Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 655/2022-T
Data da decisão: 2024-01-02  IRC  
Valor do pedido: € 11.589,93
Tema: IRC; e correção efetuada nos termos do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC.
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SUMÁRIO:

 

A correção prevista no artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC deve corresponder, quando o adquirente do imóvel adota o valor patrimonial tributário definitivo, à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, sendo que neste  custo devem estar incluídas as despesas de aquisição dos imóveis (por exemplo, Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo e despesas notariais).

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I - RELATÓRIO

 

  1. A..., s.a., doravante designada por  “Requerente”, pessoa coletiva  n.º...,  com sede na Avenida ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa,  veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na sequência da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2020... e, do ato tributário mediato, a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2020 ... (e nota de acerto de contas n.º 2020...), respeitante ao ano de 2016. A Requerente pretende, nomeadamente, que  seja  “[a]nulado o ato de autoliquidação de IRC vertido na declaração Modelo 22 de IRC de substituição” e “ser reposta a correta situação tributária da Requerente através da correção ao prejuízo fiscal  apurado no período de tributação de 2016, designadamente mediante a consideração do ajustamento de  348 436,51 euros no campo 772 da declaração Modelo 22 de IRC submetida a respeito do ano de exercício de 2016 e, consequentemente, alterando o valor do prejuízo fiscal a considerar para  792 258,23 euros”.

 

  1. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor  Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) em 28  de outubro de 2022 e, de seguida, notificado à AT.

 

  1. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, no artigo 6.º, n.º 1 e no artigo 11.º, n.º 1, alínea b), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro, que, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.

 

  1. Em 16 de dezembro de 2022, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. O Tribunal Arbitral  foi constituído em 3 de janeiro de 2023, tendo a Requerida sido notificada para apresentar resposta, no dia 4 de janeiro de 2023.

 

  1. A Requerida apresentou, em 7 de fevereiro de 2023, Resposta,  na qual  defendeu, em síntese,  que:

 

  1. verifica-se a caducidade do direito de ação; e

 

  1.  não se verifica a ilegalidade imputada,  e, “[e]m função das novas regras de registo dos imóveis nos balanços das sociedades, a conclusão a retirar é a de que a dedução a efetuar no campo 772 do quadro 07 da declaração modelo 22, relativa à correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação  do resultado tributável na respetiva transmissão, nos termos do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), deve ser apurada pela diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, pois esse é o caminho a que nos conduz não só o n.º 5 do artigo 64.º do CIRC, mas também as normas contabilísticas e de relato financeiro”.

 

 

  1. O Tribunal Arbitral notificou, em 15 de fevereiro de 2023, a Requerente para, querendo, se pronunciar relativamente à caducidade do direito de ação.

 

  1. A Requerente veio sustentar, em 6 de março de 2023, que a matéria relativa ao valor  da causa é controversa e, paralelamente, o tribunal (constituído no âmbito do processo n.º 649/2021-T) poderia ter remetido o processo para o Tribunal Arbitral a constituir.

 

  1. O  Tribunal Arbitral  decidiu conhecer a matéria de exceção na decisão arbitral e, em  consequência, dispensou, no dia 31 de outubro de 2023,  a  reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais, previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º, e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. O Tribunal Arbitral notificou, ainda, as partes para querendo apresentarem alegações finais escritas e simultâneas.

 

  1. A Requerente e a Requerida apresentaram alegações finais escritas no dia 14 de novembro de 2023, mantendo, respetivamente, a posição inicial.

 

  1. Por despachos de 3 de julho de 2023, de 1 de setembro  de 2023, e de 31 de outubro de 2023 foi prorrogado o prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, com os fundamentos naqueles descritos.

 

13. Posição da Requerente

 

  1. A Requerente alega, quanto à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral anteriormente apresentado (Processo 649/2021-T):

 

  1. Que foi notificada, através da Plataforma “ViaCTT”, por documento disponibilizado em 30 de junho de 2021, da decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa deduzida contra o ato de autoliquidação de IRC, do ano de 2016;

 

  1. Que com a circunstância de a notificação da decisão expressa da reclamação graciosa ter sido disponibilizada em 30 de junho de 2021, o prazo para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral terminou a 13 de outubro de 2021;

 

  1. Se o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado a 12 de outubro de 2021 é tempestivo.

 

  1. Quanto à decisão arbitral de 29 de julho de 2022, processo 649/2021-T, o Tribunal Arbitral considerou-se incompetente, em razão do valor, para conhecer do pedido; entendeu que o valor da causa deveria ser o que resulta da liquidação n.º 2020... (11 589,93 euros), embora:

 

  1. A decisão de absolvição da instância proferida neste processo não se poderá considerar como razoavelmente previsível, já que (o processo) poderia ter sido remetido para o tribunal singular competente, a constituir  para o efeito;

 

