Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 391/2015-T
Data da decisão: 2016-04-15  IVA  
Valor do pedido: € 59.484,88
Tema: IVA - Transmissões intracomunitárias.
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Decisão Arbitral

I.                   RELATÓRIO

  1. Objeto do pedido

“A..., SA”, NIPC…, com sede no lugar de…, …-… ..., localizada na área de competência do Serviço de Finanças de …-…, apresentou, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia sobre a legalidade das seguintes liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios:

N.º…, referente ao período 2010-01, no montante de €3059,75 e liquidação n.º…, no montante de € 572,38, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2010-02, no montante de €1400,00 e liquidação n.º…, no montante de € 257,14, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2010-03, no montante de €2068,99 e liquidação n.º…, no montante de € 373,67, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2010-04, no montante de €1880,00 e liquidação n.º…, no montante de € 332,94, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2010-05, no montante de €1060,29 e liquidação n.º…, no montante de € 184,17, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2010-06, no montante de €660,00 e liquidação n.º…, no montante de € 112,54, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2010-07, no montante de €2414,98 e liquidação n.º…, no montante de € 403,60, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2010-08, no montante de €1050,01 e liquidação n.º…, no montante de € 171,91, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2010-09, no montante de €1511,99 e liquidação n.º…, no montante de € 242,58, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2010-10, no montante de €1627,50 e liquidação n.º…, no montante de € 255,76, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2010-11, no montante de €1785,00 e liquidação n.º…, no montante de € 274,45, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2010-12, no montante de €1050,00 e liquidação n.º…, no montante de € 157,87, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2011-01, no montante de €1840,00 e liquidação n.º…, no montante de € 271,01, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2011-02, no montante de €1265,00 e liquidação n.º…, no montante de € 181,88, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2011-013 no montante de €1724,95 e liquidação n.º…, no montante de € 242,53, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2011-04, no montante de €1380,14 e liquidação n.º…, no montante de € 188,91, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2011-05, no montante de €919,91 e liquidação n.º…, no montante de € 123,09, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2011-06, no montante de €2069,98 e liquidação n.º…, no montante de € 270,17, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2011-07, no montante de €1150,00 e liquidação n.º…, no montante de € 145,94, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2011-08, no montante de €2299,96 e liquidação n.º…, no montante de € 284,82, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2011-09, no montante de €1150,00 e liquidação n.º…, no montante de € 138,50, de juros compensatórios;

N.º…, referente ao período 2011-10, no montante de €1725,01 e liquidação n.º…, no montante de € 201,71, de juros compensatórios;

N.º 2014…, referente ao período 2011-11, no montante de €2254,00 e liquidação n.º2014…, no montante de € 256,40, de juros compensatórios;

N.º 2014…, referente ao período 2012-01, no montante de €574,99;

N.º 2014…, referente ao período 2012-03, no montante de €1724,88;

N.º 2014…, referente ao período 2012-04, no montante de €1149,95;

N.º 2014…, referente ao período 2012-05, no montante de €2069,93;

N.º 2014 … referente ao período 2012-06, no montante de €919,98;

Liquidação de juros N.º 2014…, referente ao período 2012-06, no montante de €83,17;

N.º 2014…, referente ao período 2012-07, no montante de €919,98;

Liquidação de juros N.º 2014…, referente ao período 2012-07, no montante de €80,05;

N.º 2014 … referente ao período 2012-08, no montante de €3450,46;

N.º 2014…, referente ao período 2012-09, no montante de €4600,08;

N.º 2014…, referente ao período 2012-11, no montante de €919,98;

Os autos revelam que a requerente deduziu reclamação graciosa contra as liquidações adicionais ora impugnadas, a qual foi indeferida por despacho do Exmo Sr. Diretor de Finanças de…, datado de 20.03.2015.

 

2. Constituição e funcionamento do tribunal arbitral

 

Face ao disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Ex.mo Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro singular o signatário, Joaquim Silvério Dias Mateus, que aceitou o encargo dentro do prazo legalmente previsto sem que qualquer das partes tivesse manifestado recusa pela sua designação.

O tribunal arbitral singular foi constituído em 24-08-2015.

Foi proferido despacho dispensando a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, sem que qualquer das partes se tivesse oposto, e foi também considerado pelo tribunal que a prova testemunhal seria dispensada, tendo sido fixada a data de 15 de Abril de 2016, após prorrogação do prazo, para a prolação da decisão arbitral final.

 

 

3.Fundamentos do pedido

 

A requerente fundamentou o seu pedido com a argumentação que, em resumo, passa a apresentar-se:

Na p.i. começa por informar que as liquidações impugnadas tiveram por base a desqualificação, como transacções intracomunitárias de bens, de vendas que fez para três empresas em Espanha, desqualificação essa levada a cabo no âmbito de um procedimento de inspeção realizado pela inspeção tributária das Direções de Finanças do … e de …, em colaboração, segundo a qual, em resumo, as empresas espanholas destinatárias dos bens não tinham estrutura física nem pessoal ao seu serviço que permitisse exercer uma actividade comercial, industrial ou outra, que essas empresas  não eram conhecidas na morada da sede comum a todas elas, por terem sócios comuns, e mesmo por ter sido duvidoso que as mercadorias tivessem saído do território nacional já que era prática comum as encomendas, entre empresas que declararam transmissões intracomunitárias de bens e as sociedades espanholas, serem feitas por telefone, fax de números nacionais, pelas mesmas pessoas, com vinculo laboral com sociedades nacionais que lhe pagavam rendimentos de trabalho dependente.

Por outro lado, continua a requerente, a administração fiscal invocou ainda omissões nos documentos de transporte que vieram de encontro ao que foi apurado pela administração fiscal espanhola de que as moradas das empresas identificadas nas faturas por si emitidas não existiam nem eram conhecidas, mais acrescentando a inspeção tributária que a requerente apenas recebia pedidos/encomendas de uma única pessoa de nacionalidade portuguesa, que auferia rendimentos do trabalho dependente de sociedades nacionais, e nunca foi contactado por outras pessoas que tivessem ligações aquelas sociedades espanholas.

Assim, continua a requerente, a requerida concluiu que os bens não saíram de Portugal e que foram aqui introduzidas no consumo, pelo que devem ser consideradas transmissões de bens internas sujeitas a imposto nos termos do artigo 1.º do CIVA.

A requerente acrescenta e contrapõe que, ao contrário do afirmado pela inspeção tributária, todas as operações em questão foram efectivamente realizadas com as empresas espanholas B…,SL, C…, SL e D…, SL, tendo os bens saídos de Portugal e entregues em Espanha.

