Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 674/2022-T
Data da decisão: 2024-02-27   Outros 
Valor do pedido: € 366.818,98
Tema: Adicional de solidariedade sobre o sector bancário. Princípio da igualdade. Princípio da capacidade contributiva.
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Sumário:

 

 As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

           

1. A..., com o número único de pessoa coletiva ... e com local de representação em ..., Rua ..., ..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, referente ao período de tributação de 2021, autoliquidado em junho de 2022, com um montante a pagar de € 366.818,98, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é a sucursal em Portugal da

 

 B..., S.A., instituição de crédito de direito francês, que tem sede e efetiva administração em França, e, atenta a sua qualidade de instituição de crédito com sede em Portugal, encontra-se sujeita ao pagamento do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB).

 

Neste contexto, a Requerente submeteu a Declaração Modelo 57, em 30 de junho de 2022, respeitante ao ASSB de 2021, em que apurou um valor a pagar de € 366.818,98.

 

A autoliquidação efetuada pela Requerente incidiu sobre a média anual dos saldos finais do passivo de cada mês relativo às contas do ano de 2021, tendo sido concretizada com base nos dados contabilísticos consolidados em 31 de dezembro de 2021.

 

O ASSB é um tributo criado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que nasceu no quadro da crise pandémica de COVID-19 e se destina exclusivamente ao financiamento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) e onera especificamente o setor bancário, alegadamente como forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, e caracteriza-se como um imposto.

 

Tendo o ASSB entrado em vigor no ordenamento jurídico-fiscal português através do artigo 18.º do Orçamento Suplementar para 2020, que veio alterar a Lei do Orçamento do Estado para 2020, verifica-se, desde logo, a violação da lei de enquadramento orçamental, face ao que dispõe o artigo 106.º da Constituição, que determina, no seu n.º 1, que a lei do orçamento é elaborada, organizada, votada e executada, anualmente, de acordo com a respetiva lei de enquadramento, que incluirá o regime atinente à elaboração e execução dos orçamentos dos fundos e serviços autónomos.

 

Por outro lado, tratando-se de um imposto que se destina ao financiamento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, igualmente viola o princípio geral da não-consignação de receitas, plasmado no artigo 16.º, n.º 1, da Lei de Enquadramento Orçamental, que determina que "não pode afetar-se o produto de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas".

 

O ASSB viola ainda o princípio da especificação orçamental consagrado no artigo 105.º n.ºs  1 e 3, da Constituição e no artigo 8.º da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), na medida em que estando alocado à categoria dos "impostos diretos diversos" do Mapa I, categoria residual do capítulo dos impostos diretos, e nas receitas do Fundo de Resolução constantes do Mapa V e do Mapa VII da Lei do Orçamento do Estado para 2020, uma tal categorização não permite a identificação do tipo de tributação em causa ou da receita cobrada através do ASSB, além de que nos mapas orçamentais da Lei do Orçamento do Estado e do Orçamento Suplementar para 2020 não há qualquer referência específica ao ASSB.

 

O ASSB viola ainda o princípio constitucional da igualdade, não respeitando o critério fundamental da incidência sobre a totalidade dos contribuintes.

 

Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património, mas, no caso do ASSB, o imposto incide sobre determinados elementos do passivo dos contribuintes, não estando em

 

causa um imposto sobre o rendimento, sobre o consumo ou sobre o património e não se verifica qualquer dos indicadores de capacidade contributiva que legitimem a carga tributária.

 

Por outro lado, o imposto incide sobre o setor bancário como forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, discriminando de forma arbitrária o sector bancário, sobre o qual recai o ónus exclusivo de compensar a despesa fiscal resultante de uma isenção de que muitos outros sectores beneficiam.

 

Nesse sentido, não poderá deixar de se considerar que o ASSB viola o princípio da capacidade contributiva, na sua vertente do princípio da igualdade.

 

Acresce que, não sendo possível incluir no âmbito do ASSB as sucursais de entidades com sede ou direção efetiva na União Europeia, a autoliquidação impugnada é igualmente anulável por violação da liberdade de estabelecimento e da Diretiva 2014/59/EU.

 

Nos termos do artigo 49.º do TFUE, são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro da União no território de outro Estado-Membro. No entanto, por efeito das regras de determinação da base de incidência, o regime do ASSB cria efetivamente uma discriminação entre bancos que operem em Portugal através de uma sociedade residente em Portugal e bancos que operem através de uma sucursal.

 

Nos termos da Lei e para efeitos de incidência objetiva, o ASSB incide sobre o passivo deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios e dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo

 

Como é sabido, as sucursais UE não têm personalidade jurídica, o que determina, entre o mais, a inexistência de capital social bem como a inexistência de capitais próprios e de fundos próprios, tal como estes são considerados e contabilizados para efeito das instituições de crédito com sede e efetiva administração em Portugal. Isto significa que, no caso das instituições de crédito residentes o ASSB incide sobre o seu passivo “líquido” dos capitais próprios, ao passo que, no que às sucursais UE diz respeito, o ASSB incide sobre o seu passivo “bruto”, sem qualquer consideração dos elementos do passivo que são reconhecidos como capitais próprios, colocando estas últimas em situação desfavorável face às primeiras.

 

Assim sendo, a previsão de um tributo nacional (ASSB), que na fixação da respetiva base de incidência discrimina e prejudica as sucursais UE face às instituições de crédito nacionais e residentes em território português, é incompatível com o direito da União Europeia e viola expressamente a liberdade de estabelecimento.

