Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 435/2015-T
Data da decisão: 2016-02-19  IMT  
Valor do pedido: € 487.500,00
Tema: IMT – Utilidade turística; benefício fiscal previsto no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro presidente), Paulo Lourenço e Ricardo Rodrigues Pereira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

            I. RELATÓRIO

            1. No dia 13 de julho de 2015, A…, S. A., NIPC…, com sede na Praça…, n.º…, …-… Porto (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a consequente anulação da liquidação de IMT n.º…, no valor global de € 487.500,00, bem como a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a proceder ao reembolso da quantia de imposto indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, por vício de violação de lei.

1.1. O Requerente juntou 25 (vinte e cinco) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outros meios de prova. 

            1.2. É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).   

            1.3. No essencial e em breve síntese, o Requerente alegou o seguinte:

            No âmbito do exercício da sua atividade bancária, o Requerente concedeu diversos financiamentos à sociedade comercial B…, S. A., nomeadamente através de empréstimos e descobertos em conta. Para garantia do reembolso desses financiamentos e pagamento dos respetivos juros, foram constituídas três hipotecas sobre diversos imóveis integrados no C…, sito na Quinta…– … e…, concelho de Lamego, ao qual foi reconhecida utilidade turística a título definitivo, nos termos do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, através do Despacho n.º …/2008, de 12 de setembro de 2008, do Secretário de Estado do Turismo.

            A sociedade comercial B…, S. A., para cumprimento parcial das referidas obrigações contraídas perante o Requerente e que correspondiam a créditos deste, no valor total de € 7.500.000,00, ofereceu em cumprimento os mencionados imóveis de que era proprietária.

            Para efeitos da celebração da respetiva escritura pública de dação em cumprimento, a qual teve lugar em 27 de novembro de 2009, o Requerente deslocou-se ao Serviço de Finanças de Lisboa-… e apresentou a declaração “Modelo 1 de IMT” devidamente preenchida; nessa sequência, foi emitida a liquidação de IMT n.º … – nos termos da qual a AT verificou a aplicação da isenção de IMT, prevista no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro –, bem como a liquidação de Imposto do Selo n.º … – na qual foi apurado um montante de imposto de € 12.000,00, correspondente à redução do valor do imposto a 1/5, nos termos da verba 1.1. da TGIS, conjugada com o disposto no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro. 

            Posteriormente, em outubro de 2014, a AT deu início a um procedimento inspetivo, de âmbito parcial em IMT e Imposto do Selo e tendo por objeto apenas o exercício de 2009. Em consequência dessa ação inspetiva, a AT entendeu promover uma correção no montante de € 7.500.000,00 à matéria coletável em IMT do exercício de 2009 do Requerente – correspondente ao valor da dita dação em cumprimento que foi efetuada – por considerar que a sobredita isenção que havia sido conferida, em 2009, não era aplicável, sendo, assim, devida a quantia de € 487.500,00, a título de IMT.  

            Na decorrência daquela correção, a AT emitiu em 10 de abril de 2015 uma liquidação adicional de IMT – a liquidação impugnada nestes autos –, no valor de € 487.500,00, na qual é dito que a mesma foi «efetuada nos termos do n.º 2 do artigo 19.º e da al. b) do n.º 2 do artigo 21.º do CIMT, por reconhecimento indevido de isenção de IMT nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro»; o Requerente procedeu, tempestivamente, ao pagamento voluntário desta liquidação de IMT.

            O Requerente preconiza que a referida liquidação de IMT é ilegal, por contradizer um ato de verificação de um benefício fiscal que não foi revogado dentro do prazo legal, nos termos do disposto no art. 141.º, n.º 3, do CPA, visto que tal ato de verificação apenas poderia ser revogado dentro do prazo de um ano e aquela liquidação é emitida cinco anos depois daquele ato.

Afirma ainda o Requerente que a mesma liquidação de IMT é ilegal por violação expressa do prazo de caducidade de 4 anos previsto no art. 31.º, n.º 3, do CIMT, uma vez que apenas poderia ser efetuada uma liquidação adicional dentro daquele prazo e a liquidação impugnada, que é uma liquidação adicional, é feita mais de cinco anos após a liquidação inicial.

