Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 662/2022-T
Data da decisão: 2023-07-13  Selo  
Valor do pedido: € 2.789.505,30
Tema: Imposto do Selo. Isenção: artigo 7º, nº1, alínea e) do CIS.
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Sumário:

 

  1. Nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.
  2. Esta isenção, à semelhança de todas as outras, enquadra-se no conceito de benefício fiscal fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;
  3. Não é possível extrair da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".
  4. A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.° do CIS.

 

 

 

Os árbitros Guilherme W. d’Oliveira Martins (Árbitro-Presidente), Cristina Aragão Seia e Luís Ricardo Farinha Sequeira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

 

  1. A..., SGPS, S.A., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal ..., com sede no ..., ..., n.º ..., ...-... Porto, inserida na área de competência territorial do Serviço de Finanças do Porto – ... (adiante designada como “Requerente”), notificada, por intermédio do ofício da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) com o n.º ...-DJT/2022 e data de 28 de julho de 2022, do despacho proferido em 25 de julho de 2022 pela Diretora Adjunta da Área da Justiça da UGC que indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2022..., a qual tinha por objeto as liquidações de Imposto do Selo no montante total de € 2.789.505,30 (dois milhões setecentos e oitenta e nove mil quinhentos e cinco euros e trinta cêntimos) efetuadas pelos sujeitos passivos e repercutidas na sua esfera entre junho e dezembro de 2020 vem, em tempo e com legitimidade, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro de 2011 (“RJAT”), apresentar o pedido de Constituição de Tribunal Arbitral Tributário E Pronúncia Arbitral em Matéria Tributária nos termos e com os fundamentos seguintes:
  1. Em conformidade com os anexos 4, 5 e 6 do Refinancing Bonds Subscription Agreement celebrado em 9 de dezembro de 2020 entre (i) a Requerente, na qualidade de emitente, (ii) as entidades listadas no anexo I, enquanto credores obrigacionistas subscritores originais, e (iii) o C..., na qualidade de agente das obrigações, agente das garantias e agente pagador, o cumprimento das obrigações emergentes da emissão das obrigações designadas como Refinancing Bonds A, Refinancing Bonds B1 e Refinancing Bonds B2, com os valores de € 115.400.000,00, € 29.600.000,00 e € 75.000.000,00, nesta ordem, num total de € 220.000.000,00 e com vencimento (maturidade) em 30 de junho de 2033, por parte da entidade emitente seria garantido pelos instrumentos descritos no contrato de prestação de garantias (cf. o ponto Transaction Security em cada um dos referidos anexos do contrato intitulado Refinancing Bonds Subscription Agreement cuja cópia se junta como Doc. n.º 6).
  2. As mesmas garantias identificadas no artigo anterior asseguram o bom e integral cumprimento das obrigações emergentes da emissão das chamadas Capex Bonds – distribuídas em Capex Bonds A, Capex Bonds B1, Capex Bonds B2, no montante nominal global de até € 181.600.000,00 – por parte da entidade emitente, ora Requerente (cf. anexos 6, 7 e 8 do Capex Bonds Subcription Agreement celebrado em 9 de dezembro de 2020 entre [i] a Requerente, na qualidade de emitente, [ii] as entidades listadas no anexo I, na qualidade credores obrigacionistas subscritores originais, e [iii] o C..., na qualidade de agente das obrigações, agente das garantias e agente pagador, cuja cópia se junta como Doc. n.º 7).
  3. A constituição dessas garantias no contexto das emissões obrigacionistas espoletou, de imediato, a liquidação de Imposto do Selo à taxa de 0,6% prevista na verba 10.3 da TGIS para “Garantias sem prazo ou de prazo igual ou superior a cinco anos” sobre o valor garantido, isto é, sobre o valor global máximo das obrigações escriturais nominativas a emitir – Refinancing Bonds (€ 220.000.000,00) e Capex Bonds (€ 181.600.000,00) – de € 401.600.000,00,
  4. Tendo tal Imposto do Selo, no montante de € 2.409.600,00 (dois milhões quatrocentos e nove mil seiscentos euros), sido liquidado à Requerente pela notária – em concreto, pelo Cartório B..., Unipessoal, Lda., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal ... (cf. termo de autenticação que integra o contrato de prestação de garantias ora junto como Doc. n.º 5, a fatura/recibo n.º FR 0/5164, de 22 de dezembro de 2020, que integra o citado Doc. n.º 1 junto à reclamação graciosa, bem como os artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.ºs 1 e 3, alínea e), 23.º, n.º 1, e 41.º, todos do CIS):

Imposto do Selo sobre garantias constituídas no âmbito de emissão obrigacionista – Verba 10.3 da TGIS

Base de incidência (valor garantido)

Taxa

Coleta de imposto

€ 401.600.000,00

0,6%

€ 2.409.600,00

 

 

  1. Assim, tanto as instituições bancárias como a referida notária liquidaram e fizeram repercutir integralmente na esfera jurídica da Requerente o encargo do Imposto do Selo, no montante total correspondente a € 2.789.505,30 (dois milhões setecentos e oitenta e nove mil quinhentos e cinco euros e trinta cêntimos), assim discriminado (cf. o citado Doc. n.º 1 junto à reclamação graciosa):

 

Data do comprovativo de pagamento

Montante de Imposto do Selo (em euros)

Tipo de operação

30/06/2020

192 947,29

Juros

30/06/2020

2,33

Comissões

30/06/2020

4 211,28

Comissões

18/12/2020

178 787,65

Juros

18/12/2020

3 956,75

Comissões

22/12/2020

1 320 000,00

Constituição de garantia

22/12/2020

1 089 600,00

Constituição de garantia

Total

2 789 505,30

 
 

 

  1. Em 11 de maio de 2022, a Requerente apresentou junto da UGC reclamação graciosa contra os atos de liquidação de Imposto do Selo em referência.

 

  1. Alegou, no essencial, que o imposto não lhe poderia ter sido exigido na medida em que, enquanto SGPS, se subsumia à noção de instituição financeira segundo o direito da União Europeia, mais concretamente, o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho 26 de junho de 2013, para onde remete o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013,
  2. E, como tal, beneficiava da isenção consagrada no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, que abrange “Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças”.
  3. Com base no argumentado, formula os seguintes pedidos:
    1. Nos termos previstos nos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, ser determinada a suspensão da instância até que o TJUE se pronuncie nos processos prejudiciais n.ºs C-290/22 (NOS SGPS S.A.), C-207/22 (Lineas – Concessões de Transportes) e C-267/22 (Global Roads Investimentos), nos quais é questionado se uma SGPS constituída à luz da legislação portuguesa e que tem por único objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades que não integram os setores financeiro e dos seguros, como é o caso da Requerente, se subsume à noção de instituição financeira prevista no artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013, para onde remete o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), da Diretiva 2013/36/UE;
    2. Caso não seja concedido provimento ao pedido formulado em a), e apenas se se entender que a alteração à redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013 pelo Regulamento (UE) n.º 2019/876 assim o exige, o que só se perspetiva por mera hipótese e sem conceder, ao abrigo do disposto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b), do TUE, no artigo 267.º, alínea b), do TFUE e no artigo 272.º (anterior 279.º), n.º 1, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, ser a presente instância suspensa e submetida ao TJUE a seguinte questão prejudicial: Uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) domiciliada em Portugal, regulada pelo disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que tem como único objeto a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas, sociedades essas que não integram o setor dos seguros, nem o setor financeiro, tão-pouco o setor puramente industrial, subsume-se ao conceito de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), da Diretiva 2013/36/UE e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (EU) n.º 575/2013, na redação que foi conferida a este último dispositivo pelo Regulamento (UE) n.º 2019/876, de 20 de maio de 2019?;
    3. Em qualquer caso, ser declarados ilegais e anulados os atos de liquidação de Imposto do Selo efetuados entre junho e dezembro de 2020 no montante total de € 2.789.505,30 (dois milhões setecentos e oitenta e nove mil quinhentos e cinco euros e trinta cêntimos), importância repercutida pelos sujeitos passivos na esfera da Requerente, por erro quanto aos pressupostos de facto e direito, uma vez que é aplicável in casu a isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS;
    4. Subsidiariamente, caso não entenda como em c), ser declarados ilegais e anulados os atos de liquidação de Imposto do Selo no montante correspondente a € 2.409.600,00 (dois milhões quatrocentos e nove mil e seiscentos euros), importância repercutida pelo sujeito passivo (notária) na esfera da Requerente, por violação ao disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho de 12 de fevereiro de 2008, relativa à tributação indireta sobre as reuniões de capitais;
    5. Em decorrência de c) ou, subsidiariamente, de d), ser declarado ilegal e anulado o despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022...;
    6. Ser determinado o reembolso à Requerente da prestação tributária que suportou indevidamente a título de Imposto do Selo, no montante de € 2.789.505,30 (dois milhões setecentos e oitenta e nove mil quinhentos e cinco euros e trinta cêntimos) ou, subsidiariamente, de € 2.409.600,00 (dois milhões quatrocentos e nove mil e seiscentos euros), acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor, desde a data de indeferimento da reclamação graciosa (25 de julho de 2022) até à data de processamento da nota de crédito, em que serão incluídos, nos termos legais.

 

  1. A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese:

Da manifesta falta de prova

  1. Da documentação junta apenas a fatura emitida pelo Cartório atesta a cobrança do imposto do selo,
  2. existindo unicamente nos extratos (e não em todos eles) a aposição manual de uma quantia relativa a imposto do selo que, aparentemente apenas, terá sido feita por outrem que não o C..., S.A..
  3. Constatada existir uma fatura onde se observa ter existido a liquidação do imposto, importava demonstrar que o imposto liquidado e aí refletido foi efetivamente entregue nos cofres do Estado, o que também se verifica não ter sido feito,
  4. sucedendo o mesmo com as liquidações alegadamente feitas pelo C..., S.A.
  5. Não tendo sido carreados aos autos os elementos de prova dos factos indicados, afigura-se dever o tribunal arbitral abster-se de apreciar o pedido.
  6. Efetivamente, nos termos do artigo 74.º da LGT, compete à Requerente, fazer prova dos factos por si invocados.
  7. Pelo que, desde logo, por esta razão deve o ppa ser julgado improcedente.

Por impugnação

  1. Ainda assim e sem conceder, caso assim não se entenda, sempre se dirá que as liquidações de Imposto do Selo não padecem de qualquer ilegalidade, como de seguida se demostra.
  2. A Requerente começa por alegar que, enquanto SGPS, se subsume à noção de instituição financeira segundo o direito da União Europeia, mais concretamente, o artigo 4.o, n.o 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho 26 de junho de 2013, para onde remete o artigo 3.o, n.o 1, ponto 22), da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, beneficiando, assim, da isenção consagrada no artigo 7.o, n.o 1, alínea e), do CIS, na redação dada pela Lei n.o 107-B/2003, de 31 de dezembro.
  3. Contudo, não lhe assiste razão. Vejamos.
  4. Está em causa, portanto, neste ponto saber se a Requerente, na qualidade de sociedade gestora de participações sociais (SGPS) integra, ou não, o elemento subjetivo da norma de isenção, onde cabem, no que aqui tem relevo, “sociedades ou entidades cuja forma e objeto preenchem os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”.
  5. Como resulta bem explicitado mormente as decisões proferidas nos processos n.o 856/2019-T, de 22-09-2020, n.o 37/2020, de 19-11-2020, n.o 559/2020-T, de 24-06-2021, n.o 170/2021-T, de 9-11-2021, n.o 62/2021-T, de 12-11-2021, n.o 92/2021-T, de 13-12-2021, n.o 444/2021-T, de 31- 12-2021, n.o 79/2021-T, de 21-01-2022., a Requerente não pode ser qualificada como instituição financeira, de crédito ou sociedade financeira para efeitos da referida norma de isenção.
  6. No ppa interpreta-se aquela expressão, salvo lapso nosso, no sentido de que a remissão para a legislação comunitária, quanto à qualificação das entidades a quem são cobrados juros e comissões, concedido crédito ou prestadas garantias, levaria a aplicar a isenção a todas entidades que correspondem aos tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária,
  7. incluindo instituições que nada têm que ver com a concessão de crédito, onde cabem entidades e sociedades financeiras, previstas nos artigos 4.o-A e 6.o do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF).
  8. Assim sendo, importa, então, começar por aqui se recordar a legislação comunitária pertinente, para este efeito, em ordem a averiguar, de seguida, se qualquer sociedade gestora de participações sociais (SGPS) como as do tipo da Requerente, é qualificada como instituição  financeira ao abrigo dessa legislação comunitária, pois é pacífico que a Requerente não é uma instituição de crédito nem sociedade financeira.
  9. E como já concluído em sede administrativa pela Requerida, assim como nas decisões arbitrais acima assinaladas, a resposta a esta questão é negativa.
  10. Vem ainda referir o Regulamento (UE) 2019/876.
  11. Com efeito, Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins (in obra citada, págs. 189-190) escrevem que:

«De resto, é para a Directiva Bancária que a generalidade das Directivas e Regulamentos Europeus relativos a temáticas financeiras remete quanto aos conceitos relevantes. Além disso, é na Directiva Bancária que o RGICSF se apoia para determinar os conceitos de “instituições de crédito” e “sociedades financeira” na lei interna, para além de que é para a Directiva Bancária que remete quando pretende dar substância ao seu conceito (interno) de “instituição financeira”»

  1. Conforme consta daqueles textos legislativos, as disposições do Regulamento devem ser interpretadas em conjunto com as disposições da Diretiva, pelo que, em conjunto, constituem o enquadramento legal que rege as atividades bancárias, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento.
  2. De todo o modo, cabe sublinhar que os referidos atos legislativos da União Europeia visam a harmonização e a coordenação das legislações nacionais relativamente às chamadas “Instituições”, que abrangem (cf. artigo 4.o, ponto 3) do Regulamento UE n.o 575/2013) as “Instituições de crédito” e as “Empresas de investimento”, pelo que as demais entidades, entre as quais as “Instituições financeiras”, desempenham um papel instrumental ou coadjuvante, no contexto das matérias objeto de regulação, seja no quadro do exercício das liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços, seja da supervisão das instituições numa base consolidada ou dos requisitos de fundos próprios.
  3. As disposições do Regulamento devem ser interpretadas em conjunto com as disposições da Diretiva, pelo que, em conjunto, constituem o enquadramento legal que rege as atividades bancárias, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento.
  4. Por outro lado, há a reter que, para a determinação das sociedades ou entidades contrapartes nas operações previstas na norma de isenção do artigo 7.o, n.o 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, o legislador indica que as “sociedades ou entidades” abrangidas são aquelas “cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”.
  5. Ou seja, no processo de identificação há que atender à “forma e objeto” das entidades em causa, in casu, das SGPS em geral.
  6. Por tudo o quanto vai exposto, assiste razão à AT, como ficou sobejamente demonstrado, que o entendimento de excluir a Requerente do conceito de “instituição financeira” constante da legislação da União Europeia relevante tem plena legitimidade, à luz dos textos dos atos legislativos da União Europeia relevantes, quer ainda dos critérios de interpretação das normas de isenção sufragados pela jurisprudência do STA.
  7. Deve, assim, ser mantido o entendimento de que a Requerente não preenche o elemento subjetivo da isenção previsto para o mutuário no artigo 7.o, n.o 1, alínea e) do CIS, por não se subsumir no conceito de “Instituição financeira” utilizado no quadro dos atos legislativos da União Europeia aplicáveis e consequentemente ser o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente.
  8. De todo o modo, sem conceder, de notar ainda que a Requerente incorre num erro de interpretação do artigo 7.o, n.o 7, do CIS ao pretender aproveitar do benefício da isenção do imposto do selo aí previsto e aplicá-lo às garantias indicadas nos artigos 23.o e 24.o do ppa e que pretendem assegurar o bom e integral cumprimento das obrigações emergentes da emissão de um conjunto de obrigações.
  9. Ora, não configurando essas obrigações qualquer “concessão de crédito”, nomeadamente nos termos e para os efeitos do disposto na verba 17.1 da TGIS,  não podem ser elas tidas como “diretamente destinadas à concessão de crédito” nos termos e para os efeitos do disposto no referido preceito, não ficando, assim, (manifestamente) preenchido, nesta parte, o pressuposto objetivo da isenção ora requerida, devendo também por esta questão autónoma, o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente.
  10. De todo o modo e sem conceder,
  11. Antecipando o decaimento do pedido suportado no entendimento que qualifica as sociedades gestoras de participações sociais, como a Requerente, como instituição financeira, apresenta um novo argumento aos anteriormente apresentados em sede de reclamação graciosa.
  12. Alega agora a Requerente que a constituição de garantias no quadro da emissão de títulos de dívida (da constituição dessas garantias no contexto das emissões obrigacionistas resultou a liquidação de Imposto do Selo à taxa de 0,6% prevista na verba 10.3 da TGIS sobre o valor garantido, isto é, sobre o valor global máximo das obrigações escriturais nominativas a emitir – Refinancing Bonds (€ 220.000.000,00) e Capex Bonds (€ 181.600.000,00) – de € 401.600.000,00) não pode ser dissociada da emissão propriamente dita, que não foi – e com acerto – tributada em Imposto do Selo.
  13. Por força da exclusão de tributação em sede de Imposto do Selo consagrada no artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE para “todas as formalidades conexas” à emissão de obrigações em apreço, as liquidações de Imposto do Selo no montante de € 2.409.600,00 devem ser tidas por ilegais e, consequentemente, anuladas.
  14. Entende a Requerente que esta disposição, no excerto em que se refere às formalidades conexas, não pode ser lida de forma restritiva para abranger somente os meros formalismos ou atos acessórios como a celebração de escrituras, a prática de atos notariais, os registos e as publicações obrigatórias.
  15. Todavia, também aqui não procede a argumentação formulada,
  16. porquanto se deve entender que as “formalidades conexas” são apenas aquelas que necessariamente devam ser cumpridas para que se possa avançar, executar ou concluir o empréstimo obrigacionista, e que são, precisamente as escrituras, a prática de atos notariais, os registos e as publicações obrigatórias.
  17. Teriam tais garantias de ser necessárias, intrínsecas, peculiares ou específicas das operações enunciadas nessa disposição legal, não bastando uma relação meramente acessória, no sentido de não essencial ou indispensável.
  18. Pelo que, também por este motivo, deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 02-11-2022, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 04-11-2022. Em 29-12-2022, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. As partes devidamente notificadas dessa designação, em 29-12-2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, pelo que o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 16-01-2023.