 

Por outro lado, o ASSB viola a Diretiva 2014/59/UE uma vez que esse tributo, apesar de ser determinado por referência à mesma base tributária prevista para as contribuições criadas pela referida Diretiva, não está associado ao financiamento das necessidades de resolução das

 

 

instituições financeiras, nem cumpre com as respetivas regras, tendo como consequência uma duplicação da tributação destas entidades.

 

Com efeito, a Diretiva 2014/59/UE impôs aos Estados-Membros que estabeleçam mecanismos de financiamento para evitar que os fundos necessários para esse efeito provenham dos orçamentos nacionais. Para esse objetivo, os Estados-Membros deverão criar os seus mecanismos nacionais de financiamento, através de fundos controlados pelas autoridades de resolução.

 

Ora, a transposição para a ordem jurídica portuguesa foi efectuada pela Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março, que alterou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), enquanto o ASSB foi criado posteriormente e consiste numa imposição sui generis não prevista na Diretiva.

 

Esse imposto, tendo embora uma base tributável semelhante aos mecanismos previstos na Diretiva 2014/59/UE, não está relacionado com a recuperação e a resolução bancária, mas visa compensar a isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, sendo consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS).

 

Também por esta razão, o regime da ASSB mostra-se ser ilegal por violação do direito da União Europeia.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, não discutindo a natureza jurídica do ASSB como imposto, considera que a isenção de IVA aplicável às operações que integram parte da atividade das instituições de crédito – operações de receção de depósitos, concessão de crédito, cobrança de juros, comissões e garantias  – é, em parte, colmatada pela incidência do imposto do selo, que, no entanto, não só sujeita os contribuintes a taxas de imposto substancialmente inferiores à taxa média do IVA, como não abrange outras operações em que intervêm as instituições de crédito, designadamente transações financeiras e locações financeiras, a que acresce a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo (CIS), incidente sobre operações entre instituições financeiras diretamente associadas à concessão de crédito.

 

Nesse sentido, a isenção em IVA representa uma exceção ao princípio da igualdade, na medida em que introduz uma discriminação entre os contribuintes.

 

Quanto à violação do princípio geral da consignação das receitas, importa ter presente o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º da LEO, que configura a afetação de receitas ao financiamento dos sistemas e subsistemas da segurança social como uma exceção ao princípio da não consignação.

 

 

 

 

O financiamento da Segurança Social obedece aos princípios da diversificação das fontes de financiamento e da adequação seletiva, recorrendo a transferências do Orçamento do Estado, à consignação de receitas fiscais e a contribuições.

 

O regime aplicável ao ASSB no que respeita à afetação da receita ao FEFSS enquadra-se, por conseguinte, na exceção ao princípio da não consignação de receitas à cobertura de determinadas despesas, tal como previsto na referida disposição da LEO.

 

Alega ainda a Requerente que o ASSB viola o princípio da especificação orçamental, uma vez que nos mapas orçamentais do Orçamento de Estado para 2020 e no Orçamento Suplementar para 2020 não há qualquer referência específica ao ASSB.

 

Cabe referir, a esse propósito, que o ASSB foi aprovado pela Lei n.º 27-A/2020, que alterou a Lei do Orçamento de Estado para 2020, bem como o Orçamento da Segurança Social, e a estimativa de receita do ASSB foi incluída no Mapa X – Receitas da Segurança Social por Classificação Económica, rúbrica 06 – Transferências correntes – Estado.

 

Por outro lado, os artigos 106.º da Constituição e 14.º da Lei de Enquadramento Orçamental consagram o princípio orçamental da anualidade, implicando a votação anual do Orçamento pela Assembleia da República e a execução anual do Orçamento pelo Governo e Administração Pública.

 

Havendo de considerar-se que o ASSB foi aprovado pela Assembleia da República no âmbito do Orçamento Suplementar de 2020, o que corresponde a uma autorização parlamentar para a liquidação e cobrança do imposto, e, além disso, a inscrição orçamental do ASSB, enquanto receita, constitui uma previsão da receita a arrecadar e não o apuramento de um valor exato que deverá ser transferido para o FEFSS.

 

No que se refere à alegada violação do princípio da igualdade, a Autoridade Tributária considera que o ASSB, encontrando-se materializado na compensação do erário público pela despesa fiscal associada à isenção de IVA de que beneficiam determinados sujeitos passivos, não é inovador e assenta numa função equalizadora ou compensatória, sendo que um dos pressupostos que legitima esse contributo adicional é a constatação de que o setor financeiro se encontra, em larga medida, subtributado no âmbito da fiscalidade indireta.

 

Deste modo, a incidência do ASSB sobre o setor financeiro, com o intuito de compensar a isenção de IVA, permite enquadrá-lo no contexto das atuais dinâmicas políticas e legislativas no sentido de reforçar a tributação indireta do setor bancário, tais como a revisão das regras do IVA no setor financeiro e dos impostos sobre as atividades financeiras e sobre as transações financeiras.

 

 

 

 

Por outro lado, a manifestação de capacidade contributiva sobre que incide o ASSB é revelada pelos efeitos incrementais na atividade desenvolvida, induzidos pelos fundos obtidos de variadas fontes, expressos no passivo das instituições qualificadas como sujeitos passivos.

