Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 439/2015-T
Data da decisão: 2015-12-15  IRS  
Valor do pedido: € 14.077,00
Tema: IRS – Tributação de mais-valias mobiliárias
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Decisão arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

 

1 – A…, CF[1] …, com domicílio Fiscal na … Lisboa, não se conformando com a decisão proferida, pela Direção de Finanças de Lisboa, referente à reclamação …/15 apresentou em 16/07/2015 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação do IRS[4], referente ao ano de 2013,conforme nota de liquidação nº …, emitida na sequência de declaração oficiosa de rendimentos e ainda contra a decisão proferida na aludida reclamação na parte desfavorável ao requerente.

2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à AT em 16/07/2015.

 

 

 

 

 

3 – Nos termos e efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.

4 - O tribunal foi constituído em 15/09/2015 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012 de 31 de dezembro

5 – Com o seu pedido visa, o requerente, a declaração de ilegalidade dos atos tributários respeitantes à liquidação oficiosa de 2013 … de IRS, bem como da decisão proferida pela Direção de Finanças de Lisboa na reclamação graciosa já referida, na parte desfavorável ao requerente

6- Invoca para o efeito, em síntese, o seguinte:

6.1- O requerente é cidadão estrangeiro, com residência em Portugal, não se considerando suficientemente familiarizado com o sistema fiscal nacional, aceitando como boa, a informação de terceira pessoa, de que não estaria obrigado à apresentação da declaração de rendimentos referente ao ano em questão.

6.2 Apesar de notificado para o fazer, não compreendeu o alcance da notificação e manteve o seu convencimento de não reunir os pressupostos para dar cumprimento à notificação, lamentando, agora, não ter feito a respetiva demonstração.

6.3 – Ao ser notificado da liquidação levada a efeito pela AT, oficiosamente, contra a mesma apresentou a reclamação e juntou documentos que puseram em crise os rendimentos oficiosamente considerados pela AT.

6.4 – Porém verificou que AT apenas lhe deu razão parcialmente, ao aceitar que na venda do imóvel não houve mais-valias e que na venda dos títulos do B… SAD a mais valia era de apenas € 20,10;

6.5 – Mas quanto à venda dos títulos da C..., a AT apenas considerou o valor da venda, não tendo em conta o valor da aquisição, dado não estar suficientemente demonstrado se seriam os mesmos títulos que haviam sido adquiridos em 2009.

 

 

7 – Por sua vez a AT, em síntese, entende:

7.1- Que não assiste razão à requerente uma vez que não apresentou a declaração de rendimentos apesar de notificado para o efeito, e juntou o documento de prova de aquisição dos títulos, só agora na fase contenciosa, quando o poderia ter feito na fase administrativa.

7.2- Com tal procedimento violou os deveres de colaboração com a AT, pelo que entende que o pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado improcedente.

 

I – SANEAMENTO

 

O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Realizada em 20 de Novembro de 2015 a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, o tribunal, com a concordância das partes, dispensou a produção de alegações escritas ou orais e considerou estarem reunidas as condições para a prolação da decisão final

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – Questão a dirimir nos presentes autos

Saber se os atos tributários respeitantes à liquidação oficiosa de 2013 … de IRS, deverão ser mantidos ou se deverão ser corrigidos no sentido da mais-valia apurada ser apenas de € 2 650,00 e, consequentemente, revogar-se a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, proferida pela Direção de Finanças de Lisboa.

 

 

2 – Matéria de facto

 

A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:

2.1- O requerente não apresentou a declaração de rendimentos do ano de 2013 apesar de notificado para o efeito.

2.2- Foi notificado da nota de liquidação elaborada na sequência de declaração oficiosa da AT.