Mais alega o Requerente que a liquidação em apreço é ilegal por violação expressa do disposto no art. 31.º, n.º 2, do CIMT, quanto ao órgão competente para a sua emissão, pois, caso essa liquidação fosse legalmente admissível, apenas poderia ser emitida pelo serviço de finanças onde foi entregue a declaração “Modelo 1 de IMT” (Lisboa…) e, neste caso, foi emitida pelo serviço de finanças do local dos imóveis (…).

O Requerente termina peticionando a «anulação da Liquidação Contestada, por vício de violação de lei, com todas as legais consequências, nomeadamente o reembolso ao Requerente da quantia de imposto indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios e dos juros de mora que se mostrem vencidos até ao integral reembolso daquele valor, nos termos do disposto no art. 43.º da LGT».   

            2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 16 de julho de 2015.

            3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 28 de agosto de 2015, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do art. 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 14 de setembro de 2015.

6. No dia 26 de outubro de 2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugna, especificadamente, os argumentos aduzidos pelo Requerente e conclui pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

6.1. A Requerida não juntou qualquer documento, nem requereu a produção de quaisquer outros meios de prova.

6.2. Na mesma ocasião, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).   

6.3. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua contestação:

A Requerida preconiza um entendimento que prescinde do elemento temporal da aquisição dos imóveis, sendo indiferente se esta ocorreu antes ou depois de o empreendimento já estar instalado e em funcionamento; o que importa, pois, para efeitos da isenção prevista no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, é se a aquisição do imóvel se destinou à instalação de um empreendimento turístico ou antes à sua exploração.   

No caso concreto, os imóveis adquiridos estão afetos a serviços, conforme as respetivas licenças de utilização turística emitidas pela Câmara Municipal de…, pelo que não se destinam à instalação do referido empreendimento, o qual, aliás, já estava instalado à data da aquisição pelo Requerente.

Assim, estribando-se em alguns arestos quer do STA, quer de tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, a Requerida sustenta que a aquisição em referência nestes autos não beneficia da isenção de IMT prevista no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro.

Ainda a este propósito, diz a Requerida que o Requerente não atribui nenhuma ilegalidade ao enquadramento jurídico-tributário dos factos que subjaz à liquidação de IMT impugnada – a mencionada aquisição não beneficia da isenção de IMT prevista no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro –, pelo que tal ato de liquidação foi praticado conforme a lei e deve ser mantido. 

Afirma ainda a Requerida que o benefício fiscal previsto no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, tem natureza automática, não dependendo de qualquer ato administrativo de reconhecimento; por isso, a liquidação de IMT sob impugnação não assentou em qualquer revogação de benefícios fiscais anteriormente concedia que fosse autonomamente impugnável. Desta forma, sendo um benefício fiscal de natureza automática, não existe um verdadeiro ato de reconhecimento, pois a isenção opera por mera aplicação da lei aos factos, pelo que, ao contrário do invocado pelo Requerente, não ocorreu a revogação de um benefício fiscal, não se mostrando violado o disposto no art. 141.º, n.º 3, do CPA.

Noutra ordem de considerações, afirma a Requerida que não existiu qualquer liquidação de IMT, antes da celebração da escritura de dação em cumprimento – a declaração então emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa … não se pode considerar um ato de reconhecimento de um benefício fiscal e, muito menos, uma liquidação –, pelo que não se pode considerar que a liquidação impugnada seja uma liquidação adicional. Assim, conclui a Requerida, a AT não estava impedida de liquidar o IMT em falta no prazo de 8 anos legalmente previsto para o efeito (por conjugação do art. 45.º, n.º 1, da LGT com o art. 35.º, n.º 1, do CIMT) e aplicável à situação dos autos, como sucedeu, inexistindo pois qualquer violação ao direito aplicável, nem a quaisquer princípios, maxime os da certeza e segurança jurídica.

