Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 673/2022-T
Data da decisão: 2023-06-19  IRS  
Valor do pedido: € 520.136,36
Tema: IRS. Alienação onerosa de partes sociais. Mais-valias. Valor de realização. Valor de mercado. Regime de neutralidade fiscal.
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Sumário:

I – Não pode ser entendido como valor de mercado, para efeito do disposto no artigo 44.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, os preços praticados na compra e venda recíproca de participações sociais, quando esses preços foram ajustados de forma a permitir que cada um dos interessados, na permuta das participações sociais, não tivesse de desembolsar ou receber quaisquer importâncias para além daquelas que tinham sido fixadas num anterior processo de licitações para efeito da partilha do património indiviso.

II – Não pode beneficiar do regime de neutralidade fiscal, a que se referem os artigos 73.º e seguintes do CIRC, a operação de cisão/dissolução/fusão das sociedades originárias, pela qual foram dissolvidas as sociedades cindidas e transferido o seu património para seis novas sociedades constituídas, quando foi realizada uma subsequente permuta de participações sociais entre os acionistas das sociedades incorporantes, com o objetivo de permitir que cada um deles ficasse titular exclusivo de uma dessas sociedades, assim originando a própria desagregação das empresas que haviam sido objeto de reestruturação.

 

DECISÃO ARBITRAL

I - Relatório                                                                                     

 

1. A..., NIF ..., e B..., NIF ..., casados, ambos residentes na Rua..., ..., Maia, e C..., NIF..., residente na Rua..., n.º ..., ...-... Maia, vêm requerer, em coligação, a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação adicional de IRS n.º 2021..., no valor € 367.862,92, e n.º 2021..., no valor € 115.548,39, respeitantes ao ano de 2017, e n.º 2021..., respeitante ao ano de 2019, no valor € 30.176,65, e dos correspondentes atos de compensação e acerto de contas, bem como do indeferimento tácito das reclamações graciosas contra eles deduzidas.

 

Fundamentam o pedido nos seguintes termos.

 

Na sequência do decesso dos dois únicos sócios detentores das sociedades D..., S.A. e E..., S.A. (F... e G...), os seus herdeiros (H..., cônjuge de F..., e as filhas A..., C... e I...) e os três filhos de G... (J..., K... e L...) decidiram reestruturar ambas as sociedades, de modo a permitir que cada um deles prosseguisse a mesma atividade de forma separada e individual.

 

Para tanto acordaram num processo de licitação dos bens/ativos das sociedades que ficaram divididos em 4 grupos licitantes: as sócias A..., C..., I... e H..., constituíram o Grupo A, o sócio J... constituiu o Grupo B, a sócia K... constituiu o Grupo C e a sócia L... constituiu o Grupo D. 

 No processo de licitações, os sócios estabeleceram que cada verba é licitada separadamente, considerando-se encerrada a licitação e apurado como vencedor o último lanço, constituindo a soma final das verbas licitadas e adjudicadas o valor global dos bens a distribuir para efeitos da fixação da quota-parte de cada Grupo licitante e das compensações que haverá a pagar ou a receber em função da quota ideal de cada um dos sócios.

O total licitado foi de € 18.027.659,83 que ficou distribuído do seguinte modo: Grupo A - € 8.569.714,03; Grupo B - € 3.771.060,00; Grupo C - € 2.619.195,80; Grupo D - € 3.067.690,00.

 

Entretanto, os sócios decidiram proceder à cisão/dissolução/fusão das sociedades D... e E... através da divisão de todo o seu património em seis partes que passariam a ficar afetas a 6 sociedades comerciais a constituir (M..., SA; N..., S.A.; O..., S.A.; P..., S.A.; Q..., S.A.; e R..., S.A.), em termos tais que cada um dos acionistas das sociedades D... e E... participariam em cada uma das sociedades cindidas com a quota parte que detinham nas sociedades extintas, a saber:  K...– 1/6; L...– 1/6; J...– 1/6; A...– 1/8; I...– 1/8; C...– 1/8; H...– 1/8.

 

Em consequência da operação de cisão-dissolução-fusão, cada nova sociedade recebeu o património correspondente aos bens/ativos que foram adjudicados a cada Grupo Licitante, assim distribuídos: a sociedade P..., S.A. ficou com o património correspondente aos bens/ativos que foram adjudicados a K...; a sociedade Q..., S.A. ficou com o património correspondente aos bens/ativos que foram adjudicados a L...; a sociedade R..., S.A. ficou com o património correspondente aos bens/ativos que foram adjudicados a J...; as sociedades N..., S.A., O..., S.A. e M..., S.A. ficaram com o património correspondente aos bens/ativos que ficaram a pertencer ao Grupo Licitante  composto por H..., C..., A... e I... . 