Para sustentar a sua posição, em termos de doutrina da AT, a requerente começa por invocar o ofício circulado n.º 30009, de 10/12/1999, da Direção de Serviços do IVA, disponível no site da AT, que indica que a prova de saídas dos bens do território nacional, no âmbito das transacções intracomunitárias, pode ser feita recorrendo aos meios gerais de prova, nomeadamente, documentos de transporte (declaração CMR), contratos de transporte, faturas das empresas transportadoras, ou declaração, no estado membro de destino dos bens, por parte do respectivo adquirente, de aí ter efectuado a correspondente aquisição intracomunitária.

A requerente invoca também disposições legais e doutrina tendo em vista demonstrar que as referidas instruções vinculam a AT, salientando que o próprio relatório de inspecção dá conta que a administração fiscal espanhola informou que as três empresas espanholas cumpriram a formalidade de declarar para o sistema VIES as operações realizadas e que antes de proceder às vendas a requerente confirmou, junto da AT, que as três empresas tinham o NIF válido no VIES, sendo que a B…,SL, tinha o NIF ES-…, a C…, SL tinha o NIF ES-… e a D…, SL, tinha o NIF ES-… .

Por outro lado, continua a requerente, com o requerimento de audição prévia foram juntos os documentos do transporte dos bens para Espanha, ou seja, as declarações de expedição CMR, tendo sido as empresas espanholas que contrataram o transporte dos bens.

Por outro lado, quanto aos argumentos apresentados pela AT sobre quem negociou a compra das mercadorias, a requerente contrapõe que é frequente a intervenção de intermediários para esse efeito.

A requerente anota que as suas mercadorias foram transportadas para Espanha pela transportadora “E…,Lda” e que, como o próprio relatório reconhece ao afirmar que “quando o transporte destas mercadorias não é efectuado em viaturas da empresa transportadora E…,Lda, mas sim por outras empresas transportadoras, a mercadoria não é entregue em Espanha mas sim no Porto”, as suas mercadorias não são entregues no Porto mas sim em Espanha.

Quanto aos rendimentos pagos a pessoas das empresas espanholas adquirentes, a requerente dá conta que, segundo as informações comunicadas pela administração fiscal espanhola, essas empresas pagaram rendimentos a funcionários e a administradores no período de 2010, 2011 e 2012 no quantitativo superior a € 122.236,28 e que, ao contrário do afirmado pela AT, sendo o objeto das ditas empresas o comércio por grosso não é necessário uma estrutura muito grande para o seu funcionamento.

Seguidamente a requerente contesta a consistência das informações fornecidas pela administração fiscal espanhola a pedido da sua congénere portuguesa, chamando a atenção para o facto dos técnicos se terem deslocado ao local onde as empresas se encontravam cerca de dois anos depois do seu encerramento acrescentando que, desse modo, seria difícil encontrá-las.

A requerente alega também que a AT não respeitou as instruções administrativas que ela própria tinha emitido, através do ofício circulado n.º 30009, de 10/12/1999, ao desconsiderar os documentos de transporte e a prova de que, em Espanha, as empresas adquirentes declararam para o VIES as mercadorias transferidas.

A requerente termina o seu pedido invocando a violação dos princípios da confiança e da neutralidade do IVA, reforçando as razões que, no seu entender, tornam ilegais as liquidações impugnadas, requerendo assim a sua anulação e a liquidação de juros indemnizatórios desde a data do efetivo pagamento do imposto até ao seu reembolso.

Notificada para alegações a requerente veio reiterar o que tinha explanado na petição inicial.

4. Posição da Requerida

Por sua vez a autoridade requerida, na sua resposta, começa por se referir à actividade prosseguida pela requerente, na área do têxtil, e por confirmar que a mesma é sujeito passivo do IVA desde 01.01. 1986, passando a dar conta das razões que levaram a AT a desencadear a inspecção que deu origem às liquidações impugnadas e a descrever as diligências efectuadas junto da administração fiscal espanhola no sentido de obter a confirmação da realização efectiva das vendas declaradas pela requerente para as empresas espanholas B…, C… e D… .

Assim, segundo a resposta da requerida, os factos determinantes para lançar as liquidações impugnadas foram, no essencial, extraídos das informações obtidas da administração fiscal espanhola e que, em resumo, são os seguintes:

Em primeiro lugar a administração fiscal espanhola informou que as empresas B… e C… cessaram a sua actividade em Setembro e Novembro de 2011, e que a D… ainda se mantinha em funções ao tempo do procedimento inspectivo.

A administração espanhola também informou, continua a requerida, que as três empresas espanholas eram “desconhecidas dos seus vizinhos e não possuíam qualquer estrutura física inerente ao exercício da actividade económica”.

De seguida a resposta dá conta que as notificações efectuadas pela administração tributária espanhola foram devolvidas, precisando que a notificação efectuada via postal à empresa C… foi devolvida e as notificações efectuadas via correio electrónico às empresas B… e D… não se consideraram efectivadas porquanto as caixas de correio electrónico não foram abertas.

Por outro lado, embora a autoridade requerida reconheça que as obrigações fiscais inerentes ao imposto eram cumpridas por parte das empresas em causa, anota que “os valores declarados apresentam valores negativos ou balanceados, de forma a dar origem a pagamentos de imposto de montantes reduzidos ou não dar origem a qualquer pagamento de imposto”.

Acrescenta a requerida que as sociedades espanholas clientes da ora requerente declararam pagar rendimentos a pessoal de valor diminuto, nos três anos abrangidos pelo procedimento do pedido de informação, “se tivermos em conta que os montantes reportados também incluíam pagamentos a membros dos corpos sociais”.

A resposta passa depois a dar conta que em “autos de declarações recolhidos junto de outros fornecedores das referidas empresas espanholas foi possível provar” os factos a seguir descritos:

Que “as encomendas das mercadorias eram efectuadas por apenas duas pessoas, quer por telefone, quer via fax ou por email, através de números nacionais”.

Que “durante os anos de 2010 e 2011 os rendimentos auferidos por estas duas pessoas foram pagos por entidades com sede em Portugal”.

Que “uma dessas entidades pagadora foi identificada, nos documentos de transporte, como a empresa transportadora dos bens para Espanha”.

Que “em certas situações apurou-se que as mesmíssimas encomendas (quer quanto a espécie de produtos e quantidades) eram feitas pelas referidas pessoas, em data anterior, sendo que a fatura era emitida em nome de outras sociedades portuguesas”.