2.3- Na referida liquidação oficiosa constava que o requerente no ano de 2013 teria auferido rendimento de mais-valia na alienação de um imóvel pelo valor de € 170 000,00 e € 51 925,10 pela alienação de partes sociais

2.4- Contra esta liquidação o requerente apresentou reclamação graciosa que veio a ser atendida parcialmente, dados os documentos com ela juntos, no entendimento da AT, provaram não haver rendimentos de mais-valias, pela venda do imóvel e que a venda dos 200 títulos do B … apenas terão provocado uma mais-valia de € 20,10, mantendo-se o valor da mais-valia da venda dos 50 títulos da C... no valor de € 50 275,00 dado não ter ficado cabalmente esclarecido se os títulos adquiridos em 2009 eram os mesmos alienados em 2013.

2.5- Na audição prévia o requerente apresentou um documento “Aviso de lançamento” no qual se verificava que em 23/03/2009 adquiriu 50 títulos da…, pelo valor de € 47 625,00, que a AT não considerou suficiente para a prova pretendida, dado faltar o código do valor mobiliário o que impediria “sem sombra de dúvida” que estes seriam os títulos alienados em 2013.

2.6- A declaração emitida pelo…, em 14 de Julho de 2015, junta aos autos pelo requerente comprova que os 50 títulos da … foram adquiridos pelo requerente em 2009 e foram por ele alienados em 2013.

2.7 – A AT elaborou a liquidação oficiosa em questão com base nos elementos obrigatoriamente fornecidos pelas entidades mencionadas no artigo 123º do CIRS[6].

 

3 – Do Direito

 

 

3.1 – A declaração oficiosa aqui posta em crise foi levada a efeito ao abrigo do artigo 76º nº1 alínea b) do CIRS.

3.2 - Na mesma, verifica-se, conforme quadros a seguir reproduzidos o seguinte:

3.2.1 Quanto às mais-valias na alienação de imóveis:

 

Oficiosamente foi mencionada a data da realização de 2013 mês 06 e a data da aquisição coincidente com a data da realização

 

 

3.2.2 Quanto à mais-valias na alienação de partes sociais e outros valores

 

 

Também se verifica a coincidência das datas de aquisição com as datas da realização.

 

3.3- Ao tribunal, embora não considere de todo impossíveis estas coincidências, não se lhe apresentam como normais e, a prova é que a AT logo que confrontada com a reclamação do contribuinte as veio reconsiderar na totalidade no que respeita às mais-valias com a alienação do imóvel e quanto às mais-valias de partes sociais de 200 títulos do B … .

3.4- A AT apenas manteve a liquidação oficiosa relativamente aos valores mobiliários da … (50 títulos), por considerar não justificada, no seu entender, “sem sombra de dúvidas” a data da aquisição dos mesmos.

3.5- O requerente com o seu procedimento de não colaboração com a AT desrespeitou o preceituado no artigo 59º da LGT[7], embora argumente, a sua qualidade de cidadão estrangeiro, o inexpressivo valor do seu rendimento no ano de 2013 e a informação (não oficial) que não reunia condições para a apresentação da declaração, terá ficado na expectativa, só reagindo quando confrontado com a liquidação oficiosa.

3.6 – Contra a referida liquidação oficiosa, o requerente, apresentou reclamação graciosa, juntando documentos que, comprovavam, em seu entender, o seu ponto de vista, que só não foi aceite, como já se viu, no que respeita à alienação dos 50 títulos da … .

3.7- Escudando-se na presunção “júris tantum” do artigo 75º da LGT, veio dizer, que caberia a AT, demonstrar que as suas declarações não seriam verdadeiras, esquecendo, porém, que tal presunção será afastada, nos termos do nº2 alínea b) do mesmo artigo, no caso concreto, não ter sido sensível à notificação para a apresentação da declaração de rendimentos do ano de 2013.

