Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 361/2015-T
Data da decisão: 2016-01-07  IVA  
Valor do pedido: € 116.434,96
Tema: IVA – direito de dedução; juros compensatórios
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Paulo Lourenço e Dr. Nuno Pinto Fernandes (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-08-2015, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A…, SA, com NIPC…, com sede na…, …-… … (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), requereu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante designado por “RJAT”), a constituição de Tribunal Arbitral, visando a declaração de ilegalidade e anulação da decisão das seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios, relativas ao ano de 2010:

a) n.º…, correspondente ao período 2010/05 no valor de € 3.160,00 (e juros compensatórios no valor de € 565,16, liquidação n.º…);

b) n.º…, correspondente ao período 2010/09 no valor de € 84.000,00 (e juros compensatórios no valor de € 13.909,48, liquidação n.º…);

c) n.º…, correspondente ao período 2010/10 no valor de € 2.835,00 (e juros compensatórios no valor de € 460,12, liquidação n.º…);

d) n.º…, correspondente ao período 2010/11 no valor de € 4.872,00 (e juros compensatórios no valor de € 774,18, liquidação n.º…);

e) n.º…, correspondente ao período 2010/12 no valor de € 5.061,00 (e juros compensatórios no valor de e 787,02, liquidação n.º…).

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 29-07-2015, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 13-08-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

No dia 17-11-2015, teve lugar uma reunião em que foi produzida prova testemunhal, tendo-se acordado que o processo prosseguiria com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

A Requerente pretende que, se acaso a inclinação do tribunal for no sentido de não dar razão às pretensões do contribuinte (na questão da dedução do IVA em relação aos serviços de consultadoria económica e jurídica), se proceda a reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, para se pronunciar sobre a interpretação da Directiva do IVA (art. 167.º e 168.º da Directiva 2006/112/CEE).

A Autoridade Tributária e Aduaneira declarou não se opor ao reenvio.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            O processo não enferma de nulidades.

 

           

            2. Matéria de facto

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    A Requerente A…, SA, NIPC…, é uma pessoa colectiva de direito privado, constituída sob a forma de sociedade anónima, residente em território nacional, com sede em …-…, encontrando-se inscrita na actividade de "Produção de Vinhos Espumantes e Espumosos" a que corresponde o CAE 011022, comercio a retalho bebidas, CAE 47250 e viticultura CAE 01210;

b)    A Requerente encontra-se enquadrada no Regime Normal de periodicidade mensal em sede de IVA;

c)    Foi efectuada uma acção de inspecção externa à Requerente, relativa ao exercício de 2010, através da ordem de serviço OI2014…, através da qual foram efectuadas correcções em sede de IVA, das quais resultaram as liquidações aqui impugnadas;

d)    No Relatório da Inspecção Tributária elaborado naquela acção inspectiva, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

Os princípios gerais subjacentes ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos do imposto estão previstos nos art.º 19º e 20º, daí resultando que para ser dedutível o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços, estas devem estar devidamente documentadas e ter uma relação direta com as operações a jusante que conferem esse direito.

Como regra geral é dedutível (com exceção das situações enunciadas no art.º 21º), todo o imposto suportado em bens e serviços adquiridos para o exercício de atividades económicas referida na alínea a) do n.º 1 do art.º 2º do CIVA desde que respeite a transmissões de bens e a prestações de serviços que confiram direito à dedução nos termos do art.º 20º do CIVA.

Assim, confere direito à dedução integral o imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações que, integrando o conceito de atividade económica para efeitos do imposto, sejam tributadas, isentas com direito a dedução ou, ainda, não tributadas que conferem direito à dedução.

Caso o imposto seja suportado na aquisição de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações isentas sem direito â dedução ou operações que em sede de IVA não se insiram no exercício de atividades económicas, não é admissível o exercício do direito à dedução.

A operação de aquisição de partes sociais numa operação cujos outputs são a obtenção de lucros que se traduzem em dividendos e, eventualmente, mais-valias, ou seja, em operações fora do campo de incidência de imposto, o IVA incorrido nas despesas conexas com a referida aquisição de partes sociais não é dedutível nos termos do n.º 1 do art.º 20º do CIVA.

Esta posição consta do ofício circulado 030103 de 23/4/2008, relativo às novas regras para determinação do direito á dedução pelos sujeitos passivos mistos, sendo dado como exemplo no ponto III, no âmbito da aplicação do artº23º do CIVA;

"Exemplificando:

Um sujeito passivo, no âmbito de um processo de aquisição de uma participação financeira em outra empresa, contratou os serviços de assessoria jurídica de um escritório de advogados. Uma vez que a mera detenção de participações sociais não constitui uma actividade económica para efeitos de IVA, o IVA associado aos inputs que permitiram a sua detenção não é susceptível de ser deduzido."