Que “representantes de outras empresas fornecedoras informaram que não havia encomenda prévia por parte dos clientes, sendo o próprio motorista a fazer a encomenda e identificava-se como trabalhador da empresa transportadora, pagava em dinheiro e escolhia o produto e quantidade em função da disponibilidade monetária que tinha consigo”.

Que “uma das empresas fornecedoras informou, igualmente, que muito embora as faturas fossem emitidas em nome da C… e D…, a mercadoria que vendeu foi entregue pelas suas viaturas numa morada do Porto”.

Depois da matéria de facto transcrita, a resposta continua a apresentar os fundamentos das liquidações impugnadas acrescentando que “dos dados recolhidos foi possível comprovar junto de outras empresas de transporte que as mercadorias de outras empresas nacionais que igualmente declaravam vendas com os mesmos adquirentes espanhóis, não eram entregues em Espanha, apesar das faturas serem emitidas em nome das empresas espanholas acima identificadas” e que também ficou provado “nesses casos que as mercadorias eram entregues numa morada específica do Porto e não em Espanha”.

A concluir a apresentação dos fundamentos fatuais em que as liquidações impugnadas se basearam, a resposta da requerida afirma que tendo sido “ponderados todos os indícios reunidos pelos serviços de inspeção tributária, bem como as informações prestadas pela administração fiscal espanhola, e após o exercício do direito de audição pela requerente, se concluiu pela inexistência de elementos que permitissem comprovar, de forma inequívoca, que os bens em causa saíram do território nacional com destino a Espanha, pelo que o procedimento inspectivo teve como resultado liquidações adicionais de IVA, referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012.

A resposta da requerida passa de seguida a apresentar os fundamentos de direito começando por contestar a afirmação da requerente de que cumpriu com as exigências do oficio-circulado 30009, de 10/12/1999, dos Serviços do IVA, já que, aduz a requerida, “através de vários procedimentos de fiscalização externa a diversas entidades que declararam, a par da requerente, ter realizado transmissões intracomunitárias de bens com as mesmas sociedades espanholas, foi possível apurar indícios seguros que põem em causa a efectiva saída dos bens do território nacional”, acrescentando de seguida que não só a prova formal apresentada pela requerente é insuficiente para comprovar as exigências previstas no artigo 14.º do RITI como, mais uma vez, apela às diligências probatórias relacionadas com outros fornecedores das empresas espanholas e às informações recolhidas junto da administração fiscal espanhola.

Retomando os factos no essencial já transcritos a requerida insiste que não é possível dar por provada a saída dos bens do território nacional a qual é condição sine qua non para a verificação da isenção prevista no artigo 14.º do RITI, sendo que era à requerente que, nos termos do artigo 74.º da LGT, competia fazer a referida prova.

A terminar a requerida cita em abono da tese, de que competia à requerente fazer a prova da saída das mercadorias, o acórdão do TCAN de 28 de Junho de 2007, proc. 00130/02, concluindo que a impugnação deve ser julgada improcedente.

Em contra-alegações, a requerida dá por integralmente reproduzida a resposta apresentada, acrescentando alguns reparos aos documentos entretanto juntos pela requerente, mormente os CMR´s.

A requerida observa, quanto a estes documentos, que continuam ilegíveis na sua maioria, que alguns estão rasurados e outros incompletos com ausência de datas ou referência às faturas, acrescentando ainda que alguns deles revelam incongruências ao nível das quantidades apontadas, por exemplo, por se referirem ao mesmo volume e tipo de produtos com pesos completamente distintos, como é o caso, por exemplo, o “CMR … em que se refere que 102 caixas de toalhas totalizam 1352 Kg, o CMR … em que se menciona que 102 caixas de toalhas já perfazem 2362 Kg, o CMR n.º … em que 90 caixas de toalhas totalizam 1542 Kg, ou ainda o CMR n.º … em que 65 caixas de toalhas perfazem 1516 Kg”, incongruências estas que, segundo a requerida, não permitem estabelecer uma correspondência entre os mesmos (CMR´s) e as mercadorias faturadas nos anos em questão (2010, 2011 e 2012).

Ainda nesta sede, a requerida invoca os processos arbitrais n.º 228/2015-T e 43/2015-T, bem como o Acórdão do TCAS de 07.06.2011, proc. 04434/10, em que perante circunstâncias idênticas às dos presentes autos, quanto a incongruências dos CMR´s, se decidiu que esses documentos não fazem prova da saída dos bens do território nacional, terminando defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

5. Saneamento

 

O tribunal arbitral é materialmente competente e foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e foram legalmente representadas.

Uma vez que o processo não enferma de nulidades e não foram levantadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, considera-se que estão reunidas as condições para ser proferida a decisão arbitral.

 

II. DECISÃO

II. A. MATÉRIA DE FACTO

II.A.1. Apresentação dos factos relevantes para a decisão arbitral

1.      Segundo está consignado no relatório de inspeção, datado de 13 de Novembro de 2014, que serviu de base às liquidações impugnadas, os serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças do …, através de consulta ao sistema VIES, verificaram que “A…, SA”, NIF…, com sede em Lugar de …, ..., declarou ter efetuado transmissões intracomunitárias de bens, nos anos de 2010, 2011 e 2012, para as seguintes empresas sedeadas em Espanha:

B… SL, NIF ES …

C… TEXTIL SL, NIF ES …

D… SL, NIF ES …

Tendo-se-lhe suscitados dúvidas sobre a veracidade das referidas transmissões e uma vez que a transmitente tinha a sua sede na área da direcção de finanças do distrito de…, os serviços fiscais do … solicitaram autorização àquela direcção de finanças para realizar a inspeção, a qual foi autorizada.

Dá-se por provado que a inspeção em causa foi desencadeada devido a irregularidades – No n.º III.2, alínea 6, dá-se conta que algumas mercadorias doutras empresas não iam para Espanha mas eram antes entregue no Porto – recolhidas junto de outras empresas; que a inspeção foi meramente interna não constando do relatório de inspecção que esta tenha envolvido a prática de qualquer indagação externa junto da requerente ou de qualquer outra empresa envolvida nas transmissões intracomunitárias praticadas pela mesma requerente, nomeadamente da empresa de transportes ou de qualquer outra empresa portuguesa que supostamente pudesse ter adquirido os bens que deveriam ter ido para Espanha e que, segundo o mesmo relatório, foram introduzidos no consumo em Portugal. 