3.8 – Porém, não restam hoje dúvidas, nem à AT, que face à declaração do banco … de 14 de Julho de 2015, junta aos autos, os 50 títulos da … alienados em 2013 por € 50 275,00, pelo requerente eram os mesmos que havia adquirido em 2009 por € 47 625,00 e assim a mais-valia a apurar seria só de € 2 650,00. Aliás isso já seria percetível no documento junto pelo requerente com a sua reclamação e, se dúvidas houvesse, deveriam ser esclarecidas antes de proferida a decisão da mesma

3.9 – Do ponto de vista do tribunal houve negligência do requerente, porém, tendo em conta o princípio da legalidade tributária ínsito no artigo 8º da LGT, a AT, deveria tratar os dados que lhe são comunicados pelas diversas entidades de forma a não praticar atos que colidam com a situação tributária dos contribuintes no respeito pela legalidade.

3.10 – Determina o artigo 120º do CIRS a obrigatoriedade das entidades emitentes de valores mobiliários comunicarem à AT, até ao fim do mês de Julho de cada ano os elementos referidos no citado normativo.

3.11 – Também o artigo 123º do CIRS obriga os notários, conservadores, secretários judiciais, secretários técnicos de justiça e profissionais com competência para autenticar documentos particulares, a enviar à AT, até ao dia 15 de cada mês, relação dos atos que comportem sujeição a registo predial e das operações previstas nas alíneas b) e),f) e g) do nº 1 do artigo 10º do CIRS

3.12 – Ora, AT, na posse destes dados, deverá trata-los por forma a confirmar, por exemplo, as datas de aquisição e de realização, com vista ao melhor apuramento da real situação tributária dos contribuintes, ainda para mais, numa liquidação oficiosa, portanto da sua iniciativa.

3.13- No caso em apreço, o que se passou, do ponto de vista do tribunal, é que esses dados ou não foram suficientemente cruzados ou tratados, utilizando-se apenas os da alienação sem se cuidar dos de aquisição que obrigatoriamente teriam também sido comunicados à AT

3.14 – Tanto assim foi, que se fez coincidir as datas das realizações com as de aquisição, na liquidação oficiosa, como já se viu, o que de todo, não sendo impossível, não parece razoável e que, veio a comprovar-se, não correspondia à situação real.

3.14 - Concluindo, se por um lado o contribuinte desrespeitou o seu dever de colaboração que se usado, em tempo oportuno, poderia ter evitado o procedimento da AT, também esta, não tratou, convenientemente, os dados que legalmente detém em seu poder emitindo uma liquidação oficiosa, com eles incompatível e proferindo um despacho de deferimento parcial da reclamação, sem esclarecer a “sombra de dúvidas” que invocou para o ato, quando detém em seu poder os dados obrigatoriamente fornecidos, nos termos do artigo 123º do CIRS,

 

 

IV – DISPOSITIVO

 

 

Face ao exposto o tribunal decide o seguinte:

 

 

a)      Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação dos atos de liquidação oficiosa do IRS aqui impugnados respeitantes ano de 2013, devendo a mais-valia a apurar com a venda dos 50 títulos da … ser apenas de € 2 650,00 e consequentemente revogar a decisão proferida no respetivo processo de reclamação graciosa na parte desfavorável ao reclamante, ora requerente.

b)     Fixar o valor do processo em € 14 077,00, considerando as disposições contidas no artigos 299º nº1 do CPC[8],97-A do CPPT[9] e artigo 3º nº 2 do RCPAT[10].

c)      Fixar o valor das custas em € 918,00 a cargo da requerida 50% (€ 459,00) e do requerente os restantes 50% /€ 459,00) ao abrigo do nº 2 do artigo 12º e nº 4 do artigo 22º ambos do RJAT, tendo em conta a tabela I do RCPAT.

 

 

 

 

Notifique.

 

 

 

Lisboa, 15 de Dezembro de 2015

 

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 131º nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.

 

 

 

O árbitro singular,

 

Arlindo José Francisco

 

 

 

 

 

 



[1]              Acrónimo de Contribuinte Fiscal

[2]              Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[3]              Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[4]              Acrónimo de Imposto Sobre o rendimento das pessoas singulares

[5]              Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[6]              Acrónimo de Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares

[7]              Acrónimo de Lei Geral Tributária

[8]              Acrónimo de Código de Processo Civil

[9]              Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[10]             Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária