Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 293/2015-T
Data da decisão: 2015-11-16  IVA  
Valor do pedido: € 183.356,45
Tema: IVA - Taxa de IVA a aplicar às transações de coroas, implantes e pilares constitutivos de próteses dentárias quando transacionados em separado, interpretação da Verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro presidente), Ricardo Jorge Rodrigues Pereira e Emanuel Augusto Vidal Lima, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

            I. RELATÓRIO

            1. No dia 5 de Maio de 2015, A… Unipessoal, Lda., NIPC …, com sede na Rua …, n.º …, … andar, … Porto (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade de liquidações de IVA, referentes aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, e de juros compensatórios, bem como o reconhecimento do direito a pagamento de juros indemnizatórios.

            Figura, no processo, como Requerida, a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).   

11. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 7 de Maio de 2015.

1.2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

1.3. Em 7 de Julho de 2015, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do art. 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

1.4. Assim, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 22 de Julho de 2015.

2. No requerimento inicial por si oferecido, o Sujeito Passivo alega, no essencial, o seguinte:

            2.1. A Requerente tem por actividade a comercialização de material ortopédico, próteses e instrumentos médico-cirúrgicos, com especial incidência para os implantes dentários e material acessório, efectuando vendas para o mercado interno a médicos dentistas e técnicos de prótese dentária (ou clínicas) que trabalham em implantologia;

            2.2. Sobre os implantes e pilares alienados, destinados à prótese dentária, a Requerente aplica a taxa reduzida de IVA, ao abrigo da verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA, porquanto, sendo a prótese dentária substitutiva do dente constituída por três elementos – implante, pilar e coroa –, os implantes e pilares não são só artefactos, como naturalmente são considerados material de prótese – insusceptíveis de qualquer outra utilização que não a da implantologia dentária – e, assim, material utilizado na criação de uma peça artificial que substitui uma parte do corpo humano, concretamente, um dente artificial destinado a restabelecer a função mastigatória e estética dos dentes perdidos ou fracturados;

2.3. Considerando a letra da lei – “artefactos e demais material de prótese” –, deve concluir-se que os pilares e implantes estão incluídos no âmbito objetivo da norma de incidência constante da verba 2.6 da Lista I anexa ao C.I.V.A;

2.4. A Requerente foi sujeita a uma acção inspectiva externa, levada a cabo pela AT, relativa aos anos de 2010 a 2013, na sequência da qual foram realizadas correcções oficiosas em sede de IVA, com base em alegado erro da Requerente na aplicação da taxa reduzida de IVA (6%) a componentes de próteses dentárias que a AT considera estarem sujeitas à taxa normal de IVA (23%);

2.5. Nessa sequência, a AT efetuou diversas liquidações de IVA e de juros compensatórios, cujos somatórios dos respetivos valores unitários ascendeu, respetivamente, ao valor total de € 170.281,73 e de € 13.074,72, perfazendo o montante global a pagar de € 183.356,45. A Requerente optou por efetuar o pagamento da totalidade do imposto e dos juros compensatórios liquidados;

2.6. O entendimento (da AT) segundo o qual a Requerente deveria ter aplicado a taxa máxima de IVA àquele tipo de material, enferma de manifesto erro de interpretação dos factos e, outrossim, das disposições legais aplicáveis, pelo que as liquidações de IVA e de juros compensatórios em apreço são manifestamente ilegais;

2.7. A AT parte do texto legal para nele perscrutar um sentido que não se alcança, nem na sua letra, nem no seu espírito, violando, assim, não só a norma citada, como o princípio da neutralidade do IVA, uma vez que está a privilegiar próteses substitutivas do dente de peça única (“pontes” e “dentaduras” ou “placas dentárias”) em detrimento das próteses substitutivas compostas por implante, pilar e coroa;

2.8. A posição, defendida pela AT, no sentido de que apenas as unidades únicas de implante estariam incluídas na incidência objetiva da verba 2.6 da Lista I anexa ao C.I.V.A., não tem qualquer suporte na letra da lei, pois se o legislador usou as expressões “artefactos” e “material de prótese”, não aludindo nunca a “unidades únicas”, não poderá a AT retirar da letra da lei tal restrição, sendo que se essa tivesse sido a pretensão do legislador, este tê-lo-ia inequivocamente expressado naquele preceito legal;

2.9. É tecnicamente impossível proceder à transmissão de uma única unidade de implante, pois a implantação de um dente artificial tem de ser ajustada às características morfológicas de cada paciente (isto é, o implante e o pilar têm que ser seleccionados em conformidade com as características concreta que cada indivíduo apresenta), pelo que a ideia da AT de que é possível proceder à transmissão de uma única unidade de implante não é, na prática, passível de se concretizar;            

2.10. Não há fundamento que legitime um tratamento diferenciado das próteses dentárias “clássicas” face às atuais próteses por implante, sendo que esse tratamento diferenciado viola o princípio da neutralidade, subjacente à tributação em IVA, na medida em que promove um efeito deturpador da concorrência;   

2.11. Devida é, em consequência, a «declaração de ilegalidade das liquidações em apreço, por vício de violação de lei», bem como o reconhecimento do direito a «juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto, nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT e, bem assim, 61.º do CPPT»;   

2.12. A Requerente juntou 10 (dez) documentos, incluindo um parecer da autoria do Professor B…, arrolou uma testemunha e requereu o aproveitamento nestes autos da perícia realizada no processo n.º 530/2014-T do CAAD. 