 

Dentro da sua liberdade de conformação, o legislador encontrou como fundamento para delinear o âmbito de incidência do ASSB a ausência ou a menor de tributação de um imposto indireto - IVA e Imposto do Selo - em determinadas operações, além de que relevam para o caso, também, fatores de operacionalidade do tributo, dado que existe já uma contribuição que incide sobre as instituições de crédito (Contribuição sobre o Sector Bancário), cujos mecanismos de liquidação e controlo estão consolidados e em funcionamento desde 2011.

 

Assim, não só não houve qualquer arbitrariedade na criação do ASSB, como a sua configuração permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva que se propõe, enquanto imposto que compensa a isenção do IVA nas operações financeiras.

 

No tocante à invocada violação do direito da União Europeia, a Requerida sustenta que o regime do ASSB não comporta um tratamento discriminatório baseado na nacionalidade das instituições de crédito.

 

De acordo com o disposto no artigo 2.º do regime do ASSB, são sujeitos passivos do imposto também as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português, as quais fazem parte do mesmo grupo de sujeitos passivos beneficiários da isenção de IVA aplicável à generalidade das operações financeiras e, igualmente, da isenção do imposto do selo relativamente às operações de captação de fundos junto de outras instituições financeiras.

 

Por outro lado, não se encontra vedado às sucursais a dedução de capitais próprios, estando na disponibilidade da sucursal qualificar os fundos que lhe são afectos pela Sede como passivo ou como capital próprio, em função de serem ou não passíveis de remuneração e de carácter de permanência. No entanto, a não dedução de capitais próprios, caso a sucursal os não possua, não significa que exista um tratamento diferenciado. As sucursais estão sujeitas às mesmas regras das demais instituições financeiras em matéria contabilística e, para efeitos do apuramento da base de incidência do ASSB, qualificam-se como passivo todos os elementos reconhecidos em balanço que representem dívida para com terceiros, independentemente da sua forma ou modalidade.

 

Do mesmo modo, não se verifica a violação da Diretiva 2014/59/UE, que introduziu regras que harmonizam os mecanismos e os modos para fazer face às crises bancárias, uma vez que a diversidade dessas regras constituía um obstáculo ao bom funcionamento do mercado único. 

 

O considerando 103 da Diretiva esclarece que o objetivo dos mecanismos de financiamento é evitar que os fundos necessários para fornecer capital e liquidez às instituições

 

objeto de resolução provenham dos orçamentos nacionais dos Estados-Membros, uma vez que deve ser o setor financeiro, no seu conjunto, a financiar a estabilização do sistema financeiro. E o considerando 104 clarifica que os Estados-Membros devem criar os seus mecanismos nacionais de financiamento através de fundos controlados pelas autoridades de resolução.

 

Todavia, é admitida uma derrogação desse regime para permitir que os Estados-Membros criem os seus mecanismos nacionais de financiamento através de contribuições obrigatórias de instituições autorizadas nos respetivos territórios não detidas através de fundos controlados pelas respetivas autoridades de resolução, desde que sejam cumpridas certas condições, conforme resulta do artigo 100.º, n.º 6, da Diretiva.

 

Nesse sentido, a Diretiva harmonizou a cobrança de contribuições financeiras pelos Estados-Membros às instituições abrangidas, no que diz respeito ao financiamento da resolução, e não a harmonização de todo o sistema de tributação do setor bancário.

                                                                   

Ora, o ASSB não é uma forma de financiamento das medidas de resolução nem do Fundo Único de Resolução, posto que não se encontra abrangido pela referida Diretiva, mas tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.

 

Conclui pela improcedência do pedido arbitral.

 

2. Tendo sido requerida, na petição inicial, a produção de prova testemunhal, o tribunal arbitral, por despacho de 27 de fevereiro de 2023, notificou a Requerente para dizer se mantém interesse na produção da prova, tendo em consideração que estão em causa meras questões de direito e a factualidade descrita é suscetível de prova documental.

 

Pelo requerimento de 6 de março seguinte, a Requerente veio declarar que pretende a admissão da prova testemunhal, dizendo que as testemunhas visam a questão de saber se é discriminatória a base de incidência objetiva do ASSB e esclarecer o tribunal em relação ao enquadramento jurídico-contabilístico aplicável às sucursais, no que diz respeito à impossibilidade de dedução de capitais próprios.

 

Por despacho de 8 de março de 2023, o tribunal determinou a suspensão da instância até à pronúncia do TJUE no Processo n.º C-340/22, em reenvio prejudicial suscitado no âmbito do Processo n.º 502/2021-T, em que estavam em causa as mesmas questões de violação do direito europeu que vêm alegadas no presente processo.

 

Tendo sido proferido acórdão pelo TJUE, com data de 21 de dezembro de 2023, no âmbito do referido reenvio prejudicial, por despacho arbitral de 9 de janeiro de 2024, o tribunal decidiu: (a) determinar a cessação da suspensão da instância a partir da data da prolação do

 

acórdão do TJUE; (b) indeferir o requerimento probatório apresentado pela Requerente por estar em causa matéria de direito relativamente à qual não é admissível a produção de prova testemunhal; (c) notificar as partes para apresentarem alegações, designadamente, para se pronunciarem quanto ao sentido decisório a extrair do acórdão pelo TJUE, de 21 de dezembro de 2023.

