Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 420/2015-T
Data da decisão: 2015-12-21  Selo  
Valor do pedido: € 47.834,40
Tema: Imposto de Selo – Verba n.º 28.1 da TGIS; propriedade vertical
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I - RELATÓRIO

 

1.      A... S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede no ... n.º..., ...-... Lisboa, requereu, em 8 de Julho de 2015, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º da Lei Geral Tributária (LGT), 99.º/al. a) do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), art. 2.º/1, al. a) e art. 10.º do Decreto-lei n.º 10/2001, de 20 de Janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), a constituição do Tribunal Arbitral, para apreciação da legalidade e inconstitucionalidade, e consequente anulação dos actos de liquidação do Imposto de Selo (IS), por aplicação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) anexa ao Código do Imposto de Selo (CIS), referente ao ano de 2014, de que resultou uma colecta no montante de € 47.834,40, respeitante aos prédios urbanos descritos na matriz da freguesia de..., sob os artigos matriciais..., ..., ..., que deram origem aos seguintes documentos:

(i)                 Artigo ...º: 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015... .

(ii)               Artigo...: 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015... .

(iii)             Artigo...: 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015... .

2.      No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro.

3.      Nos termos do art. 6.º/2, al. a) e do art. 11.º/1, al. b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular a ora signatária, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.

4.      O Tribunal Arbitral ficou constituído em 14 de Setembro de 2015.

5.      A Requerida apresentou a sua resposta no dia 21 de Outubro de 2015.

6.      A Requerente respondeu, por escrito, à excepção de incompetência suscitada pela Requerida.

7.      Não tendo havido oposição das partes, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o art. 18.º/1 do RJAT, bem como as alegações escritas.

 

**  **  **  **

8.      A Requerente alegou, em síntese, que:

8.1    É proprietária de três prédios urbanos sitos (i) na Av. ... n.º ... a ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo U-..., (ii) Rua ... n.º ... a ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo U-... e (iii) Rua ... n.º ... a ... , inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo U- ... .

8.2    Cada um destes três prédios é composto por andares susceptíveis de utilização independente, com valores patrimoniais tributários inferiores a € 1.000.000,00, mas cujo valor total de cada um dos prédios é superior a 1.000.000,00.

8.3    Relativamente a cada um dos prédios, a Administração Tributária liquidou Imposto de Selo sobre o valor patrimonial dos andares, com referência ao ano de 2014, nos termos do art. 6.º/1, al. f), subalínea i), do CIS, Verba n.º 28.1 da TGIS, na redacção dada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

8.4    As liquidações em causa assentam no entendimento segundo o qual haverá sujeição a Imposto de Selo sempre que o somatório dos VPT dos andares, individualmente considerados, for superior a € 1.000.000,00.

8.5     Conclui no sentido da manifesta a ilegalidade das liquidações em causa, por ilegal interpretação pela A.T. da verba 28 da TGIS.

8.6    Mais invoca que a inconstitucionalidade das normas constantes da verba n.º 28, com a dimensão interpretativa conferida pela AT é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP) e art. 104.º/ 3 da CRP.

8.7    Pede a Requerente, por fim, que a Requerida seja condenada a proceder ao reembolso do montante do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios e nas custas do processo.

 

9.      Notificada para responder, a Requerida alega, em síntese, o seguinte:

9.1     Por excepção, sustenta a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de uma prestação do acto de liquidação, face ao disposto no art. 2.º do RJAT, uma vez que, no seu entendimento, a Requerente impugna, exclusivamente, as notas de cobrança que constituem as 1.ªs prestações do imposto relativas aos três imóveis.

9.2     Por impugnação, invoca que, com referência ao ano de 2014, em cumprimento do disposto no art. 6.º/2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, procedeu nos termos da verba n.º 28.1 procedeu à notificação dos documentos de cobrança para pagamento da 1.ª prestação das liquidações em causa, que incide sobre prédios urbano, avaliados nos termos do CIMI, com VP igual ou superior a € 1.000.000,00.