  1. Como resulta da jurisprudência arbitral “[s]erá de reputar desculpável a errónea indicação do valor da causa pela Requerente, sendo, por isso, de aplicar no caso o artigo 24.º, número 3, do RJAT e sendo, como tal, tempestiva a presente ação arbitral”;

 

  1. Compete ao Tribunal Arbitral aferir da desculpabilidade do erro na indicação do valor da impugnação no processo n.º 649/2021-T;

 

  1. Não deve o Tribunal Arbitral olvidar que a matéria relativa ao valor da causa, nos processos arbitrais tributários, é notoriamente contenciosa;

 

  1. Assim, tendo em conta o disposto no artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), será defensável que o valor da causa fosse o mencionado pela Requerente no processo arbitral n.º 649/2021-T;

 

  1. A própria decisão de absolvição da instância não se poderá considerar como razoavelmente previsível, tendo em consideração o previsto nos artigos 104.º, n.º 2 e 105.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil (“CPC”);

 

  1. Em resumo, perante a natureza desculpável na errónea indicação do valor da causa,  será de aplicar o artigo 24.º, n.º 3, do RJAT, e a ação arbitral dever-se-á considerar tempestiva.

 

  1. A Requerente entende que, se adquire um prédio por um montante inferior ao valor patrimonial tributário, quando o vender, terá de deduzir, no campo 772, a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo à data da aquisição e o custo de aquisição (valor do ato ou contrato), com os seguintes fundamentos:
    1. A  conjugação do teor literal do artigo 64.º, n.º 2 e n.º 3, alínea b), do CIRC permite concluir que os sujeitos passivos adquirentes de imóveis devem efetuar uma correção, no campo 772, da declaração Modelo 22 de IRC, do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão/venda do imóvel, correspondente à diferença positiva, quando esta exista, entre (i) o valor patrimonial tributário definitivo à data de aquisição e (ii) o valor constante do contrato;

 

  1. De um ponto de vista sistemático o artigo 64.º, n.º 5, do CIRC consubstancia uma regra acessória que define o modo como o ajustamento em questão deve ser documentado pelos sujeitos passivos de IRC, nomeadamente, nos respetivos processos de documentação fiscal;

 

  1. De um ponto de vista teleológico: o legislador pretendeu combater a subdeclaração dos valores das transações que envolvam direitos reais sobre imóveis, não só de uma perspetiva de tributação do rendimento, como também, em matéria de tributação do património.

 

14.Posição da Requerida

 

  1. A Requerida defende, por exceção, que se verifica a caducidade do direito de ação.
  2. A  referida conclusão alicerça-se nos seguintes argumentos:

 

  1. Compete ao presente Tribunal Arbitral decidir em que medida se deverá aplicar o disposto no artigo 24.º, n.º 3, do RJAT, e no artigo 89.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) subsidiariamente aplicável;

 

  1. O artigo 24.º, n.º 3, do RJAT aplica-se quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão, por facto não imputável ao sujeito passivo;

 

  1. O que está em causa nos autos é a atribuição de um valor errado à causa, o que, inquestionavelmente, só à Requerente pode ser imputável;

 

  1. A aplicação do referido artigo  24.º, n.º 3, do RJAT aos autos, exige a  qualificação do “erro”, como desculpável;

 

  1. O sentido da decisão arbitral depende de se entender se será indubitável concluir que: não estando em causa a anulação do valor de todo um ato de liquidação, o montante que importa utilizar para definir o valor da ação é o correspondente à anulação parcial de um ato global de liquidação em IRC ou, pelo contrário, se se poderia admitir que tal valor pudesse corresponder ao montante da correção empreendida (o valor inscrito no campo 772, do quadro 07, da declaração de rendimentos Modelo 22 (IRC) de substituição, por referência ao valor em crise na fixação da matéria coletável);

 

  1. O erro é “indesculpável”, pois, não foi alegada complexidade no cálculo do valor da ação (de molde à utilização do artigo 24.º, n.º 3, do RJAT);

 

  1. A Requerente peticionou, paralelamente, no momento da apresentação da reclamação graciosa, a anulação parcial da autoliquidação, no montante de 11 589,93 euros;

 

  1. Encontrando-se, assim, vedada a utilização da injunção prevista no artigo 24.º, n.º 3, do RJAT, a Requerente podia, única e exclusivamente, defender a aplicação do artigo 89.º, n.º 2, do CPTA, que legitima a apresentação de nova petição, no prazo de 15 dias, contado a partir da notificação da decisão arbitral;

 

  1. Se a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 649/2021-T que reconheceu “[u]ma exceção dilatória quanto à competência do tribunal arbitral coletivo, o que o impede de exercer o seu poder jurisdicional, na medida em que o que estaria em causa na presente ação arbitral seria um montante de 11 589,93 euros, o valor que a Requerente não quer pagar, e em relação ao qual formulou um pedido de anulação” foi notificada no dia 29 de julho de 2022 e o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado no dia 28  de outubro de 2022, verifica-se a exceção de caducidade do direito de ação.

