Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 299/2015-T
Data da decisão: 2015-11-30  IRC  
Valor do pedido: € 25.140,50
Tema: IRC – Aplicação de métodos indirectos
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Decisão Arbitral

 

            I – Relatório

 

            1.1. A…, Lda., NIPC …, com sede no Lugar …, ..., doravante designada por «Requerente», tendo sido notificada dos actos de liquidação de IRC e juros compensatórios relativos aos períodos de tributação de 2010 e 2011, no valor global de €25.140,50, apresentou, em 8/5/2015, pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral – nos termos do disposto no art. 10.º do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, daqui em diante designado por «RJAT») –, em que é Entidade Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira («AT»), tendo em vista, em síntese, a anulação do “acto de liquidação de IRC e juros compensatórios” e o reconhecimento do “direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º da LGT, devolvendo-se as quantias pagas acrescidas dos respectivos juros.”

 

            1.2. A 24/7/2015 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

1.3. A 27/7/2015, a AT foi citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT. A AT apresentou a sua resposta em 29/9/2015, tendo invocado excepção por ineptidão da petição inicial e argumentado, em síntese, no sentido da total improcedência do pedido da ora Requerente. O processo administrativo foi enviado em 25/9/2015.

1.4. A 9/10/2015, a Requerente apresentou requerimento em que se pronuncia sobre a excepção supra mencionada, afirmando, em síntese, que a mesma não poderá proceder, “por inexistência da alegada ininteligibilidade entre o pedido e a causa de pedir.”    

           

            1.5. A 15/10/2015, a Requerida apresentou requerimento em que invoca excepção por intempestividade relativamente à liquidação de IRC do ano de 2010. Notificada, a Requerente pronunciou-se sobre a referida excepção através de requerimento de 18/11/2015.

 

1.6. Por despacho de 23/11/2015, o Tribunal considerou ser dispensável a reunião do artigo 18.º do RJAT, porque, para além das partes se terem já pronunciado sobre as excepções invocadas, também as declarações de parte e a produção de prova testemunhal solicitadas pela Requerente se mostravam desnecessárias, dado que o processo continha todos os elementos necessários à decisão. Foi, ainda, fixada a prolação da decisão para o dia 30/11/2015.

 

1.7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas. Relativamente às excepções invocadas pela Requerida, ver, infra, a secção IV.

 

            II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem a Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) pretende a “apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação em sede de [IRC] e juros compensatórios referentes aos períodos de tributação de 2010 e 2011, no valor global de €25.140,50” e que o pedido é “deduzido dos actos tributários de liquidação de IRC e juros compensatórios que infra melhor se identificam: IRC período 2011, n.º da liquidação 2014 …, valor €25.140,50”; b) “os actos de liquidação aqui postos em crise foram promovidos na sequência do acto inspectivo realizado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2013…”; c) “o acto que aqui se impugna é ilegal, por erro quanto ao procedimento de determinação da matéria tributável”, na medida em que “os elementos em que a AT fundou as correcções à matéria tributável não permitem a sua quantificação directa e exacta, ou seja, por via da avaliação directa”; d) “os factos invocados pela AT, a serem verdadeiros, revelam-se causais e/ou determinantes [...] na inviabilização do apuramento da matéria tributável de IRC, por via da avaliação directa”; e) “a AT [...], ao fundar as correcções à matéria tributável em meros indícios e presunções, deveria ter assumido no relatório de fundamentação [...] que o método utilizado da determinação da matéria tributável foi o da avaliação indirecta, uma vez que o caso sub judice reúne os pressupostos consagrados nos arts. 87.º e 88.º da LGT e não, como falsamente se indica, por recurso a correcções de natureza meramente aritméticas”; f) “a fundamentação e os critérios que motivam a liquidação adicional de imposto, revelam a impossibilidade de quantificação directa e exacta da matéria tributável de IRC, com base nos registos contabilísticos da Requerente”; g) “o caso sub judice preenche os pressupostos que legitimam o recurso à avaliação indirecta, [pelo que] é de concluir que o acto que aqui se impugna está ferido de ilegalidade, por erro no procedimento de avaliação da matéria tributável, que constitui preterição de formalidade essencial, o que legitima a sua anulabilidade, nos termos do art. 99.º, al. d), do CPPT”; h) “o erro em que incorreu a AT implicou a sonegação da intervenção da Requerente na avaliação da matéria tributável, por meio do pedido de revisão da matéria tributável, consagrado no art. 91.º da LGT”; i) “[não existe negócio simulado] porque os serviços foram efectivamente adquiridos pela sociedade Requerente à sociedade transmitente devidamente identificada no relatório de fundamentação, o qual culminou na elaboração de um projecto de arquitectura da autoria do Arquitecto B… para a unidade industrial da [Requerente], fazendo-se, assim, a prova que a emissão das facturas em apreço resultou de uma transacção comercial realizada entre as partes, porque todas as facturas foram objecto de pagamento em numerário/moeda corrente, havendo assim movimento de valores pecuniários inerentes à compra realizada”; j) “[o facto da operação em causa ter sido realizada através de numerário] em nada prejudica a efectiva realidade/materialidade das operações realizadas”; l) “atendendo a que as razões que motivaram o custo em exame são razões eminentemente sociais, de prossecução do seu escopo social, associadas à conservação da unidade industrial e melhoria das condições de trabalho dos seus quadros, ao mesmo tempo que cria melhores condições para receber e reunir com parceiros comerciais, fica prejudicada a conclusão veiculada pela AT segundo a qual o custo em apreço se revela perfeitamente dispensável para a realização de proveitos, tendo-se demonstrado de forma inequívoca a indispensabilidade dos custos incorridos para a manutenção da fonte geradora de proveitos, tal como dimana do n.º 1 do art. 23.º do CIRC”; m) “[quanto à alegada omissão nas vendas] o lucro tributável de €630.803,15 da [Requerente] é, ao contrário do que pretende a AT, absolutamente exagerado, desproporcionado e longe de se ajustar à realidade do contribuinte [dada a] identificação dos bancos, identificação dos valores movimentados, data das operações e justificação dos movimentos [constantes dos documentos D, E, N, AA, U, V, A, C, F e G, todos do Anexo 1], [...] [pelo que] não poderá deixar de se concluir que, não obstante a análise efectuada pela AT em sede de apreciação de Direito de Audição, é possível justificar e documentar, como se justificou, o valor de €179.102,50”; n) “a AT violou claramente o art. 58.º da LGT, posto que lhe era exigível a realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, [...] [uma vez que] a AT não procurou recolher elementos necessários à obtenção da verdade material junto da sociedade contribuinte, conforme se refere, apenas baseando a sua fundamentação [...] nas entradas e transferências bancárias nas contas tituladas pelo gerente C… [...] o que significa que a AT penalizou o sujeito passivo por valores incomportáveis e desajustados, sem sequer aferir do rigor dos valores declarados nas operações efectuadas no exercício de 2010 e 2011, bem como da correspondência dos elementos reunidos, com a realidade da empresa”; o) “na falta de elementos, a AT não diligenciou no sentido de investigar e aprofundar a realidade dos factos, apenas se limitando a subverter a realidade contabilística da impetrante”; p) “tendo em atenção a fundamentação apresentada pela AT, só pode concluir-se que os factos que sustentam os actos de liquidação objecto de impugnação não são claros nem suficientes para legitimar as correcções ao resultado fiscal declarado”; q) a “AT, ao ancorar a sua decisão nos factos que se vêm alinhando, não esclarece devidamente o contribuinte interessado relativamente à eventual correspondência entre o valor de matéria colectável alcançado e o número de vendas omissas, não lhe possibilitando conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo Autor do acto que se impugna [...] [pelo que ocorreu] vício de fundamentação, susceptível de, à luz da al. c) do art. 99.º do CPPT afectar a validade intrínseca do acto tributário stricto sensu em que se traduz a liquidação adicional”; r) “no caso vertente, como se veio demonstrando no decurso deste articulado, a AT, em violação das disposições constantes dos arts. 17.º e seguintes do CIRC, procedeu à determinação da matéria colectável por correcções meramente aritméticas, o que determinou, igualmente, uma errónea quantificação da matéria tributável para os períodos de tributação de 2010 e 2011, tendo uma actuação ilegal da AT determinado o pagamento indevido de tributo”; s) “tendo a [Requerente] pago o imposto liquidado, no valor constante das respectivas notas [...], tem direito à devolução das quantias pagas acrescidas dos juros indemnizatórios contados nos termos do artigo 43.º da LGT”; t) “por tudo quanto se disse, só pode concluir-se que o acto objecto de impugnação judicial está ferido de ilegalidade – [por] erro no método de quantificação da matéria tributável, erro quanto aos pressupostos, violação do princípio da verdade material [e] vício da fundamentação – o que, nos termos do art. 99.º do CPPT gera a sua anulabilidade.”