9.3     No que respeita à violação dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, defende que não existe violação ao princípio da igualdade inexistindo qualquer discriminação entre prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações.

9.4     Sustenta a integral validade e legalidade das notas de cobrança do imposto de selo, 1.ºs prestações, por aplicação da verba 28.1 da TGIS.

9.5     Conclui que os actos tributários em causa não padecem dos vícios, não violam qualquer princípio legal ou constitucional, devendo assim ser mantidos.

 

C – Factos provados

10.  Com base nos factos alegados pelas partes, e não contestados pela Requerida, assim como na documentação junta aos autos, fixa-se a seguinte factualidade relevante para a boa decisão da causa:

A)    A Requerente era em 2014 proprietária do prédio urbano, em regime de propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sito na Av. ... n.º ... a ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de..., concelho de Lisboa, sob o artigo matricial... .

B)    Da certidão matricial consta a seguinte descrição “Prédio Urbano destinado a habitação e comércio, composto por cave, r/c, 7 andares (...)”.

C)    Consta da certidão matricial que, cada um dos sete andares, afectos à habitação, susceptíveis de utilização independente, tem um valor patrimonial tributário individual inferior a € 1.000.000,00.

D)    Os valores patrimoniais tributários de cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente determinados segundo o IMI são os seguintes:

1º Dto.

104.020,00€

3º Esq.

117.340,00€

6º Dto.

105.030,00€

1º Esq.

117.340,00€

4º Dto.

104.020,00€

6º Esq.

118.480,00€

2º Dto.

100.830,00€

4º Esq.

117.340,00€

7º Dto. Rec.

105.030,00€

2º Esq.

116.210,00€

5º Dto.

107.900,00€

7º Esq.Rec.

118.480,00€

3º Dto.

104.020,00€

5º Esq.

118.480,00€

 

 

E)     O Valor patrimonial total é de € 2.193.040,00.

F)     Em 20/03/2015, foram emitidas notas de liquidação de Imposto de Selo, ano de 2014, fundamentadas na aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, incidentes sobre o prédio identificado em A) – artigo matricial..., da freguesia de ...–, individualmente para cada um dos andares susceptíveis de utilização independente, de que resultou o apuramento das seguintes colectas a cada andar:

1º Dto.

1.040,20€

3º Esq.

1.173,40€

6º Dto.

1.050,30€

1º Esq.

1.173,40€

4º Dto.

1.040,20€

6º Esq.

1.184,80€

2º Dto.

1.008,30€

4º Esq.

1.173,40€

7º Dto. Rec.

1.050,30€

2º Esq.

1.162,10€

5º Dto.

1.079,00€

7º Esq.Rec.

1.180,40€

3º Dto.

1.040,20€

5º Esq.

1.184,80€

 

 

G)    Dos documentos remetidos à Requerente consta, além do mais, a seguinte menção “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto: € 1.554.520,00”.

H)    A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento, até Abril de 2015, da 1.ª prestação das liquidações efectuadas.

I)       A Requerentes era, em 2014, proprietária do prédio urbano, em regime de propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sito na Rua ... n.º ...-..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de..., concelho de Lisboa, sob o artigo matricial... .

J)       Da certidão matricial consta a seguinte descrição “Prédio Urbano, composto por cave, r/chão, cinco andares e sótão. (...). Número de pisos: 8; Número de andares ou divisões com utilização independente: 14. Valor patrimonial total: € 2.108.830”.

K)    Consta da certidão matricial que a cave se destina a estacionamento coberto e fechado e o r/chão ao comércio.

L)     Cada um dos seis andares, lados direitos e esquerdos, susceptíveis de utilização independente, são afectos à habitação, tem um valor patrimonial tributário individual inferior a € 1.000.000,00.

M)   Os valores patrimoniais tributários de cada um desses andares susceptíveis de utilização independente determinados segundo o IMI são os seguintes:

1º Dto.

126.300,00€

4º Dto.