Relativamente à suscitada questão da competência para emitir a liquidação de IMT impugnada, a Requerida vem dizer que uma vez que esta não visou corrigir uma liquidação anterior, tendo sido promovida ab initio oficiosamente, nos termos do disposto no art. 21.º, n.º 2, al. b), do CIMT, o Serviço de Finanças de … é o competente para o efeito, atenta a localização dos imóveis transmitidos.          

Conclui a AT dizendo que «a liquidação ora impugnada assenta numa correta interpretação e aplicação da referida norma de isenção, não podendo colher nenhum dos argumentos, nem podendo proceder nenhum dos vícios aduzidos pelo Requerente à liquidação impugnada»

7. Ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo em ordem a promover a celeridade, a simplificação e a informalidade deste (cf. arts. 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT), foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT. Foi igualmente fixado o dia 20 de Fevereiro de 2016 como data limite para a prolação da decisão arbitral.  

8. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações escritas.    

 

***

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

            Não há exceções ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

 

***

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

Assim sendo, consideram-se provados os seguintes factos:

a) No âmbito do exercício da sua atividade bancária, o Requerente concedeu vários financiamentos, nomeadamente através de empréstimos e descobertos em conta, à sociedade comercial B…, S. A., NIPC…, com sede no…, n.º…, Lisboa.

b) Para garantia do reembolso daqueles financiamentos e pagamento dos respetivos juros, foram constituídas três hipotecas sobre as seguintes frações autónomas do prédio urbano denominado “C…”, situado em…– … e …, freguesia de …, concelho de Lamego, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob os n.ºs …da freguesia de … e … da freguesia de …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo…, então propriedade da sociedade comercial  B…, S. A. (cf. Doc. n.ºs 2 a 19 juntos à petição inicial):

Fração Autónoma

Designação

Afetação

D

Vila V1

Serviços

E

Vila V2

Serviços

F

Vila V3

Serviços

G

Vila V4

Serviços

H

Vila V5

Serviços

I

Vila V6

Serviços

J

Vila V7

Serviços

K

Vila D1

Serviços

L

Vila D2

Serviços

Q

Vila D7

Serviços

R

Vila D8

Serviços

S

Vila D9

Serviços

T

Vila D10

Serviços

U

Vila D11

Serviços

V

Vila D12

Serviços

X

Vila D14

Serviços

Z

Vila D15

Serviços

 

c) Através do Despacho n.º …/2008, de 12 de setembro de 2008, do Secretário de Estado do Turismo, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 202, de 17 de outubro de 2008, foi declarada a utilidade turística a título definitivo do empreendimento “C…”, nos termos do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, no qual se integram as sobreditas frações autónomas (cf. Doc. n.º 20 junto à petição inicial). 

d) Entre os vários financiamentos concedidos pelo Requerente, a 27 de novembro de 2009, a sociedade comercial B…, S. A. era devedora ao Requerente do montante total de € 7.500.000,00 (cf. Doc. n.º 19 junto à petição inicial).

e) Para pagamento do referido valor, a sociedade comercial B…, S. A., através de escritura pública celebrada, em 27 de novembro de 2009, no Cartório Notarial de D…, em Lisboa, efetuou a dação em cumprimento ao Requerente das sobreditas frações autónomas, que então tinham os valores patrimoniais tributários a seguir indicados e às quais foram atribuídos pelos outorgantes os valores que seguidamente também se referenciam (cf. Doc. n.º 19 junto à petição inicial):

Fração Autónoma

VPT [€]

Valor atribuído [€]

D

40.300,00

375.000,00

E

64.580,00

590.000,00

F

54.860,00

515.000,00

G

48.980,00

430.000,00

H

34.160,00

295.000,00

I

52.010,00

515.000,00

J

52.400,00

520.000,00

K

85.810,00

743.000,00

L

61.920,00

540.000,00

Q

59.610,00

515.000,00

R

65.640,00

570.000,00

S

36.490,00

318.000,00

T

36.520,00

309.000,00

U

36.520,00

309.000,00

V

36.520,00

309.000,00

X

36.260,00

308.000,00

Z

40.210,00

349.000,00

 