 

Em 30 de janeiro de 2024, as partes apresentaram as suas alegações.

 

 3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 23 de janeiro de 2023.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

  1. A Requerente é sucursal em Portugal da B..., S.A., instituição de crédito de direto francês, que tem sede e efetiva administração em França.
  2. Na sequência da criação, pela Lei n.º 27-A/2020 de 24 de julho (Orçamento Suplementar para 2020) do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB), a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB relativo ao ano de 2021, mediante a submissão da Declaração Modelo 57, tendo apurado um valor a pagar de € 366.818,98.
  3. A autoliquidação incidiu sobre a média anual dos saldos finais do passivo de cada mês relativo às contas do ano de 2021, tendo sido concretizada com base nos dados contabilísticos consolidados em 31 de dezembro de 2021.
  4. O imposto devido foi pago no dia 30 de junho de 2022.
  5. A Requerente deduziu reclamação graciosa contra o ato de autoliquidação do ASSB, que foi indeferida por despacho do Diretor do Serviço Central, de 7 de setembro de 2022, praticado com subdelegação de competência.
  6. A decisão de indeferimento baseou-se na informação dos serviços n.º ...-AIR3/2022, que, na parte que releva, e após considerar que não cabe nas competências da Administração Tributária aferir da conformidade de uma qualquer norma com a Lei Fundamental, o Direito da União Europeia ou leis de valor reforçado, é do seguinte teor:

            […]

37. Através de uma adequada ponderação dos interesses em causa, e atendendo que a própria AT se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espetro do princípio da legalidade, somos de parecer que. em nossa opinião, face ao que até aqui foi dito, não subsistem razões atendíveis para os termos e efeitos de anulação do ato tributário ora colocado em crise pelo Reclamante,

       Por outro lado,

  1. Relativamente à incompatibilidade do Direito da União Europeia com o disposto na Portaria n.0 191/2020, de 10 de agosto. que aprovou o modelo oficial da declaração do ASSB, de onde constam as instruções de preenchimento, relativamente à consideração, enquanto passivo para efeitos de apuramento do ASSB (Campo 1 do Quadro 5 da Declaração Modelo 57), o passivo das sucursais para com a sede, aplicar-se-á um raciocínio similar.
  2. Ora, nos termos do n.0 2 do artigo 142.0 do CPA, a AT não pode afastar, sem mais, a aplicação do disposto na referida Portaria ao caso com apreço, pois «[o]s regulamentos não podem ser derrogados por atos administrativos de caráter individual e concreto».
  3. Por outro lado, é a própria norma, constante da referida Portaria que explica o seguinte:

«De notar que, no caso das sucursais, em Portugal, de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora de território nacional, de acordo com as regras contabilísticas, o respetivo passivo inclui as dívidas para com a sede (principal e efetiva fora de território nacional) e/ou outras sucursais desta, as quais são, assim, consideradas dividas para com terceiros. »

  1. Portanto, a Portaria. neste caso, simplesmente densifica, apontando a sua razão de ser («de acordo com as regras contabilísticas»), o previsto na alínea a) do artigo 3.0 do regime do ASSB, quanto ao que se deve considerar passivo a incluir no apuramento do tributo, não violando o previsto na lei, ou seja, inexiste qualquer ilegalidade
  2. Neste âmbito, refere Luiz Cabral de Moncada, no Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.0 Edição. Quid Juris, pg. 458 refere o seguinte, no que diz respeito à desaplicação administrativa do regulamento:

«A referida desaplicação representa também um (aparente) retrocesso no princípio da autovinculação da Administração aos regulamentos que elaborou e que exige que esta lhes fique vinculada. Além disso, a desaplicação dos regulamentos pela própria Administração pode pôr em causa os deveres de obediência que resultam da relação de hierarquia e de superintendência colocando o agente administrativo na situação de desobediência aos órgãos que dispõem dos poderes correspondentes. A desaplicação significa que a Administração tudo enjeitou em nome da juridicidade. Também por esta razão se justifica que a desaplicação apenas deva ser admitida em casos de manifesta evidência da ilegalidade (ou da ineficácia) do regulamento e não em geral.»

  1. Assim. ainda que se admitisse alguma dúvida, que não se verifica. acerca da opção do Governo em regulamentar o ASSB nestes termos. incluindo na base tributável do tributo o passivo das sucursais relativo às casas-mãe, estaria vedado à AT a sua desaplicação, em virtude da falta de manifesta evidência de ilegalidade.
  2. Logo, o ato tributário aqui em causa não deverá ser anulado.
  1. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Requerente por ofício de 7 de setembro de 2022.
  2. O pedido arbitral deu entrada em 11 de novembro de 2022.

 

Factos não provados

 

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

Matéria de direito

 

Regime jurídico do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário

 

5. O adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB) foi criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março) e cujo regime jurídico consta do Anexo VI a essa Lei.

O ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores (artigo 1.º, n.º 2) e tendo como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1).

O ASSB tem como âmbito de incidência objetiva o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos, com as especificações constantes do artigo 3.º

O artigo 4.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020 refere-se à quantificação da base de incidência, definindo, no seu n.º 1, como passivo o “conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros”, com as exceções constantes das diversas alíneas desse número, e  como instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente (artigo 4.º, n.ºs 1, 2 e 3). O n.º 4 desse artigo 4.º esclarece ainda que [a] base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.