3. No dia 29 de Setembro de 2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta, na qual impugna, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente e conclui pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida não juntou qualquer documento, não arrolou qualquer testemunha, nem requereu a produção de quaisquer outros meios de prova. Procedeu, contudo, à junção do respectivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).   

A A.T. alicerça a sua contestação, essencialmente, nos seguintes argumentos:

3.1. Os materiais de prótese apenas são tributados à taxa reduzida de IVA se se destinarem ao fim definido na verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA, ou seja, à substituição de parte do corpo com deficiência ou enfermidade ou da sua função. Esta interpretação tem por consequência que os bens que consistam em peças, partes e acessórios daquelas próteses não sejam abrangidos pela dita verba 2.6, uma vez que, para além de não serem prótese, não são aptos a cumprir, considerados individualmente, a função de substituição de uma parte do corpo ou da sua função;

3.2. A referida verba 2.6 apenas abrange a transmissão do artigo que, em si, configure uma peça artificial que substitua o órgão do corpo humano ou parte dele, isto é, “autonomamente ou unitariamente”. Por isso, na prótese dentária por implante aplica-se a taxa normal de IVA à transmissão das peças de ligação ou fixação, uma vez que as mesmas não cumprem, em si, objetivamente, a função descrita na referida verba 2.6;

3.3. Tendo em consideração que as situações de tributação à taxa reduzida constituem excepções à aplicação da taxa normal do IVA e, portanto, representam um desvio à aplicação do regime geral do imposto, o TJUE tem-se orientado, nesta matéria, pela aplicação do princípio da interpretação estrita;

3.4. Partindo do elemento literal da norma, verifica-se que não basta estarmos perante “aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação”, sendo necessário que estes bens sejam aptos a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano. Nessa medida, há que fazer a distinção entre o conceito de implante e o conceito de material de prótese, sendo que por material de prótese deve entender-se aquele que se destine ou seja apto à substituição de um membro ou órgão do corpo humano, de forma total ou parcial. Concretamente no que à prótese por implante respeita, o implante é o modo de fixação da prótese; a prótese consiste na peça designada por coroa (dente artificial em porcelana), a qual não é fornecida pela Requerente;

3.5. Atendendo ainda ao elemento literal da norma, o legislador alude a material de prótese e não a material para prótese (para aplicação numa prótese), o que indica que está a excluir as peças de ligação ou fixação de próteses (o implante e o pilar são apenas componentes, desempenhando, respetivamente, a função de fixação e suporte da prótese), como as transacionadas pela Requerente;       

3.6. A dita verba 2.6 restringe-se aos bens completos, isto é, àqueles que, por si mesmos, podem substituir um órgão ou membro do corpo humano e não quaisquer elementos que sejam utilizados individualmente no processo de substituição. É esta a ratio da norma: tributar à taxa reduzida produtos especificamente concebidos para a correcção ou compensação de deficiências ou para a substituição, total ou parcial, de órgãos ou membros do corpo humano; esta verba aplica-se, pois, aos aparelhos e próteses em si, produto final, no caso em apreço, ao dente artificial (prótese); 

3.7. A transmissão das citadas peças de ligação e implantação da prótese dentária é tributada à taxa normal, por falta de enquadramento em qualquer uma das listas anexas ao C.I.V.A.;

3.8. O princípio da neutralidade do IVA não resulta violado, pois, se estamos a falar da neutralidade sobre a tributação dos diferentes tipos de prótese, temos de comparar a transmissão da prótese amovível com a da prótese fixa; e não com a da prótese fixa acrescida de peças de fixação e de ligação; 

3.9. Não assiste qualquer razão à Requerente nas suas pretensões, devendo ainda ser negado provimento ao pedido de juros indemnizatórios, uma vez que não se verifica o circunstancialismo de facto exigido para a aplicação do disposto no artigo 43.º da LGT; 

4. Na sequência do deferimento do seu pedido de aproveitamento da prova pericial produzida no processo n.º 530/2014-T do CAAD, a Requerente prescindiu da produção de prova testemunhal, pelo que, não havendo outra prova a produzir, nem matéria de excepção a apreciar, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT;

5. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações escritas.   