 

iii) Já no que respeita à ilegalidade da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa e, mediatamente, da autoliquidação de IRC – consideração do ajustamento de 348 436,51 euros, no campo 772, da declaração Modelo 22 de IRC, do exercício de 2016:

 

  1. Observa  que, apesar de a Requerente ter regularizado voluntariamente  a sua situação tributária (alterando o prejuízo fiscal declarado de 821 062,05 euros para 780 668,30 euros), durante o procedimento de inspeção, apresentou reclamação graciosa com vista à anulação parcial da autoliquidação de IRC, no montante de 11 589,93 euros;

 

  1. O valor em causa corresponde à diferença entre o custo de aquisição registado na contabilidade e o custo de aquisição constante no contrato (escritura de compra) de um conjunto de bens imóveis vendidos em 2016 (o destaque é nosso);

 

  1. A diferença de valores corresponde a custos inerentes à aquisição dos imóveis, nomeadamente, Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”), Imposto do Selo (“IS”), despesas notariais, entre outros, reconhecidos na contabilidade como fazendo parte do custo de aquisição desses imóveis;

 

  1. Os Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”) entendem que a correção prevista no artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, a efetuar pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável, deve corresponder à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, sendo que neste custo (de aquisição) devem estar incluídas as despesas suprarreferidas;

 

  1. Deste modo, no cálculo da dedução a efetuar, no campo 772, do quadro 07, da declaração Modelo 22 de IRC, essas despesas deverão, de acordo com a NCRF 18 – Inventários, parágrafos 10 e 11, ser consideradas, não podendo a dedução  ser apurada  somente pela diferença entre o valor patrimonial tributário, à data de aquisição, e o valor constante do contrato ou da escritura de compra;

 

  1. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa consagra que, no apuramento do valor a deduzir, no campo 772, do quadro 07, devem ser considerados os custos inerentes à aquisição dos imóveis, conforme prescreve a NCRF 18 – Inventários;

 

  1. O referido entendimento é o que melhor suporta a disciplina legal aplicável, na medida em que, nomeadamente, o legislador adotou o modelo de dependência parcial dos resultados fiscais face aos contabilísticos;

 

  1. A partir do exercício de 2010, com o fim do POC e  a entrada em vigor do SNC, o CIRC viria a ser alterado pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, adaptando as regras de determinação do lucro tributável às normas internacionais de contabilidade, consequentemente, os imóveis deveriam figurar a partir de tal marco no “Balanço” pelos valores de aquisição ou de produção;

 

  1. Deste modo, em função das novas regras de registo dos imóveis nos balanços das sociedades, a conclusão a retirar é a de que a dedução a efetuar, no campo 772, do quadro 0, da declaração Modelo 22 de IRC, relativa à correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão, nos termos do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, deve ser apurada pela diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, pois é esse o caminho a que nos conduz o artigo 64.º, n.º 5, do CIRC, como também as normas contabilísticas e de relato financeiro;

 

  1. Ainda que se considerasse que não se deveria atender ao custo de aquisição, a exigência resultaria das normas contabilísticas, por força da dependência parcial da fiscalidade face à contabilidade;

 

  1. No custo de aquisição dos imóveis, para além do preço da compra (escritura), não poderão deixar de ser considerados os outros custos inerentes à sua aquisição, tal como se encontram elencados no parágrafo 11.º da NCRF  18 – Inventários;

 

  • Considerando estes custos na mensuração dos imóveis, então é de concluir, como fizeram os SIT, que a  Requerente não podia deduzir, no campo 772, do quadro 07, da declaração Modelo 22 de IRC, o valor de 11 589,93 euros.

 

15. Questões a Apreciar

 

  1. Se se verifica a caducidade do direito de ação;
  2. Se a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, mediatamente, a autoliquidação de IRC são  ilegais, por padecerem do vício de violação de lei.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

MATÉRIA DE FACTO

 

16. Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados

 

16.1 A Requerente foi notificada, através de plataforma “ViaCTT”, por documento disponibilizado a 30 de junho de 2021, da decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa deduzida contra o ato de liquidação de IRC n.º 2020... (e nota de acerto de contas n.º 2020...).

(Facto aceite pela Requerente e Requerida)

 

16.2 Em consequência, a Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal (e de pronúncia arbitral), no dia 12 de outubro de 2021.

(PA)

 

16.3 O Tribunal Arbitral constituído sob a égide do CAAD para apreciar o referido pedido concluiu pela verificação da exceção dilatória da incompetência em razão do valor, tendo o processo tramitado sob o n.º 649/2021-T.