A sociedade A…, SA, está enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal, por opção, desde 01.01.1986, e em sede de IRC desde 01-01-1989, no regime geral de tributação, pelo exercício da atividade de tecelagem de fio tipo algodão, com o CAE…, como atividade principal, e fabricação de artigos têxteis confecionados, exceto vestuário, CAE…, como atividade secundária.

2.      O relatório de inspeção dá de seguida conta (vd. ponto III.1) que tendo em vista apurar a capacidade das sociedades sedeadas em Espanha para adquirir as vendas   intracomunitárias declaradas para o VIES em Portugal, e ao abrigo do acordo de cooperação fronteiriço de intercâmbio direto de informação fiscal celebrado em 24/10/2006 entre as autoridades da República Portuguesa e o Reino de Espanha, foram solicitadas pela AT portuguesa à sua congénere espanhola, as seguintes informações, sobre as referidas empresas e nos seguintes termos:

a.       Uma vez que todas as empresas portuguesas e espanholas têm como atividade o comércio de artigos têxteis (tecidos e vestuários);

b.      Queiram informar quais os detentores de capital das referidas sociedades e os respetivos órgãos sociais;

c.       Apurar se nos exercícios de 2009 a 2011 as empresas cumpriram as suas obrigações fiscais de declaração e pagamento e qual o volume de negócios declarado por cada uma;

d.       Sendo do nosso conhecimento e confirmado pela consulta no VIES que as empresas em questão efetuaram entre si transações atingindo valores muito significativos, chegando aos milhões de euros por ano, queiram informar se as empresas têm estrutura, capacidade logística e recursos humanos para realizar as operações declaradas;

e.       Recolher as faturas de suporte às transações intracomunitárias efetuadas e respetivos documentos de transporte, bem como os comprovativos dos recebimentos e pagamentos dessas transações.

3.      As autoridades espanholas, em resposta às informações solicitadas, informaram o seguinte (vd. esquema/resumo constante no relatório de inspeção):

 

B… SL

D… SL

C… SL

Morada

… Pontevedra

… Pontevedra

… Pontevedra

Notificações (1)

Sim

Sim

Sim

Resposta

Não

Não

Devolvido

Decl. Fiscais

Sem declarações fiscais e com dívidas

2011-entregou declarações.

Tem dívidas 1.734€

2012- sem declarações. Dívida IVA 2.098€

Entregou declarações com valores a pagar.

Instalações

Desconhecidas na morada

Desconhecidas na morada

Desconhecidas na morada

VIES

Sim

Sim

Sim

Pessoal

Nunca teve

Nunca teve

Nunca teve

Cessação

30.09.2011

 

30.11.2011

(1) Notificações efetuadas pela administração fiscal espanhola

 

4.      O relatório de inspeção anota que do quadro acima e de outras informações prestadas pela administração fiscal espanhola resulta que as empresassem causa, nos anos de 2009 a 2011, têm vários pontos em comum, a saber:

a.       A morada é a mesma;

b.      Não responderam às notificações e que apenas a notificação dirigida à C… foi devolvida;

c.       As empresas não eram conhecidas pelos seus vizinhos;

d.      Que as ditas empresas apesar de desconhecidas na morada da sede e os indícios de inatividade duas das empresas cumpriam as suas obrigações fiscais, ainda que apresentassem valores negativos ou balanceados para pagarem imposto em montante reduzido ou até nem pagarem imposto;

e.       Cumpriam a formalidade de declarar para o sistema VIES as operações realizadas;

f.       Os responsáveis (sócio/procurador) são comuns entre elas;

g.      Não constam na base de dados daquela administração fiscal informação que as sociedades tenham empregados a quem tenham pago rendimentos.

5.      Indícios encontrados em outras empresas nacionais que declaram vendas para as mesmas sociedades espanholas.

O relatório de inspeção passa depois a dar conta (n.º III.2) que foram efetuados outros procedimentos inspetivos a outras sociedades que também declaravam vendas para as empresas espanholas em causa, na sequência do que se apuraram “os seguintes factos relevantes”, relatados nos termos que a seguir se transcrevem integralmente:

a.       “Em relação à pessoa de contacto e meio de encomendas verificou-se que a quase totalidade das mesmas eram efetuadas às mesmas 2 pessoas. As encomendas eram efetuadas quer via telefone, quer via fax (números nacionais) ou mesmo por email;

b.      Estas 2 pessoas, nos exercícios de 2010 e 2011 auferiram rendimentos pagos por entidades sedeadas em território nacional e uma dessas entidades foi identificada, nos documentos de transporte e em sede de auto de declarações, como transportadora dos bens para Espanha;

c.       Em certas situações foi referido que as mesmas pessoas, em data anterior efetuavam as mesmas encomendas dos mesmos produtos mas a fatura era emitida em nome de outras sociedades portuguesas, sendo que aquando da visita as mesmas encomendas voltaram a ser faturadas em nome dessas empresas;

d.      Representantes legais de outras sociedades informaram que não eram efetuadas encomendas prévias, mas que o próprio motorista, que se identificava trabalhador da empresa transportadora, se deslocasse às suas instalações, escolhia o produto, levando a quantidade em função do dinheiro que levava consigo e que esta situação do pagamento efetuado em dinheiro pelo motorista era recorrente em alguns fornecedores;

e.       Um dos fornecedores circularizados afirmou que apesar das faturas serem emitidas a favor das empresas espanholas C… SL e D…, Lda a mercadoria foi entregue pelas suas viaturas numa morada do Porto;

f.       Da análise efetuada apurou-se que quando o transporte destas mercadorias não era efetuado em viaturas da empresa transportadora, E…, Lda, mas sim por outras empresas transportadoras, a mercadoria não era entregue em Espanha mas sim no Porto”.

6.      O relatório de inspeção também informa (vd. III.3) que foi solicitado à ora requerente que apresentasse o “extrato de conta corrente referente ao vosso cliente abaixo indicado, no período compreendido entre 01-01-2010 até 31-12-2012, assim como cópia das respectivas faturas, documentos de transporte com a confirmação da receção da mercadoria no destino e cópia dos meios de recebimento”.

Do texto subsequente resulta que A… ora requerente respondeu ao solicitado, tendo enviado os documentos pedidos, sendo que o relatório de inspecção não dá conta de ter procedido à sua análise, que informações retirou, que irregularidades detectou nesses documentos, tendo apenas feito referência aos documentos de transporte para as sociedades espanholas dando conta que foram encontradas algumas omissões nomeadamente a identificação da matrícula da viatura que efectuou o transporte e a comprovação da receção da mercadoria.