No caso concreto está-se perante uma atividade fora do campo de aplicação do imposto, tendo consequência quer a nível da sujeição - não liquidação de imposto nas operações ativas - alienação de participações e obtenção de mais-valias, percepção de dividendos, etc. - quer na impossibilidade de deduzir o imposto suportado a montante (neutralidade do imposto).

A aquisição por parte da entidade de 80% do capital social da empresa C…, SA não se traduziu num incremento de operações ativas em sede de IVA. As duas entidades têm:

– Produtos distintos, que não competem entre si, atendendo a que se destinam a segmentos de mercados diferentes;

– Instalações próprias diferenciadas

– Marcas distintas;

– Não procedem à consolidação de contas;

Correção proposta

Face à situação descrita e respetivo enquadramento legal conclui-se o seguinte:

– A mera detenção de participações sociais não constitui uma atividade económica para efeitos de IVA. O IVA associado aos inputs que permitiram a sua aquisição não é susceptível de dedução no termos do art. 20º do CIVA.

– O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir sua principal característica - a neutralidade, que no caso em análise não se verifica atendendo a que os rendimentos a jusantes estão fora do campo de aplicação do imposto - IVA

Face ao exposto verifica-se que o SP procedeu indevidamente à dedução do IVA no montante de €84.000,00, contabilizado na conta SNC … - IVA - Dedutível - Taxa 21%, no mês de setembro de 2010. (cfr anexo n.º 7)

III.5.2 OUTROS GASTOS NÃO ACEITES: OUTROS SERVIÇOS CONTRATADOS RELACIONADOS COM A AQUISIÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS

Na análise dos gastos mais relevantes contabilizados no exercício verificou-se ainda a contabilização dos seguintes documentos: (apresenta-se em anexo n.º8 fotocópia dos documentos em análise)

Da análise dos documentos de suporte a estes lançamentos contabilísticos verifica-se que foram todos emitidos por B…- Sociedade de Advogados, RL. Do descritivo das três primeiras faturas consta a descrição genérica de "honorários", não sendo identificados os serviços efetivamente prestados. Contudo, no decurso da ação o SP forneceu como documento de suporte à contabilização destes gastos, fotocópia do contrato de assessoria financeira (anexo n.º 9) celebrado com esta sociedade de advogados. Este contrato foi celebrado com a entidade B…- Sociedade de Advogados, RL no âmbito do processo tendente à aquisição de 80% do capital social das C…, SA.

Na outra fatura, no valor de 6.900,00€, é indicado o serviço prestado, fazendo referência à aquisição ao Engº D…- que se apurou respeitar aos serviços prestados para aquisição de ações próprias, ao anterior acionista Eng D…. A compra destas 6.000 ações, representativas de 2,5% do capital social, foi realizada pelo SP em 21/12/2010 por 500.000,00€, conforme consta da modelo 4 e dos seus registos contabilísticos.

Enquadramento contabilístico e fiscal: IRC e IVA

Face aos factos verificados concluímos que estes gastos apresentam as mesmas características dos analisados no ponto anterior, pois estamos na presença de serviços contratados pelo SP para a aquisição de participações financeiras. Assim, as mesmas deveriam ter sido incluídas no custo de aquisição das participações financeiras e não cumprem os requisitos para reconhecimento contabilístico como gasto nem para a sua dedutibilidade fiscal em sede de IRC, no exercício de 2010.

Assim, o enquadramento em sede de IRC e IVA é o mesmo e já exposto. Face à situação descrita e enquadramento legal da mesma propõe-se o desreconhecimento para efeitos de gastos fiscais aceites no montante de €30.400,00, assim como correção do IVA deduzido indevidamente no montante de € 6.284,00.

(...)

III.5.5- FALTA DE LIQUIDAÇÃO DE IVA

O SP registou na conta…-conservação com IVA dedutível as seguintes faturas cujas fotocopias já foram apresentadas no ponto anexo n.º 10, emitidas pelo s. p. E… com a designação "F...":

Atentemos ao descritivo das mesmas:

De referir que o SP deduziu o IVA liquidado inscrito nestes documentos pelo emitente dos documentos.

Face aos serviços prestados que se encontram faturados verifica-se que estamos na presença de serviços de construção civil.

Com as alterações que foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro ao Código do IVA, nos trabalhos de construção civil, a liquidação do IVA passou a caber aos adquirentes ou destinatários daqueles serviços, quando estes se configurem como sujeitos passivos de IVA com direito à dedução total ou parcial do imposto

Para melhor perceção transcrevemos a alínea j) do n. º 1 do artigo 2º do Código do IVA:

"... 1 - São sujeitos passivos do imposto:

(...)

j) As pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada..."