***

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

            Não há excepções ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III.MÉRITO

III.1. Matéria de facto

§1. Factos provados

Julgam-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas que se dedica à comercialização de material ortopédico, próteses e instrumentos médico-cirúrgicos, com especial incidência para os implantes dentários e material acessório;

b) A Requerente encontra-se enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC e no Regime normal de periodicidade mensal em sede de IVA;

c) No exercício da sua actividade, a Requerente efectua vendas para o mercado interno.

d) Os artigos comercializados pela Requerente são essencialmente dispositivos médicos utilizados no sector da implantologia, entre os quais se contam implantes dentários e outros dispositivos de prótese;

e) Os clientes da Requerente são médicos dentistas e técnicos de prótese dentária (ou clínicas), que trabalham em implantologia e utilizam os produtos da requerente para a reabilitação oral dos respetivos pacientes;

f) Sobre os implantes e pilares alienados, a Requerente aplica a taxa de 6% de IVA, ao abrigo da verba 2.6 da Lista I anexa ao C.I.V.A;

g) A coberto das Ordens de Serviço n.º OI2014… e n.º OI2014…, a Requerente foi sujeita a uma acção inspectiva externa, levada a efeito pelos serviços de Inspecção Tributária da Direção de Finanças do Porto, relativa aos anos/exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013, tendo sido de âmbito geral relativamente ao ano de 2010 e de âmbito parcial (apenas incidindo sobre o IVA) relativamente aos demais exercícios (cf. PA junto aos autos);

h) Na sequência daquela acção inspectiva, os serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto elaboraram o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor aqui se dá como inteiramente reproduzido e do qual consta, além do mais, o conteúdo que aqui se respiga:

i) Na sequência das correcções efectuadas, em sede de IVA, relativamente aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, resultantes da referida acção inspectiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA e de juros compensatórios (cf. Doc. n.º 1 junto à petição inicial):

- Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201001 a 201003, no montante total a pagar de € 3.403,65;

- Liquidação de JC n.º …, referente ao período 201001 a 201003, no montante total a pagar de € 609,49;

- Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201004 a 201006, no montante total a pagar de € 3.003,90;

- Liquidação de JC n.º …, referente ao período 201004 a 201006, no montante total a pagar de € 507,95;

- Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201007 a 201009, no montante total a pagar de € 3.287,88;

- Liquidação de JC n.º …, referente ao período 201007 a 201009, no montante total a pagar de € 523,18;

- Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201010 a 201012, no montante total a pagar de € 3.508,05;

- Liquidação de JC n.º …, referente ao período 201010 a 201012, no montante total a pagar de € 522,84;

- Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201101 a 201103, no montante total a pagar de € 3.551,30;

- Liquidação de JC n.º …, referente ao período 201101 a 201103, no montante total a pagar de € 494,26;

- Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201104 a 201106, no montante total a pagar de € 6.619,80;

- Liquidação de JC n.º …, referente ao período 201104 a 201106, no montante total a pagar de € 854,59;

- Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201107 a 201109, no montante total a pagar de € 3.230,90;

- Liquidação de JC n.º …, referente ao período 201107 a 201109, no montante total a pagar de € 384,52;

- Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201110 a 201112, no montante total de € 4.857,90;

- Liquidação de JC consubstanciada no documento n.º2014…, referente ao período 201110 a 201112, no montante total de € 529,71;

- Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201201 a 201203, no montante total de € 16.248,61;

- Liquidação de JC consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201201 a 201203, no montante total de € 1.611,50;

- Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201204 a 201206, no montante total de € 15.784,45;

- Liquidação de JC consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201204 a 201206, no montante total de € 1.404,59;

- Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201207 a 201209, no montante total de € 14.420,22;

- Liquidação de JC consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201207 a 201209, no montante total de € 1.139,39;

- Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201210 a 201212, no montante total de € 19.624,98;

- Liquidação de JC consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201210 a 201212, no montante total de € 1.352,77;

- Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201301 a 201303, no montante total de € 16.990,38;

- Liquidação de JC consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201301 a 201303, no montante total de € 1.005,45;

- Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201304 a 201306, no montante total de € 17.211,64;

- Liquidação de JC consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201304 a 201306, no montante total de € 843,13;

- Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201307 a 201309, no montante total de € 17.943,33;

- Liquidação de JC consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201307 a 201309, no montante total de € 700,03;

- Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201310 a 201312, no montante total de € 20.594,74;

- Liquidação de JC consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201310 a 201312, no montante total de € 591,32 €.

j) A Requerente efectuou o pagamento voluntário da totalidade do imposto e juros compensatórios liquidados pela AT, no montante global de € 183 356,45 (cf. Ponto I-2 a 4 do Requerimento arbitral e o  Doc. n.º 2, junto à petição inicial);

k) O dente é um órgão que faz parte do sistema estomatognático que no seu todo exerce a função de mastigar, falar, deglutir, sorrir e com função táctil (cf. Docs. n.ºs 4 e 8 juntos à petição inicial);

l) Cada dente que integra este sistema tem funções específicas, nomeadamente de incisar, cortar e triturar os elementos constituintes da alimentação (cf. Docs. n.ºs 4 e 8 juntos à petição inicial);

m) A implantologia é uma área cirúrgica da Medicina Dentária que se dedica à colocação de implantes dentários, destinando-se a repor dentes perdidos através de implantes dentários em titânio e coroas – próteses dentárias (cf. Docs. n.ºs 4 e 8 juntos à petição inicial);

n) Os implantes dentários são estruturas em titânio puro, colocados na maxila ou na mandíbula, que substituem as raízes de dentes perdidos (cf. Docs. n.ºs 4 e 8 juntos à petição inicial);