 

            2.2. Conclui a ora Requerente, em face do acima exposto, que deve “o pedido de pronúncia arbitral ser julgado provado e procedente e, consequentemente, ser anulado o acto de liquidação de IRC e juros compensatórios, melhor identificados no frontispício deste petitório e referente aos períodos de tributação de 2010 e 2011, [mais se reconhecendo] a favor do contribuinte o direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º da LGT, devolvendo-se as quantias pagas acrescidas dos respectivos juros.”

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) “a Requerente, depois de afirmar que o pedido de pronúncia arbitral tem por objecto «os actos tributários de liquidação» de IRC e juros compensatórios referentes aos períodos de tributação de 2010 e 2011, procede, unicamente, à identificação da liquidação do período de 2011, n.º 2014 …, no valor de € 25.140,50, juntando, para o efeito, os documentos n.º 9 e n.º 10. Os quais correspondem, respectivamente, à Demostração de Acerto de Contas e à Demostração de Liquidação de IRC do exercício de 2011”; b) “[a Requerente peticiona] ao Tribunal que seja «anulado o acto de liquidação de IRC e juros compensatórios, melhor identificados no frontispício deste petitório e referente aos períodos de tributação de 2010 e 2011». Ora, ao longo da petição, a Requerente refere, umas vezes, que pretende sindicar «os actos» de liquidação adicional, como se pode constatar, a título de exemplo, para além do introito, pelo teor dos artigos 1.º, 2.º, 20.º, 400.º, 418.º. E noutras passagens do articulado, refere-se ao «acto» de liquidação, nomeadamente nos artigos, 23.º, 25.º, 27.º 28.º, 30.º, 402.º, 421.º. Ora, da leitura do pedido arbitral (no âmbito do qual a Requerente se refere, indistintamente, tanto à liquidação de 2010 como à liquidação de 2011, não obstante o documento identificativo se reportar unicamente à liquidação de 2011, pedindo a anulação de ambos) não se entende qual o acto ou actos que a Requerente pretende impugnar e a que períodos de tributação se refere”; c) “a dúvida sobre o acto ou actos concretos em causa na presente acção arbitral impede que a Autoridade Tributária se pronuncie cabalmente sobre os vícios que a requerente invoca na petição inicial. Donde resulta que, a petição inicial é inepta por ininteligibilidade da indicação do pedido, o que gera a nulidade do processo, nos termos do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC, a qual é de conhecimento oficioso, de acordo com o disposto no artigo 196.º do CPC, ambos aplicáveis ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. A nulidade do processo consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição da entidade requerida da instância, atento o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea b) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT”; d) “[quanto ao alegado erro no procedimento de avaliação da matéria tributável,] não [...] assiste razão [à Requerente porque,] in casu, conforme consta do RIT que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o valor apurado de omissões de vendas resulta dos valores creditados nas contas bancárias tituladas pelos sócios gerentes e utilizadas na actividade da empresa, que não foram registados na contabilidade do sujeito passivo, nem foi comprovado que se tratavam de movimentos alheios à empresa. Em momento algum é referido no RIT que os serviços de inspecção se depararam com a impossibilidade de quantificar directa e exacta a matéria colectável, ou que tenham recorrido a qualquer metodologia indiciária ou baseada em presunções. [...]. Esclarece, igualmente, o RIT que foi efectuada a análise aos documentos e registos contabilísticos e aos extractos bancários de contas tituladas pela Requerente (cfr. fls. 11) e pelos seus sócios, sendo que as conclusões mencionadas a fls. 18 e 19 do RIT, não denotam, seguramente, indícios «descritos de forma sumária», mas sim a referência exaustiva a montantes contabilizados pela Requerente sem que tivesse sido comprovada a sua relevância para efeitos fiscais. Desta forma, ao longo do RIT, designadamente dos capítulos III e IX, foram expostas, de forma clara e precisa, as razões de facto e de direito que motivaram as correcções de natureza meramente aritmética. Fundamentadas na análise do conjunto da contabilidade da Requerente e dos elementos por si fornecidos para justificar os valores questionados pela Inspecção”; e) “cumpre salientar que a Inspecção aceitou as justificações para os montantes de €111.063,12, em 2010 e €119.608,62, em 2011, valores que foram tidos em conta nos cálculos dos pontos III.5.1.1, III.5.1.5, III.5.2.1 e III.5.3 do capítulo III do RIT (cfr. fl. 39 do RIT), o que deita por terra o argumento da Requerente no sentido de que só o procedimento de avaliação indirecta lhe daria a possibilidade de intervenção no procedimento de quantificação da matéria tributável”; f) “Os factos apurados e os elementos obtidos no decurso do procedimento inspectivo, mormente os facultados pela Requerente, legitimam e obrigam a Inspecção a efectuar correcções meramente aritméticas, mas não constituem fundamento bastante para aplicação de métodos indirectos de tributação, já que tal metodologia só pode ser utilizada «se não for de todo possível efectuar o cálculo» com base na contabilidade”; g) “a utilização de informação referente à conta pessoal do sócio não constituiu um «elemento estranho» à contabilidade da Requerente, dado que era utilizada na empresa, designadamente para receber reembolsos de IVA, nem é fundamento bastante para recorrer a métodos indirectos de tributação, constituindo, aliás, o cruzamento de informação uma técnica eficaz de auditoria tributária”; h) “efectuada a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam as correcções à matéria tributável declarada, passou a incumbir à Requerente a prova que coloque em causa os montantes apurados, designadamente cabe-lhe o ónus de comprovar a veracidade dos valores inscritos nas declarações submetidas, de acordo com as regras sobre o ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT. Prova que não foi efectuada nem no âmbito da acção inspectiva, como claramente demostra o RIT, nem na presente acção arbitral”; i) “[quanto à invocada ilegalidade das correcções por recurso à avaliação directa e, nomeadamente quanto às correcções atinentes ao negócio simulado:] Em 2010, a Requerente contabilizou a factura n.