O relatório acrescenta também que foi apurado que havia um elevado número de empresas que efectuavam vendas para as sociedades sedeadas em Espanha.

7.      Face aos elementos recolhidos, o relatório de inspecção extraiu as seguintes conclusões:

a.       As empresas destinatárias dos bens não tinham estrutura física nem pessoal ao seu serviço que permitisse exercer uma atividade comercial, industrial ou outra;

b.      Não eram conhecidas na morada da sede (comum a todas);

c.       Tinham sócio/procurador comuns, entre elas;

d.      Era prática comum as encomendas, entre as empresas que declararam Transmissões Intracomunitárias de Bens (TIB) e as sociedades espanholas, serem feitas por telefone, fax de números nacionais, pelas mesmas pessoas, com vínculo laboral com sociedades nacionais que lhe pagavam rendimentos de trabalho dependente, o que só por si põe em causa a saída das mercadorias do território nacional;

e.       Foram encontradas omissões nos documentos de transporte que vieram ao encontro ao que foi apurado pela administração fiscal espanhola, de que nas moradas indicadas não existiam, nem eram conhecidas, as sociedades identificadas nas faturas emitidas pela A… SA;

f.       A A… apenas recebia pedidos/encomendas de uma única pessoa de nacionalidade portuguesa, que auferia rendimentos do trabalho dependente de sociedades nacionais e nunca foi contactada por outras pessoas com ligações aquelas sociedades espanholas;

 

g.      Face ao exposto e à inexistência de outros elementos/factos que comprovem de forma inequívoca que os bens em causa saíram de Portugal, concluiu o relatório de inspeção que foram introduzidas ao consumo em território nacional, sendo, por isso consideradas transmissões de bens internas, sujeitas a imposto nos termos do artigo 1.º do CIVA.

8.      Segundo o relatório de inspeção as vendas totais da A… para as três sociedades espanholas ascenderam aos seguintes valores:

Para a sociedade B… SL: € 36.643,70 nos meses de Janeiro a Abril de 2010

Para a sociedade C… SL: € 141.451,14 nos meses de Abril a Dezembro de 2010 e Janeiro a Novembro de 2011;                                                                  

Para a sociedade D… SL: € 78.500,82 nos meses de Dezembro de 2011 e de Janeiro a Outubro de 2012.

9.      Na sequência de despacho arbitral determinando o aperfeiçoamento da prova documental entregue com a p.i., a requerente juntou aos autos, através de correio registado rececionado no CAAD a 19 de Janeiro de 2016, fotocópias certificadas de 63 CMR´s, ou seja, de “declaração de Expedição internacional” prevista na “Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada (CMR)”

10.  A estrutura dos CMR´s é composta pelos seguintes campos numerados de 1 a 24:

No canto superior direito consta a identificação do CMR e o seu número;

No campo 1 espaço para a identificação do expedidor dos bens;

Nos campos 2 e 3 espaços para a identificação do destinatário das mercadorias e do lugar de entrega;

No campo 4 espaço para indicar o lugar e data do carregamento das mercadorias;

No campo 5 espaço para indicar os documentos anexos (fatura);

Nos campos 6 a 12, espaços para identificar as mercadorias objeto do transporte, a saber, a marca e números, número de volumes, modo de embalagem, natureza da mercadoria, número estatístico, peso bruto em Kg, e volume em m3;

Nos campos 13, 14, 15, 19 e 20 espaço para incluir instruções do expedidor, preço do transporte, formas de pagamento e de reembolso;

Nos campos 16, 17 e 18 espaço para identificar o transportador da mercadoria e outras informações relativas ao transporte;

No campo 21 espaço para indicar a data do preenchimento do CMR;

No campo 22 espaço para assinatura e carimbo do expedidor;

No campo 23 espaço para assinatura e carimbo do transportador; e

No campo 24 espaço para apor os dados referentes à receção das mercadorias.

11.  Da análise visual dos 63 CMR´s juntos ao processo resultam as seguintes principais informações:

a.       O campo 1 dos 63 CMR´s está preenchido com o carimbo ou com referência descritiva ao expedidor “A…, SA, ...”, muitas vezes com indicação do NIF…, outras vezes sem que esse número seja visível.

b.      Nos campos 2 e 3, sobre o destinatário das mercadorias e local de entrega, há 8 CMR´s que indicam “B…,SL”, …, … Km…, Pontevedra, Espanha; Há 27 CMR´s que indicam “C…, SL”, …, … Km…, …, Pontevedra, Espanha; Há 20 CMR´s que indicam “D… ,SL”, …, … Km…, …, Pontevdra, Espanha.

Anota-se que alguns destes CMR´s não apresentam boa legibilidade e que há 8 deles em que os dados dos campos 2 e 3 não são total ou parcialmente visíveis.

c.       O campo 4, sobre o lugar e data do carregamento das mercadorias, indica “…/…/Portugal”, estando também aposta a data do carregamento. Estas indicações são visíveis em 52 dos 63 CMR´s apresentados.

d.      O campo 5 está geralmente preenchido com indicação de um número,  referenciado como número de fatura, sendo que há também alguns dos CMR´s onde essa indicação não é visível.

e.       Os campos 6 a 12 contêm informação sobre as mercadorias transportadas, a saber, o número de volumes indicando números variados; o modo de embalagem indicando caixas, atados ou cartões; a natureza do material indicando Toalhas, Têxteis ou Felpo; O peso em Kg indicando pesos diversos.

Anota-se que em 16 CMR´s estes dados não são total ou parcialmente visíveis.

f.       Os campos 13, 14, 15, 19 e 20 relativos a instruções do expedidor, preço do transporte, formas de pagamento e de reembolso não estão preenchidos em qualquer CMR;

g.      Os campos 16, 17 e 18 indicam, através da aposição de carimbos, o transportador como sendo “E…Lda”. O domicílio deste transportador é indicado na maioria dos CMR´s na Rua…, no Porto; noutros na Rua…, Aveiro; e ainda noutros na Praceta…, em Barcelos. Na maioria dos CMR´s está indicado o n.º … como NIPC do transportador.

h.      O campo 21 tem aposta a data da feitura do CMR que é visível na maioria deles.

i.        O campo 22 contém o carimbo do expedidor “A…, SA” e uma rúbrica, elementos que são visíveis em todos os CMR´s.

j.        O campo 23 contém o carimbo do transportador “E…, Lda” e uma rúbrica, igualmente visíveis em todos os CMR,s;

k.      O campo 24 tem o carimbo da empresa que recebeu as mercadorias – uma das empresas espanholas indicadas nos campos 2 e 3 (vd. supra 5.2)  – bem como uma rúbrica, dados que também são visíveis em todos os CMR,s apresentados.