(PA)

 

16.4 A referida decisão arbitral foi notificada à Requerente no dia 29 de julho de 2022.

(Documento junto pela Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 3)

 

16.5 O referido Tribunal Arbitral na fundamentação escreveu que: “No caso, a ação em causa é, segundo a Requerente, uma ação de anulação, no caso parcial, de um ato de liquidação em IRC: a Requerente solicitou, ainda que sobre uma liquidação global de IRC, materializada no ato de liquidação n.º 2020..., somente a anulação parcial do montante de € 11.589,93 de tal liquidação, correspondente à nota de acerto de contas n.º 2020..., relativa ao exercício de 2016.

Não estando em causa a anulação do valor de todo o ato de liquidação, o montante que importa para definir o valor da ação arbitral é o valor controvertido e submetido a juízo, no caso, o valor de € 11.589,93, no contexto de uma ação de anulação parcial de um ato global de liquidação em IRC.”

(Documento junto pela Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 3)

 

16.6. A Requerente apresentou novo pedido de constituição de Tribunal Arbitral (e de pronúncia arbitral) a 28 de outubro de 2022, tendo por objeto imediato a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa deduzida contra o ato de liquidação de IRC n.º 2020..., por entender ser aplicável o artigo 24.º, n.º 3, do RJAT.

(Sistema informático do CAAD)

 

16.7 No referido pedido alegou, nomeadamente, que: i) “[a] decisão de absolvição da instância proferida naquele processo, não se poderá considerar como razoavelmente previsível, já que, tendo em conta o disposto nos artigos 104.º, n.º 2 e 105.º, n.º 3, do CPC, sempre o processo poderia ter sido remetido para o tribunal arbitral singular competente, a constituir para o efeito”; ii) “É, assim, ao Tribunal Arbitral que compete aferir a desculpabilidade do erro na indicação do valor do processo arbitral n.º 649/2021-T, e na consequente absolvição da instância pelo Tribunal arbitral ali constituído; e  iii) “Deste modo, e tendo em conta o disposto no artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, será abstratamente defensável, embora se possa discordar, que o valor da causa a indicar fosse o mencionado pela Requerente no processo arbitral n.º 649/2021-T”.

(Pedido de pronúncia arbitral constante do sistema informático do CAAD)

 

16.8 A Requerente prossegue, a título principal, a atividade de compra e venda de bens imobiliários (CAE Rev. 3 – 68100);  encontrava-se enquadrada, em 2016, para efeitos de IRC, como sujeito passivo residente; e, paralelamente, adotava um período de tributação coincidente com o ano civil.

(PA)

 

16.9  A Requerente entregou, a 30 de maio de 2018,  uma declaração Modelo 22 de IRC, referente ao período de 2016, na qual inscreveu, nomeadamente, os seguintes montantes:

 

Campo 745 – diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do ato ou contrato (artigo 64.º, n.º 3, alínea a), do CIRC) – 34 790,00 euros;

 

Campo 772 – correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão – 377 240,33 euros.

 

Nestes ajustamentos fiscais teve em consideração o valor constante do contrato (escritura pública) e o valor patrimonial tributário definitivo para determinação do “resultado tributável”, pois não foi efetuada a prova do preço efetivo na transmissão de bens imóveis e, concomitantemente, dado que (os bens imóveis) foram adquiridos por montante inferior ao valor patrimonial tributário definitivo, promoveu o ajustamento fiscal no campo 772 (correspondente ao diferencial entre o valor patrimonial tributário definitivo e o valor constante do contrato, e.g., escritura pública).

(PA)

 

16.10 A Requerente foi objeto de um procedimento interno de inspeção tributária, realizado com fonte na “Ordem de Serviço n.º OI2018...”, por referência ao exercício de 2016.

(PA)

 

16.11 O Relatório de Inspeção Tributária atesta que:

 

2.2.2 No entanto, compulsada a base de dados do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), Gestão do Imposto - IRC - Consulta à declaração periódica de rendimentos, modelo 22 de IRC, entregue em 2018/05/30, constatámos que não obstante o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis se encontrasse determinado, à data da entrega da declaração atrás referida, o sujeito passivo efetua (cfr. anexo 2, 1/6 a 6/6):

► O preenchimento: do campo 745 do quadro 07, referente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis e o valor constante dos contratos, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) (cfr. anexo li), com o valor de € 34.790,00 e não de € 176.062,75;

 ► O campo 772 do quadro 07, com o valor de €377.240,33.

 

2.3 A fim de atestarmos a veracidade dos valores declarados, por email e por contacto telefónico, solicitámos à contabilista do sujeito passivo, a remessa a estes Serviços dos seguintes elementos:

► Mapa de apuramento do valor inscrito no campo 745 (diferença positiva entre o valor constante do contrato e o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis) do quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, do exercício de 2016;

► Extrato da conta respeitante à aquisição/contabilização dos imóveis alienados;

 

►Mapa de apuramento do valor inscrito no campo 772 (correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão), do quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, do exercício de 2016.