Os sócios celebraram entretanto entre si contratos de compra e venda de ações, pelos quais permutaram as ações representativas do capital das 6 sociedades constituídas, de forma a que cada um deles passasse a ser o titular exclusivo ou maioritário do capital da sociedade que detinha os bens/ativos que lhe deveriam caber, nos termos definidos no processo de licitações, ficando definido que o valor de referência das sociedades correspondia “ao valor que foi determinado, objetivamente, pelo valor de mercado dos ativos das Sociedades, obtido através de um processo de licitações, e em função do montante que cada parte está disposta a pagar, e a outra parte está disposta a receber, pelas compras e vendas definida neste contrato”.

 

Todavia, os impugnantes A... e B... e a impugnante C... foram objeto de ações de inspeção tributária credenciadas pelas Ordens de Serviço nº OI2019... e nº OI2019..., em vista ao controlo dos rendimentos declarados no anexo G  e G1 da declaração de IRS  a título de mais-valias,  em que se concluiu que a diferença entre os preços unitários de venda das ações das sociedades envolvidas, não resultaram do valor de mercado das ações das sociedades e foram antes consequência das relações familiares existentes entre os intervenientes nas transações, com o objetivo de efetuar a partilha do património de forma a que as permutas recíprocas de ações não gerassem valores a pagar ou receber, implicando que as ações tivessem sido transacionadas por um preço muito inferior ao seu valor nominal.  

Ora, no caso concreto, os sócios, enquanto partes contratantes, não obtiveram qualquer ganho com as operações realizadas, na medida em que o valor do património resultante da dissolução das sociedades D... e E..., e incorporado nas seis novas sociedades, foi determinado mediante o funcionamento das regras de mercado, correspondendo aos valores pelos quais os sócios  estavam dispostos a vender e comprar as ações representativas do capital social das sociedades no âmbito de um processo de licitação ocorrido entre as partes.

 

As permutas das ações tinham como pressuposto essencial que os outorgantes nada tivessem a pagar ou receber entre si, tendo-se limitado a receber a parcela do património que licitaram e que já era sua pela titularidade das ações representativas das sociedades D... e E..., e, nesse sentido, a operação foi neutra do ponto de vista económico-financeiro.

 

Logo, nenhum sócio ganhou ou perdeu, porque recebeu o número de ações que equivalem ao número de ações de que eram titulares nas sociedades dissolvidas e, posteriormente, nas sociedades incorporantes. E não existindo qualquer incremento patrimonial em resultado da permuta das ações, não pode considerar-se verificada existência de uma mais-valia. 

Alegam ainda que a operação de reestruturação das sociedades foi neutra do ponto de vista económico-financeiro e a Autoridade Tributária, através da correção do valor de realização das permutas realizadas entre os sócios herdeiros, pretendeu anular os efeitos da neutralidade fiscal da operação, afastando a aplicação dos artigos 73.º e seguintes do CIRC, ignorando que as sociedades incorporantes mantiveram, para efeitos fiscais, os elementos patrimoniais, objeto de transferência, pelos mesmos valores que eles tinham nas sociedades a cindir e dissolver.

 

Concluem que se verifica, não uma situação de mais-valias, mas de menos-valias no valor de € 1.311.230,92, resultante da cessão de quota e partes de capital próprio da sociedade pelo indicado valor de € 350.000,00.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que as operações realizadas consubstanciam permutas de valores mobiliários cujo valor de realização é determinado nos termos do n.º 1 do artigo 44.º do Código do IRS, considerando-se como tal o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar. 

 

Nas circunstâncias do caso, os valores declarados pelos impugnantes não foram definidos segundo as regras de funcionamento do mercado, mas através de uma licitação em que intervieram unicamente os titulares das participações sociais a permutar, no quadro de relações familiares, e que tinha como objetivo assegurar que não haveria valores a pagar ou a receber entre os permutantes.

 

Por outro lado, não tem aplicação ao caso o regime de neutralidade fiscal aplicável aos sócios das sociedades fundidas ou cindidas, porquanto as operações realizadas não integram o conceito de "permuta de partes sociais" a que se refere o n.º 5 do artigo 73.º do CIRC. 

                                                                

O regime de neutralidade teve o propósito de não tributar operações de reorganização societária em que não há um objetivo de obtenção de um ganho, mas apenas de restruturação empresarial, havendo lugar ao diferimento da tributação dos ganhos obtidos para o momento que se efetive a alienação das participações sociais e o recebimento do preço do negócio. 

 

Não é esse o caso quando na operação de permuta de partes sociais foram fixados valores de realização inferiores aos valores de aquisição, de modo a evitar que haja valores a pagar a qualquer um dos intervenientes e venham a constituir-se mais-valias, como normalmente se verificaria se a permuta tivesse em conta o valor de mercado. 

 

Conclui pela improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, houve lugar à reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada a prestação de declarações de parte e à inquirição de testemunhas arroladas pelos Requerentes. Os Requerentes foram notificados, no decurso da diligência, para juntarem cópia dos contratos de compra e venda de ações das sociedades incorporantes, na sequência da operação de cisão/dissolução/fusão das sociedades D... e E... .

 

Em alegações, as partes mantiveram as suas anteriores posições.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 12.º da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, os árbitros foram designados pelas partes que indicaram o árbitro presidente. Os árbitros comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 3 de fevereiro de 2023.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. 

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação 

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A) As sociedades D..., SA (D...) e E..., S.A. (E...), ligadas à atividade da construção civil e promoção imobiliária, eram detidas pelos dois únicos sócios, F... e G..., cada um com 50% do capital social. 

B)   Por óbito de F..., ocorrido em 9 de novembro de 2004, a sua participação social passou a ser detida pelos herdeiros H..., A..., C... e I... . 

C)   Por óbito de G..., ocorrido em 28 de janeiro de 2010, a sua participação social passou a ser detida pelos herdeiros J..., K... e L... . 

D)   Os sócios herdeiros acordaram em abrir, entre si, um processo de licitação dos bens/ativos sociais das sociedades D..., S.A. (D...) e E..., S.A. (E...). 

E)   Para o efeito, compareceram na sede societária, nos dias 31 de Maio, 1 de Junho e 5 de Junho de 2013, para realizarem a venda, em leilão, dos ativos de ambas as sociedades. 

F)    Os sócios dividiram-se em 4 grupos licitantes assim representados: as sócias H..., A..., C... e I... constituíram o Grupo Licitante A; o sócio J... constituiu o Grupo Licitante B; a sócia K... constituiu o Grupo Licitante C e a sócia L... constituiu o Grupo Licitante D. 

G)   O total licitado por todos os sócios deu o resultado de €18.027.659,83. 

H)   O valor total licitado por cada Grupo de sócios foi o seguinte: total do Grupo A - € 8.569.714,03; total do Grupo B - € 3.771.060,00; total do Grupo C - € 2.619.195,80; total do Grupo D - € 3.067.690,00.

I)     A quota ideal de cada Grupo, em função do resultado de € 18.027.659,83, era a seguinte: Grupo A: 50% - € 9.013.829,92; grupo B: 16,666% - € 3.004.609,97; Grupo C: 16,666% - € 3.004.609,97; Grupo D: 16,666% - € 3.004.609,97. 

J)     Num património total, correspondente a € 18.027.659,83, o Grupo A tinha a receber € 444.115,89, o Grupo B tinha a pagar € 766.450,03, o Grupo C tinha a receber € 385.414,17 e o Grupo D tinha a pagar € 63.080,03. 

K)   Em dezembro de 2014, os novos sócios constituíram as sociedades comerciais M..., S.A., N..., S.A., O..., S.A., P..., S.A. e Q..., S.A. 

L)   Em assembleias gerais das sociedades D... e E..., realizadas em 17 de dezembro de 2015, e das sociedadesM..., S.A., N..., S.A., O..., S.A., P..., S.A. e Q..., S.A., realizadas em 14 de dezembro de 2015, foi aprovado um Projeto de Cisão/Dissolução/Fusão, formalizado através de escritura pública outorgada em 18 de dezembro de 2015, que aqui se dá como reproduzida.

M)  Pela escritura pública a que se refere a antecedente alínea L) foi deliberado:

- A cisão da sociedade D..., mediante a divisão de todo o seu património em seis partes e fusão com partes do património da D..., S. A. e com as cinco sociedades por quotas identificadas na antecedente alínea K) e uma sociedade a constituir.

- A cisão da sociedade E..., mediante a divisão de todo o seu património em seis partes e fusão com partes do património da D... e com as cinco sociedades por quotas identificadas na antecedente alínea K) e uma sociedade a constituir.

-  A consequente extinção das sociedades cindidas D... e E... .

- A fusão imediata de uma parte dos patrimónios cindidos das sociedades D... e E..., entre si e com as sociedadesM..., S. A., N..., S. A., O..., S.A., P..., S.A., Q..., S.A. e a sociedade a constituir.

- Os acionistas das sociedades cindidas participam em cada uma das sociedades objeto da fusão com as partes do património das sociedades cindidas dividido na proporção que lhes cabe em cada uma das sociedades, que correspondem às seguintes quotas-partes:

H...- 1/8;

A...- 1/8;

I...- 1/8;

C...- 1/8;

J...- 1/6

K...- 1/6;

L...- 1/6

- Na sequência da cisão/dissolução/fusão foi constituída a sociedade R..., S.A., cujo capital social se encontra distribuído pelos acionistas H..., A..., I..., C..., J..., K... e L....

N) Como consequência da operação de cisão/dissolução/fusão, cada nova sociedade recebeu o património correspondente aos bens/ativos que foram adjudicados a cada Grupo Licitante, do seguinte modo: a sociedade P..., S.A. ficou com o património correspondente aos bens/ativos que foram adjudicados a K...; a sociedade Q..., S.A. ficou com o património correspondente aos bens/ativos que foram adjudicados a L...; a sociedade R..., S.A. ficou com o património correspondente aos bens/ativos que foram adjudicados a J...; as sociedades N..., S.A.,  O..., S.A. e M..., S.A. ficaram com o património correspondente aos bens/ativos que ficaram a pertencer ao Grupo Licitante composto por H..., C..., A... e I..., por força da licitação. 

O) Todos os sócios herdeiros mantiveram a qualidade de acionistas nas seis sociedades incorporantes. 

P)    Em 2017, os sócios das sociedades incorporantes celebraram, entre si, contratos de compra e venda de ações, pelos quais permutaram entre si as ações representativas do capital das sociedades de forma que cada um deles passe a ser o titular exclusivo do capital da sociedade que detinha os bens/ativos que lhe deveriam caber nos termos definidos no processo de licitações.

Q) Através desses contratos, que foram juntos com as alegações dos Requerentes e aqui se dão como reproduzidos, foi acordada a compra e venda recíproca de ações nos seguintes termos:

- A... vendeu a C... as ações de que era proprietária na sociedade N..., S. A. e esta vendeu àquela as ações de que era proprietária na sociedade M..., S.A., pelo preço idêntico de € 124.140,83;

- L... vendeu a A... as ações de que era proprietária na sociedade M..., S.A. e esta vendeu àquela as ações de que era proprietária na sociedade Q..., S.A., pelo preço idêntico de € 117.180,00; 

- K... vendeu a A... as ações de que era proprietária na sociedade M..., S.A. e esta vendeu àquela as ações de que era proprietária na sociedade P..., S.A., pelo preço idêntico de € 125.908,43; 

- A... vendeu a I... as ações de que era proprietária na sociedade O..., S.A. e esta vendeu àquela as ações de que era proprietária na sociedade M..., S.A., pelo preço idêntico de € 89.893,97; 

- J... vendeu a I... as ações de que era proprietário na sociedade M..., S.A. e esta vendeu àquele as ações de que era proprietária na sociedade R..., S.A., pelo preço idêntico de € 160.029,34. 

R) Cada um dos contratos mencionados na alínea anterior contém uma cláusula 5.ª, referente ao preço de compra e venda das ações, contendo um n.º 2 do seguinte teor: “Sendo ambos os montantes de valor idêntico os Primeiro e Segundo Outorgantes nada têm a pagar ou a receber entre si”.

S) Em resultado da permuta A... adquiriu a sociedade

 M..., S.A., C... adquiriu a sociedade N..., S.A., I... adquiriu a sociedade O..., S.A., J... adquiriu a sociedade R..., S.A., K... adquiriu a sociedade P..., S.A. e L... adquiriu a sociedade Q..., S.A.

T) H... manteve uma participação minoritária nas sociedades M..., S.A., N..., S.A., e O..., S.A.

           U) Por efeito da alienação de participações sociais, os Requerentes A... e B... declararam no anexo G da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2017, os seguintes valores:

Quadro 03 — Anexo G da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS 

Valor de Realização 

Valor de Aquisição

Despesas

Menos-valia (3)

617.152,57

705.743,87

0,00

-222.682,63

 

V) Por efeito da alienação de participações sociais, a Requerente C... declarou no anexo G da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2017, os seguintes valores:

Anexo G da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS 

Valor de Realização 

Valor de Aquisição

Despesas

Menos-valia (3)

618.333,87

748.898,74

0,00

-136.195,72

 

X) Os Requerentes A... e B... foram objeto de uma ação de inspeção tributária, credenciada pela Ordem de Serviço nº OI2019..., em vista ao controlo de operações com instrumentos de capital próprio (declaração modelo 4), operações com instrumentos financeiros (declaração modelo 13) e anexos G e G1 da declaração de IRS, referentes ao período de tributação de 2017, e destinada a apurar a veracidade dos valores declarados em sede de mais-valias.  

Z) O Relatório de Inspeção Tributária, elaborado no âmbito do procedimento inspetivo, determinou uma correção ao rendimento/resultado líquido da categoria G do IRS do ano de 2017, no tocante ao saldo entre as mais-valias e as menos-valias realizadas com a alienação onerosa de partes sociais, no valor de € 771.807.65 e que originou a liquidação oficiosa de IRS nº 2021..., respeitante a esse ano, no valor € 367.862,92, e a correspondente compensação e acerto de contas nº 2021..., no valor de € 371.504,16.

AA) O Relatório de Inspeção Tributária, na parte relevante, refere o seguinte:

[…]

III.4. Valores médios de venda das ações de cada sociedade

Reunindo a informação constante nas modelos 4 (aquisição e/ou alienação de valores mobiliários) entregues por cada um dos sete acionistas (quadro 6) obtemos os seguintes valores unitários médios de venda das ações:

 

Quadro 11 – Valores unitários médios de venda das ações

Denominação da sociedade emitente

NIPC

Total das ações da sociedade

N.º das ações alienadas

% das ações alienadas

Valor total das ações alienadas (€)

Preço de venda médio por ação

P..., S.A.

...

2.239.372

1.865.360,00

83%

1.744.626,28

€ 0,94

Q…, S.A.

...

2.084.200

1.736.050,00

83%

1.853.570,40

€ 1,07

S…, S.A. / R… S.A.

...

2.844.966

2.370.805,00

83%

2.437.576,20

€ 1,03

Soma n.º das ações alienadas/Soma do valor das ações alienadas/Média dos preç.venda unit. (A)

5.972.215,00

 

6.035.772,88

€ 1,01

O..., S.A.

...

1.918.739

1.358.397,76

71%

462.960,24

€ 0,34

N..., S.A.

...

2.649.334

1.875.904,00

71%

690.717,57

€ 0,37

M..., S.A.

...

3.437.902

2.434.473,00

71%

712.621,57

€ 0,29

Soma n.º das ações alienadas/Soma do valor das ações alienadas/Média dos preç.venda unit. (B)

5.668.774,76

 

1.866.299,38

€ 0,33

([B]) – [A])/ [A] * 100

 

 

 

- 67,33€

 

 

Assim, podemos observar que os herdeiros de G... adquiriram as três primeiras sociedades (P..., S.A., Q..., S.A. S..., S.A.) por um preço médio por ação de €1,01, enquanto os herdeiros de F... adquiriram as outras três sociedades (O..., S.A.  e N..., S.A. e M..., S.A) por um preço médio unitário por ação de apenas €0,33.  Estamos perante uma diferença média por ação de - € 0,68 (€ 0,33 - € 1,01), que representa uma diferença de - 67,33% ((€ 0,33 - € 1,01) / € 1,01*100).

De facto, como se pode observar no quadro acima, o preço médio de venda por ação das Sociedades P..., S.A. (0,94 €), Q..., S.A. (1,07 €) e R..., S.A. (S...,  S.A.) (1,03 €) é muito superior ao preço  unitário praticado  pela SP (0.45 €), o que constitui indício objetivo de que o preço de mercado daquelas ações  é muito  superior  ao declarado pelo SP.

 

III.5. Valor de realização - preço de venda das ações praticado

Refira-se que todos os contratos de compra e vendas das ações têm a mesma estrutura e redação, referindo relativamente ao preço praticado o seguinte:

 

Cláusula 5 – “O preço unitário de compra e venda será o que resulta do respetivo valor de mercado, consoante definido supra (preço de referência)”.

Clausula 4 (Pressupostos essenciais das aquisições e vendas)

“1. A decisão dos compradores de adquirirem e dos vendedores de alienarem as ações é baseada no pressuposto essencial de que a situação contabilística das sociedades envolvidas, é a que vem refletida nos balancetes referentes a setembro de 2016, o que foi determinante para:

a) O valor de referência das sociedades;

b) O preço de referência, que foi determinado em função desse valor de referência.” 

Na cláusula 1, relativa às definições é referido o seguinte, nas alíneas c) e d):

“c) Enterprise Value ou Valor de Referência das Sociedades: valor que foi determinado objetivamente, pelo valor de mercado dos ativos das Sociedades, obtido através de um processo de licitações, e, subjetivamente, em função do montante de cada parte está disposta a pagar, e a outra parte está disposta a receber, pelas compras e vendas definidas nestes contratos;

“d) Preço de Referência: valor das presentes compras e vendas, correspondente ao resultado da divisão do Enterprise Value ou Valor de Referência pelo número de ações transacionadas ...”

Em face do exposto, conclui-se que o preço de referência relativo às ações transacionadas, por permuta, entre familiares, deveria considerar o valor de mercado dos ativos e a situação contabilística/patrimonial de cada uma destas sociedades, uma vez que, todas estas empresas se dedicam à compra e venda de bens imobiliários, e a sua avaliação e os seus resultados estão diretamente ligados com a carteira de imóveis detidos e com as vendas realizadas dos mesmos.

Porém, a SP A... vendeu as ações das sociedades P..., S.A., Q..., S.A., S..., S.A., O..., S.A. E N..., S.A., pelo preço igual de 0,45€ cada ação, gerando valores bastantes díspares nas aquisições efetuadas por permuta das ações da sociedade M..., S.A. e muito abaixo dos respetivos valores nominais, conforme se depreende do quadro seguinte:

 

Quadro 12 – Preço médio por ação transacionada

Empresa / outorgantes

N.º de Ações

(1)

Valor de venda

(2)

Preço médio por ação

(3)=(2)/(1)

M...

 

 

 

Ações transmitidas por K... a A...

477.348,00

125.908,43 €

0,26 €

Ações transmitidas por L... a A...

477.348,00

117.180,00 €

0,25 €

 Ações transmitidas por I... a A...

358.010,50

89.893,97 €

0,25 €

Ações transmitidas por C... a A...

358.010,50

124.140,83 €

0,35 €

Ações transmitidas por J... a A...

477.348,00

160.029,34 €

0,34 €

Total das ações da M...

2.148.065,00

617.1852,57 €

0,29 €

O...

 

 

 

Ações adquiridas por I... a A...

199.764,38

89.893,97 €

0,45€

N...

 

 

 

Ações adquiridas por C... a A...

275.868,50

124.140,83 €

0,45 €

S...

 

 

 

Ações adquiridas por J... a A...

355.620,75

160.029,34 €

0,45 €

P...

 

 

 

Ações adquiridas por K... a A...

279.796,50

125,908,463 €

0,45 €

Q...

 

 

 

Ações adquiridas por L... a A...

260.400,00

117.180,00 €

0,45 €

 

 

Considerando os valores contabilísticos e os valores patrimoniais tributários (VPT) dos imóveis detidos por aquelas sociedades (registados em inventários) em 2016 (antes da venda das ações ocorrida em 2017), elaborou-se ainda o seguinte quadro comparativo:

 

Quadro 13 – Valores contabilísticos e valores patrimoniais dos imóveis das sociedades

SOCIEDADE

(1)

ANO 2016

N.º de Ações (2)

Capital Próprio

(3)

Valor  Balanço por ação (4=3/2)

Val.Cont. Imóveis (5)

Valor  Contab. dos Imóveis por ação (6=5/2)

VPT Imóveis (7)

Valor do VPT Imóveis por ação (8=7/22)

P..., SA

2.239.372

€ 2.237.752,89

€ 1,00

€ 4.185.292,30

€ 1,87

€ 5.879.487,39

€ 2,63

Q..., SA

2.084.200

€ 2.072.464,21

€ 0,99

€ 4.257.331,07

€ 2,04

€ 4.891.660,55

€ 2,35

S..., SA

2.844.966

€ 2.816.989,66

€ 0,99

€ 5.095.011,62

€ 1,79

€ 4.032.229,24

€ 1,42

M..., SA

3.437.902

€ 3.455.254,82

€ 1,01

€ 4.455.277,26

€ 1,30

€ 6.407.058,71

€ 1,86

O..., SA

1.918.739

€ 1.943.065,65

€ 1,01

€ 3.844.058,99

€ 2,00

€ 4.945.166,60

€ 2,58

N..., SA

2.649.334

€ 2.628.650,79

€ 0,99

€ 4.345.835,36

€ 1,64

€ 5.444.038,00

€ 2,05

 

 

Como se constata no quadro demonstrativo acima, verifica-se, que não existe uma diferença significativa quer entre os valores contabilísticos quer entre os valores patrimoniais tributários (VPT) dos imóveis detidos pelas sociedades que justifiquem os preços praticados. Ou seja, não existe motivo económico/contabilístico válido para as ações representativas do capital social das sociedades em causa terem sido vendidas pelo sujeito passivo por 0,45 € cada ação, valor muito abaixo dos respetivos valores nominais que é de 1,00 € cada ação, bem como muito inferior ao preço médio  unitário praticado na venda das ações representativas  do  capital  social  das sociedades P..., S.A., Q..., S.A e S..., S.A. que é de 1,01  € cada ação (ver quadros 11, 12 e 13).

Acresce ainda que, em 2016/12/31  o valor  contabilístico /balanço por ação de cada  uma  das sociedades rondava o valor de € 1,00, muito  próximo do valor nominal de cada ação das sociedades em apreço, que é de € 1,00, pelo que a contabilidade corrobora o valor nominal das ações, colocando em causa os preços de venda praticado das ações representativas do capital social das sociedades P..., S.A., Q..., S.A.,  S..., S.A.,  O..., S.A. e N...,  S.A..

Resulta do exposto que o valor de realização considerado pela SP se afasta de forma significativa quer do valor nominal quer do valor de mercado das ações alienadas.

Deste modo, conclui-se que a diferença entre os preços unitários de venda das ações das sociedades envolvidas, não resultaram do valor de mercado das ações das sociedades, e foram consequência dos seguintes fatores:

Ø  Das relações familiares existentes entre os intervenientes nas transações de ações, pois estas transações entre familiares na linha reta (entre mãe e filhos) ou na linha colateral (entre irmãos ou entre primes em primeiro grau);

Ø  Do objetivo de concluir o processo de partilha do património efetuado através da operação de cisão/dissolução/fusão das sociedades, de forma que as vendas recíprocas de cisão/dissolução/fusão das sociedades, (permutas) de ações das sociedades não gerassem valores a pagar ou a receber;

Evitar a tributação por parte da SP, de modo que a correspondente venda das participações sociais das sociedades envolvidas não originasse pagamento de imposto em sede de IRS, razão pela qual o preço de venda das ações não foi determinado pelo valor de mercado das mesmas, mas pelo valor de aquisição a considerar para efeitos fiscais (conforme, o artigo 45° do CIRS), calculado nos termos do artigo 15° do Código do Imposto do Selo. No entanto, como à frente se referirá, tratando-se de troca, o valor de realização a considerar para efeitos fiscais terá como referência, não o valor de mercado das ações transmitidas, mas o valor de mercado das ações recebidas, acrescido ou diminuído, consoante o caso, da importância em dinheiro conjuntamente recebida ou paga, como resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º do Código do IRS.

DATA

CONTRAPARTE

N.º AÇÕES (A)

VALOR DO CONTRATO

VALOR DE MERCADO

FLUXO

VALOR DE REALIZAÇÃO (H=E+F+G)

VALOR UNITÁRIO (B)

VALOR (C=AxB)

VALOR UNITÁRIO (D)

VALOR (E=AxD)

RECEBE (F)

PAGA

(G)

 

10-02-2017

K...

477.348,00

0,264

125.908,43

1,005048

479.757,65

0,00

0,00

479.757,55

10-02-2017

I...

358.010,50

0,251

89.893,97

1,005048

359.817,74

0,00

0,00

358.817,74

10-02-2017

C...

358.010,50

0,347

124.140,83

1,005048

359.817,14

0,00

0,00

359.817,74

06-07-2017

J...

477.348,00

0,335

160.029,34

1,005048

479.757,65

0,00

0,00

479.757,65

10-02-2017

L...

477.348,00

0,245

117.180,00

1,005048

479.757,65

0,00

0,00

479.757,65

TOTAL

 

 

 

 

 

 

 

 

2.158.908,43

 Do exposto, conclui-se que as ações representativas do capital social destas sociedades foram transacionadas/permutadas por um preço muito inferior ao seu valor, nominal, bem como ao seu valor de mercado.

[…]

III.8. Correção ao quadro 9 do anexo G da declaração de IRS - 2017

Tendo em atenção o ponto anterior, irá proceder-se à aplicação da alínea a) do n.º 1 do art. 44.º do CIRS, cujo teor se transcreve (sublinhado nosso): “Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:

a) No caso da troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos ou o valor de mercado, quando aquele não existia ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ao outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar”.

Assim, no cálculo das correções a efetuar ao valor da realização irá ser considerado, relativamente às permutas, o valor unitário contabilístico ou de balanço das ações recebidas pela SP, ou seja, o valor unitário de balanço das ações da sociedade M... S.A. em 2016/12/31, que corresponde a €1,005048 (Valor dos capitais próprios €3.455.254,82/número de ações 3.437.905=€1,005048).

Como tal, no quadro seguinte apura-se o valor de realização, relativamente a cada um dos contratos celebrados por A... em 2017, tendo em atenção as ações da sociedade M..., S.A. recebidas em troca pela SP:

 

Quadro 16 – Cálculo do valor de realização (Valores em Euros)

 

 

Em face do apurado no quadro anterior, é possível verificar-se o valor de realização, com referência às ações alienadas por parte de A..., relativamente a cada um dos contratos por si celebrados, conforme espelha o quadro seguinte:

 

Quadro 17 – Valor de realização corrigido das ações alienadas (Valores em Euros)

 

DATA

CONTRAPARTE

AÇÕES ALIENADAS

VALOR DE REALIZAÇÃO

ENTIDADE

N.º DE AÇÕES

10-02-2017

K...