Total: 874.394,65

Total: 7.500.000,00

           

f) No dia 25 de novembro de 2009, tendo em vista a celebração da referenciada escritura pública de dação em cumprimento, o Requerente deslocou-se ao Serviço de Finanças de Lisboa-… e apresentou a declaração “Modelo 1 de IMT” devidamente preenchida, designadamente com a identificação das frações autónomas que iriam ser objeto daquela e os valores pelos quais as mesmas iriam ser transmitidas, tendo inscrito relativamente a cada uma das sobreditas frações autónomas o número «33» no campo “09|COD.” da coluna “Benefícios Fiscais” do mapa que constitui o respetivo Anexo III (cf. Doc. n.º 21 junto à petição inicial). 

            g) No seguimento da apresentação da declaração “Modelo 1 de IMT”, pelo Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira (Serviço de Finanças de Lisboa-…) emitiu a liquidação de IMT n.º…, no valor total de € 0,00, constando a seguinte menção relativamente a cada uma das ditas frações autónomas: «Benefícios: 33 – Utilidade Turística (Art. 20.º do D. L. 423/83), 100% sobre a matéria coletável» (cf. Doc. n.º 22 junto à petição inicial)

            h) Na mesma ocasião, a Autoridade Tributária e Aduaneira (Serviço de Finanças de Lisboa-…) emitiu a liquidação de Imposto do Selo, no valor total de € 12.000,00, constando a seguinte menção relativamente a cada uma das ditas frações autónomas: «Benefícios: 33 – Utilidade Turística (Art. 20.º do D. L. 423/83), 100% sobre a matéria coletável». (cf. Doc. n.º 23 junto à petição inicial)

            i) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2014…, o Requerente foi sujeito a uma ação inspetiva interna, com início em 10/10/2014 e termo em 24/10/2014, levada a efeito pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de…, de âmbito parcial em IMT e Imposto do Selo, com extensão ao exercício de 2009 (cf. PA junto aos autos).

j) Na sequência daquela ação inspetiva, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de … elaboraram o Relatório da Inspeção Tributária, cujo teor aqui se dá como inteiramente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte que aqui importa respigar (cf. PA junto aos autos):

k) O Requerente foi notificado do Relatório da Inspeção Tributária, através do ofício n.º…, de 23.12.2014, da Unidade dos Grandes Contribuintes (cf. Doc. n.º 24 junto à petição inicial).

l) Sequentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira (Serviço de Finanças de…) emitiu a liquidação oficiosa de IMT n.º…, no valor total de € 487.500,00, com data limite de pagamento em 13.04.2015 (cf. Doc. n.º 1 junto à petição inicial).

m) O Requerente efetuou o pagamento voluntário da totalidade do IMT liquidado (cf. Doc. n.º 25 junto à petição inicial).

n) Em 13 de julho de 2015, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

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§2. FACTOS NÃO PROVADOS

            Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

 

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§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos juntos aos autos e no processo administrativo.

 

*

III.2. DE DIREITO

O Requerente começa por sustentar que a liquidação (“adicional”) de IMT impugnada consubstancia a revogação de um ato administrativo de concessão/reconhecimento de um benefício fiscal, em violação do disposto nos arts. 140.º e 141.º do CPA (versão anterior à publicação do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro), designadamente quanto ao prazo de revogação do ato.

Adicionalmente, o Requerente alega ainda que a liquidação (“adicional”) de IMT impugnada foi feita para além do prazo estatuído no art. 31.º, n.º 3, do CIMT, pelo que se verifica a caducidade do direito à liquidação de IMT. 

Mais alega o Requerente que a liquidação (“adicional”) de IMT controvertida foi efetuada por um Serviço de Finanças sem competência para tal, resultando assim violado o disposto no art. 31.º, n.º 2, do CIMT, quanto ao órgão competente para a emissão daquela liquidação.  