o) Os implantes dentários oferecem uma solução segura e permanente para a substituição de um ou mais dentes, funcionando como pilares de suporte para coroas unitárias e pontes fixas ou removíveis, parciais ou totais (cf. Docs. n.ºs 4 e 8 juntos à petição inicial);

p) O implante dentário é material de prótese que serve para substituir um dente natural, mais concretamente um parafuso de titânio que se destina a substituir a raiz de um dente natural que, por qualquer motivo, foi extraído (cf. Docs. n.ºs 4 e 8 juntos à petição inicial);

q) Segundo o Parecer da Comissão Cientifica da Ordem dos Médicos Dentistas, datado de 27 de Fevereiro de 2014, “os implantes dentários são dispositivos colocados no osso dos maxilares com o objectivo de efectuar a reabilitação oral dos pacientes desdentados, restabelecendo a função e a estética dos pacientes e, por consequência, a saúde dos mesmos” (cf. Doc. n.º 5 junto à petição inicial);

r) A prótese dentária por implante dentário é constituída por três elementos: implante, pilar e coroa (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

s) O implante é a estrutura posicionada cirurgicamente no osso maxilar abaixo da gengiva, com vista a cumprir a função da raiz do dente (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

t) O pilar é uma estrutura cilíndrica inserida no implante (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

u) Sobre o pilar é colocada uma coroa, artefacto que permite substituir a parte visível do dente (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

v) A coroa é normalmente elaborada por laboratórios de prótese dentária e necessita de se ajustar às características da dentição do paciente, pelo que é especificamente produzida para cada caso (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

w) Enquanto os implantes e pilares são produzidos em série, a coroa – elaborada pelos técnicos de prótese dentária – necessita de se ajustar às características da dentição do paciente em causa, pelo que é concretamente concebida para cada paciente (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

x) Os implantes e pilares em causa consubstanciam material de prótese, ou seja, material utilizado na criação de uma peça artificial que substitui uma parte do corpo humano (in casu, um dente artificial destinado a restabelecer a função mastigatória e estética dos dentes perdidos ou fraturados) (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

y) Os implantes e pilares – e em concreto, os transaccionados pela Requerente – só podem ser utilizados no âmbito da implantologia, visando a substituição, no todo ou em parte, do dente do paciente (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

z) Atentas as características do material em causa, o mesmo não pode ter qualquer outra finalidade ou utilização, ou seja, quando a Requerente vende implantes e pilares, os mesmos serão necessariamente colocados na boca de um paciente, com vista à substituição de um dente (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

aa) De acordo com o Parecer da Comissão Científica da Ordem dos Médicos Dentistas, datado de 27 de Fevereiro de 2014, “estes dispositivos, os implantes dentários, servem de suporte a próteses dentárias que sem a colocação dos mesmos não seriam viáveis” (cf. Doc. n.º 5 junto à petição inicial);

ab) A Ordem dos Médicos Dentistas, na sua Informação de 20 de Fevereiro de 2013, esclarece que “o implante dentário é um dispositivo médico para uso único ao qual são atribuídas as finalidades acima descritas apoiando a reabilitação oral (...), servindo de suporte à prótese dentária” (cf. Doc. n.º 5 junto à petição inicial);

ac) A natureza e qualidade dos implantes e pilares não se altera com a respectiva colocação, isto é, são incorporados na cavidade bucal ajustando-se as específicas características morfológicas do paciente (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

ad) O procedimento cirúrgico de colocação de uma prótese dentária envolve, em princípio, três etapas e pode ter mais do que um interveniente, englobando trabalho de cirurgia, que tem de ser feito por um médico e trabalho de elaboração de prótese, que tem de ser feito por um técnico de prótese, neste caso um protésico (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

ae) A primeira etapa consiste no enterro cirúrgico do implante dentário nivelado com o osso, mas dentro da gengiva (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

af) Após a colocação do implante dentário tem início o processo de união do implante dentário ao osso, a chamada “osseointegração” (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

ag) No final do processo de “osseointegração”, o implante dentário precisa de ser exposto através da remoção da gengiva sobrejacente (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

ah) Numa segunda etapa, o cirurgião verifica o implante para confirmar se a osseointegração foi bem sucedida e, em caso afirmativo, coloca o pilar de fixação que penetra na gengiva (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

ai) Numa terceira etapa, findo o processo de cicatrização que delimita o espaço a ocupar pelo implante, é fabricada e colocada a coroa dentária (dente artificial em porcelana o noutro material) sobre o implante dentário osseointegrado (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

aj) A técnica aconselha, se não requer mesmo, a segmentação do processo em duas fases: colocação do implante dentário, numa fase inicial e colocação do pilar e da coroa, numa fase posterior, dada a dificuldade de sucesso, num só momento, de todas as fases indicadas (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial);

al) Segundo a Informação da Ordem dos Médicos Dentistas, datada de 20 de fevereiro de 2013, “ocorrendo uma dada reabilitação oral sobre (na acepção de “por cima de”) um dado implante, tal resultará na necessidade de colocação de uma peça de ligação e de uma prótese, em períodos que podem ser temporalmente desencontrados”, sendo que “a prescrição da prótese a realizar sobre o(s) implante(s) – ao pressupor necessário diagnóstico e orientações prévios do Médico dentista – pode resultar em encomenda realizada por protésico de, tão-somente, peças acessórias ou instrumentais desconectadas no tempo de aquisição face aos restantes componentes que contribuem para o resultado final da reabilitação oral”  (cf. Doc. n.º 6 junto à petição inicial);