(PA)

 

16.12 A Requerente entregou em 13 de agosto de 2020 (durante o procedimento inspetivo) “[à] entrega da declaração modelo 22 de IRC, de substituição, do exercício de 2016, com o preenchimento do campo 772 do quadro 07, com o valor de €336.846,58 (cfr. anexo IV), correspondente:

 

 ► À diferença entre o custo de aquisição e o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis.

 

► Correção do valor da escritura de aquisição da fração autónoma designada pela letra B, do prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana da freguesia União das Freguesias de ... (... e...), de €28.803,82 para €57.607,64. Refere-se, que da entrega da declaração acima referida resultou uma correção no valor de €40.393,75 pelo que o prejuízo fiscal declarado de €821.062,05 deu origem ao prejuízo corrigido de €780.668,30”.

(PA)

16.13 A Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação n.º 2020 ... (e demonstração acerto de contas n.º 2020...), respeitante ao exercício de 2016, no dia 26 de novembro de 2020.

(PA)

 

16.14 O pedido formulado na referida impugnação administrativa foi o seguinte:

 

Em face do exposto, entende a Reclamante não poder propugnar o entendimento indicado pela AT, pelo que solicita a correção do valor a considerar no Campo 772 da Declaração Modelo 22 de IRC, referente a 2016, de € 336.846,58 para € 348.436,51, resultando numa correção ao prejuízo fiscal em € 11.589,93…

(PA)

 

16.15 A reclamação graciosa tramitou sob o n.º ...2020... .

(PA)

 

16.16 A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 28 de junho de 2021 com a seguinte fundamentação:

 

Após análise da presente exposição, constata-se que a ora reclamante reitera os fundamentos invocados na petição inicial, já sobejamente apreciados no projeto de informação, no qual consta a fundamentação de direito e de facto e os preceitos legais aplicáveis para os quais se remete.

No entanto, cumpre-nos observar que:

Tendo em conta que reconheceu na sua contabilidade, na “Conta 32”, um custo de aquisição, nos termos da NCR F18, que se mostra inferior ao VPT definitivo determinado no momento da aquisição do mesmo imóvel, agora alienado, deve a reclamante deduzir no campo 772, essa diferença positiva que resulta da comparação entre o VPT definitivo e o custo de aquisição do imóvel, conforme resulta da al. b) do nº3 e do nº5 do artigo 64º do IRC, conjugados com a norma contabilística.

Ora, tendo a reclamante considerado no reconhecimento na sua contabilidade, que os custos inerentes à aquisição dos imóveis, nomeadamente, o IMT, IS e Cartório, conforme previsto pela norma contabilística, eram parte a integrar o custo de aquisição dos mesmos, e, dado que o CIRC não afasta nem derroga especificamente a aplicação deste normativo contabilístico, foram também estes aceites em sede de procedimento inspetivo, pelo que a AT agiu em conformidade com as normas legais e contabilísticas aqui identificadas.

Assim, não tendo a reclamante procedido em conformidade com os valores por si reconhecidos na contabilidade, tendo feito uma interpretação incorreta de quais os valores a considerar no cálculo do valor a deduzir no campo 772 do quadro 07 da modelo 22, procederam os serviços aos ajustamentos necessários para a correta determinação do resultado tributável em IRC, tendo por base a realidade contabilística apresentada.

No que concerne ao alegado pela reclamante referente a uma interpretação diversa da norma legal aqui prevista, cumpre-nos informar de que não existiu interpretação diferente da prevista na Lei, uma vez que conforme resulta da própria leitura do artigo 64º do CIRC, o” sujeito passivo adquirente adota o VPT definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel”.

No entanto, verificaram os SIT, que o custo de aquisição dos imóveis alienados, reconhecidos na contabilidade, foi inferior aos VPT definitivos determinados no momento da aquisição dos mesmos, e tendo em conta que o legislador aceita as classificações e registos, feitos de acordo com o direito contabilístico, como foi o caso, pelo que foram considerados os valores de custo registados na contabilidade.

Quanto à insuficiência da documentação disponibilizada, cumpre-nos informar de que para além dos documentos apresentados e analisados em sede de procedimento inspetivo, os apresentados em sede de reclamação graciosa não permitiram apreciar de forma diferente da análise efetuada pelos SIT, logo não se mostraram suficientes para comprovar o alegado pela reclamante.

De referir ainda, que também em sede de direito de audição, a reclamante não apresentou qualquer documento adicional, quer de natureza contabilística ou de qualquer outra natureza que permitisse validar o pretendido.

Face ao exposto afigura-se-nos ser de manter a liquidação adicional de IRC nº 2020..., referente ao período de tributação de 2016.

Também não se encontram verificados os pressupostos previstos no art.º 43º da LGT, pelo que, não assiste direito a juros indemnizatórios.

(PA)

 

16.17 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 28 de outubro  de 2022 (Sistema informático do CAAD).