Sendo invocada a caducidade do direito de liquidação do imposto, impõe-se começar por conhecer este vício por ser aquele cuja procedência determina mais estável e eficaz tutela dos interesses do Requerente (art. 124.º do CPPT ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

*

§1. Da caducidade do direito à liquidação

A apreciação deste vício impõe que se averigue da natureza da liquidação de IMT impugnada: liquidação inicial ou liquidação adicional? Efetivamente, a apreciação da questão da caducidade dependerá da resposta que dermos a esta questão. 

O art. 45.º, n.º 1, da LGT dispõe o seguinte: “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.”

Um dos casos em que a lei fixa outro prazo é o do IMT, dispondo o art. 35.º, n.º 1, do respetivo Código: “Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, no artigo 46.º da Lei Geral Tributária.”

Assim, como exceção ao prazo geral de caducidade de quatro anos, a lei fixa, para o IMT, um prazo especial de oito anos, a contar da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito.

Porém, caso se considere que a liquidação de IMT impugnada constitui uma liquidação adicional, importa então atender ao n.º 3 do art. 31.º do CIMT, que dispõe: “A liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens ou valores, caso em que poderá ainda fazer-se posteriormente, ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35.º.”

No caso dos autos, resulta que “No seguimento da apresentação da declaração “Modelo 1 de IMT”,” pelo Requerente devidamente preenchida, com inscrição relativamente “a cada uma das sobreditas fracções autónomas o número «33» no campo “09/COD.” da coluna “Benefícios Fiscais” (…)”,  “a Autoridade Tributária e Aduaneira (Serviço de Finanças de Lisboa-…) emitiu a liquidação de IMT n.º…, no valor total de € 0,00, constando a seguinte menção relativamente a cada uma das ditas frações autónomas: «Benefícios: 33 – Utilidade Turística (Art. 20.º do D. L. 423/83), 100% sobre a matéria coletável»” (pontos f) e g) do probatório).

A questão está em saber se estamos ou não perante uma primeira liquidação a que se seguiria a liquidação adicional ora impugnada.

Vejamos.

Constitui jurisprudência reiterada e uniforme que a liquidação adicional pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior – relativamente ao mesmo facto tributário, ao mesmo sujeito passivo e ao mesmo período de tempo – que aquela se destina a corrigir ou retificar porque, por erro de facto ou de direito ou por uma omissão ou inexatidão praticadas nas declarações prestadas pera efeitos de liquidação, foi determinada a cobrança de um imposto inferior ao devido.

Por outras palavas, a liquidação adicional mais não é do que a correção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes – neste sentido, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17/01/2007, proferido no processo n.º 0909/06, de 14/09/2011, proferido no processo n.º 0294/11 e de 18/05/2011, proferido no processo n.º 0153/11 (todos disponíveis em www.dgsi.pt). 

Acresce que, como ficou consignado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/09/2011, proferido no processo n.º 0294/11, a “liquidação de IMT efectuada em consequência de avaliação do imóvel que no acto de transmissão dos bens se mostrava isento desse imposto não é uma liquidação adicional, pois não se destina a corrigir uma liquidação anterior”

Na verdade, bem se compreende que, na sequência de uma isenção, não haja lugar a liquidação, na medida em que a mesma funciona como facto impeditivo da constituição da relação jurídico-tributária na sua plenitude (por falta do elemento subjetivo ou do objetivo).

No caso em apreço nada permite concluir no sentido de estarmos perante uma liquidação adicional, uma vez que a liquidação de IMT impugnada não foi efetuada em ordem a corrigir ou retificar uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexatidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação. Na verdade, a transmissão da propriedade das sobreditas frações autónomas que constitui o facto tributário não havia dado lugar à liquidação do imposto por ter sido emitido documento com a menção de isenção, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, em consonância com as indicações dadas pelo Requerente. É certo que ocorreu o facto tributário, mas daí não pode retirar-se, sem mais, que houve uma liquidação de IMT da qual não teria resultado imposto a pagar por se ter considerado que dele estava isento; pelo contrário, por força da isenção invocada pelo Requerente (cf. ponto f) do probatório), não se procedeu, então, a qualquer liquidação de IMT. 