am) De acordo com o Parecer da Comissão Científica da Ordem dos Médicos Dentistas, datado de 27 de Fevereiro de 2014, “o procedimento clínico que permite colocar uma prótese neste tipo de reabilitação inclui, de uma forma geral, a colocação do implante, de uma peça de ligação entre a prótese e o implante. Todos os procedimentos podem ser realizados num único momento ou de forma faseada, dependendo do caso clínico em questão, após análise do médico dentista”. Acresce que “pelo atrás exposto, não existem dúvidas que todos os dispositivos necessários ao procedimento clínico que culmina com a colocação da prótese dentária sobre implantes devem ser considerados como parte integrante da mesma. Sem qualquer um destes componentes, como exposto, a colocação da respectiva prótese nunca poderia ser realizada” (cf. Doc. n.º 5 junto à petição inicial);   

an) A reabilitação oral com implantes permite conferir ou optimizar a função mastigatória de um paciente parcial ou totalmente desdentado, ao que se soma que os implantes dentários mantêm a estrutura óssea e estética facial que se perde com a ausência de dentes; mantêm a integridade dos dentes vizinhos, uma vez que não são desgastados tal como acontece para a realização de uma ponte sobre dentes e asseguram uma melhoria substancial na confiança e segurança dadas pelos dentes naturais, proporcionando ao paciente uma melhor autoestima, sem qualquer inibição social (cf. Doc. n.º 8 junto à petição inicial).

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§2. Factos não provados

            Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

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§3. Motivação quanto à matéria de facto

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas partes no que diz respeito à matéria de facto, bem como no teor dos documentos (designadamente do processo administrativo), do relatório pericial cujo valor é invocado enquanto fonte de prova extraprocessual e dos pareceres juntos aos autos.

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III.2. Matéria de direito

A resolução da questão de direito em análise no presente processo contende, no essencial, com o apuramento do regime de IVA (imposto geral sobre o consumo, de natureza indirecta e plurifásica e de fonte comunitária) aplicável ao caso.

Reconduzem-se, no fundamental, a duas, as questões jurídicas objecto de apreciação na presente acção.

2.1. A primeira questão de direito a considerar prende-se com o primeiro pedido formulado pela Requerente, no sentido da anulação das liquidações acima identificadas.

Segundo a perspectiva adoptada pela Requerida, tais liquidações adicionais assentam na circunstância de considerar aplicável a taxa normal de IVA de 23% (art. 18.º, n.º 1, c), do CIVA) às transmissões que têm por objecto implantes e pilares dentários, quando, de acordo com o entendimento da Requerente (reflectido na autoliquidação por si efectuada), a tais transacções deve ser aplicada a taxa reduzida de 6% (art. 18.º, n.º 1, a) do CIVA).

De acordo com a norma acabada de referir, às “importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa” ao CIVA, aplica-se a “taxa de 6%”.

Nos termos do ponto 2.6, da lista I anexa ao Código do IVA, representam bens sujeitos a essa taxa reduzida: “Aparelhos ortopédicos, cintas médico-cirúrgicas e meias medicinais, cadeiras de rodas e veículos semelhantes, acionados manualmente ou por motor, para deficientes, aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano ou a tratamento de fraturas e as lentes para correção de vista, bem como calçado ortopédico, desde que prescrito por receita médica, nos termos regulamentados pelo Governo”.

Porque o regime especial prevalece sobre o regime geral, a taxa normal (de 23%) só se aplicará a título subsidiário, ou seja, caso não haja lugar a aplicação de uma taxa reduzida.

Em causa está, em suma, apurar se os implantes e os pilares dentários (material comercializado pela Requerente) representam ou não “material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano”.

2.1.1. Tanto pressupõe que se apure em que se traduzem as noções de material de prótese e de órgão do corpo humano, bem como que se verifique se os bens transaccionados se incluem em material de prótese e se se destinam a substituir, total ou parcialmente, órgão do corpo humano.

Do parecer médico junto ao processo, decorreu (como supra exposto em sede de decisão quanto à matéria de facto) que o dente é um órgão do corpo humano, integrante do sistema estomatognático, associado às funções de mastigação, fala, sorriso, táctil e deglutição e constituído, sob o ponto de vista anatómico, por raiz, coroa e periodonto, sendo que cada uma destas partes constitutivas do órgão (dente) é indissociável das demais.

Do referido parecer e da prova pericial junta resulta, por outro lado, que o implante constitui material de prótese destinado a substituir a raiz; que a coroa, moldada, em laboratório, de modo personalizado, para cada doente, constitui material de prótese destinado a substituir a coroa natural e que o pilar representa material de prótese através do qual se assegura a conexão entre o implante e a coroa.