127.560,00€

1º Esq.

120.370,00€

4º Esq.

121.570,00€

2ª Dto.

126.300,00€

5º Dto.

128.820,00€

2º Esq.

120.370,00€

5º Esq.

122.780,00€

3º Dto.

127.560,00€

6º Esq.

89.560,00€

3º Esq.

121.570,00€

6º Dto.

55.980,00€

 

 

 

 

 

 

 

N)    O valor patrimonial total é de € 2.108.830,00.

O)    Em 20/03/2015, foram emitidas notas de liquidação de Imposto de Selo, ano de 2014, fundamentadas na aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, incidentes sobre o prédio identificado em I) – artigo matricial..., da freguesia de ...– individualmente para cada um dos andares susceptíveis de utilização independente, de que resultou o apuramento das seguintes colectas:

1º Dto.

1.263,00

4º Dto.

1.257,60€

1º Esq.

1.203,70

4º Esq.

1.215,70€

2ª Dto.

1.263,00€

5º Dto.

1.288,20€

2º Esq.

1.203,70€

5º Esq.

1.227,80€

3º Dto.

1.275,60€

6º Esq.

895,60€

3º Esq.

1.215,70€

6º Dto.

559,80€

 

 

 

 

 

 

 

P)     A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento, até Abril de 2015, da primeira prestação das liquidações efectuadas.

Q)    Consta dos documentos emitidos, além do mais, a seguinte menção “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto: € 1.388.740,00”.

R)    A Requerentes era, em 2014, proprietária do prédio urbano, em regime de propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sito na Rua ... n.º..., ..., ...e..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de..., concelho de Lisboa, sob o artigo matricial... .

S)     Da certidão matricial consta a seguinte descrição “Prédio Urbano composto de sub-cave, cave, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, e 5.º andares, destinado a habitação e comércio. A sub-cave e a cave destinam-se a parqueamento colectivo dos inquilinos. Número de pisos: 8; Número de andares 25; Valor patrimonial total: € 2.403.503,00”.

T)     Cada um dos cinco andares, susceptíveis de utilização independente, são afectos à habitação, tem um valor patrimonial tributário individual inferior a € 1.000.000,00.

U)    Os valores patrimoniais tributários de cada um dos andares susceptíveis de utilização independente, determinados segundo o IMI são os seguintes:

1º B

97.710,00

2º C

77.790,00

3º D

64.210,00

4º E

64.210,00

1º C

77.790,00

2º D

63.590,00

3º E

64.210,00

5º A

79.270,00

1º D

63.590,00

2º E

63.590,00

4º A

78.530,00

5º B

99.590,00

1º E

63.590,00

3º A

78.530,00

4º B

98.650,00

5º C

79.270,00

2º A

77.790,00

3º B

98.650,00

4º C

78.530,00

5º D

64.820,00

2º B

97.710,00

3º C

78.530,00

4º D

64.210,00

5º E

64.820,00

 

V)     O Valor patrimonial total é de € 2.403.530,00.

W)  Em 20/03/2015, foram emitidas notas de liquidação de Imposto de Selo, ano de 2014, fundamentadas na aplicação da verba 28.1 da TGIS, incidentes sobre o prédio identificado em R) – artigo matricial..., da freguesia de ...– individualmente para cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente, de que resultou o apuramento das seguintes colectas:

1º B

977,10

2º C

777,90

3º D

642,10

4º E

642,10

1º C

777,90

2º D

635,90

3º E

642,10

5º A

792,70

1º D

635,90

2º E

635,90

4º A

785,30

5º B

995,90

1º E

635,90

3º A

785,30

4º B

986,50

5º C

792,70

2º A

777,90

3º B

986,50

4º C

785,30

5º D

648,20

2º B

977,10

3º C

785,30

4º D

642,10

5º E

648,20

 

X)    A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento, até Abril de 2015, da primeira prestação das liquidações efectuadas.

Y)    Consta dos documentos emitidos, além do mais, a seguinte menção “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto: € 1.839.180,00”.