Assente que constitui uma primeira liquidação de imposto e atenta a factualidade provada, temos que a liquidação de IMT impugnada foi efetuada e validamente notificada ao Requerente dentro do prazo de 8 anos que resulta do disposto no art. 45.º, n.º 1, da LGT, conjugado com o n.º 1 do art. 35.º do CIMT. 

Improcede, assim, o arguido vício de caducidade do direito à liquidação de IMT.

*

§2. Da revogação ilegal de um ato administrativo de reconhecimento de benefícios fiscais

O Requerente alega que o ato de liquidação de IMT impugnado é ilegal porquanto o mesmo pressupõe a revogação de ato administrativo de concessão de um benefício fiscal, o que, segundo o seu entendimento, viola o disposto nos arts. 140.º e 141.º do CPA (versão anterior à publicação do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro), designadamente quanto ao prazo para a revogação do ato.  

A resposta a esta questão pressupõe que se caracterize o regime do benefício fiscal em causa.

A)    Âmbito de aplicação do art. 20.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro

Sobre o âmbito de aplicação da norma legal constante do n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido em 23/01/2013, no processo n.º 0968/12, em julgamento ampliado, que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 44, de 04/03/2013, o qual uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: “O conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação»”.

            Tendo em conta a importância da uniformidade da jurisprudência, sobretudo em face da segurança e da estabilidade das relações jurídicas a que o direito deve ambicionar e aceder, e que encontra consagração no art. 8.º, n.º 3, do Código Civil – ao impor ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito –, cumpre-nos aderir àquela orientação jurisprudencial e aos fundamentos em que se estriba o referido acórdão[1], vertidos, de forma abreviada mas elucidativa, no respetivo sumário, do seguinte teor:

“I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (art. 11.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).

II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23.º ss).

III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos.

IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».

V – Nos empreendimentos turístico constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessária a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.

VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.

VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).

VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.

IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa.

X – “Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.º/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante.”

No caso em apreço, é manifesto que está apenas em causa a aquisição de frações autónomas integradas num empreendimento turístico, cuja instalação e promoção pertencera à empresa transmitente.   

Assim, considerando também que a legislação aplicável ao caso sub judice não sofreu alteração, reitera-se, nos presentes autos, o discurso fundamentador do citado acórdão, razão pela qual consideramos que a aquisição das frações autónomas em apreço, por parte do Requerente, não beneficia da isenção de IMT prevista no n.º 1 do art. 20.º do citado Decreto-Lei n.º 423/83.

B)    Tipo de benefício fiscal em causa

Como ficou consignado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 834/2014-T, o “nº 1 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, constitui um desagravamento fiscal com as características de benefício fiscal, ou seja, «medida de carácter excepcional instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes superiores aos da própria tributação que impedem» (n.º 1 do artigo 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais). 

Ao prever a isenção de sisa (depois IMT) e redução a um quinto do imposto do selo, há a conjugação de uma isenção total e outra parcial.

Trata-se de um benefício fiscal dinâmico, também designado incentivo ou estímulo fiscal, em que a causa do benefício é a adopção do comportamento beneficiado ou o exercício da actividade fomentada”. Integra-se numa política extra-fiscal, de prossecução de objectivos económicos e sociais por via fiscal [2] porque, como resulta do DL 423/83, o que se pretende beneficiar é o investimento em empreendimentos turísticos a que venha a ser reconhecida utilidade turística, quer estes sejam novos (a criar), quer existentes, mas que sejam objecto de remodelação, beneficiação ou reequipamento, ou que aumentem a sua capacidade (artigo 5.º).

E atendendo ao artigo 5.º do EBF (art. 4.º na redacção anterior à republicação pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26/06), que dispõe que “Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento”, estamos perante “benefícios automáticos””.