Nestes termos, verifica-se, no caso concreto, que qualquer um dos bens objecto de transmissão pela Requerente representa material de prótese, que se destina a substituir, no todo ou em parte, órgão do corpo humano – o dente –, assegurando, assim, a manutenção das funções específicas deste, designadamente de incisão, corte e trituração dos alimentos.

De notar, por outro lado, que estão em causa elementos de prótese, que não matéria-prima utilizada na elaboração de próteses. Com efeito, os diferentes elementos (implante, pilar e coroa) destinam-se a ser aplicados no doente, de modo a, pela sua ligação, se reconstituir, artificialmente, a unidade dentária, obtendo-se “como resultado final a substituição do órgão” (p. 2 do parecer médico junto pelo Sujeito Passivo) e não bens (matérias-primas) destinados a ser transformados para, da sua fusão, resultar um outro bem. Cada uma das peças (que conserva a sua individualidade e representa já produto final, não sendo objecto de transformação em produto diverso de si própria) é, diferentemente, unida à outra, construindo-se, como consequência da articulação entre as três peças, um complexo protésico (prótese) implanto-suportado.

Nestes termos, e contrariamente ao que decorre do entendimento sustentado pela AT, a transmissão dos materiais que se consideram encontra cabal e directo enquadramento legal no elemento literal da norma contida no ponto 2.6 da lista I anexa ao Código do IVA, aplicando-se, em consequência, a tais transacções, a taxa reduzida de 6%, contemplada no art. 18.º, n.º 1, a), do referido diploma.

2.1.2. Carece, em consequência, de fundamento, a interpretação, defendida pela entidade Requerida, no sentido de que a taxa reduzida só se aplicaria quando estivesse em causa a transacção de “unidade única de implante”.

Por um lado, o mencionado entendimento não encontra, qualquer respaldo no elemento literal da norma, pelo que se reconduz a posição sem acolhimento no texto da lei, o que inviabiliza a sua procedência no âmbito da presente acção. Como identicamente se explicita nos acórdãos 429/2014-T, 530/2014-T e 67/2015-T do CAAD (incidentes sobre o mesmo tipo de problema), em nenhum segmento da norma se exige que, para aplicação da taxa reduzida de 6%, os materiais de prótese sejam transmitidos de modo unitário (ou seja, em conjunto), observando-se, na última decisão mencionada, que: “tal interpretação não tem um mínimo de correspondência verbal com a letra da Lei”. Tanto, por si só, nos termos do previsto no n.º 2 do art. 9.º do Código Civil, exclui, assim, a possibilidade de que esse represente entendimento ora susceptível de ser adoptado.

Por outro lado, a não sustentabilidade de tal visão resulta também da circunstância de a mesma se revelar insuscetível de aplicação prática. Com efeito, e como acima ficou explicitado em sede de julgamento da matéria de facto, decorre do próprio processo cirúrgico, que tem de ser individualizado e apropriado às características morfológicas e patológicas de cada doente, que as peças utilizadas na reconstrução do dente humano, não se encontrem à venda, no mercado, em pacotes que reúnam os três tipos de material de prótese. Ao contrário, são vendidas em separado, sendo, a coroa, criada, pelo protésico, de modo individualizado, de acordo com as exactas especificidades e características anatómicas do doente. O facto de a venda de tais materiais ser feita em separado harmoniza-se também com o facto de cada uma das peças ser aplicada, no processo de tratamento, em momentos diferentes. A identificação do específico tipo de pilar a aplicar, por exemplo, só ocorre na fase pós-cirúrgica (de colocação do implante), uma vez decorrido o período de osteointegração (de 3 a 6 meses), sendo nesse momento que se avalia quais as exactas necessidades de correcção do eixo de inserção da coroa, escolhendo-se o tipo de estrutura para tanto necessária (pilar), em função do resultado decorrente de tal avaliação. Como decorre do Doc. n.º 6, junto pela Requerente, pode também suceder que, uma vez substituído o órgão dente pela estrutura protética constituída pelos indicados elementos, apenas um destes se deteriore, impondo-se a “sua substituição sem que os restantes elementos sejam eliminados ou descartados.

Compreende-se, assim, que a comercialização de tais peças não se faça em conjunto.

Nestes termos, defender que a taxa reduzida de 6% só se aplicaria nos casos em que a comercialização tivesse por objecto “unidades únicas de implante”, conduziria ao resultado paradoxal de essa taxa nunca se aplicar ao material de prótese dentário em apreço, dado que este não se transacciona, no giro comercial, em conjunto, o que, somando-se às razões acima aduzidas, corrobora a conclusão no sentido da improcedência de tal entendimento.

De observar, ainda, que tal interpretação se revela incompatível com o elemento teleológico que preside à norma. A previsão da taxa reduzida de IVA que se considera tem por escopo facilitar o acesso a serviços de saúde dentários que envolvam o recurso aos materiais em causa, assim se promovendo a saúde pública no âmbito da saúde oral.

Razão de ser que preside, igualmente, à alínea a) do artigo 9.º do C.I.V.A., nos termos da qual se encontram isentas de imposto “as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas” (itálico nosso) e, na al. b), que, identicamente isentas de imposto, se encontram “as prestações de serviços efectuadas no exercício da sua actividade por protésicos dentários” (itálico nosso).