º 1/2, emitida em 2010-01-29, pela empresa «D…- Unipessoal, Lda.», no mesmo montante das facturas n.º 1 e n.º 2 (€ 22.750,00 mais IVA de € 4.550,00) e com o mesmo descritivo («elaboração de um projecto industrial (reestruturação) das v/ instalações»). A factura foi contabilizada nas contas 622115, 2432211 e 271111707 em 2010-01-31, sendo o pagamento contabilizado em data anterior, 2010-01-29, por contrapartida da conta caixa. [...]. [...] a empresa «D…-Unipessoal, Lda.» tem capital social de € 5.000,00, integralmente realizado pelo sócio único E.... Sendo que este é sócio único da empresa «D…-Unipessoal, Lda.», e também é detentor de uma quota de 50% do capital social da [Requerente]. Pelo que, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC, as duas empresas encontram-se numa situação de relação especial, dado que o sócio E… tem uma participação não inferior a 10% do capital de ambas as sociedades. Analisadas as declarações de IVA entregues pela empresa «D…-Unipessoal, Lda.», relativamente aos anos de 2009 e 2010, verificaram os serviços de Inspecção Tributária que apenas consta no campo 3 das declarações periódicas de IVA o valor das facturas emitidas para a [Requerente]. Por sua vez, constataram os serviços de Inspecção Tributária que a empresa «D…-Unipessoal, Lda.»: Não tinha gastos associados às facturas emitidas; Não tinha trabalhadores assalariados; Não pagou rendimentos da categoria B ao arquitecto B…. Os factos apurados [–] nomeadamente: o elevado valor da operação, num momento em que a empresa passava por graves dificuldades financeiras; Apesar de as faturas terem sido emitidas em 2009 e 2010, só em 2014 é que foram realizadas algumas obras nas instalações da empresa «A…, Lda.»; o pagamento ter sido efetuado por Caixa; a existência de relações especiais entre as duas empresas; da consulta às declarações entregues pela «D…-Unipessoal, Lda.», se ter constado que não tem custos associados às faturas emitidas [–] permitiram que a Inspecção Tributária concluísse pela existência de indícios sérios de que a factura em causa, emitida em 2010-01-29 no valor de € 22.750,00, não titula transações reais, pelo que o gasto contabilizado no ano de 2010 na conta 622115-OUTROS SERVIÇOS não têm enquadramento no artigo 23.º do Código do IRC”; j) “A Requerente vem invocar que os serviços foram efectivamente prestados, porque existe um projecto de arquitectura objecto de pagamento em numerário, aduzindo argumentos genéricos não corroborados por qualquer meio de prova, como tal, insusceptíveis de colocar em causa os indícios fortes apurados no procedimento inspectivo. Aliás os documentos de prova n.º 2 a 5, sustentam o entendimento da Inspecção Tributária, já que comprovam a realização de obras no ano de 2014. Por outro lado, os custos com as obras em nada se relacionam com os gastos com o projecto de arquitectura, cuja materialidade está longe de ser demostrada, designadamente por falta de prova dos fluxos financeiros associados aos gastos declarados [pelo que se conclui que] in casu, [...] ocorre a falta de comprovação documental dos custos e a insusceptibilidade dos mesmos serem deduzidos para efeitos fiscais, porquanto não se mostram cumpridos os requisitos exigidos no artigo 23.º do CIRC, nos termos do qual só se consideram custos do exercício os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora”; l) “[quanto à invocada ilegalidade das correcções por recurso à avaliação directa e, nomeadamente quanto à correcção relativa à omissão de vendas:] [ao contrário do] alegado pela Requerente no art. 169.º e 170.º da p.i., [...] as contas da empresa não foram todas bloqueadas, dado que foram efectuados alguns movimentos nessas mesmas contas durante o período objecto da acção inspectiva, nomeadamente o crédito de valores respeitantes aos reembolsos de IVA, sendo que existiam, também, contas tituladas pela Massa Insolvente. [...]. Atendendo a que eram utilizadas as contas bancárias dos sócios para desenvolvimento da actividade da empresa, os serviços de inspecção procederam à comparação entre os valores constantes dos extractos bancários das contas bancárias e os valores que foram relevados contabilisticamente, tendo sido apurado pelos serviços de inspecção que existiam movimentos que não tinham sido contabilizados na empresa, tendo neste sentido sido solicitados esclarecimentos à Requerente, nomeadamente documentos de suporte aos referidos movimentos bancários não contabilizados na empresa (cfr. anexo 1 ao RIT)”; m) “Para justificação e comprovação dos movimentos particulares [na conta do Banco...], a Requerente apenas apresentou o mapa que consta em anexo ao RIT (anexo 4), sem que tenha apresentado algum documento, bastando-se pelas justificações genéricas aí mencionadas. Apresentou, ainda, a Requerente e-mails trocados com o Banco...B, verificando-se que no dia 6 de Outubro apenas foram solicitadas fotocópias de transferências, não tendo sido pedidos os cheques emitidos, nem os depósitos