12.  Em 10 de Dezembro a requerente juntou aos autos 30 documentos (documentos 62 a 92) com a validação no sistema VIES (sistema de intercâmbio de informações sobre o IVA) de números de IVA de sujeitos passivos espanhóis, a saber, ES…, ES … e ES… .

As referidas validações têm apostas as datas em que foram efetuadas, constatando-se que são datas dos primeiros quatro meses de 2010 no que respeita o SP “B… SL” ES…, dos meses de Maio a Dezembro de 2010 e de Janeiro a Novembro de 2011 em relação ao SP “C… Textil SL” ES … e dos meses de Janeiro a Outubro de 2012 em relação ao SP “D… SL”ES… .

 

II. A.2. Factos dados como provados e não provados

 

Não há, com relevo para a decisão à luz das várias perspetivas de análise das questões de direito, quaisquer outros factos provados e/ou não provados.

A convicção do Tribunal ao fixar o sobredito quadro factual fundou-se nos elementos documentais integrados nos autos e não impugnados, em conjugação com a posição das partes espelhada nos respetivos articulados, o que se considera revelador de inexistência de controvérsia real quanto à materialidade dos factos mas tão somente quanto à forma de os interpretar e enquadrar.

Não obstante, tem-se presente que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos relevantes para a decisão e de discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

B. DO DIREITO

As liquidações adicionais de IVA impugnadas foram lançadas com base nas correcções propostas no relatório de inspecção junto aos autos (vd. pag. 11 do relatório), sendo referentes a períodos de imposto de Janeiro a Dezembro de 2010, no montante de € 19.568,51, de Janeiro a Dezembro de 2011, no montante de € 18.399,95, e referentes aos meses de Janeiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2012, no montante de 16.330,24, no total de € 54.298,70, a qual, depois de acrescidos os respetivos juros compensatórios, ascende a € 59.484,88.

Está em causa no presente processo arbitral aferir da legalidade das referidas liquidações adicionai lançadas com base em indícios, recolhidos através de inspecção interna e de informações solicitadas à administração fiscal espanhola, que, segundo a AT, demonstram que a ora requerente introduziu no mercado nacional um conjunto de bens sem liquidação de imposto, tendo declarado que os mesmos foram objeto de transmissões intracomunitárias para três sujeitos passivos sedeados em Espanha.

Vejamos,

Ao nível do direito comunitário, o n.º 1 do artigo 138.° da Diretiva 2006/112, que substituiu a 6.ª Diretiva, determina que:

«Os Estados-Membros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados, para fora do respetivo território mas na Comunidade, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efetuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo agindo como tal num Estado-Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens.»

Por sua vez, a alínea a) do artigo 14.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI) dispõe que:

Estão isentas do imposto:

a) As transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens;”.

Atentando no ofício-circulado n.º 30009, de 10/12/1999, da Direção de Serviços do IVA, instruindo os serviços da então DGCI sobre a forma como deveriam ser comprovadas as transmissões intracomunitárias de bens (ainda em vigor ao tempo da ocorrência dos factos relevantes para a presente decisão arbitral), está aí consignado que os requisitos para que se verifique a isenção prevista na alínea a) do artigo 14.º do RITI são os seguintes:

“Que os bens sejam expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro da União Europeia e;

o adquirente se encontre registado para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado noutro Estado membro, tenha indicado o respetivo número de identificação fiscal e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens”.

Existe jurisprudência variada a abordar este tema.

Por exemplo, consignou-se no acórdão do STA de 09-09-2009, proc. 0491/09 que “de  harmonia com o disposto no artigo 14º do RITI - DL n.º 290/92, de 28.12 -, só as transmissões de bens efectuadas por um sujeito passivo que se encontre abrangido, no país de origem, por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, em que o adquirente seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do IVA noutro Estado membro, que este utilize o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e o mesmo se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens nesse outro Estado membro estão isentas de tributação em sede de IVA”.

Em resumo, a isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias, significando que nao há lugar à liquidação de imposto e que o sujeito passivo transmitente tem direito a deduzir o imposto suportado a montante para adquirir ou produzir esses bens, requer que o transmitente seja sujeito passivo de IVA no Estado membro de origem e o adquirente seja também um sujeito passivo de IVA no Estado membro de destino que utilize o respectivo número de identificação fiscal nessa aquisição.

Para além destes requisitos de natureza subjetiva, os bens devem ser efetivamente expedidos ou transportados para outro Estado Membro, pelo transmitente, pelo adquirente ou por terceiro por conta de qualquer deles.

 

Está demonstrado no processo que a requerente era sujeito passivo de IVA em Portugal e que os adquirentes, B…, C…e D…, eram sujeitos passivos de IVA em Espanha, que utilizaram o respetivo número de identificação para efetuar as aquisições.

E quanto ao outro requisito conexo com a expedição ou transporte dos bens de Portugal, Estado membro de origem, para Espanha, Estado membro de destino?

A AT afirma que recolheu fortes indícios que os bens foram introduzidos no consumo em Portugal e que não foram efetivamente expedidos ou transportados para outro Estado Membro, com destino aos adquirentes.

A questão que aqui se coloca é a de saber quais são os indícios recolhidos pela AT que são susceptíveis de fundamentar a revogação da isenção prevista na alínea a) do artigo 14.º do RITI e quais são as provas que a requerente lhe poderia apresentar para demonstrar que os bens saíram de Portugal e que as suas declarações para o VIES foram verdadeiras.