Considerando, assim, o objectivo do legislador (assegurar o acesso a cuidados de saúde que reputa essenciais), torna-se claro não ser adequada a interpretação sustentada pela AT: incongruente seria (atendendo a tal pressuposto) que se aplicasse a taxa reduzida de IVA quando os materiais de tratamento fossem vendidos em conjunto e já não quando fossem vendidos em separado, criando, injustificadamente, em ofensa ao princípio da igualdade, tratamento desigual entre doentes igualmente carentes de cuidados de saúde, quando, nos termos do previsto no art. 64.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa “Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a promover e defender” e, segundo o n.º 3 do mesmo preceito, “incumbe prioritariamente ao Estado: a) garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação” (itálico nosso).

Tal entendimento revelar-se-ia, assim, incompatível com princípios e valores jurídicos fundamentais.

Com efeito, tal perspetiva interpretativa conduziria a que os doentes, com menor capacidade económica e carentes de próteses integralmente substitutivas de um ou mais dentes, fossem induzidos a optar pelas tradicionais próteses compactas (comummente designadas por “placas”), para beneficiarem de um preço mais acessível, em virtude de, constituindo “unidades de implante”, apenas a estas ser aplicável (no referido entendimento da AT), uma taxa de IVA reduzida (6%). Tais soluções de tratamento implicam, na verdade, uma alternativa de menor qualidade (doc. n.º 4, junto pela Requerente, p. 4) no que diz respeito à manutenção do osso e da dimensão vertical oclusal, ao posicionamento estético do dente, à adequação da oclusão, à recuperação da propriocepção, à estabilidade, à retenção, à fonética, ao tamanho e sucesso da prótese e à manutenção dos músculos da mastigação e da expressão facial.

De tal entendimento decorreria, assim, efeito inverso àquele que com a norma se pretende fomentar – em vez de se incrementar a qualidade dos serviços de saúde a que, com taxa reduzida, se pretende que os cidadãos tenham acesso, fomentar-se-ia a aplicação de meios técnicos de tratamento oral de qualidade indiscutivelmente inferior, com a agravante de que tal efeito se reflectiria (em tratamento desigual) essencialmente nos sujeitos inseridos em escalões economicamente mais frágeis.

Contrariar-se-ia, por outro lado, o princípio da uniformidade do IVA, por força do qual actividades económicas semelhantes devem ser tratadas da mesma forma, devendo-se, em obediência ao princípio da objectividade, como se observa no Proc. n.º 429/2014 – T, do CAAD, aplicar “uma só e mesma regra a operações tributáveis da mesma natureza, existindo uma presunção de semelhança quando as operações em causa correspondem a diversas variantes de uma só e mesma operação tributável incluída numa das categorias do Anexo III da Directiva IVA”.

A ofensa do princípio da igualdade verificar-se-ia, também, sob o ponto de vista do produtor e fornecedor dos bens em causa, na medida em que o sujeito que produzisse ou vendesse os bens em conjunto beneficiaria de tratamento fiscal privilegiado relativamente àquele que apenas o fizesse separadamente, o que não encontrando fundamento nas razões justificativas da redução da taxa, representaria distorção das regras da União Europeia vigentes em matéria fiscal e violação da imposição de neutralidade concorrencial [máxima cujo relevo é notado, também jurisprudencialmente, ao nível da jurisprudência nacional e da União Europeia, designadamente nos acórdãos proferidos no proc. n.º 429/2014-T do CAAD e no caso Rompelman (acórdão de 22 de Junho de 1993, Proc. 268/83)].

Nem contra o exposto vale o argumento de que deve haver interpretação restritiva quanto às excepções à aplicação da taxa normal de IVA. Tal regra não é sustentável.

Com efeito, o único princípio defensável é o de que, em caso de regime de excepção, não pode, o intérprete, estender tal regime a outras situações, ainda que análogas. Impedido está, assim, de alargar o benefício, legalmente previsto, a outras hipóteses, não constantes da lei. Impedido está, porém, também, o intérprete, de, quanto às hipóteses previstas na norma em causa, não aplicar o benefício da mesma constante. Ao intérprete incumbe, pois, proceder a uma interpretação estrita da lei (ou seja, a uma interpretação declarativa do preceito a aplicar, como identicamente se explicita no acórdão proferido no Proc. n.º 171/2013-T, do CAAD), estando fora do seu alcance, quer a interpretação restritiva, quer a interpretação extensiva, quer a interpretação analógica.

Sustentar a não aplicação da taxa reduzida de IVA aos materiais de prótese que se consideram, em desrespeito do regime legalmente fixado, ofenderia, em consequência, a segurança e confiança que a redacção legal deve poder assegurar aos cidadãos objecto da norma, representando indevida aplicação da lei e, em consequência, violação desta.