 

  1. O tribunal arbitral coletivo ficou, assim, constituído em 16-01-2023. Em 16-01-2023 foi proferido despacho arbitral em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 20-02-2023.

Na sua resposta veio a AT defender a improcedência do pedido de pronúncia arbitral reiterando a legalidade dos atos de liquidação impugnados pela Requerente.

 

Em 21-04-2023 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

“1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito.

2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

 

  1. Em 27-04-2023 veio a Requerente apresentar aceitação do proposto no despacho e a Requerida em 05-05-2023, sem prejuízo de solicitar ao Tribunal a pronúncia de questões prévias.

 

POSTO ISTO:

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

  1. Em conformidade com os anexos 4, 5 e 6 do Refinancing Bonds Subscription Agreement celebrado em 9 de dezembro de 2020 entre (i) a Requerente, na qualidade de emitente, (ii) as entidades listadas no anexo I, enquanto credores obrigacionistas subscritores originais, e (iii) o C..., na qualidade de agente das obrigações, agente das garantias e agente pagador, o cumprimento das obrigações emergentes da emissão das obrigações designadas como Refinancing Bonds A, Refinancing Bonds B1 e Refinancing Bonds B2, com os valores de € 115.400.000,00, € 29.600.000,00 e € 75.000.000,00, nesta ordem, num total de € 220.000.000,00 e com vencimento (maturidade) em 30 de junho de 2033, por parte da entidade emitente seria garantido pelos instrumentos descritos no contrato de prestação de garantias (cf. o ponto Transaction Security em cada um dos referidos anexos do contrato intitulado Refinancing Bonds Subscription Agreement cuja cópia se junta como Doc. n.º 6).
  2. As mesmas garantias identificadas no artigo anterior asseguram o bom e integral cumprimento das obrigações emergentes da emissão das chamadas Capex Bonds – distribuídas em Capex Bonds A, Capex Bonds B1, Capex Bonds B2, no montante nominal global de até € 181.600.000,00 – por parte da entidade emitente, ora Requerente (cf. anexos 6, 7 e 8 do Capex Bonds Subcription Agreement celebrado em 9 de dezembro de 2020 entre [i] a Requerente, na qualidade de emitente, [ii] as entidades listadas no anexo I, na qualidade credores obrigacionistas subscritores originais, e [iii] o C..., na qualidade de agente das obrigações, agente das garantias e agente pagador, cuja cópia se junta como Doc. n.º 7).
  3. A constituição dessas garantias no contexto das emissões obrigacionistas espoletou, de imediato, a liquidação de Imposto do Selo à taxa de 0,6% prevista na verba 10.3 da TGIS para “Garantias sem prazo ou de prazo igual ou superior a cinco anos” sobre o valor garantido, isto é, sobre o valor global máximo das obrigações escriturais nominativas a emitir – Refinancing Bonds (€ 220.000.000,00) e Capex Bonds (€ 181.600.000,00) – de € 401.600.000,00,
  4. Tendo tal Imposto do Selo, no montante de € 2.409.600,00 (dois milhões quatrocentos e nove mil seiscentos euros), sido liquidado à Requerente pela notária – em concreto, pelo Cartório B..., Unipessoal, Lda., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal ... (cf. termo de autenticação que integra o contrato de prestação de garantias ora junto como Doc. n.º 5, a fatura/recibo n.º FR 0/5164, de 22 de dezembro de 2020, que integra o citado Doc. n.º 1 junto à reclamação graciosa, bem como os artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.ºs 1 e 3, alínea e), 23.º, n.º 1, e 41.º, todos do CIS):

Imposto do Selo sobre garantias constituídas no âmbito de emissão obrigacionista – Verba 10.3 da TGIS

Base de incidência (valor garantido)

Taxa

Coleta de imposto

€ 401.600.000,00

0,6%

€ 2.409.600,00

 

 

  1. Assim, tanto as instituições bancárias como a referida notária liquidaram e fizeram repercutir integralmente na esfera jurídica da Requerente o encargo do Imposto do Selo, no montante total correspondente a € 2.789.505,30 (dois milhões setecentos e oitenta e nove mil quinhentos e cinco euros e trinta cêntimos), assim discriminado (cf. o citado Doc. n.º 1 junto à reclamação graciosa):

 

Data do comprovativo de pagamento

Montante de Imposto do Selo (em euros)

Tipo de operação

30/06/2020

192 947,29

Juros

30/06/2020

2,33

Comissões

30/06/2020

4 211,28

Comissões

18/12/2020

178 787,65

Juros

18/12/2020

3 956,75

Comissões

22/12/2020

1 320 000,00

Constituição de garantia

22/12/2020

1 089 600,00

Constituição de garantia

Total

2 789 505,30

 
 

 

  1. Em 11 de maio de 2022, a Requerente apresentou junto da UGC reclamação graciosa contra os atos de liquidação de Imposto do Selo em referência.