recebidos”; n) “[quanto à conta bancária do BANCO...C, a Requerente também não exibiu] qualquer documento comprovativo dos movimentos particulares, apresentado apenas o mapa que consta como anexo 5 ao RIT, de onde constam idênticas justificações genéricas. Apresentou, ainda, e-mails trocados com o banco BANCO...C, verificando-se que no dia 10 de Outubro apenas foram solicitadas fotocópias de duas transferências, não tendo sido pedidos os restantes documentos solicitados na notificação”; o) “[quanto à conta bancária da CGD,] mais uma vez, a Requerente entregou um mapa com a identificação dos movimentos que considera particulares, sem a apresentação de documentos comprovativos do alegado, cfr. anexo 6 ao RIT”; p) “Face ao descrito no RIT, [...] é forçoso concluir que a Requerente utilizou as contas bancárias particulares dos sócios para a actividade da empresa, não tendo efectuado todos os registos desses movimentos na contabilidade. Pelo que violou a Requerente o disposto no artigo 98.º, n.º 1, do CIRC, nos termos do qual é obrigada a dispor de contabilidade organizada de acordo com a lei comercial e fiscal, que permita o controlo do lucro tributável e cumpra os requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, referindo este preceito legal que, na execução da contabilidade, «todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário» [e] violou, também, o disposto no n.º 1 do artigo 63.º-C da LGT, porquanto não possuía uma conta bancária exclusiva para os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade da empresa, bem como o n.º 3 do mesmo preceito legal, pois fazia pagamentos em numerário de valor superior ao permitido”; q) “[existindo] «entradas» nas contas bancárias tituladas pelos sócios gerentes e utilizadas na actividade da empresa, que não foram registadas na contabilidade da Requerente [e] sendo que, após notificação para apresentar documentos comprovativos dos movimentos não contabilizados, a Requerente, apesar de alegar que se tratavam de movimentos particulares, não exibiu qualquer documento comprovativo, [...] não pode a Requerida deixar de concluir que as entradas não comprovadas são o resultado de vendas não declaradas, relativas aos anos de 2010 e 2011”; r) “a presunção de veracidade consagrada no artigo 75.º, n.º 1, da LGT só funciona relativamente às operações inscritas em contabilidade regularmente organizada nos termos da legislação comercial e fiscal, e essa presunção cessa, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, com a demonstração de que «as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo». Ora, feita a prova, pela AT, de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam as correcções à matéria tributável declarada, passa a incumbir ao contribuinte a prova que ponha em causa os montantes apurados [...] prova que in casu está longe de ser efectuada”; s) “Em sede arbitral, vem a Requerente apresentar exactamente a mesma argumentação sem que apresente novos elementos que justifiquem uma alteração da posição da Requerida sobre os movimentos entendidos como não justificados. [...] In casu, como amplamente demostrado, não logrou a Requerente apresentar documentos de prova que lhe permitam contraditar as correcções efectuadas pela Inspecção Tributária”; t) “[não ocorre a alegada violação do princípio da verdade material, uma vez que] a metodologia aplicada pela AT para a determinação da matéria tributável [...] não foi a avaliação indirecta, [dado que] não se verificavam os pressupostos legais para a sua aplicação [e, por outro lado, porque] foi ao abrigo do princípio do inquisitório e no exercício da competência de verificação do cumprimento das obrigações tributárias e de prevenção das infracções tributárias, prevista no artigo 2.º do RCPIT, que a Inspeção Tributária: Analisou a informação constante das contas bancárias dos sócios, que eram utilizadas na empresa, procedendo à comparação entre os valores dos extratos bancários das contas tituladas pelos sócios e os valores que foram relevados contabilisticamente, tendo apurado que nem todos os movimentos foram objeto de contabilização; Enviou, no dia 29 de Agosto de 2014, um e-mail à Requerente solicitando a apresentação dos documentos de suporte aos movimentos bancários que não tinham sido contabilizados (cfr. Anexo 1 do RIT); Notificou a Requerente, no dia 25 de Setembro de 2014, na pessoa do sócio gerente C…, para proceder à junção dos documentos comprovativos dos movimentos bancários, pois a Requerente prestou esclarecimentos mas, contrariamente ao solicitado, não juntou qualquer documento que comprovasse que os movimentos das contas eram de origem particular (cfr. Anexo 2 e 3). E foi, também, em cumprimento do princípio do inquisitório e da colaboração que a Inspecção Tributária deferiu o pedido de prorrogação do prazo para cumprimento da notificação do dia 25 de Setembro de 2014, bem como deferiu o pedido de prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição”; u) “a exigência de fundamentação dos actos tributários decorre, nomeadamente, dos artigos 268.º, n.º 3, da LGT, 77.º da LGT e 124.º e 125.º do CPA, mas é incontroverso, atenta a jurisprudência maioritária, que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não outra. Ora, no caso em apreço, as conclusões vertidas no RIT fundamentam, de facto e de direito, as correcções propostas, permitindo identificar e conhecer, clara e documentalmente, todo o percurso percorrido pela Inspecção para chegar ao valor total das correcções. [...]. Donde, não ocorre in casu o invocado vício de fundamentação.”; v) “não ocorreu qualquer vício que deva ditar a anulação das correcções, pelo que não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.”