Quanto à questão dos documentos de prova pode ler-se no n.º 4 do ofício circulado n.º 30009 acima citado que “perante a falta de norma que, na legislação do IVA, indique expressamente os meios considerados idóneos para comprovar a verificação dos pressupostos da isenção prevista na alínea a) do artigo 14.º do RITI, será de admitir que a prova da saída dos bens do território nacional possa ser efetuada recorrendo aos meios gerais de prova, nomeadamente através das seguintes possibilidades alternativas:

Os documentos comprovativos do transporte, os quais, consoante o mesmo seja rodoviário, aéreo ou marítimo, poderão ser, respectivamente, a declaração de expedição (CMR), a carta de porte (AirwaybilI-AWB) ou o conhecimento de embarque (Bill of landing-B//L);

Os contratos de transporte celebrados;

As faturas das empresas transportadoras;

As guias de remessa; ou

A declaração, no Estado membro de destino dos bens, por parte do respetivo adquirente, de aí ter efetuado a correspondente aquisição intracomunitária”

Ora, como decorre da prova junta aos autos, a requerente procedeu à junção de 63 CMR,s, analisados supra em II.A.1.8 e seguintes, que não obstante algumas omissões e dúvidas também assinaladas a alguns dos referidos documentos, não deixa a sua maioria de constituir prova conclusiva no sentido de considerar demonstrado que o sujeito passivo de IVA “A…, SA”, como expedidor, procedeu, nos anos assinalados pela inspecção tributária como sendo aqueles em que as transmissões intracomunitárias foram declaradas para o VIES, a um elevado conjunto de vendas de bens, embalados em caixas, atados ou cartões, contendo toalhas, têxteis e felpo, os quais foram transportados para uma localidade situada em Espanha pela empresa de transportes “E…, Lda”, e recepcionados pelas 3 empresas espanholas, com rúbricas de receção apostas no campo próprio dos CMR,s,  as quais foram declaradas no VIES pelo operador nacional como sendo as adquirentes desses mesmos bens.

Seriam estes documentos verdadeiros ou falsos? A AT sugere que recolheu indícios que punham em causa as transmissões e as operações de transporte evidenciadas nos ditos CMR,s.

Porém, salvo algumas dúvidas e objeções colocadas pelas Exmas representantes da AT nos presentes autos sobre a visibilidade e preenchimento de alguns CMR,s e sobre as mercadorias e pesos neles mencionados, como supra se dá conta, observa-se que as dúvidas e objecções não incidiram sobre a maioria dos CMR,s e que as mesmas não requereram a junção de qualquer documento ou suscitaram qualquer indagação suplementar para esclarecer as suas dúvidas.

Por sua vez, o relatório de inspecção não só não fornece qualquer apoio que permitisse agora à AT pôr em causa os ditos documentos com argumentos sólidos, como não descreve qualquer indagação que tenha efectuado sobre a verdade ou falsidade dos dados constantes nas declarações de transporte, seja quanto ao preenchimento dos documentos propriamente ditos, seja quanto às operações de transporte e aos seus intervenientes subjacentes aos mesmos.

Anota-se igualmente que foi demonstrado nos autos (vd. II.A.1.12) que a requerente, nos períodos em que as transacções para Espanha se situaram, utilizou o sistema VIES para validar os números fiscais das três empresas espanholas suas clientes.

Tal como consignado no relatório de inspeção (vd n.º 3 supra), a Direção de Finanças do … solicitou um conjunto de informações à administração tributária espanhola que, através da “Agência Especial de Galicia” da Agência Tributária, informou resumidamente o que consta supra em II.A.1. 4 e 5.

Tendo sido determinado por despacho arbitral a junção aos autos da cópia do pedido de informações e das respostas fornecidas pela AT espanhola, constata-se, em resumo, o seguinte:

Através de informações datadas de 10 de Outubro de 2013 (sobre a sociedade B…) e de 11 de Outubro de 2013 (sobre as sociedades C… e D… ) , as respostas fornecidas pelo “tecnico de hacienda” F… confirmam a existência jurídica e fiscal das empresas espanholas, dão conta do cumprimento de algumas obrigações fiscais nesse país, de operações intracomunitárias declaradas para o VIES, dos escassos meios humanos  das empresas em causa e fornecem outras informações gerais a que o relatório da inspeção tributária faz referência.

Constata-se, por outro lado, que as ditas informações não responderam a várias questões formuladas pela AT portuguesa, mormente sobre volumes de negócios declarados, sobre faturas de suporte às transações intracomunitárias entre as empresas portuguesas e espanholas, sobre documentos de transporte, sobre pagamentos e recebimentos, tendo respondido a outras questões com pouca ou nenhuma relevância para confirmar ou infirmar se as transmissões intracomunitárias declaradas pela requerente existiram, nomeadamente informações sobre sócios e administradores, sobre dívidas à administração fiscal espanhola, entre outras.

´Não deixa de se observar que os documentos recebidos da AT espanhola que, como supra referido, foram juntas aos autos, não se revelam de qualquer utilidade para comparar se as transmissões intracomunitárias declaradas pela ora requerente têm alguma relação com as aquisições intracomunitárias declaradas pelas sociedades espanholas, nem em sentido positivo nem em sentido negativo, dado que as denominações e os NIF,s das empresas constantes nas ditas informações foram ocultadas antes da sua remessa para junção aos presentes autos, com a invocação de que se tratava de matéria coberta pelo sigilo referido no n.º 1 do artigo 64.º da LGT.

Deve ainda anotar-se que a informação do relatório de inspeção de que os “responsáveis” são comuns entre as três sociedades (vd. supra n.º 5/f) não é totalmente rigorosa.

Com efeito, ainda que haja alguns nomes ligados a mais que uma das três empresas, como é o caso do “apoderado” da D… G…, que foi também administrador da B… e recebeu remunerações da C…, as informações vindas de Espanha dizem que no caso da D… o administrador e sócio único entre 25/03/2010 e 01/06/2012 foi H…, NIE Y…, passando depois a ser I… NIE Y…; que no caso da C… o administrador e sócio único foi J… com NIF…; e que no caso da B…o administrador e sócio único foi G…, NIE X… .

Também não é totalmente rigorosa a afirmação consignada no relatório de inspeção, que aliás teve algumas correções no âmbito da audiência prévia, de que as sociedades espanholas não tiveram empregados a quem tivessem pago rendimentos (vd. supra 5/g) dado que, em relação à empresa D… a informação da AT espanhola diz que, além do administrador e do “apoderado”, nos exercícios de 2010 e 2011,a empresa pagou remunerações a dois empregados; no caso da C… que a empresa pagou remunerações em 2011 ao “apoderado” e a uma empregada de nome K…; e no caso da B…que em 2010 pagou remunerações ao administrador único e a um empregado L… .

Anota-se também que várias informações colhidas pela administração fiscal espanhola não são rigorosas e muito menos são exaustivas em relação às questões colocadas pela administração fiscal portuguesa, facto a que não será alheia a circunstância de terem sido prestadas em Outubro de 2013, sendo que a empresa B…tinha encerrado a sua atividade em Setembro de 2011 e a empresa C… tinha encerrado em Novembro de 2011.