 

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

 

 

B. DO DIREITO

 

  1. Quanto à manifesta falta de prova invocada pela Requerente

 

De acordo com o n.º 1 do art. 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque, e segundo o n.º 1 do art. 75.º do mesmo diploma, presumem-se verdadeiros e de boa-fé os registos contabilísticos dos contribuintes, quando realizados nos termos da legislação fiscal e comercial. 

 

Refere a Requerida que da documentação junta apenas a fatura emitida pelo Cartório atesta a cobrança do imposto do selo, existindo unicamente nos extratos (e não em todos eles) a aposição manual de uma quantia relativa a imposto do selo que, aparentemente apenas, terá sido feita por outrem que não o C..., S.A..

Conclui assim que a existir uma fatura onde se observa ter existido a liquidação do imposto, importava demonstrar que o imposto liquidado e aí refletido foi efetivamente entregue nos cofres do Estado, o que também se verifica não ter sido feito.

 

Não é o nosso entendimento.

 
No entanto, aqui deve ser referido o disposto no n.º 1 do art. 75.º da LGT, ou seja, não tendo a contabilidade da recorrente sido posta em causa, deverá considerar-se que a mesma espelha a realidade dos factos – a existência de uma fatura emitida pelo Cartório que atesta a cobrança do imposto do selo. 


Neste contexto, o ónus da prova de que a contabilidade da recorrente tenha sido posta em causa foi devolvido à AT. 


Sucede que, nenhuma prova foi feita a este respeito – apenas foi alegado o que resulta dos artigos 25.º a 33.º da Resposta.


Assim, e porque a AT não logrou fazer prova do facto alegado, deve considerar-se que a operação e o pagamento consequente do imposto do selo existe na ordem jurídica nos termos em que foi definida pela requerente.

 

 

  1. Quanto ao mérito do presente pedido arbitral

 

Considerando tudo o que vem exposto no pedido arbitral constata-se que a única questão de direito a decidir é a de saber se o Requerente beneficia ou não da aplicação do disposto no artigo 7º do CIS, ou seja, da isenção de imposto prevista neste normativo legal.

No caso em apreço, está em causa da aplicação da isenção constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, que prevê que são isentos do respetivo imposto:

“e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;”

A interpretação dada pela A. é que enquanto sociedade gestora de participações sociais subsume-se como uma instituição financeira ao abrigo da legislação europeia e enquadra-se, em especial, na definição de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013.

A Requerente fundamenta esta pretensão na circunstância de entender que lhe deve ser atribuída a qualificação de “instituição financeira”, designadamente à luz da Diretiva (EU) 2013/361/UE, de 26 de junho de 2013; do Regulamento (EU) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, datado de 26 de junho de 2013 bem como da proposta de Diretiva "COM (2013) 71 final, de 14 de fevereiro de 2013.

Em sentido diverso, a Requerida AT considera que a Requerente não se enquadra no conceito de entidades financeiras ou instituições financeiras pelo que não pode beneficiar do regime de isenção previsto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS relativo às operações de financiamento, juros e comissões sub judice.

Cumpre decidir.

 

  1. Da isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e)

 

A alínea e) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS, já identificado, visa isentar as operações financeiras strictu sensu promovidas no âmbito da atividade bancária e de intermediação financeira entre instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.

Estão em causa situações contempladas nas verbas 17 e 10 da Tabela Geral de Imposto do Selo, conforme decorre do n.° 1 do artigo 1.° do CIS, quando as entidades concedentes do crédito ou da garantia e as entidades utilizadores do crédito ou beneficiárias da garantia, umas e outras, sejam domiciliadas nos Estados Membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado.

Em linha com a jurisprudência afirmada no processo n.º 348/2016-T, do CAAD, pode concluir-se que a alínea e), do n.° 1, do artigo 7.° do CIS divide-se em duas partes, com a subdivisão de uma delas:

  1. uma primeira, de natureza objetiva, onde se enunciam taxativamente "os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido";
  2. a segunda, de natureza subjetiva, que se subdivide em duas secções:
  1. "instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras";
  2. “sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças";

O n.° 7 do artigo 7.° do CIS dispõe ainda que a isenção prevista na alínea e) do n.° 1 "apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”

Assim, nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, nas seguintes operações:

- utilização do crédito concedido;

- garantia prestada na concessão do crédito;

- juros cobrados pela concessão do crédito;

- comissões cobradas "diretamente destinadas" à concessão do crédito.

 

Da leitura das disposições ficamos a compreender que esta isenção, à semelhança de todas as outras, tem uma delimitação fechada. Por este modo, os benefícios fiscais como tal, saem da indisponibilidade própria do quadro normativo tributário e entram no campo da disponibilidade, fora daquilo que constitui o núcleo essencial da tributação.

Não obstante afastarem as normas de incidência, os benefícios fiscais também estão submetidos à reserva de lei, por via do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. Na verdade os motivos que justificam a integração dos benefícios fiscais no âmbito da exigência constitucional de reserva de lei, apesar do seu carácter desonerador, tem que ver com a excecionalidade que caracteriza os benefícios fiscais[2], mas também com a necessidade de uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, quando se discriminam positivamente contribuintes, sem perder de vista o princípio da coerência sistemática que necessariamente rege o sistema fiscal.

Ademais, esta excecionalidade evidenciada resulta de uma opção política de fundo centrada no incentivo individual, de natureza económica, social e cultural, do comportamento dos sujeitos passivos.

Em concreto no caso sub judice, e não obstante a inexistência de uma norma geral de incidência percebe-se que o selo visa tributar manifestações da capacidade contributiva. Deste modo, a extrafiscalidade associada aos benefícios fiscais deste imposto derroga necessariamente aquela capacidade contributiva identificada. É de assinalar, nesse sentido, que os benefícios fiscais no imposto do selo inserem-se em dois grupos:

  1. o primeiro que chamamos benefícios fiscais acessórios, e que por razões de uniformidade tributária, associa a extrafiscalidade dos benefícios criados, à extrafiscalidade criada para outros impostos estaduais, como sejam o IRC e IRS.

Esta extrafiscalidade por associação não retira o valor atribuído nos outros tributos. Apenas uniformiza o tratamento dos sujeitos passivos ou contribuintes, cujo comportamento é desagravado por razões extrafiscais. Isto vem demonstrar que não é o carácter eclético do legislador no imposto do selo que impede uma determinada uniformidade no tratamento das matérias que merecem relevância extrafiscal, dado o acolhimento constitucional devido, que legitima a cedência da capacidade contributiva.

  1. o segundo grupo, que abrange os benefícios fiscais exclusivos do imposto. Estes são, porém em menor número, e visam objetivos muitos concretos.

São de apontar dois exemplos: o dos benefícios respeitantes aos contratos de futuros e opções (previstos no artº 7º/1, alíneas c) e d) do CIS e os respeitantes aos contratos de reporte de valores mobiliários realizados em bolsa (previstos no artigo artº 7º/1, alínea m) do CIS). Estão aqui em causa, como legitimadores da derrogação à capacidade contributiva, os artigos 61.º e 87.º, ambos da CRP. O legislador cria, assim, condições para propiciar à celebração de determinados contratos relativos a valores mobiliários, pela remoção de barreiras, tendo em vista o financiamento de entidades públicas e privadas, atraindo o investimento interno e externo, potenciando os interesses dos adquirentes.

 

Com relevância para o caso concreto, o núcleo essencial do imposto, no que respeita às operações financeiras identificadas na verba 17 da Tabela Geral, é desta forma recortado pelo artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do mesmo CIS, derrogando a igualdade, pelo revestimento de um benefício ao investimento e à desoneração do crédito. E esse recorte do núcleo essencial, pelo referido benefício, determina que os elementos objetivos e subjetivos nele constantes não possam sofrer qualquer ampliação ou derrogação para além do previsto.

Por isso, desde logo, nos parece que encontrar argumentos que extravasem esta delimitação fechada de um benefício fiscal exclusivo do IS serão abusivos e desprovidos de qualquer fundamento.

 

  1. Não se encontra preenchido o requisito subjetivo previsto no texto legal, delimitado que é por remissão para todos os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária

 

Ora vejamos sobre a admissibilidade e limites da remissão para todos os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.

Na lei portuguesa não encontramos uma definição de “instituição financeira”, limitando-se o

o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei 298/12, de 31/12, a proceder à enumeração de entidades que qualifica casuisticamente como “Instituições de crédito” (artigo 3.º), “Empresas de investimento” (artigo 4.º-A) e “Sociedades financeiras” (artigo 6.º), e, no artigo 6.º n.º1, alínea b) refere que são instituições financeiras  as referidas nas subalíneas ii) e iv da alínea z) do artigo 2.º-A, nas quais se incluem: i)As sociedades  financeiras de crédito; ii) As sociedades de investimento; iii) As sociedades de locação financeira; iv) As sociedades de factoring; v) As sociedades de garantia mútua; vi) As sociedades gestoras de fundos de investimento; vii) As sociedades de desenvolvimento regional; viii) As agências de câmbio; ix) As sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos; x) As sociedades financeiras de microcrédito.”    

Esta opção do legislador nacional vai, aliás, no mesmo sentido do Direito das União.

Nos termos e para os efeitos do Regulamento (EU) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, entende-se por “Instituição Financeira”: “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/EU[3], incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamentos na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamentos no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE.”          

  1. No ponto 27) do artigo 4.º Regulamento (EU) n.º 575/2013, uma “Entidade do setor financeiro” compreende:
  1. Uma instituição;
  2. Uma instituição financeira;
  3. Uma empresa de serviços auxiliares incluída na situação financeira consolidada de uma instituição;
  4. Uma empresa de seguros;
  5. Uma empresa de seguros de um país terceiro;
  6. Uma empresa de resseguros;
  7. Uma empresa de resseguros de um país terceiro;
  8. Uma sociedade gestora de participações do setor dos seguros;
  9. (…)”.

 

Do legislador da União retira-se que uma instituição financeira é uma empresa que não seja uma “instituição” (ou seja, uma instituição de crédito ou empresa de investimento – artigo 4.º , n.º1,  3), e cuja atividade principal seja a gestão de participações sociais em empresas que desenvolvam atividades no setor bancário e financeiro ( as atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/EU).[4]

Elemento não menos importante reside no facto de tais entidades ficarem sujeitas ao regime jurídico desta Diretiva e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, a seguir tão só “Regulamento”.

Com efeito, o que o intérprete não pode deixar de ter em vista, na interpretação de qualquer conceito ou definição, é o objeto dos diplomas mencionados. Ora, o “Regulamento” é muito claro ao estatuir que o mesmo visa estabelecer” regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais que as instituições sujeitas à supervisão ao abrigo da Diretiva 2014/36/UE cumprem…(…)”   (artigo 1.º do “Regulamento), bem como a estabelecer que “Para efeitos do cumprimento do presente regulamento, as autoridades competentes dispõem dos poderes e respeitam os procedimentos estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.”

Por sua vez, no Considerando (5) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, podemos ler:

“Conjuntamente, o presente regulamento e a Diretiva 2013/36/UE deverão constituir o enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento (a seguir conjuntamente designadas por “instituições”. Por conseguinte, o presente regulamento deverá ser interpretado em conjunto com a referida diretiva.”

Por sua vez, no Considerando (6), lê-se:

“A Diretiva 2013/36/UE, baseada no artigo 53.º, n.º1, do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE), deverá, nomeadamente, conter as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, tais como as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, o exercício da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços, aos poderes das autoridades competentes do Estados -Membros de origem e de acolhimento nesta matéria e as disposições que regem o capital inicial e a supervisão das instituições.” 