Os artigos 5.º, 6.º. 7.º e 8.º referem-se, respetivamente, às taxas aplicáveis à base de incidência e aos procedimentos de liquidação e cobrança, e o artigo 9.º, sob a epígrafe “Consignação da Receita”, declara que a receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constitui receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social

 

Resta referir que a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 33/XIV, que originou a Lei n.º 27-A/2020, em consonância com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho de 2020, limita-se a assinalar que “[é] igualmente criado um adicional de solidariedade sobre o setor bancário, cuja receita é adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

Qualificação jurídica do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário

6. Analisado, em traços gerais, o regime jurídico do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, cabe ainda uma referência preliminar quanto à qualificação jurídica que lhe poderá ser atribuída.

A LGT, aprovada em 1998, no seu artigo 3.º, passou a incluir entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.

 

Aí se explicita que “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património” (n.º 1), e as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares” (n.º 2). No que se refere às contribuições especiais, o n.º 3 desse artigo apenas especifica que “[a]s contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade são consideradas impostos”.   

Em tese geral, o imposto constitui uma “prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida por uma entidade pública com o propósito de angariação de receita”, ao passo que a taxa se caracteriza como “prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo”, distinguindo-se essas duas espécies de tributos pelo seu carácter de unilateralidade ou bilateralidade (cfr., na linha de outros Autores, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, págs. 214 e 240).

 

Por seu lado, a constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.

 

A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos  e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas” (Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095).

 

Neste sentido, as contribuições são tributos com uma estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas (Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 287).

 

Trata-se, neste caso, de tributos de natureza bilateral ancorados numa lógica grupal ou de equivalência de grupo, por oposição ao que sucede com a figura das taxas, que se alicerça num princípio de equivalência estrita ou individual, e que, nessa medida, são uma categoria de tributo cujo facto tributário se constitui em função de um nexo bilateral derivado para o qual

 

influem os sujeitos passivos do grupo a que pertencem (cfr. Filipe de Vasconcelos Fernandes, O (Imposto) Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, pág. 86-87 e nota 132). E que dependem, do mesmo modo, do preenchimento de três diferentes requisitos: a homogeneidade do grupo, que pressupõe uma distinção face à carga impositiva geral que incide sobre a generalidade dos contribuintes, a responsabilidade de grupo, que implica uma relação específica entre o cada grupo homogéneo e certas necessidades de ordem financeira, e a utilidade de grupo, que tem por base o facto de estes tributos assentaram num princípio de equivalência de grupo, de forma a que a receita é utilizada no interesse de todo o grupo, e não especificamente de um contribuinte individual (idem, págs. 87-90).

Como se deixou dito, o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e constitui receita geral do Estado que é integralmente consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

E, assim, ao contrário do que sucede com a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira (cfr., por último o acórdão do STA de 25 de janeiro de 2023, Processo n.º 01622/20, e a jurisprudência nele citada), não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB, na medida em que não existe conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, como também não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e o ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. E, nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira (idem, págs. 91-96).

E, por maioria de razão, está excluído que o ASSB possa integrar o conceito de taxa, uma vez que não estão em causa qualquer dos pressupostos enumerados no artigo 4.º, n.º 2, da LGT que permitam evidenciar o carácter de bilateralidade do tributo.

Em face a todo o exposto, o ASSB constitui um imposto especial sobre o sector bancário, que, não obstante apresentar um âmbito de incidência semelhante à Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), não se limita a estabelecer uma nova taxa sobre a matéria coletável dessa contribuição, nem um novo imposto sobre a coleta, e, nesse sentido, não corresponde a um adicional ou a um adicionamento, mas a um imposto autónomo (sobre o conceito de adicional e de adicionamento, cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, pág. 79; no sentido da qualificação do ASSB como imposto, Filipe de Vasconcelos Fernandes, ob. cit., pág. 92, e a decisão arbitral proferida no Processo n.º 504/2021-T).

           

Violação do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva.

 

7. Tendo impugnado a autoliquidação do ASSB relativamente ao período de tributação de 2021, a Requerente alega que o regime do ASSB constante  do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, viola o princípio da igualdade, ao impor ao setor financeiro um ónus acrescido no que respeita ao financiamento do Sistema Previdencial da Segurança Social que não tem fundamento substancial válido, e ainda a violação do princípio da capacidade contributiva, na medida em que o imposto incide sobre determinados elementos do passivo dos contribuintes e não tem qualquer correlação com os indicadores possíveis de revelação dessa capacidade, como seja o rendimento, o consumo ou o património.

 

Considerando que, nos termos previstos no artigo 204.º da Constituição, cabe ao tribunal o dever de examinar se as normas relevantes para a decisão da causa estão ou não em conformidade com as normas ou princípios constitucionais, torna-se necessário conhecer prioritariamente destas questões.

 

Para lhes dar resposta deve começar por efetuar-se, ainda que em termos sucintos, a caracterização dos princípios constitucionais da igualdade fiscal e da capacidade contributiva.

 

Conforme refere Casalta Nabais, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 11ª edição, Coimbra, 2021, págs. 154-155).

Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva – segundo o mesmo autor - enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece de um específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respetiva “constituição fiscal” e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103.º e 104.º da Constituição (ob. cit., pág. 155).

Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva – dentro da mesma linha de entendimento - «afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto» (ob. cit., pág. 157).