Resulta deste normativo e que se encontra esclarecido no ponto 1.2. do Ofício-Circulado n.º 30101 (Ofício que emitiu esclarecimentos sobre a aplicação da regra da inversão) que para aplicação da regra da inversão do sujeito passivo, ou seja, para que uma entidade adquirente fique obrigada à liquidação de imposto, é necessário que se verifiquem dois requisitos:

– Estar em causa uma prestação de serviços de construção civil; e

– A entidade adquirente seja sujeito passivo de IVA que pode exercer o direito à dedução do imposto suportado total ou parcialmente.

No sentido de determinar se uma dada operação é sujeita a este regime de inversão, deverão ser consultadas as duas listas exemplificativas anexas ao Ofício-Circulado n.º 30101, de 24 de maio e a Portaria n.º 19/2004, de 10 de janeiro.

A noção de serviço de construção civil foi clarificada no ponto 1.3 do referido ofício circulado de que se retira que:

"Consideram-se serviços de construção civil todos os que tenham por objecto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de actos que sejam necessários à sua concretização.

Por outro lado, deve entender-se por obra todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada."

A norma do CIVA relativa à sujeição em causa é abrangente, no sentido de nela serem incluídos todos os serviços de construção civil, apresentando no anexo l ao ofício circulado exemplos de trabalhos onde se aplica a regra da inversão.

Face ao descritivo dos trabalhos (aturados verificamos que estamos perante serviços de construção civil, devendo o IVA, face ao quadro legal apresentado, ser liquidado pelo adquirente do serviço, no caso, o SP que é um sujeito passivo no Regime Normal. Ou seja, nas faturas em análise os sujeitos passivos não cumpriram a regra da inversão a que se encontravam legalmente vinculados.

Assim, nos documentos registados pelo sujeito passivo foi liquidado indevidamente imposto por parte do prestador de serviços por falta de aplicação da norma (artigo 2º n.º 1 alínea j) do CIVA). Contudo, tal procedimento (a liquidação do IVA por parte do prestador de serviços) não dispensa a entidade adquirente de efetuar a autoliquidação dado que os requisitos para a aplicação da mesma foram verificados.

Em resultado da falta de liquidação o s.p. com o reconhecimento destas faturas apurou indevidamente um crédito de IVA a seu favor.

Do exposto conclui-se que, nos termos da alínea j) do nº 1 do artº2º do CIVA, o s.p. em análise tinha a obrigação de proceder à liquidação do IVA que se mostra devido e que ascende ao seguinte valor:

Nota: O IVA liquidado indevidamente nas faturas contabilizadas não conferem o direito à dedução por parte do adquirente, contudo pela liquidação proposta no presente relatório o s.p. teria direito à dedução do imposto, dado que foram verificados os requisitos subjetivos definido no artº 20º do CIVA. Assim, dado que o valor do IVA dedutível em causa é o mesmo, em simultâneo com a liquidação em falta agora corrigida, aceita-se a dedução do IVA já efetuada pelo s. p.

III.6 CONCLUSÃO

Das irregularidades referidas nos pontos anteriores resulta:

(...)

c) IVA

– IVA não dedutível - €90.284,00 a repartir pelos seguintes períodos 2010:

Falta liquidação de IVA - €9.644,00 a repartir pelos seguintes períodos de 2010:

( [1] )

e)    Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios relativas ao ano de 2010:

a) n.º…, correspondente ao período 2010/05 no valor de € 3.160,00 (e juros compensatórios no valor de € 565,16, liquidação n.º…);

b) n.º…, correspondente ao período 2010/09 no valor de € 84.000,00 (e juros compensatórios no valor de € 13.909,48, liquidação n.º…);

c) n.º…, correspondente ao período 2010/10 no valor de € 2.835,00 (e juros compensatórios no valor de € 460,12, liquidação n.º…);

d) n.º…, correspondente ao período 2010/11 no valor de € 4.872,00 (e juros compensatórios no valor de € 774,18, liquidação n.º…);

e) n.º…, correspondente ao período 2010/12 no valor de € 5.061,00 (e juros compensatórios no valor de e 787,02, liquidação n.º…);

f)     A Requerente produz e comercializa vinhos e espumantes, com a exploração, no essencial, da marca própria de espumantes, designada por “G…”;

g)   A Requerente possui ainda várias participações sociais em sociedades da mesma natureza, designadamente H…, SA, e na Sociedade C…, SA (entidade que explora a marca de espumantes “I…"), nesta com detenção de uma participação de controlo;

h)    A I… é igualmente uma conhecida marca de espumante, situada numa zona muito próxima da Requerente e sendo a empresa líder do mercado nacional de espumantes (depoimentos das testemunhas J…e K…);

i)       Em 2010, a Requerente estudou e montou a operação com vista à aquisição de uma posição de controlo no capital da Sociedade C…, SA, detentora da produção e comercialização do espumante I…;

j)      A aquisição foi motivada primacialmente pelo facto de a sobrevivência da Requerente depender da superior qualidade dos seus produtos em relação aos da I…e a Requerente recear que, se Sociedade C…, SA fosse adquirida por outro concorrente que elevasse a qualidade dos produtos da I… pudesse estar em causa a sobrevivência da própria Requerente, pela capacidade de produção daquela sociedade ser muito maior do que a da Requerente (depoimentos das testemunhas K…e L…);

k)   Com a aquisição de capital da Sociedade C…, SA a Requerente visou ainda obter e obteve vantagens com implementação da gestão operacional concertada e conjunta de ambas as marcas de espumante nacional, o que veio a concretizar através do seguinte:

– passagem da Requerente para a I… dos espumantes de média e baixa gama, o que permitiu à Requerente dedicar-se à implementação dos produtos de gama alta, especializando-se nestes e aumentando a qualidade destes (depoimentos das testemunhas J… e L…);

– entrada nos mercados estrangeiros, em que a I… já tinha mercado por praticar preços baixos, dando a conhecer neles os produtos da Requerente, aproveitando penetração nesses mercados que a I… já tinha, o que era relevante para a Requerente por o mercado nacional estar saturado e ter sofrido redução devido à crise económica (depoimentos das testemunhas J…, K…e L…);

 – concertação e busca de sinergias e redução de custos na fase da produção, ao nível dos recursos humanos (partilha e redução de pessoal), logística, contabilidade e administração (depoimentos das testemunhas J…, K…e L…);

– parte da produção da G…, da gama dos produtos média e baixa, passar a ser efectuada nas instalações da I…, pois aquela, ao contrário desta, estava já com a sua capacidade saturada (depoimentos das testemunhas J…e K…);

– concentração das compras de ambas as empresas, na busca de economias de escala, em relação a todos os fornecedores, designadamente em garrafas, rolhas e rótulos (depoimento da testemunha J…);

l)    Na montagem da operação, a Requerente socorreu-se de serviços de especialistas, designadamente a M… (para a assessoria económica e financeira) e a B…– Sociedade de Advogados, RL (para a parte jurídica), que foram importantes par a concretização da aquisição (depoimento da testemunha L…);

m)  Esses fornecedores prestaram os serviços devidos e emitiram as respectivas facturas, que foram pagas pela requerente (depoimentos das testemunhas K… e L…);

n)    A Requerente deduziu, nas declarações periódicas, o IVA constante das facturas referidas, no montante de € 84.000,00 pelos serviços da M…e € 6.284,00 em relação à Sociedade de Advogados;

o)    Essa operação foi bem-sucedida, com a aquisição de acções da Sociedade C…, SA (depoimentos das testemunhas J…, K… e L…);

p)     A Requerente contratou serviços vários de construção civil a E…;

q)    Nas facturas emitidas pelo fornecedor a E… acresceu-se IVA ao preço do serviço, tendo a Requerente pago esse IVA por não ter detectado que não o devia fazer e tendo-o deduzido posteriormente (depoimento da testemunha N…)

r)    Em 18-05-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou de o fornecedor de serviços de construção civil E… entregou ao Estado o IVA que a Requerente lhe pagou.

Não foi apresentada qualquer prova de que essa entrega tivesse sido efectuada.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os juízos probatórios no Relatório da Inspecção Tributária e nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e que constam do processo administrativo e, nos pontos indicados, nos depoimentos das testemunhas, que aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que referiram.

 

3. Matéria de direito

           

3.1. Questão da dedução do IVA suportado com aquisição de serviços de assessoria relacionada com a compra de acções da C..., SA

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a Requerente deduziu indevidamente IVA, nos montantes de € 84.000,00 e de € 6.284,00, relativamente a serviços de consultadoria contratados, respectivamente, à G…, SA e a B…– Sociedade de Advogados, RL, para aquisição de participações financeiras da C…, SA.

A fundamentação essencial de tal entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira foi o de que

– «a operação de aquisição de partes sociais numa operação cujos outputs são a obtenção de lucros que se traduzem em dividendos e, eventualmente, mais-valias, ou seja, em operações fora do campo de incidência de imposto, o IVA incorrido nas despesas conexas com a referida aquisição de partes sociais não é dedutível nos termos do n.º 1 do art.º 20º do CIVA»;

– «uma vez que a mera detenção de participações sociais não constitui uma actividade económica para efeitos de IVA, o IVA associado aos inputs que permitiram a sua detenção não é susceptível de ser deduzido»;

– «no caso concreto está-se perante uma atividade fora do campo de aplicação do imposto, tendo consequência quer a nível da sujeição - não liquidação de imposto nas operações ativas - alienação de participações e obtenção de mais-valias, percepção de dividendos, etc. - quer na impossibilidade de deduzir o imposto suportado a montante (neutralidade do imposto)»;

A aquisição por parte da entidade de 80% do capital social da empresa C…, SA não se traduziu num incremento de operações ativas em sede de IVA. As duas entidades têm:

– Produtos distintos, que não competem entre si, atendendo a que se destinam a segmentos de mercados diferentes;

– Instalações próprias diferenciadas

– Marcas distintas;

– Não procedem à consolidação de contas;».