Destaca-se, ainda, o Considerando (7) que refere:”

“O presente regulamento deverá, nomeadamente, conter os requisitos prudenciais aplicáveis às instituições que estão estritamente relacionadas com o funcionamento do mercado bancário e do mercado de serviços financeiros e que se destinam a garantir  a estabilidade financeira dos operadores nesses mercados, bem como um elevado nível  de proteção dos investidores e dos depositantes. O presente regulamento visa contribuir de forma determinada para o bom funcionamento do mercado interno (…)”.

Mais impressivo são, ainda, como vimos, os preceitos referentes ao estabelecimento de regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais, bem como os poderes de supervisão estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.

Do exposto resulta que as entidades abrangidas pelos diplomas comunitários mencionados se encontram sujeitas a um regime especial, com vista a prevenir, atenta a natureza da sua atividade,  com potencial gerador de risco sistémico, para garantir a estabilidade financeira do mercado bancário e do mercados dos serviços financeiros, assim como proteger os investidores  e depositantes.

 

Aplicando o exposto ao caso em análise, alega a Requerente que, para financiar as suas participadas, recorre a financiamentos designadamente através da celebração de contratos de mútuo junto de instituições de crédito (BCP, CGD, Novo Banco, etc.).

Não oferece dúvida que, se tivermos por referência os sujeitos passivos mutuantes em causa, os mesmos preenchem o conceito de instituição de crédito sendo que, no caso das instituições de crédito portuguesas, são qualificadas como bancos. Conforme resulta da alínea w), do artigo 2.° A, e artigo 4.°, do RGICSF, são definidas como instituições de crédito, os bancos, as caixas económicas, a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e as caixas de crédito agrícola mútuo, as instituições financeiras de crédito, as instituições de crédito hipotecário e outras empresas que, correspondendo à definição do artigo anterior, como tal sejam qualificadas pela lei.

Diferentemente se passam as coisas em relação à Requerente.

Aqui chegados importa, assim, qualificar a Requerente, enquanto Sociedade Gestora de Participações Sociais, entidade sobre a qual recai o encargo do imposto liquidado pelas operações de financiamento em causa, conforme alíneas e), f) e g) do n.° 3 do artigo 3.° do CIS, a fim de determinar se estas podem beneficiar da isenção consagrada na alínea e) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS.

Trata-se, por outras palavras, de perceber se o disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) e n.º 7 do CIS se aplica à Requerente.

As Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) são reguladas pelo disposto no Decreto-Lei n° 495/88, de 30 de dezembro. Este DL define o regime jurídico das SGPS’s, que devem conter a menção «sociedade gestora de participações sociais» ou a abreviatura SGPS, considerando-se uma ou outra dessas formas indicação suficiente do objeto social.

As sociedades gestoras de participações sociais têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.

Não se identifica no regime jurídico das SGPS’s, que as mesmas tenham uma atividade económica direta.

Assim, e como decorre do artigo 1.°, as SGPS’s "têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, corno forma indireta de exercício de atividades económicas", não se verificando nenhuma atividade bancária e financeira que as qualifique como instituições financeiras.

Quanto à forma de constituição das SGPS’s, refira-se que não há dependência de qualquer autorização prévia, embora se estabeleça o dever de comunicação, enquanto a forma de fiscalização fica limitada à verificação da manutenção dos requisitos que a lei exige para a definição do seu tipo e para a atribuição dos benefícios de natureza fiscal, sendo a Inspeção-geral de Finanças, a entidade a quem compete a supervisão das SGPS’s, nos termos dos artigos 9.° e 10.° do Regime Jurídico das SGPS.

Assim, a criação de SGPS’s não obedece às mesmas regras que obedecem a constituição de instituições financeiras, pois é, na sequência do Direito Europeu mencionado, que o RGICSF estabelece, em Portugal, as condições de acesso e de exercício de atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, bem como o exercício da supervisão destas entidades, respetivos poderes e instrumentos.

O exercício da atividade financeira em Portugal encontra-se reservado às entidades para tal autorizadas ou habilitadas pelo Banco de Portugal, no quadro do regime do Mecanismo Único de Supervisão (cfr. Regulamento (UE) n.º 1024/2013 do Conselho de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito e Regulamento (UE) n.º 468/2014 do Banco Central Europeu de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão (MUS).

Significa isto que o exercício desta atividade é apenas permitido a entidades que foram objeto de um processo de autorização ou habilitação (este, no caso de instituições financeiras autorizadas noutros Estados Membros da União Europeia), realizado junto do Banco de Portugal, no quadro do MUS.

No âmbito deste processo, é assegurada a observância de uma série de requisitos que asseguram a solvabilidade e a capacidade da entidade e dos membros dos principais órgãos sociais para prosseguirem a atividade financeira.

Neste quadro, o RGICSF prevê que o exercício de atividade financeira por entidade não autorizada ou habilitada pode constituir crime, sendo uma contraordenação grave, punível, entre outras sanções, com coima, de acordo com aquele regime.

 

No quadro exposto, a Requerente não é uma entidade financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu -, não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da sua atividade.

Realce-se que a Requerente não cabe sequer no artigo 117.º do RGICSF, nos termos do qual “só ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal as sociedades gestoras de participações sociais quando as participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras”. Além de se tratar de uma norma de direito nacional, com finalidade de natureza estritamente prudencial, a Requerente, atento o seu objeto, não se subsume sequer no seu âmbito.

Invoca a Requerente jurisprudência do CAAD, a saber, a Decisão Arbitral proferida no processo  n.º 911/2019-T e a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 819/2019-T, como contendo argumentos válidos para considerar esta isenção como sendo aplicável a esta entidade.