 

            2.4. Conclui a AT, em face do exposto, que deve ser “julgada procedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, prevista no artigo 186.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, devendo determinar-se a absolvição da entidade requerida da instância, nos termos disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, nºs 1 e 2, e 577.º, alínea b), do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT”, ou, caso assim não se entenda, que deve “o presente Pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os Pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.” A AT pronunciou-se ainda pela desnecessidade de realização de diligência de prova testemunhal.

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) A Requerente é uma sociedade por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o n.º …, com o capital social de €249.398,96 integralmente realizado. Encontra-se enquadrada, em sede de IVA, no regime normal com periodicidade mensal, desde 1/1/1986, pelo exercício da actividade “Fabricação de Calçado – CAE 15201”, e é sujeito passivo de IRC, tributado pelo regime geral de tributação, desde 1/1/2001.

 

            ii) A sociedade foi declarada insolvente a 20/5/2008, no processo n.º …/08….T…, pelo Tribunal Judicial de ..., tendo sido nomeado para Administrador de Insolvência o Dr. F…. Por decisão judicial de 11/3/2011, foi encerrado o processo de insolvência.

  

iii) O acto de liquidação aqui em causa decorre de acto inspectivo que foi realizado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2013….

 

iv) A Inspecção Tributária («IT») enviou, a 29/8/2014, e-mail à Requerente solicitando a apresentação dos documentos de suporte aos movimentos bancários que não tinham sido contabilizados (v. anexo 1 do RIT). A 25/9/2014, a IT notificou a Requerente, na pessoa do sócio gerente C…, para proceder à junção dos documentos comprovativos dos movimentos bancários, pois a Requerente prestou esclarecimentos mas não juntou qualquer documento que comprovasse que os movimentos eram de origem particular.

 

            v) A Directora de Finanças Adjunta da Área da Inspecção da DF do Porto deferiu o pedido de prorrogação do prazo para cumprimento da notificação do dia 25/9/2014 (primeiro para 16/10/2014 e, depois, para 20/10/2014), e deferiu o pedido de prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição, por despacho de 19/11/2014.

 

            vi) No que se refere às correcções em causa (relativas a omissão de vendas e a negócio simulado), concluiu-se, quanto à omissão de vendas, estarem em causa “entradas” nas contas bancárias tituladas pelos sócios gerentes e utilizadas na actividade da empresa, que não foram registadas na contabilidade da Requerente e que, após notificação para apresentar documentos comprovativos dos movimentos contabilizados, a mesma alegou (e alega) serem movimentos particulares mas sem exibir documentos comprovativos, pelo que os SIT consideraram que as “entradas” como o resultado de vendas omissas, relativas aos anos de 2010 e 2011.

 

            vii) Com efeito, e como se mencionou em iv), os SIT solicitaram esclarecimentos à ora Requerente, nomeadamente os documentos de suporte aos referidos movimentos bancários não contabilizados na empresa (v. anexo 1 ao RIT). Em resposta, a ora Requerente apresentou mapas identificando movimentos considerados particulares, mas não apresentou documentos comprovativos do que foi neles por si alegado (v. anexos 4 a 6 ao RIT). O mesmo sucedeu nesta sede arbitral.

 

            viii) Ao contrário do que alegou a ora Requerente, as contas da empresa não foram todas bloqueadas, uma vez que foram efectuados alguns movimentos nessas mesmas contas durante o período objecto da acção inspectiva, nomeadamente o crédito de valores respeitantes aos reembolsos de IVA, sendo que existiam, também, contas tituladas pela Massa Insolvente. Atendendo a que eram utilizadas as contas bancárias dos sócios para desenvolvimento da actividade da empresa, os SIT procederam à comparação entre os valores constantes dos extractos bancários das contas bancárias e os valores que foram relevados contabilisticamente, tendo sido apurado pelos referidos SIT que existiam movimentos que não tinham sido contabilizados na empresa, tendo, nesse sentido, sido solicitados esclarecimentos à ora Requerente, os quais não foram satisfatórios, como se assinalou no ponto anterior [vii)].

 

ix) No que se refere ao invocado negócio simulado, foi constatada, na análise feita pelos SIT aos elementos contabilísticos do exercício de 2010, a contabilização da factura n.º 1/2, no mesmo montante (€22.750,00 + IVA à taxa normal em vigor, no valor de €4550,00) de cada uma das duas anteriores, datadas de 30/10/2009 e de 30/12/2009, da sociedade «D… – Unipessoal, Lda.», e também com o mesmo descritivo («elaboração de um projecto industrial (restruturação) das v/instalações»). A referida factura foi contabilizada nas contas 622115, 2432211 e 2711111707, em 31/1/2010, sendo o pagamento contabilizado em 29/1/2010, por contrapartida da conta caixa.

 

            x) Pela consulta do Sistema do Cadastro, verificou-se que o sócio único da referida sociedade «D… – Unipessoal, Lda.», E…, é igualmente sócio, com uma quota de 50% do capital social, da Requerente. Desde o início da actividade, consta como TOC da referida «D…» G…, que é, também, TOC da Requerente. Pelo exposto, concluiu-se pela existência de relações especiais.

 

            xi) Como se pode ler no relatório dos SIT, a empresa «D… – Unipessoal, Lda.» não tinha gastos associados às facturas emitidas, nem trabalhadores assalariados, e não tinham sido pagos rendimentos da categoria B ao arquitecto B….

 

xii) Em face dos elementos acima descritos, em ix) a xi) – e atendendo, ainda, ao facto de o pagamento ter sido efectuado por caixa e apenas terem sido realizadas algumas obras nas instalações da Requerente em 2014 (apesar das facturas terem sido emitidas em 2009 e 2010) –, entendeu-se ser necessária a correcção dos valores em causa declarados em sede de IRC, nos termos do disposto no art. 23.º do CIRC.  

 

            xiii) O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objecto o acto de liquidação de IRC e juros compensatórios referente ao período de tributação de 2011, visto que é este o único a ser identificado pela ora Requerente na sua petição (liquidação do período de 2011, n.º 2014 …, no valor de €25.140,50).