 

17. Fundamentação dos factos provados e não provados

 

O Tribunal Arbitral, quanto à matéria de facto, não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (artigo 123.º, n.º 2,  do  CPPT, artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, nos quais se descreve a fonte utilizada para que se os dê como assentes.

Não existem factos não provados com relevo para a decisão a proferir.

 

18.MATÉRIA DE DIREITO

 

18.1 Caducidade do direito de ação

 

A apresentação de pedido de pronúncia arbitral, para além do termo final do referido prazo, consubstancia uma exceção – a intempestividade do pedido de constituição de Tribunal Arbitral (e do pedido de pronúncia arbitral).

A doutrina entende[1], quanto à questão da consequência da intempestividade da petição, o seguinte:

A caducidade do direito de ação, em certos casos, no domínio do direito civil, importa a extinção do direito que se pretendia fazer valer em juízo, pelo que, se o tribunal entender que ocorre a caducidade, deverá absolver o réu do pedido, pois fica definitivamente resolvida entre as partes a questão da possibilidade de exercício do direito. Porém, no domínio dos processos de impugnação judicial, sendo o objeto do processo o ato de liquidação e havendo fundamentos de impugnação que não estão sujeitos a prazo, como é o caso da inexistência e dos vícios geradores de nulidade (artigo 102.º, n.º 3, do CPPT), parece que deverá entender-se que a ocorrência da caducidade do direito de impugnação com fundamento em determinado vício gerador de anulabilidade (só em relação a estes vícios há a possibilidade de caducidade do direito de impugnação) não implica a extinção do direito de impugnação com fundamento em inexistência ou em vícios geradores de nulidade, pois o contribuinte estará sempre em tempo de os suscitar. (o destaque é  nosso)…De qualquer forma, mais importante que a designação a atribuir à absolvição por caducidade do direito de impugnação é ter presente que, se for decidida a absolvição do pedido, o alcance da decisão será apenas o de obstar a que seja apreciado novamente o mesmo fundamento em impugnação judicial direta do ato de liquidação, não havendo obstáculo  a que sejam invocados noutra impugnação judicial, fundamentos não invocados…

O Tribunal Arbitral acompanha a referida posição doutrinal, pois entende ser aplicável à arbitragem tributária.

A Requerente alega que a errónea identificação do valor de   348 436,51 euros constitui, no processo arbitral n.º 649/2021-T, um erro desculpável; já a Requerida defende que o referido erro não é desculpável, até porque o referido valor não suscitou quaisquer dúvidas à Requerente no momento em que apresentou uma reclamação graciosa, na qual solicita “[a] anulação parcial da autoliquidação, no montante de 11 589,93 euros…”.

O artigo 24.º, n.º 3, do RJAT dispõe que:

 

Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos atos objeto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral. (o destaque é nosso)

 

Compete, deste modo, ao presente Tribunal Arbitral aferir sobre a desculpabilidade, ou não, do erro na indicação do valor da impugnação no processo arbitral n.º 649/2021-T.

A doutrina[2] quanto à questão sustenta que:

 

Os efeitos decorrentes da decisão dependerão então, como se referiu, do não conhecimento do mérito ser ou não imputável ao sujeito passivo.

A concretização do que entender por  “imputável ao sujeito passivo” revela-se, porém, difícil. No limite, poder-se-ia afirmar que a ocorrência de qualquer exceção dilatória seria imputável ao sujeito passivo  na medida em que foi ele que não configurou corretamente a competência do tribunal, (…). Dito de outro modo, e tomando por referência os casos de incompetência do tribunal arbitral, há questões de tal maneira dúbias, que determinam na doutrina e na própria jurisprudência posições contraditórias, que, caso seja procedente uma exceção de incompetência, o não conhecimento do mérito poderá não ser imputável ao sujeito passivo.

 

No caso concreto, o que se verifica é que a  Requerente foi notificada da autoliquidação de IRC n.º 2020... com um saldo de 0 euros e de um prejuízo fiscal de 780 668,30 euros,  relativa ao exercício de 2016, tendo reclamado graciosamente (da referida liquidação), na qual defende que, o prejuízo a considerar deveria ser de 792 258,23 euros (e não de 780 668,30 euros) e, em consequência, proceder-se a uma correção de 11 589,93 euros.

 A matéria relativa ao valor da causa é, de facto, no processo arbitral tributário, contenciosa, veja-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17 de janeiro de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 62/18.4BCLSB.
Deste modo, e tendo em conta o vertido no artigo 97.º-A do CPPT, será abstratamente defensável, embora se possa discordar, que o valor da causa fosse o indicado no processo n.º 649/2021-T.

Em suma, é de reputar como desculpável a errónea indicação do valor da causa pela Requerente, sendo, por isso, de aplicar à hipótese sub iudice, o vertido no artigo 24.º, n.º 3, do RJAT e, assim, julgar tempestiva a ação arbitral, pois  o pedido foi entregue no dia 28 de outubro de 2022, após a notificação da referida decisão arbitral no dia 29 de julho de 2022.