Noutros casos, as informações vindas da administração fiscal espanhola, mormente em relação à indicação sobre o desconhecimento da localização das empresas na morada indicada no pedido de informações formulado pela sua congénere portuguesa, não são suficientemente consistentes para serem aceites como prova processual, dado que não informam sobre a localização que os seus próprios registos continham, não descrevem qual o método utilizado, quais e como foram inquiridos os vizinhos que declararam o seu desconhecimento, qual o grau de credibilidade das informações recolhidas, entre outras omissões.

 

Não pode igualmente deixar de se anotar que o relatório de inspeção interna elaborado pela Direção de Finanças do … sobre as transmissões intracomunitárias efetuadas pela ora requerente se baseou, segundo ele próprio, em informações colhidas junto de outras empresas, noutras inspecções, sem qualquer indagação específica sobre, por exemplo, fluxos financeiros entre as empresas espanholas e a transmitente “A…”, sobre a contabilidade desta empresa, sobre a empresa de transportes que consta em todos os CMR,s e que certamente teria muita informação sobre o transporte em causa, sobre a genuinidade do preenchimentos dos próprios CMR,s, entre outras omissões inspectivas.

Constata-se igualmente que o relatório de inspeção não faz a devida apresentação e análise dos dados informativos fornecidos pela requerente “A…”, através da sua carta datada de 2014.03.10 que, na sequência de pedido que lhe foi dirigido pelos próprios serviços de inspeção tributária do …, remeteu um “CD com ficheiros em formato PDF, dos n/ clientes D…, C… e B…” contendo “extratos compreendidos entre 01.01.2010 e 31.12.2012, bem como cópias das faturas, dos FCR e dos comprovativos de pagamento”.

 

O Tribunal de Justiça da UE tem-se pronunciado sobre a aplicabilidade da isenção de IVA às transmissões intracomunitárias, mormente quando se apure que, quer o transmitente, quer o adquirente intracomunitário, isoladamente ou em articulação, estão a defraudar as regras da tributação incidentes sobre as trocas intracomunitárias.

Por exemplo, escreveu-se no Acórdão do TJUE de 6 de Setembro de 2012, proc. C-273/11, que “é jurisprudência bem assente que a luta contra a fraude, evasão fiscal e eventuais abusos é objectivo reconhecido e incentivado pela Diretiva 2006/112 (citando vários acórdãos neste sentido), o que justifica por vezes exigências elevadas quanto às obrigações dos vendedores”, desde que tais exigências lhes possam “ser razoavelmente exigidas para garantir que a operação que efetua não implica a sua participação numa fraude fiscal” (com citação do acórdão Teleos e outros).

Seguidamente o mesmo acórdão acrescenta que “o artigo 138.º, n.º 1, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que (…)o direito à isenção de uma entrega intracomunitária seja recusada ao vendedor, caso se conclua, à luz de elementos objectivos, que este não cumpriu as obrigações que lhe incumbem em matéria de prova ou que sabia ou devia saber que a operação que efectuou estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e que não tinha tomado todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar e sua própria participação nesta fraude”.

Ora, o que se constata no caso em apreço é que a AT, não tendo logrado apurar dados objectivos que permitissem acusar a transmitente e ora requerente de cometer fraude nas vendas que declarou para as empresas espanholas, dado que apenas tinha “indícios” que diz ter recolhido “noutras inspecções” e sobre outras trocas intracomunitárias, que nem sequer identificou, voltou-se para Espanha onde tentou obter o que lhe faltava.

Porém, as informações vindas de Espanha, que, como já referido, a AT até ocultou parcialmente antes de as juntar aos presentes autos, apenas poderiam ser relevantes para apoiar a desconsideração das declarações da transmitente para o VIES e o consequente lançamento das liquidações impugnadas, se tivessem ultrapassado a natureza de meros indícios e desconfianças e se tivessem fornecido dados concretos e objectivos que tivessem demonstrado que as empresas espanholas não existiam, que não adquiriram as mercadorias ou que não as pagaram, que os documentos de transporte (CMR,s) eram falsos, que o transporte não se realizou, entre outros factos possíveis.

Os indícios recolhidos, que se fossem devidamente testados e complementados em factos até poderiam legitimar algumas dúvidas e desconfianças sobre o papel das empresas espanholas, ficaram muito aquém do que seria necessário para consubstanciar a prova do cometimento de qualquer infracção e de permitir extrair as consequências gravosas que a AT pretende com o lançamento das liquidações adicionais de IVA ou para fundamentar a aplicação de sanção pela não entrega do imposto.

 

Nestes termos, tudo visto e ponderado, não se pode, pois, considerar que a AT tenha logrado trazer para o procedimento da liquidação e agora para os presentes autos,  indícios sustentados, objetivos, consistentes, e muito menos factos concretos, que permitam sustentar a invocada falsidade das operações intracomunitárias declaradas para o VIES pela ora requerente, ou que possam por em causa o princípio da veracidade a favor da mesma consignado no artigo 75.º da LGT (neste sentido ver ACD TCAS de 17.03.2016. Proc. 07345/14), relativamente às declarações de transporte (CMR,s), que são os elementos de prova que razoavelmente lhe poderiam ser exigidos e que à data eram dos que, em alternativa a outros, eram aceites pela AT (no descrito ofício circulado 30009) dos contribuintes que praticavam transmissões intracomunitárias.

As liquidações adicionais de IVA não estão adequadamente fundamentadas e devem assim ser anuladas.

 

Do pedido de condenação da AT na liquidação de juros indemnizatórios

A requerente requer também a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Face à procedência do pedido que ora se decreta, deverão ser restituídas as prestações pagas pela requerente, se necessário, em execução de sentença.

Como tem sido decidido, embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, entende-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do citado artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

Nestes termos, uma vez que, de acordo com os fundamentos da presente decisão arbitral, se considera que as liquidações adicionais anuladas se basearam em erro imputável aos serviços, a requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, liquidados desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados até ao processamento da nota de crédito, o que deverá ser cumprido pela autoridade requerida.

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide-se julgar procedente o pedido arbitral e, em consequência, anular as liquidações adicionais de IVA lançadas com base na situação tributária descrita, condenando a Autoridade Requerida a liquidar juros indemnizatórios a favor da Requerente e nas custas do processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se ao processo o valor de € 59.484,88, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 15 de Abril de 2016

 

Notifique-se.

 

O árbitro,

Joaquim Silvério Mateus