 

xiv) Ao contrário do que afirmou a Requerente, no seu requerimento de 9/10/2015, as correcções efectuadas em sede de IRC para o ano de 2010 e de 2011 não “apenas originaram uma liquidação adicional de imposto para o ano de 2011”, visto que as correcções quanto ao ano de 2010 originaram a emissão da liquidação n.º 2014 …, no valor de €20,48 (v. documentos extraídos do Sistema Informático da AT, juntos aos autos pela Requerida, e que se julgam fidedignos). Esta liquidação foi notificada e entregue em 23/12/2014, pelo que não pode ser enquadrada neste processo arbitral, dado que, tendo a petição sido apresentada a 8/5/2015, já tinha decorrido, nessa data, o prazo legal para a impugnação desta liquidação em sede arbitral (23/12/2014 + 25 dias do art. 39.º, n.º 10, do CPPT = 18/1/2015 + 90 dias do art. 10.º, n.º 2, al. a), do RJAT = 17/4/2015). Assim sendo, o pedido de pronúncia, na parte em que vise esta liquidação de IRC, é intempestivo e dele o Tribunal não pode conhecer.

            3.2. Factos não provados: as alegações da ora Requerente relativas à justificação das movimentações bancárias em causa e supra assinaladas (porque, como se referiu, não foi feita a necessária comprovação documental das mesmas).

 

            3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos presentes autos. Os factos considerados não provados (v. 3.2) fundamentam-se, como já foi mencionado, na falta da necessária prova documental demonstrativa das alegações feitas.

           

IV – Questões Prévias: Excepção de Intempestividade e Excepção de Ineptidão da Petição Inicial

 

Quanto à excepção de intempestividade invocada pela Requerida no seu requerimento de 15/10/2015, pouco há a acrescentar ao que consta do ponto xiv) dos factos provados.

 

 Com efeito, ao contrário do que afirmou a ora Requerente, no seu requerimento de 9/10/2015, as correcções efectuadas em sede de IRC para o ano de 2010 e de 2011 não “apenas originaram uma liquidação adicional de imposto para o ano de 2011”, visto que as correcções quanto ao ano de 2010 originaram a emissão da liquidação n.º 2014 …, no valor de €20,48 (conforme documentos extraídos do Sistema Informático da AT, juntos aos autos pela Requerida, e que se consideram fidedignos).

 

Esta liquidação foi notificada e entregue em 23/12/2014, não podendo ser enquadrada no presente processo arbitral, uma vez que, tendo a p.i. sido apresentada em 8/5/2015, já tinha decorrido o prazo legal para a impugnação desta liquidação em sede arbitral (23/12/2014 + 25 dias do art. 39.º, n.º 10, do CPPT = 18/1/2015 + 90 dias do art. 10.º, n.º 2, al. a), do RJAT = 17/4/2015). Razão pela qual o pedido de pronúncia, na parte em que vise a liquidação de IRC n.º 2014 …, é intempestivo e dele o Tribunal não pode conhecer.

 

            Relativamente à excepção de ineptidão da petição inicial, invocada pela Requerida na sua resposta, constata-se, de facto, alguma confusão nos termos utilizados para a apresentação da pretensão da Requerente, ora fazendo referência a “acto”, ora fazendo referência a “actos”.

 

No entanto, entende-se – fazendo um mínimo necessário esforço interpretativo – que o que a ora Requerente pretendia ver apreciada era a liquidação adicional de imposto para o ano de 2011, pelo que, evitando rigorismos, não se mostra injustificado considerar que existe, nos termos já referidos, inteligibilidade entre o pedido e a causa de pedir, ainda que originalmente se tenha expressado de modo imperfeito. 

 

            Em conclusão: pelas razões apontadas, improcede a excepção por ineptidão da petição inicial e procede a excepção por intempestividade (v. art. 576.º, n.º 1 e 3, do CPC), pelo que o objecto do presente processo dirá somente respeito à liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios do ano de 2011 [v. ponto xiii) dos factos provados].

 

V – Do Direito

 

            As questões que se colocam no presente processo consistem, em síntese, em saber se: 1) houve, ou não, erro no procedimento de avaliação da matéria tributável e, nomeadamente, se era, neste caso, inviável o apuramento da matéria tributável de IRC por via da avaliação directa; 2) houve, ou não, ilegalidade das correcções feitas por recurso à avaliação directa, nomeadamente, as que se referem ao negócio simulado e à omissão nas vendas; 3) houve, ou não, violação do princípio da verdade material e vício de fundamentação das correcções. Subsequentemente, tratar-se-á da questão relativa aos juros indemnizatórios peticionados pela Requerente [4)].

 

1) Sobre o Apuramento da Matéria Tributável de IRC por Avaliação Directa

 

Entende a ora Requerente que “o acto que aqui se impugna é ilegal, por erro quanto ao procedimento de determinação da matéria tributável”, na medida em que “os elementos em que a AT fundou as correcções à matéria tributável não permitem a sua quantificação directa e exacta, ou seja, por via da avaliação directa”. Por seu lado, a AT respondeu que “não [...] assiste razão [à ora Requerente porque,] in casu, conforme consta do RIT que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o valor apurado de omissões de vendas resulta dos valores creditados nas contas bancárias tituladas pelos sócios gerentes e utilizadas na actividade da empresa, que não foram registados na contabilidade do sujeito passivo, nem foi comprovado que se tratavam de movimentos alheios à empresa. Em momento algum é referido no RIT que os serviços de inspecção se depararam com a impossibilidade de quantificar directa e exacta a matéria colectável, ou que tenham recorrido a qualquer metodologia indiciária ou baseada em presunções.”

 

Pela análise dos presentes autos, constata-se que – como se salientou no ponto vi) dos factos provados – as correcções referidas dizem respeito a “entradas” nas contas bancárias tituladas pelos sócios gerentes e utilizadas na actividade da empresa, que não foram registadas na contabilidade da Requerente. Após notificação para apresentar documentos comprovativos dos movimentos contabilizados, a Requerente alegou serem movimentos particulares mas não exibiu documentos comprovativos, pelo que os SIT consideraram, correctamente, que se trata de vendas omissas à contabilidade, relativas aos anos de 2010 e 2011.

 

Não houve, pois, recurso a indícios ou presunções, apenas a consideração dos valores objectivos e exactos creditados nas referidas contas bancárias, atenta a justificação dada pelos SIT e a falta de devida comprovação documental, por parte da Requerente, da sua alegação de que tais valores seriam respeitantes a movimentos particulares.

 

Este procedimento foi correcto, visto que não se mostrava impossível a quantificação directa e exacta da matéria colectável, e ainda porque, nos termos do disposto no artigo 85.º, n.º 1, da LGT, a avaliação indirecta tem carácter subsidiário.

 

Neste sentido, e como salienta, por ex., o seguinte Acórdão, “o apuramento alternativo pela A. Fiscal deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos directos ou correcções técnicas, isto é, pela determinação da matéria colectável através dos elementos da própria contabilidade do sujeito passivo, e só pode haver recurso a métodos presuntivos quando aquele apuramento directo se mostre de todo inviável, não gozando a Fazenda Pública de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável. [Assim sendo, a] desconsideração contabilística dos custos constantes de facturas que não titulam operações efectivamente realizadas deve ter fundamento no art. 23.º do C.I.R.C., operar-se através de correcções meramente aritméticas à matéria colectável (que não através de métodos indirectos) e tal modo de proceder não violando (antes sendo imposto) o princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real (cfr. art. 104.º, n.º 2, da C.R.P.).” (Acórdão do TCAS de 16/4/2013, proc. 5721/12).

            Neste termos, e observando-se, ainda, pela leitura do capítulos III e IX do RIT, que aí foram expostas, de uma forma clara e rigorosa, as razões de facto e de direito subjacentes às correcções de natureza meramente aritmética – com base na declaração do contribuinte e sem ter havido recurso a métodos presuntivos –, conclui-se que não assiste razão, nesta parte, à ora Requerente.

 

            2) Sobre a Legalidade das Correcções por Recurso à Avaliação Directa

 

No que diz respeito, especificamente e com maior detalhe, à legalidade da correcção relativa à omissão de vendas, cabe assinalar que, como já se notou na matéria considerada provada [v. ponto viii)], ao contrário do que alegou a ora Requerente, as contas da empresa não foram todas bloqueadas, dado que foram efectuados alguns movimentos nessas mesmas contas durante o período objecto da acção inspectiva, nomeadamente o crédito de valores respeitantes aos reembolsos de IVA, sendo que existiam, também, contas tituladas pela Massa Insolvente. Tendo em consideração que eram utilizadas as contas bancárias dos sócios para desenvolvimento da actividade da empresa, os SIT procederam à comparação entre os valores constantes dos extractos bancários das contas bancárias e os valores que foram relevados contabilisticamente, tendo sido apurado, pelos citados SIT, que existiam movimentos que não tinham sido contabilizados na empresa, tendo, nesse sentido, sido solicitados esclarecimentos à Requerente, os quais não foram tidos por satisfatórios [v. anexos 4 a 6 ao RIT, e ponto vii)].

 

Com efeito, para justificação e comprovação dos alegados movimentos particulares, a Requerente: i) quanto à conta do Banco...A, apenas apresentou o mapa que consta em anexo ao RIT (anexo 4), sem que tenha apresentado algum documento. Apresentou e-mails trocados com o Banco...B, mas verifica-se que no dia 6 de Outubro apenas foram solicitadas fotocópias de transferências, não tendo sido pedidos os cheques emitidos, nem os depósitos recebidos; ii) quanto à conta bancária do BANCO...C, a Requerente também não exibiu qualquer documento comprovativo dos movimentos particulares, apresentado apenas o mapa que consta como anexo 5 ao RIT, de onde constam justificações genéricas (tal como sucedeu no anexo 4). Apresentou, ainda, e-mails trocados com o banco BANCO...C, verificando-se que no dia 10 de Outubro apenas foram solicitadas fotocópias de duas transferências, e que não foram pedidos os restantes documentos solicitados na notificação; iii) finalmente, quanto à conta bancária da CGD, a Requerente entregou, uma vez mais, um mapa com a identificação dos movimentos que considerava particulares, sem a apresentação de documentos comprovativos do alegado, como se pode observar pelo anexo 6 ao RIT.

 

Por todo o exposto, conclui-se que a apreciação da AT foi correcta, e que a Requerente incorreu em violação dos artigos 98.º, n.º 1, do CIRC (nos termos do qual é obrigada a dispor de contabilidade organizada de acordo com a lei comercial e fiscal, que permita o controlo do lucro tributável e que cumpra os requisitos referidos no n.º 3 do artigo 17.º), e 63.º-C, n.º 1 e 3, da LGT (não possuía conta bancária exclusiva para pagamentos e recebimentos relativos à actividade da empresa, e realizava pagamentos de valor superior ao permitido em numerário).

 

Quanto ao negócio simulado, a Requerente afirma que o mesmo não existe “porque os serviços foram efectivamente adquiridos pela sociedade Requerente à sociedade transmitente devidamente identificada no relatório de fundamentação, o qual culminou na elaboração de um projecto de arquitectura da autoria do Arquitecto B… para a unidade industrial da [Requerente], fazendo-se, assim, a prova que a emissão das facturas em apreço resultou de uma transacção comercial realizada entre as partes, porque todas as facturas foram objecto de pagamento em numerário/moeda corrente, havendo assim movimento de valores pecuniários inerentes à compra realizada”. Acrescenta, ainda, que o facto da operação em causa ter sido efectuada em numerário “em nada prejudica a efectiva realidade/materialidade das operações realizadas”.

 

Contudo, como se referiu nos pontos ix) a xii) da factualidade provada, foi constatada, na análise feita pelos SIT aos elementos contabilísticos do exercício de 2010, a contabilização da factura n.º 1/2, no mesmo montante (€22.750,00 + IVA à taxa normal em vigor, no valor de €4550,00) de cada uma das duas anteriores, datadas de 30/10/2009 e de 30/12/2009, da sociedade «D… – Unipessoal, Lda.», e também com o mesmo descritivo («elaboração de um projecto industrial (restruturação) das v/instalações»). A referida factura foi contabilizada nas contas 622115, 2432211 e 2711111707, a 31/1/2010, sendo o pagamento contabilizado em 29/1/2010, por contrapartida da conta caixa.

