigo 12.º e consequentemente, nos termos do artigo 12.º, n.º 3, do Código do IMI, cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte;

 

8.      A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente;

 

9.      Tal prédio não deixa, pelo facto de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal;

 

10.  É o que resulta de o facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas;

 

11.  Um tipo de incidência de acordo com o qual o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos de que dependente a aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral é o valor patrimonial de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano com afectação habitacional não tem seguramente qualquer expressão na lei;

 

12.  É, assim, inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado globalmente e não andar a andar ou andar ou divisão a divisão.

 

Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se o acto de liquidação de IS sub judice é ou não ilegal será necessário verificar qual é a interpretação que deve ser efectuada da verba 28 e 28.1. da TGIS, nomeadamente saber se o VPT sobre o qual deve incidir a taxa de IS deve ser a sua soma ou deve considerar-se o VPT individual de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, à semelhança do que acontece com os prédios em regime de propriedade horizontal?

Vejamos o que deve ser entendido.

 

Resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.

 

Os principais gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:

 

 

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.


3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Atendendo às regras de interpretação da Lei, importa saber que a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, veio aditar à TGIS a verba 28 e 28.1, criando a taxa de IS sobre prédios urbanos de elevado valor patrimonial.

 

A criação deste novo facto tributário ocorreu no contexto de crise económica e de grave crise nas finanças públicas, com o propósito de aumentar as receitas fiscais do Estado, através da tributação daqueles que revelam maiores indicadores de riqueza.

 

A taxa especial de IS sobre os prédios de valor superior a €1.000.000,00, também conhecida como “taxa de luxo”, visou garantir a repartição dos sacrifícios por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho.

 

Nestas circunstâncias, fixou a verba 28 e 28.1, a incidência de IS nos seguintes termos:

“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a €1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1. – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI…… 1%.”

 

Resulta, portanto, da letra da lei que a taxa prevista na verba 28.1 é aplicável ao direito de propriedade sobre prédio com afectação habitacional, cujo VPT utilizado para efeito de IMI seja igual ou superior a €1.000.000,00.

 

De acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 6 do Código do IS, “Para efeitos do presente Código, o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).”

 

Por sua vez, o Código do IMI determina no seu artigo 2.º, o seguinte:

Conceito de prédio

“1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

 
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

 
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

 
4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

Tendo em conta o conceito de prédio estabelecido na Lei, é claro que os prédios constituídos em propriedade vertical constituem prédios, para efeitos da verba 28 da TGIS.

 

Na medida em que o prédio em análise (doravante Prédio) constitui um prédio, nos termos previstos no artigo 2.º do Código do IMI, este encontra-se literalmente abrangido pela verba 28 e 28.1.

 

Na verdade, a lei não distingue, em momento algum, entre prédio em propriedade horizontal e prédio em propriedade vertical, limitando-se o n.º 4 do artigo 2.º a estabelecer que no regime da propriedade horizontal cada fracção autónoma é havida como prédio.

 

Do referido no n.º 4 do artigo 2.º não resulta, contrariamente ao defendido pela Requerida na resposta apresentada, que só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios.

 

Não obstante, a taxa especial de IS fixada na verba em questão apenas se aplica caso o Prédio constitua um prédio habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do CIMI, seja igual ou superior a €1.000.000.

 

Uma vez que o Código do IS não estabelece o que se entende por “habitacional”, por força do disposto no n.º 2 do artigo 67.º do referido Código, são, também, aqui aplicáveis as regras previstas no Código do IMI, nomeadamente as estabelecidas nos artigos 6.º e o artigo 41.º desse Código.

 

Da análise das referidas regras, resulta, também, claro que, o Prédio está abrangido pela verba 28.1, enquanto prédio urbano com afectação habitacional.

 

Resta, portanto, averiguar se o VPT constante da matriz do Prédio, nos termos do Código IMI, é igual ou superior a €1.000.000.

 

Ora, conforme decorre da letra da Lei, o VPT do Prédio será aquele que for utilizado para efeito de IMI.

 

A este propósito, determina-se no n.º 1 do artigo 7.º, do Código do IMI, aplicável ex vi do n.º 7 do artigo 23.º, do Código do IS, que “O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos presente Código.”.

 

Por sua vez nos n.º 2 e 3 do artigo 7.º do Código do IMI, estabelecem-se as regras para a determinação do VPT dos prédios com duas ou mais classificações.

 

Uma vez que a taxa prevista na verba 28 e 28.1 da TGIS apenas se aplica a prédios de afectação habitacional, as regras estabelecidas no n.º 2 e 3 do artigo 7.º do Código do IMI não são aplicáveis à determinação do VPT relevante no âmbito da referida verba.

 

Na verdade, o VPT dos prédios de afectação habitacional, previstos na verba 28 e 28.1., tem de ser determinado tendo em conta o n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMI, segundo o qual:

“Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”

Assim, tendo em conta que o legislador não atribui qualquer relevância ao facto do prédio estar constituído em regime de propriedade vertical, o VPT deve ser imputado a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente.

 

De facto, não se encontra no Código do IMI nenhuma norma que permita concluir no sentido de que o VPT de prédio em regime de propriedade vertical deve ser obtido pela soma dos VPT que foram atribuídos isoladamente às partes que o constituem (Vide, entre outras, as decisões arbitrais proferidas no Processo 50/2013-T, 131/2013-T, 177/2014-T, 396/2014-T).

 

Tendo em conta que as normas de incidência estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária (Cfr. Artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 8.º da LGT), parece inexistir base legal à liquidação de IS com base na soma dos VPT de cada uma das partes do Prédio.

 

De facto, a AT não pode realizar uma operação de liquidação com base numa norma de incidência, que não prevê expressamente a base de incidência do imposto nos termos liquidados, pois, que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do proc. 7648/14, de 10.07.2014).

 

Entende-se, assim, que não existe base legal que permita à AT adicionar os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente, por forma a atingir-se o limiar de tributação elegível de €1.000.000,00, previsto na verba 28 da TGIS.

 

Em face do exposto, não tendo nenhum dos andares, susceptíveis de utilização independente, valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00, não há lugar a incidência da taxa prevista na verba 28 da TGIS.

Em consequência, impõe-se a anulação do acto de liquidação de IS sub judice, e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios da Requerente relativamente às prestações de IS já pagas, uma vez que a ilegalidade do acto de liquidação é imputável a erro da Requerida, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

 

IV.             DECISÂO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

A)    Julgar totalmente procedente o pedido de anulação do acto de liquidação de IS referente ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia das ... sob o n.º ..., relativo ao ano 2014;

 

B)    Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir ao Requerente o montante de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios;

 

C)    Condenar a Requerida nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.

 

V.                VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €15.397,30.

 

 

VI.             CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 2 de Outubro de 2015

 

A Árbitro

 

 

 

Magda Feliciano

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)