Na verdade, constitui jurisprudência reiterada e uniforme que o benefício fiscal em causa nestes autos – isenção de IMT para as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística –, uma vez que resulta direta e imediatamente da lei, é de aplicação automática, desde que estejam verificadas as condições previstas no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro.

Neste sentido, pode ler-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20/01/2010, proferido no processo n.º 0937/09, entre o mais, que:

“(…) da análise do DL 423/83 resulta que em nenhuma das suas normas se condiciona a atribuição da isenção de IMT ou de redução de IS, estas sim expressamente previstas no n.º 1 do artigo 20.º, à sua expressa referência e previsão no próprio despacho de atribuição de utilidade turística. Os únicos benefícios fiscais sobre os quais este despacho se deve pronunciar são apenas aqueles que estão previstos no artigo 16.º, cujo n.º 4, na redacção introduzida pelo DL 38/94, de 8/2, estabelece que «para os efeitos da alínea b) do n.º 1 (isenção ou redução das taxas devidas, por licenças, aos governos civis e à Direcção-Geral dos espectáculos), o despacho de atribuição da utilidade turística definirá, sob proposta da Comissão de Utilidade Turística, a medida e o prazo dos benefícios a conceder».

E se fosse outra a intenção do legislador é evidente que a teria consagrado. E, assim sendo, os benefícios fiscais aqui em causa resultam imediata e directamente da lei (n.º 1 do artigo 20.º do DL 423/83, de 5/12), ou seja, são automáticos, verificados que estejam os pressupostos de aplicação que não compreendam actos de reconhecimento a não ser a qualificação de utilidade turística, ainda que atribuída a título prévio.

Neste sentido, veja-se o acórdão deste STA de 2/10/1991, proferido no recurso n.º 13016, no qual se conclui que as isenções previstas no n.º 1 do artigo 20.º do DL 423/83 se apresentam com a natureza de automáticas e vinculadas.

Tendo tais benefícios, assim, natureza automática, é óbvio que os mesmos são de aplicação automática verificados os condicionalismos legalmente impostos”.

Sobre a natureza automática deste benefício fiscal, ver também, entre outros, o acórdão do CAAD proferido no processo n.º 103/2014-T.

Ante o exposto, a eficácia desse benefício fiscal não está dependente da emissão de qualquer ato administrativo de reconhecimento suscetível de revogação nos termos e prazos previstos nas normas legais citadas pela Requerente.

Nem tal ato administrativo constitutivo existe no caso em apreço.

Com efeito, no seguimento da “apresentação da declaração “Modelo 1 de IMT”,” pelo Requerente, o documento emitido pelos serviços fiscais “com a menção relativamente a cada uma das ditas frações autónomas: «Benefícios: 33 – Utilidade Turística (Art. 20.º do D. L. 423/83), 100% sobre a matéria coletável»”, não tem subjacente uma intervenção autónoma da Administração Tributária sobre a informação introduzida no sistema, limitando-se a reproduzir os elementos declarados pelo Sujeito Passivo, no sentido da isenção. O referido documento não tem nem podia ter a virtualidade de consubstanciar por si mesmo uma decisão de autoridade de reconhecimento do direito à isenção, dado estarmos, repete-se, perante um benefício automático e não dependente de ato administrativo de reconhecimento. Ainda que assim não se entendesse, a admitir-se haver ali um ato administrativo o mesmo teria de considerar-se nulo e de nenhum efeito, por falta dos elementos essenciais para valer como estatuição autoritária constitutiva de direitos[3].

Atento o regime jurídico da atribuição deste benefício, que o Requerente não pode ignorar, não podemos falar sequer de uma situação em que a aparência de um ato constitutivo de direitos pudesse induzir em erro desculpável o contribuinte, criando-se expetativas legítimas tuteláveis segundo os ditames da boa fé e da proteção da confiança.

Improcede, nestes termos, a arguida revogação ilegal de um ato administrativo de reconhecimento de benefícios fiscais.