Também o Tribunal Constitucional tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, como se pode constatar designadamente no acórdão n.º 142/2004, onde se consigna que «[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação».

O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adotadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo».

O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adotar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.

Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e n.º 695/2014).

            8. Como se deixou exposto, o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e incide sobre instituições de crédito sediadas em território português e filiais ou sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigos 1.º e 2.º).

 

Tem uma estrutura de incidência objetiva e subjetiva similar ao previsto para a Contribuição sobre o Sector Bancário (artigo 3.º), com a significativa diferença de a receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constituir receita geral do Estado, consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (artigo 9.º).

 

 

Importa fazer notar, num primeiro momento, que, não obstante a similitude de incidência com a Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), o ASSB não pode ser entendido como uma tributação acessória ou adicional do CSB, nem constitui uma contribuição de estabilidade financeira.

 

A Contribuição sobre o Sector Bancário foi criada pelo artigo 141.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011, entretanto alterada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, como uma contribuição extraordinária, que constitui receita do Fundo de Resolução, criado mediante a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, ao Regime das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (artigo 153.º-F, alínea a)) e definido como pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, que funciona junto do Banco de Portugal (artigo 153.º-B). O Fundo tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas (artigo 153.º-C) e nele participam obrigatoriamente, entre outras entidades, as instituições de crédito com sede em Portugal (artigo 153.º-D).

 

O próprio Relatório do Orçamento de Estado para 2011 explica a génese da Contribuição sobre o Sector Bancário em termos suficientemente elucidativos quanto aos objetivos que se pretendiam atingir, aí se afirmando (pág. 73):

 

«A Proposta do Orçamento do Estado para 2011 procede ainda à criação de uma contribuição sobre o sector bancário na linha daquelas que foram já́ introduzidas noutros Estados Membros, com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do sector e os mecanismos de segurança social.

A contribuição incide, assim, sobre as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, sobre as filiais de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e sobre as sucursais, instaladas em território português, de instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração em Estados terceiros».


          Face ao seu regime jurídico, a CSB tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto dos regulados  à respetiva entidade ou agência de regulação. Não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respetivos sujeitos passivos, nem se caracteriza como um imposto, pois que não se verifica o requisito de unilateralidade: não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita (não se destina a que «as instituições participantes concorram para os gastos da comunidade, em cumprimento de um qualquer dever de solidariedade»), antes se pretendendo que o sector financeiro contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua atividade.

 

E a sua natureza não é afastada pela circunstância de as receitas provenientes da CSB serem consignadas ao Fundo de Resolução, porquanto o Fundo tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas pelo Banco de Portugal e visa a prevenção dos riscos sistémicos do sector bancário. Esse mesmo objetivo é assinalado na nota preambular da Portaria nº 121/2011, de 30 de março, onde se refere que os elementos essenciais da CSB são definidos «em termos semelhantes aos de contribuições já introduzidas por outros Estados Membros da União Europeia, com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados».

 

Como se concluiu no acórdão do STA de 19 de Junho de 2019 (Processo n.º 02340/13), a motivação legislativa constante dos diplomas que regularam a contribuição para o sector bancário e o Fundo de Resolução legitima a ilação de que a contribuição visou, em primeiro lugar e desde o início, atenuar as consequências resultantes das intervenções públicas no sector financeiro, face à situação de crise financeira então desencadeada no âmbito desse mesmo sector, reconduzindo-se a um instrumento de apoio na prevenção dos inerentes riscos do sistema, não se destinando a colmatar necessidades genéricas de financiamento do Estado.

 

Trata-se, nestes termos, de um tributo que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efetiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades financeiras das entidades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira (cfr., neste preciso sentido, a decisão arbitral proferida no Processo n.º 706/2018-T).

 

Contrariamente, o ASSB é um verdadeiro imposto que constitui receita geral do Estado e se encontra consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, e, embora destinado a fazer face de modo indistinto às necessidades de financiamento da segurança social, se carateriza como um imposto sectorial na medida em que incide exclusivamente sobre o sector financeiro.

 

9. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho de 2020, que, na sequência da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, aprovou o Programa de Estabilização Económica e Social, refere-se no ponto 4.3.5 à criação de um adicional de solidariedade sobre o setor bancário, “cuja receita é adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise”. Esse mesmo propósito é mencionado na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 33/XIV, que originou a Lei n.º 27-A/2020, e a que, num momento anterior, já se fez referência.

 

O artigo 1.º, n.º 2, do Regime do ASSB, já transcrito, refere ainda que o tributo tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.

 

 

No entanto, o próprio Relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), incidente sobre a proposta de alteração da lei orçamental para 2020 (Relatório n.º 13/2020), consigna que “a iniciativa legislativa não tem justificação no contexto COVID-19, antes sendo apresentada pelo Governo para contribuir, de modo permanente, para a diversificação das fontes de financiamento das pensões pagas pelo sistema previdencial da Segurança Social Pública” e acrescenta que, “do ponto de vista técnico, não se entende a necessidade de justificar publicamente a criação do imposto como sendo uma compensação por o sector das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras estar isento de IVA nas transmissões efetuadas”, quando “deveria também dizer-se que as operações deste sector são tributadas por uma miríade de taxas do imposto do selo”.  

 

E, com efeito, dificilmente se compreende a justificação fornecida pelo legislador quando pretende associar a sujeição das instituições de crédito ao ASSB à despesa fiscal decorrente da isenção aplicável a serviços e operações financeiras.