Z)     De todos os documentos emitidos para pagamento da primeira prestação das liquidações efectuadas consta ainda que: “Poderá reclamar ou impugnar a liquidação nos termos e prazos estabelecidos nos art. 70.º e 102.º do CPPT”.

 

 

II – SANEAMENTO

 

14. O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 5.º, n.º 2, e 6.º, n.º 1, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de vícios que o invalidem, pelo que se mostram reunidas as condições para prolação da decisão final.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

As duas questões a decidir no âmbito dos presentes autos são as seguintes:

1.      Da competência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido formulado pela Requerente nos presentes autos;

2.      Da aplicação da verba n.º 28.1 da tabela anexa ao CIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aos prédios de que a Requerentes é proprietária, mais concretamente, consiste em apurar se no caso de prédios em propriedade total ou vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o valor patrimonial tributário a considerar para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS é o valor patrimonial tributário de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, com afectação habitacional, como sustenta a Requerente; ou se o valor total do prédio em resultado da soma dos valores patrimoniais tributários correspondentes aos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional, como sustenta a Requerida.

 

a)      Da competência do tribunal arbitral

 

Na petição apresentada junto do Tribunal Arbitral, a Requerente pede que seja declarada a ilegalidade e inconstitucionalidade e consequente anulação dos actos de liquidação do Imposto de Selo, verba n.º 28.1 da TGIS, referente ao ano de 2014, de que resultou uma colecta no valor total de € 47.834,40, respeitante aos prédios urbanos descritos na respectiva matriz sob os artigos matriciais ...-U, ...-U e ...-U, todos da freguesia de..., concelho de Lisboa. No pedido final, a Requerente peticiona a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação do imposto de selo identificados e a sua consequente anulação.

 

A Requerente instruiu o pedido de anulação com os documentos de pagamento da primeira de três prestações, das liquidações efectuadas, das quais resultou uma colecta no valor global de € 47.834,40.

 

Na óptica da Requerida, o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente, face ao disposto no art. 2.º do RJAT para apreciar a legalidade de uma prestação do acto de liquidação que não é, em si, um acto tributário, sustentado que a Requerente impugna as notas de cobrança que constituem as 1ªs prestações do imposto relativas aos três imóveis. 

 

Notificada para responder à excepção deduzida pela Requerida, a Requerente reitera que se impugna as liquidações de imposto de selo e não qualquer prestação de pagamento.

 

Na verdade, atento o teor do pedido de constituição do tribunal arbitral, do petitório final, e do valor atribuído à presente acção, afigura-se inequívoco que a Requerente pretendeu impugnar os actos de liquidação de imposto de selo que estão na origem dos documentos de cobrança emitidos pela Requerida para pagamento da primeira prestação. Com efeito, não resulta da petição, como sustenta a Requerida nos art. 3.º a 5.º da Resposta, que o pedido formulado nos presentes autos vise a impugnação do acto de cobrança. E, tanto assim é que, no processo administrativo n.º 21/2015, junto aos autos pela própria Requerida, a mesma assume que o objecto do pedido de pronúncia arbitral são as liquidações de Imposto de Selo, Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do IS (TGIS), ano 2014 – prédios urbanos sitos na freguesia de..., Lisboa, inscritos nas respectivas matrizes sob os artigos..., ...e... .

 

O art. 2.º da RJAT define o âmbito material de competência do tribunal arbitral tributário, cujo âmbito se encontra elencado nas al. a) e b), do n.º 1. Dispõe a al. a), do n.º 1, do art. 2.º que a competência dos tribunais arbitrais compreende, entre outras, a apreciação de pretensões “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (...)”. Resulta, assim, cristalinamente, que nos termos da al. a), do n.º 1, do art. 2.º que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar questões, como a dos autos, referentes à declaração de ilegalidade de actos tributários de liquidação.