Improcede, assim, a exceção em apreço.

 

18.2.  Ajustamento fiscal, no campo 772, da declaração Modelo 22 de IRC, do exercício de 2016

 

A questão que se coloca, neste domínio, é a seguinte: a Requerente entende que se se adquire um prédio por um montante inferior ao valor patrimonial tributário, quando o vender terá de deduzir, no campo 772, a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo à data da aquisição e o custo de aquisição (valor do ato ou contrato); já para a Requerida, a correção prevista no artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC deve corresponder, quando o adquirente do imóvel adota o valor patrimonial tributário definitivo, à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo  e o custo de aquisição ou de construção, sendo que neste  custo devem estar incluídas as despesas de aquisição dos imóveis (por exemplo, Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo e despesas notariais).

O artigo 64.º do CIRC prevê o seguinte:

 

1. Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 — Para aplicação do disposto no número anterior:

a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

b) O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.

4 — Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do período de tributação a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.

5 — No caso de existir uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, o sujeito passivo adquirente deve comprovar no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 3, o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel.

6 — O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.

 

A jurisprudência[3] sustenta, quanto à questão, o seguinte:

 

Quanto ao ajustamento no campo 772 relativo à dedução da diferença positiva entre VPT e valor de aquisição correspondente às demais situações identificadas no Quadro II do Relatório da Ação Inspetiva que acima se reproduziu, entende este Tribunal Arbitral que a posição da AT tende a ser a que melhor se coaduna com o regime ínsito no artigo 64.º do CIRC e com o modelo de dependência parcial da contabilidade, que está na base do IRC.

Na prática, o artigo 64.º é um regime anti-abusivo que visa prevenir a tributação de imóveis abaixo do valor patrimonial tributário (que, em teoria, deve ser o mais próximo do valor de mercado).

Neste sentido, o critério do artigo 64.º é o de atender ao VPT sempre que este é superior ao valor do ato ou contrato, seja na alienação, seja na aquisição.

Isto é, se se vende por valor abaixo do VPT, deve-se efetuar a correção e acrescentar ao resultado fiscal a diferença. Na mesma lógica, se se adquire por valor inferior ao VPT, também se deve deduzir a diferença positiva entre o VPT e o valor de aquisição, dando um tratamento simétrico, sendo que ambos os ajustamentos ocorrem no mesmo momento, aquando da venda, já que só neste momento há efetivamente um resultado tributável em IRC (princípio da realização).

Assim, se o sujeito passivo adquire por um valor abaixo do VPT, quando vender o imóvel terá de deduzir no campo 772 a diferença positiva entre o VPT definitivo à data de aquisição e o custo de aquisição.

A posição do sujeito passivo é que deve ser deduzida a diferença positiva entre o VPT e o valor do ato/contrato. Ou seja, enquanto a AT atende à fórmula [VPT - Custo de Aquisição], o sujeito passivo defende que a fórmula é [VPT - Valor do contrato].

Isto é relevante porque o custo de aquisição para efeitos contabilísticos, no caso em que está em causa uma empresa que vende imóveis, é mensurado de acordo com a Norma Contabilística de Relato Financeiro (NCRF) 18 - Inventários, que abaixo se transcreve na parte relevante:

«Mensuração de inventários (§§ 9 a 33)

9. Os inventários devem ser mensurados pelo custo ou valor realizável líquido, dos dois o mais baixo; Custo dos inventários (§§ 10 a 22).

10. O custo dos inventários deve incluir todos os custos de compra, custos de conversão e outros custos incorridos para colocar os inventários no seu local e na sua condição atuais. Custos de compra (§ 11)

11. Os custos de compra de inventários incluem o preço de compra, direitos de importação e outros impostos (que não sejam os subsequentemente recuperáveis das entidades fiscais pela entidade) e custos de transporte, manuseamento e outros custos diretamente atribuíveis à aquisição de bens acabados, de materiais e de serviços. Descontos comerciais, abatimentos e outros itens semelhantes deduzem-se na determinação dos custos de compra.»

 

Assim sendo, o custo de aquisição para efeitos contabilísticos não é apenas o preço propriamente dito do imóvel, mas incorpora outras realidades, nomeadamente, impostos não recuperáveis ou emolumentos, que entram para o tal custo e que deve constar na contabilidade - quando se contabiliza um imóvel como inventário - que serve de base ao cálculo do IRC. Ora, da leitura concertada do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), e n.º 5 (este inclusivamente refere expressamente “custo de aquisição”, dando sentido útil a esta interpretação), conjugado com o artigo 26.º, n.º 1, alínea a) todos do Código do IRC, com a Norma Contabilística de Relato Financeiro (NCRF) 18 - Inventários, e atenta a filosofia do IRC que assenta num modelo de dependência parcial da contabilidade, o Tribunal entende que a dedução deve reportar-se à diferença positiva entre o VPT e o custo de aquisição e não ao valor do ato ou contrato (que integra parcialmente o custo de aquisição). (o destaque é nosso)