A isenção de IVA relativamente a operações bancárias e financeiras está expressamente prevista na Diretiva 2006/112/CE (artigo 135.º) e o artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA limita-se a efetuar a transposição dessa regra para o direito interno. E, por outro lado, o conteúdo das isenções não pode ser alterado pelos Estados Membros, dado que estão em causa conceitos autónomos de direito europeu que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA, devendo ainda ser objeto de uma interpretação restritiva, na medida em que constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual o imposto sobre o valor acrescentado é cobrado sobre todas as prestações de serviços efetuadas a título oneroso por um sujeito passivo (cfr. acórdãos do TJUE, nos Processos n.ºs C-348/1987 e C-455/05).

 

Acresce que, como esclarece Clotilde Celorico Palma, “[a]s isenções em sede de IVA assumem uma natureza objetiva, ou seja, para efeitos da sua concessão releva essencialmente a natureza da atividade prosseguida e não a natureza jurídica da entidade que prossegue a atividade”. Além de que as isenções em IVA têm uma lógica diferente das isenções concedidas no âmbito dos impostos sobre o rendimento. Como refere a mesma Autora, “[a]o passo que nestes impostos, a isenção libera o beneficiário do pagamento do imposto, no IVA as situações de isenção clássica traduzem-se na não liquidação do imposto nas operações ativas por parte sujeito passivo beneficiário (o beneficiário paga imposto mas não liquida). Isto é, nas suas operações passivas (aquisições de bens e prestações de serviços) os sujeitos passivos de IVA não beneficiam de isenção” (Introdução sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 6.ª edição, págs. 172-174).

 

Na situação prevista no artigo 135.º da Diretiva IVA, como explica ainda Sérgio Vasques, trata-se de “isenções simples ou incompletas que não conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, pelo que o sujeito passivo, não liquidando IVA imposto sobre a operação isenta, não deduz o imposto em que incorra nas aquisições destinadas à sua realização”. E, nesse sentido, “o sujeito passivo passa a ocupar posição idêntica à do consumidor final, suportando na sua esfera o imposto relativo às suas aquisições”, pelo que a isenção não representa um verdadeiro benefício para o sujeito passivo, como sucede com a generalidade das isenções de imposto, na medida em que acaba por suportar o peso do imposto por via das suas aquisições, originando um imposto oculto pela incorporação do IVA incorrido a montante no preço dos bens e serviços prestados a terceiros (O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 2015, págs. 312-313; em idêntico sentido, Angelina Tibúrcio, Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coimbra, 2014, pág. 160). 

 

Por outro lado, como refere o Autor há pouco citado, as isenções de IVA relativas a serviços financeiros são motivadas por razões de ordem técnica que respeitam à dificuldade em apurar o valor acrescentado inerente a essas operações e, em especial, no que se refere à determinação da matéria coletável e do montante do IVA dedutível (ob. cit., págs. 318-319, e ainda o acórdão do TJUE, no Processo n.º C-455/05, considerando 24.)

 

Num outro plano de análise, importa ainda reter que a isenção de IVA para serviços e operações financeiras tem como contraponto a sujeição das operações financeiras a imposto do selo, nos termos da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sendo sintomático, quanto ao nível de dependência entre os dois impostos, que o artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo exclua do âmbito de incidência objetiva do imposto “as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas”. Como assinala Saldanha Sanches, “o imposto do selo assume a sua vocação de tributar aquilo que não pode ser tributado de outra forma” e ao contribuinte assiste o direito de ser tributado da forma que melhor se adequa ao normal funcionamento da economia de mercado e ao princípio da tributação segundo a capacidade contributiva do sujeito passivo (Manual de Direito Fiscal, 3ª edição, Coimbra, pág. 435).

 

Em todo este contexto, não é possível determinar objetivamente o critério de diferenciação que conduziu o legislador a sujeitar as instituições de crédito a um imposto especial sobre o sector bancário, nem é possível discernir qual a sua real fundamentação.

 

Encontrando-se a medida legislativa descrita como sendo um tributo destinado a compensar a isenção de IVA de que beneficia o setor financeiro, não se compreende que, simultaneamente, sejam excluídas outras categorias de atividades que se encontram igualmente isentas e que poderão revelar idêntica ou superior capacidade contributiva. E não é tido em devida consideração, na aplicação da medida, que as isenções previstas na Diretiva, e transpostas para o direito interno pelo artigo 9.º do Código do IVA, são de carácter obrigatório, e, no que se refere aos serviços e operações financeiras previstos no artigo 135.º da Diretiva, essas isenções são motivadas pelas dificuldades práticas de apuramento do valor acrescentado e de aplicação do imposto, e não por qualquer propósito de favorecimento fiscal. O legislador desconsidera ainda que a isenção simples, que é aplicável ao caso, não confere o direito à dedução do imposto a montante, e não representa, por isso, uma efetiva vantagem para o sujeito passivo, que acaba por suportar a incidência do imposto através das suas aquisições. Além de que não se tem em linha de conta que essa isenção, no direito nacional, já é contrabalançada pelo imposto do selo, que abrange a generalidade das operações financeiras, tal como sucede, em geral, na legislação dos Estados Membros, em que as operações relativamente às quais se afasta a aplicação da diretiva, são sujeitas a impostos especiais (cfr. Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, citado, pág. 317).