De notar, por outro lado, que, no quadro do preceito que se considera, o legislador não obedeceu, nem se encontra vinculado, pelos conteúdos constantes da Nomenclatura Combinada. Como no Proc. 171/2013-T, do CAAD, se sublinha, “Se é verdade que de acordo com o artigo 98.º, n.º 3 da Directiva IVA os Estados-Membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria sujeita à taxa reduzida, certo é que o legislador português não seguiu esse caminho (nem a tal era obrigado)”, acrescentando-se, adiante, no referido aresto, que é “irrelevante, para efeitos de IVA, a classificação que as peças em causa tenham na Nomenclatura Combinada”, bem como que “sem prejuízo da liberdade de que o legislador português goza na delimitação das transmissões de bens e prestações de serviços às quais são aplicáveis taxas reduzidas de IVA, dentro do catálogo fechado constante do Anexo III da Directiva IVA, afigura-se que a correcta interpretação da verba 2.6 da Lista I anexa ao Código do IVA, abrange as partes das cadeiras de rodas e das scooters de mobilidade que estão na origem dos actos de liquidação de IVA controvertidos”. Na mesma esteira, refere-se, no Proc. 429/2014-T, do CAAD que “a utilização da Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria é uma mera possibilidade que, enquanto tal, pode ou não vir a ser utilizada para o efeito pelos Estados membros”, nele se explicitando que o “único caso em que no CIVA se recorre à Nomenclatura Combinada para definir o alcance do regime tributário dos bens vem previsto no respectivo artigo 14.º, n.º 1, alínea i), para efeitos de determinação do regime de isenção (completa ou taxa zero), de acordo com o qual são isentas as “transmissões de bens de abastecimento postos a bordo das embarcações de guerra classificadas pelo código 89060010 da Nomenclatura Combinada, quando deixem o país com destino a um porto ou ancoradouro situado no estrangeiro”, sublinhando-se: “dispositivo este não aplicável na situação em apreço”.

Improcede, nesta medida, o entendimento sustentado pela entidade Requerida no que diz respeito à taxa de IVA aplicável; entendimento insubsistente, consequentemente, no presente caso, independentemente da forma por via da qual seja veiculado (designadamente por via de informação escrita de circulação interna).

Nestes termos, atento o conjunto das razões de facto e de direito aduzidas, considera-se aplicável ao ato de comercialização dos materiais de prótese em que se traduzem o implante, pilar e coroa dentários, a taxa reduzida de IVA de 6%, em conformidade com o previsto no art. 18.º, n.º 1, a), do C.I.V.A. e com o ponto 2.6 da Lista I àquele anexa, procedendo, em consequência, a pretensão impugnatória, formulada pelo Sujeito Passivo, no presente processo, dos actos de liquidação que identifica no requerimento arbitral por si oferecido.

2.2. No que diz respeito ao segundo pedido formulado (reconhecimento do direito a pagamento de juros indemnizatórios), apesar de não existir norma expressa nesse sentido, constitui jurisprudência dominante, no seguimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que, não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, tal como acontece, aliás, no âmbito do CPPT (artigos 99.º e 124.º), pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida [neste sentido, cf., entre outros, os Acórdãos Arbitrais proferidos nos processos n.ºs: 18/ 2011-T e 28/2013-T (este ainda não transitado em julgado), 39/2013-T e 51/2015-T].

  Como ficou consignado no Acórdão n.º 28/2013-T, de 16 de Outubro de 2013, “[e]mbora o art. 2.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências”.

     De igual modo, apesar de não existir também norma expressa no CPPT a prever o direito a uma indemnização por garantia indevida, a verdade é que, como é salientado no Acórdão que vimos seguindo, “tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Posteriormente, também a LGT veio estabelecer, no seu artigo 43.º, n.º1, que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido»”.

Ora, no caso dos autos, conclui-se que as liquidações cuja legalidade se discute resultam de erro dos serviços sobre os pressupostos de direito. Por outro lado, as liquidações objeto de impugnação foram da exclusiva iniciativa da Administração Tributária e a Requerente em nada contribuiu para que fossem efetuadas, pelo que o erro é imputável exclusivamente à própria Administração.

Da matéria de facto fixada resulta que a Requerente efetuou o pagamento voluntário da totalidade do imposto e juros compensatórios liquidados pela AT, no montante global de € 183 356,45.

Tendo o Sujeito Passivo realizado o pagamento das liquidações adicionais objeto da presente ação e apurando-se, nesta, serem, tais atos tributários, inválidos, assiste à Requerente o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento do imposto (art. 61.º, n.º 5, do C.P.P.T.).

 

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IV. DECISÃO

Nestes termos, o presente Tribunal acorda em:

- Julgar procedente o pedido de anulação das liquidações de IVA e respetivos juros, objeto de impugnação na presente ação;

- Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento do imposto.

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V. VALOR DO PROCESSO

Em consonância com o disposto no arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, na alínea a), do C.P.P.T. e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €183.356,45 (cento e oitenta e três mil trezentos e cinquenta e seis euros e quarenta e cinco cêntimos).

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VI. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do R.J.A.T., fixa-se o montante das custas em € 3.672,00 (três mil seiscentos e setenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da AT – Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Lisboa, 16 de Novembro de 2015.

Os Árbitros,

 

(Fernanda Maçãs)

 

(Ricardo Jorge Rodrigues Pereira)

 

(Emanuel Augusto Vidal Lima)