 

Conclui-se, assim, que a Requerente pretende, no âmbito dos presentes autos, a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto de Selo, ano de 2014, dos prédios urbanos sitos na freguesia de..., concelho de Lisboa, inscritos na respectiva matriz predial urbana sob os artigos..., ...e... . De modo que, o objecto do pedido reporta-se a pretensões anulatórias de liquidações de actos tributários, que cabem no âmbito material de competência do tribunal arbitral tributário, nos termos da al. a), do n.º 1, do art. 2.º do RJAT.

 

Improcede, pois, a excepção de incompetência deduzida pela Requerida.

 

b)     Da aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS aos prédios em propriedade vertical

 

Como já fizemos alusão, a questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se o VPT relevante para efeitos de incidência de IS (Verba 28 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes divisões ou andares (VPT global) ou, antes, o valor patrimonial tributário atribuído a cada um dos andares habitacionais.

A questão foi já apreciada em vários processos, no âmbito da Arbitragem Tributária, em que foi decidido que quando se verifique que cada um dos andares que compõe um prédio em propriedade vertical têm um valor patrimonial tributário inferior a um milhão de euros, não se verifica o pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na verba n.º 28.1 da TGIS e, consequentemente, pronunciou-se pela ilegalidade dos respectivos actos de liquidação (cf. decisões proferidas no âmbito dos processos números 51/2015-T, 391/2014-T, 451/2014-T, 153/2015-T, em que  entre outros[1]). Também, o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 9/09/2015, processo n.º 47/15, em que foi relator Francisco Rothes, decidiu que tratando-se de um prédio em propriedade vertical, a incidência de IS (Verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinados a habitação[2].

Não se identificam, até agora, argumentos que permitam quebrar a unanimidade que vem sendo alcançada pelas decisões já proferidas, importando assim reiterar a jurisprudência já firmada[3].

 

A verba n.º 28 da TGIS, anexa ao CIS, foi aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, teve, inicialmente, a seguinte redacção:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeitos de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministério da Justiça – 7,5%.”

 

A redacção da verba n.º 28.1 foi, entretanto, alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014, passando o ponto 28.1 a utilizar o conceito de prédio habitacional, passando a dispor o seguinte: “28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”.

 

A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber qual o âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, i.e., saber se a verba n.º 28.1 da TGIS se aplica aos prédios urbanos em propriedade total, mas com andares susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, quando o valor patrimonial tributário atribuído a cada uma desses andares é inferior a 1.000.000,00, embora a soma dos andares, com utilização independente, afectas a habitação tenha um valor global igual ou superior àquele montante.

 

Em relação à norma em apreço – a verba n.º 28.1 da TGIS –, o pensamento legislativo que esteve na sua base pode ser perscrutado na apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), em que o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[4]:

“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.” 

           

Da variedade semântica da discussão ressalta, desde logo, o uso indiferenciado de expressões como “prédios urbanos habitacionais”, “propriedades de elevado valor destinadas à habitação” e “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, tudo parecendo apontar para a intensão de tributar unidades unifamiliares de maior valor económico, parametrizados através do respectivo valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros.

 

Contudo, dos trabalhos preparatórios não é possível coligir, com o necessário rigor, como já foi enfatizado em decisões anteriores, qual o conceito de prédio subjacente àquela norma (cf. decisões 21/2015-T e 451/2014), designadamente, se um prédio urbano habitacional é, na acepção do art. 28.º da TGIS, uma unidade autónoma (auto-suficiente para o fim a que se destina), distinta e isolada na qual se processa a vida de cada individuo ou agregado familiar residente, em edifícios unifamiliares ou multifamiliares; ou, se abrange, os prédios multifamiliares com unidades autónomas, mas sem autonomização jurídica, característica das fracções autónomas que compõe os prédios constituídos em propriedade horizontal.

 

No caso dos autos, os três prédios da Requerente constituem prédios urbanos em propriedade total, sendo compostos por vários andares susceptíveis de utilização independente, afectos à habitação. Os valores patrimoniais tributários dos vários andares susceptíveis de utilização independente é inferior a € 1.000.000,00.

 

Da redacção da verba n.º 28.1 dispõe que “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeitos de IMI.

 

Importando, pois, determinar qual o valor patrimonial tributário considerado para efeitos de IMI posto que da verba n.º 28.1. resulta que o imposto de selo incide sobre a “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 (...)”.

 

Remete-se, assim, para o Código do IMI todo o teor regulativo quanto à incidência “prédios urbanos com o valor patrimonial tributário constante da matriz”, nos termos do Código do IMI, e quanto à matéria colectável “valor patrimonial tributário para efeitos de IMI”. Remissão que, aliás, consta, a título subsidiário, do art. 67.º/2 do CIS que remete para o Código do IMI as “matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral.

 

Destacamos do Código do IMI, no que respeita aos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, as seguintes regras:

a)                           a cada prédio corresponde um único artigo matricial (– cf. art. 82.º/ 2 do Código do IMI);

b)                          cada andar susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina o respectivo valor patrimonial tributário (cf. art. 12.º/3 do Código do IMI);

c)                           a determinação do valor patrimonial tributário é apurada para cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, de acordo com a afectação de cada unidade, sendo avaliadas separadamente em função da sua utilização e áreas (cf. art. 38.º do Código do IMI);

d)                          o documento de cobrança contém, obrigatoriamente, a discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário (cf. art. 119.º/ 1 do Código do IMI).

e)                           A não discriminação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos por andares ou divisões susceptíveis de utilização autónoma constitui fundamento de reclamação de incorrecta inscrição matricial (cf. art. 130.º/ 3 al. h) do Código do IMI).

 

Na doutrina, Silvério Mateus e Freitas Corvelo salientam que um dos aspectos que deve ser evidenciado na matriz tem a ver com a necessidade de fazer relevar a autonomia que, dentro de cada prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, funcional e economicamente independentes[5].

 

O Código do IMI consagra relevância fiscal – ao nível da inscrição matricial, determinação do valor patrimonial tributário, discriminação do valor patrimonial tributário, liquidação, fundamentos de reclamação – à autonomização na matriz de cada parte do um prédio, susceptível de utilização independente.

 

Resulta do Código do IMI que as partes de um prédio em propriedade total dotadas de autonomia, ou seja, autossuficientes para o fim a que se destinam, são objecto de avaliação individual e separada, são individualizadas na respectiva inscrição matricial, possuem um valor patrimonial próprio constante da matriz e são objecto de liquidações individualizadas (tudo conforme resulta dos artigos 7.º/ 2/al. b), 13.º/2 e 119.º/1 do Código do IMI), essa autonomia deve ser respeitada e releva para efeitos de aplicação da verba n.º 28 da TGIS.

 

A verba n.º 28 da TGIS faz referencia a “prédios urbanos com valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis” e ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI”.

Por seu turno, o art. 12.º/3 do CIMI dispõe que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

Donde aos andares susceptíveis de utilização independente – como é o caso dos autos – é atribuído uma valor patrimonial tributário específico e próprio que é objecto de inscrição autónoma na respectiva matriz predial.

Procede-se, assim, a uma autonomização para efeitos de IMI dos andares susceptíveis de utilização independente que são objecto de uma avaliação especifica, nos termos do art. 7.º/ 2, al. b) do CIMI, de inscrição matricial individual e com valor patrimonial tributário para efeitos de IMI autónomo.

 

No caso de prédios em propriedade vertical ou total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, mas sem estarem constituídos em propriedade horizontal, há uma clara autonomia tributária que se encontra evidenciada pelas diferentes unidades (avaliadas com parâmetros distintos consoante a afectação especifica de cada unidade), indicação do piso/andar, incluindo com especificação da área bruta privativa e da área bruta dependente, tudo como se de verdadeiras fracções autónomas se tratasse, com sucede no caso em apreço.

 

Não havendo, assim, razão para – em sede de incidência de Imposto de Selo, previsto na verba n.º 28.1 da TGIS –, dar aos andares/divisões susceptíveis de utilização independente (integrados em prédios em propriedade vertical) um tratamento distinto do concedido no CIMI.

 

Assim, para efeitos de incidência do Imposto de Selo, designadamente para efeitos de aplicação da verba n.º 28.1. da TGIS, “o valor patrimonial tributário constante da matriz” e o “valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI” corresponde ao valor patrimonial tributário que consta da matriz em relação a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente, conforme resulta do disposto do art. 12.º/3 do Código do IMI

 

Em face do exposto, reitera-se, na esteira das decisões já proferidas, que a aplicação in casu, da verba n.º 28.1 da TGIS, relativamente aos prédios de que a Requerente é proprietária, é ilegal porque a mencionada verba deve ser interpretada no sentido de que o valor patrimonial tributário relevante é o correspondente a cada um dos andares susceptíveis de utilização independente e não o valor patrimonial que resulta da soma aritmética de todos os andares que compõe o prédio, ou seja, os valores patrimoniais, parcelares, atribuídos a cada um dos andares destinados à habitação, nos casos em que apenas da soma dos valores patrimoniais resulta o apuramento de um valor patrimonial igual ou superior a 1.000.000,00. Como nenhum dos andares que compõe o prédio tem um valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros, não se aplica a verba n.º 28.1 da TGIS.

 

A Requerente suscitou ainda a questão de inconstitucionalidade da verba n.º 28.1. Uma vez que o Tribunal Arbitral não acolheu o entendimento da aplicabilidade da verba n.º 28.1 da TGIS, surge prejudicada e processualmente inútil a apreciação da questão de inconstitucionalidade da norma em causa.

 

c) Dos juros indemnizatórios

 

Peticiona a Requerente a condenação da ATA ao reembolso do imposto pago indevidamente, bem como dos respectivos juros indemnizatórios.

 

O art. 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária prescreve que são “devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

Por seu turno, o artigo 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT dispõe que a “decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributaria a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

 

Dado que, no caso sub iudice, se verifica a ilegalidade das liquidações impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária que procedeu às liquidações impugnadas, por incorrecta aplicação e interpretação do disposto na verba n.º 28.1 da TGIS, tem a Requerente direito ao reembolso das prestações pagas e aos juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento até integral pagamento, à taxa de juros resultante do art. 43.º, n.º 4 da LGT.

 

Decisão:

 

Pelos fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

 

a)      Julgar improcedente a excepção de incompetência deduzida pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

b)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal as liquidações de Imposto do Selo, por aplicação da Verba n.º 28.1 da TGIS, ano de 2014, referentes aos prédios urbanos sitos na freguesia de..., concelho de Lisboa, inscritos nas respectivas matrizes sob os artigos..., ...e... .

c)      Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o valor do imposto indevidamente pago, acrescidos de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que os pagamentos foram efectuados até à data do seu integral reembolso.

d)     Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

Valor do processo:

Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, conjugado com a al. a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT e n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se à causa o valor de € 47.834,40, que constitui o montante total do imposto resultante das liquidações impugnadas cuja anulação se peticionou.

 

 

Custas:

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12.º e no n.º 4 do art.º 22.º do RGAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao regulamento, a suportar pela Requerida.

 

Lisboa, 21 de Dezembro de 2015

 

O Árbitro,

 

(Alexandra Gonçalves Marques)



[1] Todos disponíveis na base de dados do CAAD (www.caad.pt).

[2] Disponível em www.dgsi.pt .

[3] Seguiremos, de perto, a jurisprudência já firmada e o texto da decisão proferida no âmbito do CAAD no processo n.º 153/2015-T, redigida pela signatária.  

[4] Cf. DAR I Série n.º 9/XII-2, de 11 de Outubro, pág. 32.

[5] Silvério Mateus e Freitas Corvelo (2005), Os Impostos sobre o Património Imobiliário e o Imposto de Selo, Comentados e Anotados, Engifisco, pp. 159-160.