Esse é também o entendimento do Parecer Técnico 18970 da Ordem dos Contabilistas Certificados Parecer Técnico 18970 da Ordem dos Contabilistas Certificados (disponível em https://www.occ.pt/pt/noticias/irc-valor-patrimonial-tributario-2/), onde se escreveu, designadamente, o seguinte (destaque aditado): “Como regra, se o custo de aquisição do imóvel, contabilizado nos termos da NCRF 18 - "Inventários", for inferior ao VPT definitivo determinado no momento da aquisição desse imóvel agora vendido, a entidade, enquanto adquirente, deve deduzir no campo 772 do Quadro 07 da Modelo 22, a diferença positiva entre esse VPT definitivo e o custo de aquisição do imóvel (isto para a aquisição de imóveis após 1 de janeiro de 2014).”

A Requerente objeta a este entendimento com um argumento literal, um argumento sistemático, um argumento teleológico e a invocação de uma decisão arbitral e outra do STA. Quanto ao argumento “literal”, diz que “Através da conjugação do teor literal das duas normas em apreço (i.e. n.º 2 da alínea b) e n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC), parece-nos forçoso concluir que os sujeitos passivos de IRC adquirentes de imóveis devem efetuar uma correção no campo 772 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão/venda do imóvel, correspondente à diferença positiva, quando esta exista, entre (i) o VPT definitivo à data de aquisição e (ii) o “valor constante do contrato”.”, mas a referência a este valor só surge na alínea a) do n.º 2 desse artigo 64.º a propósito do “sujeito passivo alienante”. Não há, portanto, argumento “literal” a favor da sua pretensão enquanto adquirente.

Em contrapartida, quando se podia invocar o argumento literal da referência ao “custo de aquisição” no n.º 5 do artigo 64.º, invoca a Requerente um “argumento sistemático” para defender que “a norma em apreço não define a “mecânica” do próprio ajustamento, (i.e., o modo como o mesmo deve ser apurado), a qual resulta dos números 2 e 3 do artigo 64.º do Código do IRC”. Por essa ordem de ideias, o mesmo se podia dizer da invocada norma da alínea b) do n.º 2 do dito artigo, que não comporta “mecânica” alguma.

 Quanto ao argumento “teleológico”, traduzido na aproximação às regras do Código do IMT, designadamente às do seu artigo 12.º, “as quais estabelecem como regra geral que o IMT incide “sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior”.”, devia ter-se em conta que a “mecânica” aí prevista – a determinação do maior valor – quase se podia dizer oposta à que está em causa na determinação de uma diferença entre o VPT e um outro.

Também o invocado acórdão arbitral (n.º 180/2015-T) não constitui – como até resulta da passagem que a Requerente transcreve para o abonar – precedente para a sua posição, como não constitui precedente o invocado acórdão do STA de 26 de novembro de 2019, proferido no processo n.º 0816/08.0BECBR, que dizia respeito a um caso a que era aplicável uma das exceções à, anteriormente invocada, regra geral do artigo 12.º do Código do IMT – a 16.ª regra do seu n.º 4: “O valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais, bem como o dos adquiridos mediante arrematação judicial ou  45. administrativa, é o preço constante do ato ou do contrato;” Tratava-se, portanto, de uma situação de exceção, não de uma aplicação de uma regra geral. Improcede, assim o PPA no segmento que respeita à liquidação relativa à correção efetuada pela AT, nos termos do artigo 64º, nº 5, do CIRC.

 

O Tribunal Arbitral adere à sobredita fundamentação, pois a mesma respeita precisamente à questão de determinar quando o adquirente do imóvel adota o valor patrimonial tributário definitivo, à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo  e o custo de aquisição ou de construção, sendo que neste custo devem estar incluídas, ou não, as despesas de aquisição dos imóveis. Mais, há uma similitude de argumentos na impugnação, pelo que, ao abrigo do princípio da segurança jurídica dever-se-á aplicar o mesmo sentido interpretativo da citada decisão arbitral.

            Improcede, deste modo, o pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências.

 

III – DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências;

 

  1. Condenar a Requerente no pagamento integral de custas arbitrais.

 

VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 11 589,93 euros, nos termos do artigo 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

CUSTAS

 

Custas no montante de 918 euros, em conformidade com o RCPAT e a Tabela I a este anexa e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 2  de janeiro  de 2024

 

O árbitro,

                                                                                               

 

Francisco Nicolau Domingos

 



[1] JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, p. 164.

[2] CARLA CASTELO TRINDADE,  Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – anotado, Almedina, 2016, p. 464.

[3] Decisão Arbitral n.º 73/2022, de 27 de fevereiro de 2023.