No entanto os argumentos neles contidos interpretam grosseiramente o ordenamento jurídico no sentido de que a norma do artigo 7.º, n. º1, alínea e) do CIS remete para um conceito europeu de instituição financeira, que não encontra guarida nos normativos europeus aplicáveis. Na realidade, como ficou demonstrado, a remissão do conceito que é feita naquelas decisões arbitrais à Diretiva 2013/36/UE e ao Regulamento UE 575/2013, desconsidera por completo que os instrumentos financeiros têm como objeto o sector bancário e as entidades sujeitas à supervisão bancária, pelo que tais instrumentos não podem abranger (nem abrangem) simples SGPS.

No mesmo sentido, na interpretação de qualquer definição, incluindo a de “participação” (constante do artigo 4.º, do “Regulamento”) não nos podemos alhear que as mesmas são instrumentais à aplicação deste normativo, ou seja, tornar efetivo o seu âmbito e regime jurídico artigo 4.º, n.º1, do “Regulamento”. A definição de participação, sobretudo relevante para efeitos de supervisão prudencial, não pode, assim, deixar de referir-se às que são detidas pelas entidades que atuam no mercado bancário e financeiro, nos termos e para os efeitos dos diplomas acima mencionados.

Argumenta a  Requerente que: “Por referência justamente às sociedades gestoras de participações, a norma comunitária em referência apenas exclui do conceito de instituições financeiras as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”[ ver artigo 4.º , 26) do “Regulamento”] .

Ou seja, na ótica da Requerente, se a norma comunitária se limita a excluir expressamente estas entidades do conceito de instituição financeira, então é porque todas as outras integram o conceito de instituição financeira. Ora, esta interpretação não tem o mínimo apoio literal, sistemático nem teleológico dos preceitos em causa. Repete-se, a interpretação da norma tem de ter em conta que estamos a tratar de entidades que, pela sua atividade, estão sujeitas aos requisitos prudenciais e regime de supervisão a que se refere o “Regulamento”, no domínio do setor bancário e financeiro, como ficou dito.    

Finalmente, também não tem qualquer paralelo o “papel de intermediação do financiamento da participada”, que a Requerente alega, confrontado com aquele que é exclusivamente desempenhado pelas instituições de crédito – “atividade de receção, do público, de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria” (artigo 8.º do RGICSF).

Em síntese, podemos concluir que a Requerente, enquanto entidade meramente gestora de participações sociais, não preenche os requisitos que levam a classificar uma entidade como instituição financeira, a saber: i) O formal (pois não consta da enumeração dos diplomas Europeus mencionados, nem do nacional); e ii) O material, uma vez que a sua atividade não releva do mercado bancário e financeiro, de modo a convocar a aplicação do regime de supervisão constante da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013 e o RGICSF.

Assim sendo, tal como se conclui na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 586/2019-T, não é possível extrair regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".

A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.° do CIS.

Assim, não ocorre, por tudo isto, a violação de lei invocada pela Requerente:

  1. Não só porque o conceito de benefício fiscal (no qual se enquadra o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS) é fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;
  2. Mas também porque que não é possível extrair de todo do regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".

 

 

C. Quanto à suspensão da instância e pedido de reenvio prejudicial

 

É à luz da jurisprudência acima enunciada, e da redação do artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), que há que apreciar a suspensão da instância pedida pela AT.

 

Nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

 

Por seu turno, e hoje entendimento comummente aceite que a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia. E, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

 

Quanto ao pedido de suspensão da instância e o de reenvio prejudicial formulados pela Requernte, a obrigatoriedade de efetuar o reenvio prejudicial não resulta da vontade das Partes nem pode ser decidida de forma genérica, dependendo apenas do juízo que o Tribunal nacional, que tem de proferir a decisão, fizer sobre a sua necessidade para decidir os litígios, como tem sido repetidamente afirmado pelo TJUE: “Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça” (Acórdão de 10 de julho de 2018, Jehovan Todistajat, C-25/17, n.o 31 e jurisprudência referida; Acórdão de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth, C-52/16 e C-113/16, n.o 42; Acórdão de 02-10-2018 processo C-207/16, n.o 45; Acórdão de 28-11-2018, processo C- 295/17, n.o 33).

 

Ora, ficou demonstrado, pela jurisprudência supra mencionada, incluindo do TJUE, que não subsistem dúvidas quanto à desnecessidade do reenvio, termos em que se indefere o requerimento de reenvio prejudicial.

 

No caso em apreço, conclui-se com segurança, da reiterada jurisprudência do TJUE, secundada pela jurisprudência nacional, que a ilegalidade da aplicação do regime discriminatório não é sanda pela possibilidade do seu afastamento, o que dispensa a necessidade de reenvio prejudicial, ou da suspensão da presente instância.

 

Acresce referir que a suspensão da instância, determinada por outro Tribunal, não obriga este Tribunal a determinar tal reenvio ou suspensão, uma vez que este é um poder discricionário do julgador.

 

Pelo que, se indefere o pedido de suspensão da instância bem como o reenvio prejudicial requerido pela Requerente.

 

 

C. DECISÃO

 

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 2.789.505,30, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 35.802,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 13 de julho de 2023

 

O Árbitro Presidente

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Cristina Aragão Seia)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)

 

 

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Eduardo Paz Ferreira, Em torno das Constituições Financeira e Fiscal e dos Novos Desafios na Área das Finanças Públicas, pág. 331.

[3] Nesta sequência, o Decreto-Lei n.º 157/2014 de 24 de outubro veio aditar o artigo 2.º-A ao RGICSF.

[4] Por sua vez, o Regulamento (UE) n.º 2019/876, veio introduzir alteações ao Regulamento (UE) n.º 5785/2013, no Ponto 26 do artigo 4.º, na linha da pronúncia anterior da European Banking Authority (EBA- Questão 2014-875) definindo-se instituição financeira como: “uma empresa que não seja uma instituição nem uma sociedade gestora de participações no setor puramente industrial, cuja atividade principal seja a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/EU, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção do artigo 4.º, ponto 4), da Diretiva (EU) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo (….). (Artigo 1º).