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§3. Da violação do disposto no art. 31.º, n.º 2, do CIMT, quanto ao órgão competente para a emissão da liquidação impugnada

            O Requerente, tendo por pressuposto que a liquidação controvertida consubstancia uma liquidação adicional de IMT, alega que a competência para efetuar a mesma cabe ao Serviço de Finanças de Lisboa-… e não ao Serviço de Finanças de…, órgão que efetivamente a efetuou e notificou ao Requerente.

            O Requerente sustenta essa sua posição invocando o disposto no art. 31.º, n.º 2, do CIMT – o qual determina que “o chefe do serviço de finanças onde tenha sido efectuada a liquidação ou entregue a declaração para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º, promove a competente liquidação adicional” –, por estarem em causa correções a liquidações já emitidas, com base naquela declaração, e fundadas numa errada interpretação do Direito ou numa errónea consideração dos factos já conhecidos pela AT. Ora, o Requerente entregou a referida declaração (declaração modelo 1 de IMT) no Serviço de Finanças de Lisboa-… .  

            Como anteriormente já se afirmou, a liquidação de IMT controvertida consubstancia uma primeira liquidação de imposto, promovida oficiosamente pela AT, pelo que, atento o disposto no art. 21.º, n.º 2, alínea b), do CIMT, o serviço de finanças competente para a efetuar é o da área da situação dos prédios, ou seja, é o Serviço de Finanças de… .

            Improcede, assim, a arguida incompetência do Serviço de Finanças de … para efetuar a liquidação controvertida.

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            §4. Dos juros indemnizatórios

Em conformidade com o disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Assim, não sendo de julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e sequente anulação da liquidação de IMT impugnada, improcede também o pedido de juros indemnizatórios que dependia da existência de um erro imputável aos serviços naquela liquidação de IMT efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e sequente anulação da liquidação de IMT impugnada, no valor de € 487.500,00, bem como o pedido de juros indemnizatórios;

b)      Absolver a Requerida do pedido; e

c)      Condenar o Requerente nas custas do processo.

 

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 487.500,00 (quatrocentos e oitenta e sete mil e quinhentos euros).

 

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CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.650,00 (sete mil seiscentos e cinquenta euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

 

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Lisboa, 19 de fevereiro de 2016.

 

Os Árbitros,

 

 

(Maria Fernanda dos Santos Maçãs)

 

 

 

(Paulo Lourenço)

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 



[1] Em linha, aliás, com profusa jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo de que citamos, a título exemplificativo, os acórdãos proferidos em 23/01/2013, nos processos n.ºs 01001/12, 01005/12 e 01069/12, em 30/01/2013, nos processos n.ºs 0970/12, 0971/12, 0972/12, 0999/12, 01003/12 e 01193/12, em 06/02/2013, no processo n.º 01000/12, em 08/02/2013, no processo n.º 01004/12, em 17/04/2013, nos processos n.ºs 01023/12 e 01002/12, em 23/04/2013, no processo n.º 01195/12, em 11/09/2013, no processo n.º 01049/13, em 25/09/2013, no processo n.º 01038/13, em 09/10/2013, nos processos n.ºs 01050/13, 1040/13 e 01015/13, em 18/10/2013, no processo n.º 01048/13, em 30/10/2013, no processo n.º 01052/13, em 13/11/2013, no processo n.º 01054/13, em 4.12.2013, no processo n.º 0824/13, em 29.1.2014, no processo n.º 01043/13, em 5.2.2014, nos processos n.ºs 01041/13, 01047/13 e 01917/13, em 26/02/2014, nos processos n.ºs 0860/13 e 08763, em 02/04/2014, no processo n.º 01914/13, em 09/04/2014, no processo n.º 0859/13, em 28/05/2014, no processo n.º 0291/14 e em 18/06/2014, no processo n.º 01527/13 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).

[2] Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 2012, 7ª ed., p. 390. Também sobre a classificação de desagravamentos fiscais lato sensu, ibidem, p. 391.

[3] Para uma distinção entre mero ato de conteúdo declarativo e uma verificação constitutiva, esta sim um verdadeiro ato administrativo, cf. VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 2ª ed., Coimbra, 2011, p. 146.