 

Em todo este condicionalismo, a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.

 

10. As condicionantes da criação do ASSB justifica ainda que se recoloque a questão sob o prisma da capacidade contributiva.

 

Como ressalta do disposto no artigo 4.º, n.º 1, da LGT, em linha com o artigo 104.º da Constituição, “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”, pelo que são esses os indicadores possíveis do critério de repartição dos impostos. Nesse mesmo sentido, Sérgio Vasques considera que, em razão do princípio da capacidade contributiva, “os impostos devem adequar-se à força económica do contribuinte e por isso o seu alcance mais elementar está na exigência de que o imposto incida sobre manifestações de riqueza e que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas”. E sublinha que, “para que o imposto corresponda à força económica de quem o paga, é forçoso que incida sobre realidades economicamente relevantes, realidades que se podem reconduzir sinteticamente ao rendimento, ao património e ao consumo” (Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 295).  

 

Como explicita Filipe de Vasconcelos Fernandes (ob. cit., págs. 107-109), o rendimento corresponde ao produto imputável, regularmente e durante um certo período, a uma fonte durável, designadamente ao trabalho (salários, comissões, etc.), ao património (rendas, juros, etc.) ou a uma combinação integrada de trabalho e património (lucros de uma exploração industrial ou comercial). Por outro lado, o rendimento pode corresponder, além do rendimento consumido, à diferença, num determinado período, entre o património final e inicial do contribuinte, compreendendo o rendimento não consumido ou aforrado, os bens adquiridos a título gratuito ou aleatório e as valorizações do ativo, na conceção de rendimento-acréscimo. Os impostos sobre o consumo tributam o rendimento através da sua manifestação em atos de despesa, ou seja, o rendimento propriamente gasto com a aquisição de bens ou serviços. Podem revestir a forma de impostos gerais (IVA) ou de impostos especiais (IEC), apresentando em comum a circunstância de onerarem a transmissão de bens ou serviços. Os impostos sobre o património incidem sobre o rendimento acumulado que, entretanto, foi transformado em valor patrimonial tributário, quer considerado estaticamente o património em si mesmo (IMI), quer numa perspetiva dinâmica, tributando-se o património apenas no momento da respetiva transmissão (IMT).

 

No caso do ASSB, como conclui o mesmo Autor, não está em causa qualquer modalidade de tributação do rendimento, mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do passivo. Do mesmo modo que não se trata da oneração de atos de despesa, que pudesse reconduzir-se a um imposto sobre atividades financeiras ou sobre transações financeiras. E, por outro lado, ainda que pudesse dizer-se, de um ponto de vista contabilístico e financeiro, que os elementos do passivo que são objeto de tributação por via do ASSB integram o balanço dos sujeitos passivos, não poderá entender-se que estamos aí perante modalidade de tributação do património.

 

A ausência de uma cabal correspondência entre o ASSB e um concreto índice de valoração de capacidade contributiva coloca em causa a viabilidade constitucional do imposto, na medida em que impossibilita o estabelecimento de qualquer tipo de relação causal entre o objeto da tributação que é imposto aos sujeitos passivos e um efetivo incremento de capacidade contributiva, sobretudo quando não está em causa uma contrapartida pela prevenção de riscos sistémicos em que as instituições de crédito possam estar envolvidas (como sucedia com a CSB), mas uma exclusiva medida de angariação de receita.

 

Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 217/15, o princípio da capacidade contributiva assume um valor paramétrico fundamentalmente como condição da tributação, de molde a impedir que determinado imposto atinja uma riqueza ou rendimento que não existe, vedando a exação de uma capacidade de gastar que verdadeiramente não se verifica. Em idênticos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 142/2004 consigna que a capacidade contributiva preenche o critério unitário da tributação, entendendo-se esse critério como sendo aquele em que “a incidência e a repartição dos impostos se deverá fazer segundo a capacidade económica ou capacidade de gastar (-) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)”.

 

No caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam.

Em conclusão:

As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

Em consequência, o ato de autoliquidação de ASSB relativo ao período de tributação de 2021, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida, são ilegais.

No mesmo sentido se pronunciou o acórdão proferido no Processo n.º 598/2022-T.

Vícios de conhecimento prejudicado

11. Face à solução a que se chega, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados.

           

Juros indemnizatórios

 

13. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5.

 

 Havendo lugar a reclamação graciosa, o erro passa a ser imputável à Administração Fiscal depois de operar o indeferimento do procedimento gracioso, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artigo 43.º, nºs. 1 e 3, da L.G.T (acórdão do STA de 29 de junho de 2022, Processo n.º 093/21). Tendo sido deduzida a reclamação graciosa e verificando-se o indeferimento em 7 de setembro de 2022, é esta data que constitui o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação do ASSB, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT), desde 7 de setembro de 2022 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

III – Decisão

Termos em que se decide:

 

a) Declarar inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva;

b) Declarar ilegal e anular o ato tributário de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário referente ao período de tributação de 2021, que vem impugnado, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida;

 

c) Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios desde 7 de setembro de 2022 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 366 818,98, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 6 019,86, que fica a cargo da Requerida.

 

Notificação ao Ministério Público

 

Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento da impugnação, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 27 de fevereiro de 2024,

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

A Árbitro vogal

 

Elisabete Louro Martins Cardoso

 

O Árbitro vogal

 

 

Armando Oliveira