Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 288/2015-T
Data da decisão: 2015-11-12  Selo  
Valor do pedido: € 9.281,53
Tema: IS – Verba 28 da TGIS; terreno para construção; incompetência do tribunal arbitral
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.  A…, sociedade com sede na Rua …, … …, ….º andar, fracção …, em Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa com o número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva …, apresentou em 05/05/2015, pedido de pronúncia arbitral, no qual peticiona a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012, e a que correspondem os documentos com o n.º 2012 … e n.º 2013 …, nos montantes de € 5.486,61 e € 3.794,92, respectivamente.

 

1.2.  O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 12/05/2015, como árbitro singular o signatário desta decisão.

 

1.3.  No dia 20/07/2015 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.  Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada, em 20/07/2015, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.5.  Em 29/09/2015 a AT apresentou resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

1.6.  O tribunal arbitral em 29/09/2015 decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas e agendou a data para prolação da decisão final.

 

1.7.  A Requerente não apresentou alegações escritas facultativas.

 

1.8.  A AT não apresentou alegações escritas facultativas.

 

 

2.      SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

 

O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

3.      POSIÇÕES DAS PARTES

 

São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral e a da AT na sua resposta.

 

Para fundamentar o seu pedido a Requerente alega, em síntese:

 

a)      “A Requerente foi notificada dos actos tributários de liquidação de IS (…)” acima identificados;

 

b)      “As Liquidações reportam-se ao ano de 2012 e a norma de incidência em que as mesmas se baseiam é a Verba 28 da TGIS, a qual foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”;

 

c)      “As Liquidações referem-se ao Prédio localizado em Lugar da … ou …, …-… …, distrito do Porto, Concelho de ..., Freguesia de …, com o artigo matricial ….” [sublinhado da Requerente];

 

d)     “(…) o Prédio em questão, em 2006 (ano de inscrição na matriz), era descrito na respectiva Caderneta Predial como “Terreno para Construção”, constando dos «Dados de Avaliação» o «Tipo de Coeficiente de Localização: Habitação» (…)” [sublinhado da Requerente];

 

e)      “A aprovação da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10 implicou um aditamento à Tabela Geral do Imposto do Selo, nomeadamente através da concretização da referida Verba 28, a qual sujeitou à tributação de IS os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 (um milhão de euros”;

 

f)       “Como tal, e relativamente ao ano de 2012, (como sucede no caso concreto), considerou-se aplicável o regime transitório previsto no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, tendo-se como sujeitos passivos, e devedores do referido imposto, os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos prédios em 31 de Dezembro do ano a que o tributo respeita (…).”;

 

g)      “Basta uma leitura das (…) disposições legais para concluir que o critério que se deve ter por relevante na distinção entre “prédios rústicos” e “urbanos” deve incidir, essencialmente na sua afectação ou destino normal (…),”;

 

h)      “bem como que os terrenos para construção são expressamente excluídos do conceito de prédios rústicos, constituindo, antes sim, uma espécie autónoma de prédios urbanos (…).”;

 

i)        “Ora, crê a Requerente que a pretensão do legislador reside numa definição de “terreno para construção”, baseada em pressupostos de natureza objectiva e subjectiva isto porque, de acordo com a Lei, são considerados terrenos para construção todos aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de loteamento ou de construção ou, ainda, quando relativamente a essas operações tenha sido admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável.” [sublinhado da Requerente];

 

j)        “Resulta, quer do conhecimento geral quer a legislação aplicável às edificações urbanas, que o destino “habitação” deve pressupor a existência de um mínimo de condições que preservem a intimidade pessoal e a privacidade familiar (…).” [sublinhado e realce da Requerente];

 

k)      Ora, um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, por si só, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo habitação o seu destino normal. [sublinhado e realce da Requerente];

 

l)        “Da norma em causa não se deverá extrair a interpretação vertida pela Autoridade Tributária de que, a opção do legislador pela expressão “afectação habitacional” tem em vista integrar outras realidades para além das que são identificadas para além das que são identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI.”;

 

m)    Por outro lado, “(…) o facto de para um determinado terreno para construção estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ainda que a mesma deva ser considerada na sua avaliação, isso não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado. [sublinhado e realce da Requerente];

 

n)      “Ora, resultando do artigo 6.º, do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo da verba 28 da TGIS, como “prédios com afectação habitacional”! [sublinhado e realce da Requerente];

 

o)      De facto, “(…) os terrenos para construção  sem  edificação, não cumprem por si esta afectação habitacional (i) ou porque não tem licença de utilização ou (ii) porque, de acordo com a natureza das coisas, não estão em condições de serem habitados, sendo o seu destino normal objecto de construção a edificar. [sublinhado e realce da Requerente];

 

Doutro modo, a AT, defendendo-se por excepção e por impugnação, sustenta, em síntese, o seguinte:

 

Por excepção:

 

a)      Relativamente à nota de cobrança n.º 2013 …, a Requerente não impugna um acto tributário, mas antes o pagamento uma prestação de um acto tributário constante de um documento que é uma nota de cobrança;

 

b)      O objecto do processo é a anulação não de um acto tributário, mas sim de uma dessas notas de cobrança, relativa ao pagamento da 1.ª prestação de um imposto;

 

c)      Esta matéria não consta da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais, nomeadamente, do artigo 2.º do RJAT;

 

d)     O Imposto do Selo previsto na Verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (Tabela Geral) é liquidado anualmente;

 

e)      O acto tributário de liquidação é só um e só ele constitui acto susceptível de ser impugnado e só pode ser objecto de uma única impugnação;

 

f)       Em face do exposto, o pedido de pronúncia arbitral extravasa a competência do tribunal arbitral, sendo este tribunal incompetente para a apreciação da legalidade de uma mera nota de cobrança, por não se tratar de um acto de liquidação de tributo.

 

Por impugnação:

 

a)      “A Lei n.º 55-A/2012, de 29/10/2012 veio alterar o art. 1.º do Código do Imposto de Selo, e aditar à TGIS, a verba 28.”;

 

b)      “Com esta alteração legislativa, o IS passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1.000.000,00.”;

 

c)      “A noção de afectação de prédio urbano encontrará assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, porquanto a afectação do imóvel (finalidade) incorporará valor ao imóvel, constituindo um factor de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.”;

 

d)     “Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do art. 45.º, n.º 2 do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41º do CIMI.”;

 

e)      “(…) a AT entende que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.”;

 

f)       “Note-se que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional.” - expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1 alínea a) do CIMI.”;

 

g)      Segundo a AT, “(…) considera-se a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, e do outro a área de terreno livre. Apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% (…) em virtude de a construção ainda não estar efectivada.”;

 

g)      “Nestes termos, muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção.”;

 

h)      “A verba 28 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel.”;

 

i)        “Trata-se de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito.”;

 

j)         “Importa ainda referir que a tributação em sede de imposto do selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.”;

 

k)      “Por todo o exposto, a liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.”.

 

4.      QUESTÕES A DECIDIR

Nos presentes autos as questões a decidir são:

 

a)      Conhecer da excepção de incompetência do tribunal arbitral;

 

b)      Determinar se, para efeitos da aplicação da Verba n.º 28 da Tabela Geral, na redacção em vigor à data dos factos, um terreno para construção é considerado, ou não, como um “prédio com afectação habitacional”.

 

5.      MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.  FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:

 

5.1.1.      A Requerente é proprietário do prédio urbano da espécie “terreno para construção” inscrito na matriz predial respectiva da freguesia de … sob o artigo U-… (actualmente, U-…).

 

5.1.2.      À data das referidas liquidações, o valor patrimonial tributário (VPT) do prédio urbano em causa ascendia a € 1.097.322,25 e a € 1.138.471,83, respectivamente.

 

5.1.3.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2012 (documento n.º 2012 …), no montante de € 5.486,61, terminou em 20/12/2012.

 

5.1.4.      A Requerente procedeu ao pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2012 (documento n.º 2012 …) em 19/12/2012.

 

5.1.5.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2012, 1.ª prestação (documento n.º 2013 …), no montante de € 3.794,92, terminou em 30/04/2013.

 

5.1.6.      A Requerente procedeu ao pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2012, 1.ª prestação (documento n.º 2013 …) em 29/04/2013.

 

5.1.7.      A Requerente apresentou, em 18/04/2013, reclamação graciosa contra os actos de liquidação de Imposto do Selo n.° 2012 … e n.º 2013 …, requerendo a anulação dos mesmos, a qual foi indeferida pela AT em 17/07/2013.

 

5.1.8.      Em 31/07/2013, a Requerente exerceu o competente direito de audição, reiterando o pedido de anulação de todas as liquidações em causa.

 

5.1.9.      Em 13/08/2013, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada em 5.1.7.

 

5.1.10.  A Requerente apresentou, em 12/09/2013, recurso hierárquico nos exactos termos da reclamação anteriormente apresentada contra os actos de liquidação de Imposto do Selo n.° 2012 … e n.º 2013 …, o qual foi indeferida pela AT.

 

5.1.11.  Em 05/12/2014, a Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças de … 1, declaração Modelo 1 do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), requerendo a alteração da “Descrição do Prédio” face à nova finalidade “Serviços” atribuída ao mesmo.

 

5.1.12.  Consequentemente, o artigo matricial U-… foi extinto, tendo sido criado o artigo matricial U-… e actualizado o respectivo VPT para € 1.999.640,00.

 

 

5.2.  FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

6.      O DIREITO

 

6.1.  DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

A AT fundamenta a sua pretensão, no que à excepção de incompetência do tribunal arbitral diz respeito, no facto de não ter sido impugnado um acto tributário, mas antes o pagamento de uma prestação de Imposto do Selo consubstanciada na nota de cobrança n.º 2013 ….

 

O objecto de processo corresponde, assim, na óptica da AT, não à anulação de um acto tributário, mas sim de uma mera nota de cobrança.

 

Ora, segundo a AT, esta matéria não se subsume no âmbito de competência dos tribunais arbitrais tributários, prevista no artigo 2.º do RJAT, extravasando, assim, o objecto do pedido de pronúncia arbitral o âmbito de competência do tribunal arbitral.

 

Vejamos.

 

Estabelece a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT que os tribunais arbitrais são competentes para apreciar as pretensões de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

 

Por seu turno, quanto à vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT que esta depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.

 

Nesta medida, a competência da instância arbitral encontra-se, assim, delimitada, pela portaria de vinculação da Administração Tributária à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa. [1]

 

Nos termos do disposto no artigo 2.º da referida Portaria, a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (actualmente, AT) vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, nas quais expressamente se incluem as pretensões de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

 

Conclui-se, assim, que o processo arbitral tributário tem por objecto, mediato ou imediato, o acto tributário de liquidação, enquanto acto de determinação do quantitativo do imposto a pagar (colecta), por aplicação de uma taxa à matéria colectável.

 

Ora, a apreciação da excepção suscitada depende, por isso, da questão de saber se a Requerente impugna o acto de liquidação de Imposto do Selo ou se, pelo contrário, se limita a impugnar cada uma das prestações de Imposto do Selo de per si.

 

Nos casos em que o imposto deva ser pago em prestações, a liquidação é notificada ao sujeito passivo conjuntamente com a notificação para pagamento de cada uma das prestações, apenas podendo ser impugnada na sua totalidade e não prestação a prestação. [2]

 

A este respeito, sustenta José Casalta Nabais que “A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) O lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, 2) O lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) A liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta.”. [3]

 

Para cada facto tributário haverá, em princípio, uma única liquidação, pela qual se determinará a colecta a pagar.

 

Dispõe, ainda, o n.º 7 do artigo 23.º do Código do Imposto do Selo que “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente (…)” aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”.

 

No mesmo sentido, estabelece o n.º 5 do artigo 44.º do Código do Imposto do Selo que “havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere a verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI”.

 

Ou seja, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 113.º do Código do IMI, “a liquidação (…) é efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte”, devendo o imposto ser pago, em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro, respectivamente, em função do seu quantitativo. [4]

 

Em suma, e da conjugação das disposições legais acima referidas, é possível concluir que o Imposto do Selo é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial. [5]

 

Desta feita, a liquidação é só uma e só ela constitui acto lesivo, susceptível de ser impugnado.

 

Dito isto,

 

Da análise ao pedido de pronúncia arbitral resulta que a Requerente requer a constituição do tribunal arbitral com vista “(…) anulação dos actos de liquidação de imposto do selo efectuado nos termos da Verba 28 da TGIS e referentes ao ano de 2012 (…)”, peticionando, a final, a declaração de “(…) ilegalidade (…) por assentar em fundamentação que enferma  de deficiente interpretação das normas em concreto aplicáveis (…)”.

Ou seja, requer-se a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, a que correspondem as respectivas prestações de pagamento.

 

Por todo o exposto resulta que, ao contrário do que refere a AT, o objecto do pedido de pronúncia arbitral é o acto tributário de liquidação e não cada uma das prestações de imposto do selo individualmente consideradas.

 

Tanto assim é que a própria Requerente, na delimitação do objecto da acção arbitral, circunscreve a instauração do respectivo processo à anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo relativos ao ano de 2012, indicando como valor da utilidade económica do pedido o valor global da liquidação no montante de € 9.281,53.

 

Assim, pese embora a Requerente associe o acto tributário de liquidação às prestações de Imposto do Selo, procedendo à sua junção e identificação, o certo é que a mesma não circunscreve o objecto do pedido de pronúncia arbitral a nenhuma das prestações de Imposto do Selo em particular, mas sim à liquidação do Imposto do Selo considerada no seu conjunto.

 

Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela AT relativamente à incompetência do tribunal arbitral, pelo que se julga improcedente a verificação da excepção em apreço.

 

6.2.  DA ILEGALIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO DO SELO DE 2012

No caso em apreço, questão fundamental sob apreciação pelo tribunal arbitral consiste em saber se no âmbito de incidência da Verba n.º 28 da Tabela Geral na sua redacção à data dos factos tributários se incluem, ou não, os terrenos para construção. Ou seja, para tal efeito, os terrenos que integram esta espécie são, ou não, susceptíveis de serem considerados “prédios urbanos com afectação habitacional”?

 

Sobre esta matéria é já abundante a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e a jurisprudência arbitral em sentido contrário. [6] [7]

 

Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela continuarmos a concordar integralmente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido Acórdão do STA, de 9 de Abril de 2014, proferido no Processo n.º 1870/13, senão vejamos: [8]

 

“O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.” [sublinhados nossos].

 

“Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (…), como a que está em causa nos presentes autos.” [sublinhado nosso].

 

“Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da (…)” AT “(…), porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

De facto, “Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.” [sublinhado nosso].
“E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédio (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.”. [9]

 

“O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).”.

 

“Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).”.

 

Nesta medida, “(…) atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.” [sublinhados nossos].

 

“Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”.

 

Reitera-se, uma vez mais, esta jurisprudência, uma vez que não foram apresentados novos fundamentos que infirmem a orientação jurisprudencial propugnada.

 

Por todo o exposto, se o prédio da Requerente estava inscrito matricialmente como “terreno para construção” à data do facto tributário relativo ao ano de 2012, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. Razão pela qual, devem ser anuladas as liquidações de Imposto do Selo de 2012, com todas as consequências legais.

 

Com efeito, fica assim prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente, nomeadamente, o alegado vício de inconstitucionalidade, por ter sido declarada a ilegalidade das liquidações supra identificadas, por vício substantivo que impede a renovação dos actos, assegurando-se eficazmente a tutela dos direitos da Requerente, de harmonia com o preceituado no artigo 124.º do CPPT. [10]

 

7.      DECISÃO

 

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais as liquidações de Imposto do Selo, constantes dos identificados documentos de cobrança, com todas as consequências legais;

b)      Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios;

c)      Condenar a AT a restituir à Requerente o Imposto do Selo indevidamente pago, no montante de € 9.281,53;

d)     Condenar a AT em custas.

 

8.      VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 9.281,53 (nove mil duzentos e oitenta e um euros e cinquenta e três cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

9.      CUSTAS

 

Custas a suportar pela AT, no montante de € 918 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.

 

 

Notifique.

Lisboa, 12 de Novembro de 2015

 

 

O árbitro,

(Hélder Filipe Faustino)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.



[1] Cfr. a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

[2] Cfr. decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 27/2015-T, disponível em www.caad.org.pt.

[3] Cfr. “Direito Fiscal”, 3.ª Edição, Almedina, 2005, pág. 318 por força da decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 736/2014-T, disponível em www.caad.org.pt.

[4] Cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 120.º do Código do IMI.

[5] Neste sentido, veja-se a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 408/2014-T, disponível em www.caad.org.pt.

[6] Cfr. Andreia Gabriel Pereira, “As «Casas de Luxo» e o Imposto do Selo. Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (2.ª Secção), de 5 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 0993/14, Relator Cons. Francisco Rothes”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VII, N.º 4, Julho de 2015, pp. 235 e ss.

[7] Vejam-se, a título de exemplo, as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos números 218/2013-T, 247/2013-T, 66/2014-T e 202/2014-T, disponíveis em https://caad.org.pt/.

[8] Ex vi do Acórdão do STA, de 29 de Abril de 2015, proferido no Processo n.º 021/15, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

[9] Conforme aponta Andreia Gabriel Pereira, “(…) visou-se criar uma tributação específica para os titulares das denominadas «casas de luxo», o que, aliás, é possível inferir do facto de a Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo incidir apenas sobre os prédios destinados à habitação (e, marginalmente, sobre os prédios detidos por residentes em paraísos fiscais). Foi assim que aquela Verba foi apresentada à opinião pública e por esta percepcionada.”. Op. Cit. pág. 237.

[10] Subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.