 

            Ora, pela consulta do Sistema do Cadastro, verificou-se que o sócio único da referida sociedade «D… – Unipessoal, Lda.», E…, é igualmente sócio, com uma quota de 50% do capital social, da Requerente. Desde o início da actividade, consta como TOC da referida «D…» G…, que é, também, TOC da Requerente. Pelo exposto, concluiu-se pela existência de relações especiais. Por outro lado, e como se lê no relatório dos SIT, a empresa «D… – Unipessoal, Lda.» não tinha gastos associados às facturas emitidas, nem trabalhadores assalariados, e não tinham sido pagos rendimentos da categoria B ao arquitecto B….

 

Assim, em face dos elementos acima descritos, em ix) a xi) – e atendendo, ainda, ao facto de o pagamento ter sido efectuado por caixa e apenas terem sido realizadas algumas obras nas instalações da ora Requerente em 2014 (apesar das facturas terem sido emitidas em 2009 e 2010) –, entendeu-se, e correctamente, ser necessária a correcção dos valores em causa declarados em sede de IRC, nos termos do disposto no art. 23.º do CIRC.

 

            Nestes termos, conclui-se que também não assiste razão, nesta parte, à ora Requerente.

           

            3) Sobre o Princípio da Verdade Material e o Dever de Fundamentação

 

            Alega, ainda, a Requerente, que “a AT não procurou recolher elementos necessários à obtenção da verdade material junto da sociedade contribuinte, conforme se refere, apenas baseando a sua fundamentação [...] nas entradas e transferências bancárias nas contas tituladas pelo gerente C… [...]” e que, “na falta de elementos, a AT não diligenciou no sentido de investigar e aprofundar a realidade dos factos, apenas se limitando a subverter a realidade contabilística da impetrante”. Acrescenta, por último, que a AT “não esclarece[u] devidamente o contribuinte interessado relativamente à eventual correspondência entre o valor de matéria colectável alcançado e o número de vendas omissas, não lhe possibilitando conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo Autor do acto que se impugna [...] [pelo que ocorreu] vício de fundamentação, susceptível de, à luz da al. c) do art. 99.º do CPPT, afectar a validade intrínseca do acto tributário stricto sensu em que se traduz a liquidação adicional”.

 

            Não se vislumbra, contudo, a invocada violação do princípio da verdade material ou do dever de fundamentação.

 

Com efeito, e como bem refere a AT, a Inspecção Tributária realizou diversos actos e diligências ao abrigo dos princípios do inquisitório e da colaboração, tendo em vista a devida prossecução do princípio da verdade material: “Analisou a informação constante das contas bancárias dos sócios, que eram utilizadas na empresa, procedendo à comparação entre os valores dos extratos bancários das contas tituladas pelos sócios e os valores que foram relevados contabilisticamente, tendo apurado que nem todos os movimentos foram objeto de contabilização; Enviou, no dia 29 de Agosto de 2014, um e-mail à Requerente solicitando a apresentação dos documentos de suporte aos movimentos bancários que não tinham sido contabilizados (cfr. Anexo 1 do RIT); Notificou a Requerente, no dia 25 de Setembro de 2014, na pessoa do sócio gerente C…, para proceder à junção dos documentos comprovativos dos movimentos bancários, pois a Requerente prestou esclarecimentos mas, contrariamente ao solicitado, não juntou qualquer documento que comprovasse que os movimentos das contas eram de origem particular (cfr. Anexo 2 e 3) [...]; [D]eferiu o pedido de prorrogação do prazo para cumprimento da notificação do dia 25 de Setembro de 2014, bem como deferiu o pedido de prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição” (vd., também, pontos iv) e v) da factualidade provada).

 

Não se verifica, portanto, qualquer comportamento violador do invocado princípio da verdade material, o mesmo se podendo dizer quanto ao dever de fundamentação, dado que a fundamentação existe, é detalhada e permitiu à ora Requerente entender o iter cognoscitivo e valorativo da decisão recorrida, possibilitando-lhe a reacção legal contra a mesma.  

 

            Este tem sido o entendimento generalizado na jurisprudência, como se demonstra, por ex., pelo seguinte Acórdão: “as exigências de fundamentação não são inflexíveis, podendo variar de acordo com o tipo de acto e o circunstancialismo concreto em que o mesmo foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae a que se refere o artigo 487.º, n.º 2, do C. Civil – fique conhecedor das razões de facto e de direito que lhe subjazem, de modo a permitir-lhe optar, de forma elucidada, entre a aceitação do acto ou a utilização dos meios legais de reacção, e de maneira a que, neste caso, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual. O dever de fundamentação fica assegurado sempre que, apesar da inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao teor expresso do acto, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram.” (Acórdão do TCAS de 18/9/2014, proc. 6789/13).

 

            No mesmo sentido, veja-se, ainda, por exemplo, o seguinte Acórdão: “A decisão da Administração de proceder à correcção da matéria tributária, quer por recurso a métodos directos (correcções aritméticas), quer por recurso a métodos indirectos, [entende-se que está fundamentada se contiver] a especificação das concretas razões de facto e de direito que motivaram as correcções, de modo a que o contribuinte compreenda o itinerário cognoscitivo da decisão, podendo, se inconformado, socorrer-se dos meios legais de reacção contra tal decisão” (Ac. do TCAS de 10/7/2015, proc. 2261/08).

 

4) Sobre o Direito a Juros Indemnizatórios

 

A declaração da ilegalidade e consequente anulação de acto administrativo confere ao seu destinatário o direito à reintegração da situação em que o mesmo se encontraria antes da execução do acto anulado. Contudo, como o acto aqui em causa não padece, pelas razões já expostas em 1), 2) e 3), de qualquer ilegalidade ou erro imputável aos serviços, não há razão para a sua anulação e, portanto, conclui-se que, no presente caso, não são devidos quaisquer juros indemnizatórios à ora Requerente.

 

***

 

            VI – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar procedente a excepção peremptória de intempestividade do presente pedido na parte que diga respeito à liquidação n.º 2014 ….

            - Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se integralmente na ordem jurídica o acto impugnado (a liquidação n.º 2014 …), e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

            - Julgar improcedente o pedido na parte relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.

 

           

Fixa-se o valor do processo em €25.140,50 (vinte e cinco mil cento e quarenta euros e cinquenta cêntimos), nos termos dos artigos 32.º do CPTA e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da Requerente, no montante de €1530,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 30 de Novembro de 2015.

 

 

O Árbitro,

 

 

 

Miguel Patrício

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.