 

A prova produzida contraria claramente este pressuposto fáctico em que assentou a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira a nível da dedução indevida de IVA.

Na verdade, provou-se que a operação de aquisição de capital da C…, SA, não teve em vista a mera detenção das participações e as inerentes possibilidades de eventual obtenção de lucros que se traduzem em dividendos e mais-valias, mas consubstanciou uma operação conexionada com a actividade produtiva e comercial da Requerente, visando assegurar a sua própria subsistência, através do afastamento da possibilidade de concorrência [alínea J) da matéria de facto fixada], bem como obter vantagens de economias a nível da produção e de comerciais, com a possibilidade de penetração em novos mercados [alínea K) da matéria de facto fixada].

A jurisprudência do TJUE, designadamente o acórdão 06-09-2012 do Tribunal de Justiça da União Europeia proferido no processo n.º C-496/11, não dá suporte à posição adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente, quanto à exclusão do direito ao reembolso do IVA suportado com despesas com a aquisição de participações sociais que constituam despesas gerais dos sujeitos passivos, conexionadas com a globalidade da sua actividade económica. ( [2] )

Refere-se naquele acórdão ( [3] ): «admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo».

Assim, a mera aquisição de participações sociais, destinadas a detenção e fruição, através da potencial obtenção de dividendos e mais-valias, não é considerada uma actividade económica para efeitos de IVA ( [4] ) ( [5] ). Porém, a aquisição de participações sociais tendo em vista obstar a que a sobrevivência da empresa seja afectada por potenciais concorrentes, a expansão da actividade da empresa em novos mercados e a diminuição de custos de produção insere-se manifestamente na actividade económica global da empresa, com reflexos potenciais na formação dos preços dos bens que produz e comercializa. Não se está, neste caso, perante uma mera aquisição de participações sociais, a aquisição destas como um fim em si mesmo, tendo em vista usufruir os benefícios pecuniários directos que da sua mera detenção podem advir (dividendos e mais valias), mas sim perante actos de gestão destinados a assegurar e desenvolver a actividade económica global da Requerente.

Por isso, a jurisprudência do TJUE relativa a situações de «mera aquisição e detenção de participações sociais» não tem aplicação na situação em apreço, em que se provou que a aquisição de participações sociais se destinou a assegurar a sobrevivência da Requerente, e potenciar a expansão da comercialização dos seus produtos em novos mercados e a obtenção de redução de custos, o que veio a concretizar-se.

É, aliás, este entendimento que se compagina com o princípio da neutralidade do IVA e com a sua natureza de imposto sobre o consumo e não de imposto sobre o rendimento das empresas que fornecem ao público bens de consumo.

Sendo assim, à face da referida jurisprudência do TJUE, a Requerente tinha direito a deduzir o IVA suportado com as despesas de consultadoria em causa.

Por ser clara a jurisprudência do TJUE sobre esta matéria é dispensável o reenvio prejudicial sugerido pela Requerente. Na verdade, no Caso CILFIT, o TJUE concluiu que não há que fazer o reenvio prejudicial quando a questão for impertinente, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia (Acórdão de 6 de Outubro de 1982, Caso Cilfit, Processo n.º C-283/81). No caso em apreço, é clara a jurisprudência do TJUE sobre a dedutibilidade do IVA suportado com aquisição de bens ou serviços conexionados com a actividade económica global dos sujeitos passivos.

Por isso, os actos impugnados enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto quanto à finalidade da aquisição das participações sociais, e por erro sobre os pressupostos de direito, designadamente do artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, interpretado em sintonia com a referida jurisprudência do TJUE, o que justifica a respectiva anulação (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991), nas partes correspondentes a esta correcção.

 

3.2. Questão da falta de liquidação de IVA relativo à aquisição de serviços de construção civil

 

3.2.1. Posições das Partes e interpretação do acto

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a Requerente deveria ter liquidado IVA relativamente a serviços de construção civil prestados por E…, por, «com as alterações que foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro ao Código do IVA, nos trabalhos de construção civil, a liquidação do IVA passou a caber aos adquirentes ou destinatários daqueles serviços, quando estes se configurem como sujeitos passivos de IVA com direito à dedução total ou parcial do imposto».

A Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu, em suma, que

– «nos documentos registados pelo sujeito passivo foi liquidado indevidamente imposto por parte do prestador de serviços por falta de aplicação da norma (artigo 2º n.º 1 alínea j) do CIVA). Contudo, tal procedimento (a liquidação do IVA por parte do prestador de serviços) não dispensa a entidade adquirente de efetuar a autoliquidação dado que os requisitos para a aplicação da mesma foram verificados»;

«em resultado da falta de liquidação o s.p. com o reconhecimento destas faturas apurou indevidamente um crédito de IVA a seu favor»;

– «do exposto conclui-se que, nos termos da alínea j) do nº 1 do artº2º do CIVA, o s.p. em análise tinha a obrigação de proceder à liquidação do IVA que se mostra devido (...)»;

– «Nota: O IVA liquidado indevidamente nas faturas contabilizadas não conferem o direito à dedução por parte do adquirente, contudo pela liquidação proposta no presente relatório o s.p. teria direito à dedução do imposto, dado que foram verificados os requisitos subjetivos definido no artº 20º do CIVA. Assim, dado que o valor do IVA dedutível em causa é o mesmo, em simultâneo com a liquidação em falta agora corrigida, aceita-se a dedução do IVA já efetuada pelo s. p.».

 

A Requerente aceita que as facturas emitidas por E…se referem a serviços de construção civil e que é aplicável a regra da inversão do sujeito passivo, pelo que «tendo 0 prestador dos serviços procedido à liquidação do imposto (por falta de aplicação da norma supra mencionada) e tendo como consequência a requerente apurado indevidamente um crédito de IVA a seu favor». A Requerente reconhece que «as faturas deviam vir sem IVA e a Requerente teria de o entregar ao Estado» (artigos 60.º a 62.º do pedido de pronúncia arbitral).

No entanto, a Requerente entende que

– esse erro não pode redundar numa duplicação de imposto arrecadado pelos cofres do Estado, sob pena de violação do princípio da neutralidade do IVA (art. 20.º do CIVA) e do princípio geral da substância sobre a forma (art. 55.º da LGT e art. 11.º, n.º 3, da LGT).

– ou seja, se o fornecedor, ao receber o dinheiro do IVA pago pela requerente, 0 entregou ao Estado, então o Estado não ficou prejudicado com este procedimento, pois recebeu 0 imposto devido, já não pela Requerente, mas via fornecedor, que intervém como um mandatário ou gestor de negócios (cfr. art. 16.º e 17.º da LGT);

– o fornecedor “E…” garantiu à Requerente que entregou esse IVA ao Estado e a fundamentação, embora sem o dizer peremptoriamente (vício de fundamentação de que não se prescinde) dá a entender isso mesmo, através da nota inserida na p. 34 do doc. n.º 6;

– essa nota indica que apesar de o IVA liquidado indevidamente não conferir direito à dedução por parte da Requerente (adquirente dos serviços de construção civil), da liquidação proposta no relatório haveria lugar a dedução  do imposto pelo sujeito passivo (uma vez que se verificam os requisitos do artigo 20.º do CIVA);

– nestes termos (e tendo em conta que o valor do IVA dedutível em causa é o mesmo), a AT aceita a dedução do imposto já efectuada pela Requerente.

 

A Requerente coloca a questão da falta de fundamentação da «Nota» incluída pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária, em que se refere que «o IVA liquidado indevidamente nas faturas contabilizadas não conferem o direito à dedução por parte do adquirente, contudo pela liquidação proposta no presente relatório o s.p. teria direito à dedução do imposto, dado que foram verificados os requisitos subjetivos definido no artº 20º do CIVA. Assim, dado que o valor do IVA dedutível em causa é o mesmo, em simultâneo com a liquidação em falta agora corrigida, aceita-se a dedução do IVA já efetuada pelo s. p.»

No entanto, percebe-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que

– o IVA liquidado indevidamente nas facturas contabilizadas não conferia direito à dedução pela Requerente;

– contudo pela liquidação proposta no presente relatório o sujeito passivo teria direito à dedução do imposto;

– sendo este valor do IVA dedutível o mesmo e simultâneo com a liquidação agora corrigida;

– aceita-se a dedução do IVA já efectuada (em vez daquela a que teria direito na sequência da liquidação agora efectuada).

 

Não há aqui qualquer referência à eventual entrega ao Estado do IVA liquidado pelo prestador de serviços, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta.

 

 

3.2.2. Apreciação da questão da falta de liquidação de IVA

 

O artigo 2.º, n.º 1, alínea j), do CIVA estabelece que «são sujeitos passivos do imposto (...) as pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada».

O Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, que introduziu esta regra no CIVA, esclarece o alcance desta norma dizendo o seguinte:

 

Assim, por via da inversão do sujeito passivo, passa a caber aos adquirentes ou destinatários daqueles serviços, quando se configurem como sujeitos passivos com direito à dedução total ou parcial do imposto, proceder à liquidação do IVA devido, o qual poderá ser também objecto de dedução nos termos gerais. Com esta medida, visam acautelar-se algumas situações que redundam em prejuízo do erário público, actualmente decorrentes do nascimento do direito à dedução do IVA suportado, sem que esse imposto chegue a ser entregue nos cofres do Estado.

 

Como ensina CLOTILDE CELORICO PALMA,

«A forma de evasão fiscal mais comum consiste na facturação da entrega de bens por um operador, sujeito passivo de IVA, que desaparece de seguida sem entregar o imposto ao fisco, deixando o adquirente (também sujeito passivo de IVA) com uma factura válida para efeitos de dedução do imposto. Dessa forma, as administrações fiscais não recebem o IVA cobrado na venda dos produtos, mas têm de reconhecer ao operador seguinte na cadeia de comercialização o direito à dedução do imposto suportado a montante. Em certos casos, esta prática evoluiu para uma fraude designada por missing trader intra-community fraud, que consiste numa fraude intracomunitária com recurso a operadores fictícios e que constitui um ataque organizado ao sistema do IVA baseado na liquidação abusiva do imposto pelos operadores quando a transmissão de bens a um sujeito passivo noutro Estado membro está isenta do pagamento desse imposto. Além disso, é frequente este tipo de fraude envolver a transmissão em cadeia dos mesmos bens, que podem circular diversas vezes entre os Estados membros (a chamada «fraude carrossel»), ficando a administração fiscal várias vezes prejudicada no pagamento do IVA sobre o mesmo produto. Este tipo de fraude está a alargar-se igualmente à prestação de serviços.

Através do mecanismo do reverse charge ou de autoliquidação, o IVA deixa de ser liquidado pelo operador ao adquirente que é sujeito passivo de IVA, passando este a assumir essa obrigação. Na prática, os adquirentes (na medida em que sejam sujeitos passivos normais com pleno direito à dedução) passam simultaneamente a declarar e a deduzir o IVA, sem pagamento efectivo às administrações fiscais. Desta forma, a possibilidade teórica de fraude é eliminada». ( [6] )

 

As Partes estão de acordo quanto à aplicação deste regime às facturas dos serviços de construção civil prestados por E…, pelo que tem de se concluir que foi nelas indevidamente incluída liquidação de IVA.

Tendo liquidado indevidamente IVA nas facturas em causa, o fornecedor dos serviços é sujeito passivo do imposto mencionado [artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do CIVA], pelo que estava obrigado a entregá-lo ao Estado.

Não se provou, no entanto, que o tivesse feito, e, apesar de a Requerente dizer que «o fornecedor “I…” garantiu à Requerente que entregou esses IVA ao Estado», o certo é que nenhuma prova apresentou, não tendo, designadamente, qualquer testemunha referido ter conhecimento da entrega do IVA por aquele fornecedor, tendo apenas a testemunha referido que crê que aquele fornecedor terá cumprido a sua obrigação de entregar o imposto ao Estado, mas sem indicar qualquer facto que a leve a ter tal convicção.

Assim, não se pode considerar demonstrada a duplicação de pagamentos de IVA ao Estado que a Requerente afirma existir.

Na verdade, o que se prova, em matéria de pagamentos e recebimentos pelo Estado relativos aos referidos serviços de construção civil é apenas que a Requerente recebeu o IVA indicado nas facturas, ao exercer indevidamente o direito à dedução.

Por isso, antes da liquidação efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a situação que se depara é a de a Requerente ter em seu poder indevidamente o montante de IVA, pelo que os efeitos da dedução deveriam ser eliminados.

Mas, na sequência da liquidação agora efectuada, a Requerente teria direito à dedução de IVA, pelo que a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira, consubstanciada na liquidação do imposto que a Requerente deveria ter liquidado sem nova possibilidade de dedução do IVA (considerando já exercido o direito à dedução com o recebimento indevido), repõe exactamente, em termos substanciais, a situação que deveria existir, à face da prova produzida. 

É certo que, tendo a Requerente pago indevidamente o IVA ao fornecedor ficará prejudicada, pois não poderá exercer o direito à dedução relativamente àquele.

Porém, não se tendo provado que o IVA pago ao fornecedor tenha sido entregue ao Estado, não se pode considerar demonstrado que o Estado não ficou prejudicado com a dedução de IVA efectuada pela Requerente, pelo que não se pode considerar violado quer o princípio da neutralidade do IVA, que resulta do artigo 20.º do CIVA, quer o princípio da prevalência da substância sobre a forma, que se infere dos invocados artigos 11.º, n.º 3, e 55.º da LGT.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.

 

4. Juros compensatórios

 

A Requerente pede também a anulação das liquidações de juros compensatórios.

Nos termos do artigo 35.º, n.ºs 1 e 8, da LGT «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária» e «os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados».

Assim, no que concerne à correcção relativa à dedução de IVA que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou indevida, devendo ser anuladas as liquidações de IVA, devem ser anuladas também as liquidações de juros compensatórios, que as têm como pressuposto, pois estas enfermam da mesma ilegalidade que afecta aquelas.

Quanto às liquidações de juros compensatórios correspondentes à correcção baseada na falta de liquidação de IVA, improcedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto a liquidação de IVA, improcede também quanto à liquidação de juros compensatórios.

 

            5. Decisão

 

                                    Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte correspondente ao IVA deduzido indevidamente e improcedente na parte referente à falta de liquidação de IVA;

b)Anular na totalidade as liquidações de IVA n.º … e de juros compensatórios n.º…, correspondentes ao período 2010/09, nos valores de € 84.000,00 e de € 13.909,48, respectivamente;

c)  Anular na totalidade as liquidações de IVA n.º … e de juros compensatórios n.º…, correspondentes ao período 2010/10, nos valores de € 2.835,00 e de € 460,12, respectivamente;

d)       Anular parcialmente a liquidação de IVA n.º…, quanto ao montante de € 2.000,00, mantendo-a quanto ao montante de € 1.160,00, e anular a liquidação de juros compensatórios n.º … quanto ao montante de € 357,70, mantendo-a quanto ao montante € 207,46, liquidações estas relativas ao período 2010/05;

e)   Anular parcialmente a liquidação de IVA n.º…, quanto ao montante de € 1.449,00 mantendo-a quanto ao montante de € 3.612,00, e anular a liquidação de juros compensatórios n.º … quanto ao montante de € 225,33, mantendo-a quanto ao montante € 561,69, liquidações estas relativas ao período 2010/12;

f) Manter a liquidação n.º…, correspondente ao período 2010/11 no valor de € 4.872,00, e a liquidação de juros compensatórios n.º…, no valor de € 774,18.

 

 

6. Valor do processo

 

            De harmonia com o disposto no artigo 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 116.434,96.

 

            7. Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00 €, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 9,62% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 90,38%.

 

Lisboa, 07-01-2016

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Paulo Lourenço)

 

 

 

(Nuno Pinto Fernandes)

 

 



[1]                            Há um lapso material no Relatório da Inspecção Tributária na soma da base tributável, que é € 46.200,00 e não € 26.844,00.

[2]             ( [2] )           Embora aquele acórdão tenha sido emitido aplicando o regime da 6.ª Directiva (n.º 77/388/CEE, de 17-5-1977) que foi revogada pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que entrou em vigor em 1-1-2007, o regime desta é essencialmente semelhante à anterior, no que aqui interessa, pelo que se deve fazer aplicação daquela jurisprudência a situação dos autos, tanto aos factos ocorridos antes como depois desta data. Na verdade, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência, é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o art. 234.º do Tratado de Roma, anterior art. 177.º), o seu carácter vinculativo para os Tribunais nacionais quando têm de decidir questões conexas com o direito da União

               Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.

[3]             ( [3])        Citando jurisprudência anterior do TJCE adoptada nos acórdãos Kretztechnik, n.º 36, (Processo n.º C-465/03), e Investrand n.º 24 (Processo n.º C-435/05), e SKF, n.º 58 (Processo n.º C-29/08).

[4]             ( [4])        Neste sentido, JOSÉ XAVIER DE BASTO e MARIA MODETE OLIVEIRA, O direito à dedução do IVA nas sociedades holding, em Fiscalidade n.º 6, página 8:

                «... os dividendos, bem como os demais direitos sociais, constituem afinal o conteúdo próprio do direito de propriedade, não envolvendo aquele mínimo de actividade ou de decisão económica que a sujeição ao IVA implica ou supõe». Esses direitos sociais «não são contrapartida de uma actividade económica, resultam da mera propriedade de um bem, a participação social; não são contrapartida nem de actividade tributada nem de actividade isenta, encontrando-se fora do campo de aplicação do IVA».

[5]             ( [5]) Acórdão do TJCE Satam, S.A. (acórdão de 22-6-1993, processo n.º C-333/91):

                «Não constituindo a contrapartida de qualquer actividade económica, na acepção da Sexta Directiva, a percepção de dividendos não entra no âmbito de aplicação do imposto sobre o valor acrescentado, de forma que os dividendos, que resultam da detenção de participações, são estranhos ao sistema dos direitos à dedução»

[6]                            Revista TOC n.º 118, Janeiro de 2010, página 31.