P...

279.796,50

479.757,65

10-02-2017

I...

O...

199.764,38

359.817,74

10-02-2017

C...

N...

275.868,50

359.817,74

06-07-2017

J...

S...

355.620,75

479.757,65

10-02-201

L...

Q...

260.400,00

479.757,65

TOTAL

 

 

 

2.158.908,43

 

 

Finalmente, o quadro seguinte espelha o cálculo da correção total efetuada ao valor de realização relativas à alienação onerosa de partes sociais, para efeitos do apuramento dos rendimentos obtidos no território português:

 

                               Quadro 18 – Correção ao valor de realização das ações alienadas

 

ENTIDADE EMITENTE

VALOR DE REALIZAÇÃO DECLARADO (a)

VALOR DE REALIZAÇÃO CORRIGIDO (b)

CORREÇÃO (c=b-a)

NIF

DENOMINAÇÃO

...

P...

325.908,43

479.757,65

353.849,22

...

O...

89.893,97

359.817,74

269.923,77

...

N...

124.140,83

359.817,74

235.676,91

...

M...

160.029,34

479.757,65

319.728,31

...

Q...

117.180,00

479.757,65

362.577,65

SOMA

617.152,57

2.158.908,43

1.541.755,86

 

 

III.9. Correção meramente aritmética aos rendimentos da categoria G

III.9.1 Cálculo da mais-valia tributável

 

A mais-valia tributável, depois de aplicado o coeficiente de desvalorização monetária ao valor de aquisição, nos termos do no art.º 50° do CIRS, é apurada da seguinte forma:

Mais-Valia = Valor de realização - (Valor de aquisição * Coef. de desvalorização + Despesas)

Mais-Valia = € 2.158.908,43 - (705.743,87€*1,19 + 0)

Mais-Valia = € 1.319.073,23

Preconiza o n.º 3 do artigo 43.º do Código de IRS, que a alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, relativa a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, e considerado em 50 % do seu valor.

Em face do exposto, da correção efetuada ao quadro 09, do anexo G, da declaração modelo 3 de IRS de 2017, entregue pelos contribuintes, resultará um acréscimo ao rendimento coletável de € 659.536,62 (€ 1.319.073,23 *50%).      

 

III.9.2 Opção pelo englobamento de rendimentos

O saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias de tais rendimentos, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, e tributado à taxa autónoma de 28%.

Contudo, pode ser englobado por opção dos respetivos titulares, desde que residentes em território português (cfr. artigo 72.º, n.º 8, do CIRS).

Tendo os sujeitos passivos exercido a opção pelo englobamento no campo 01 do quadro 15 do anexo G, para efeitos de apuramento do rendimento coletável irá ser respeitada essa opção.

 

III.9.3 Resgate/reembolso de outros valores mobiliários

 

Da consulta a declaração modelo 13 - Valores Mobiliários, Warrants Autónomos e Instrumentos Financeiros Derivados entregue pelas Instituições de crédito e sociedades financeiras que com a sua  intervenção,  tenham efetuado operações relativas a valores mobiliários e warrants autónomos,  bem coma operações relativas  a instrumentos financeiros derivados,  incluindo  os produtos  financeiros complexes, nos termos do artigo  124°  do Código do IRS,  detetou-se o resgate/reembolso das seguintes unidades de participação (cf.  ponto II.3.2.2.):                                

 

NIF sujeito Passivo

NIF Entidade Declarante

Ano Fiscal

Código do Valor Mobiliário

Designação

Data da Operação

Natureza da Operação

N.º de Títulos

Valor da Operação

...

...

2017

LUO...519

04-Unidade de participação

2017-09-18

11-Resgate/reembolso de outros valores mobiliários

189

-2.579,25

...

...

2017

LUO...5229

04-Unidade de participação

2017-08-21

11-Resgate/reembolso de outros valores mobiliários

30

-1.181,10

 

 

Assim, tendo os sujeitos passivos optado pelo englobamento das mais-valias e outros incrementos patrimoniais, ao auferir rendimentos do resgate/liquidação de unidades de participação em fundos de investimento, deviam os mesmos ter sido declarados no anexo G, declaração de IRS-2017, mas tal não aconteceu.

Em face do exposto, foi notificado o sujeito passivo para prestar esclarecimentos (cf.  ponto II.3.2.2.), tendo este remetido os documentos emitidos pelas instituições financeiras, com a aquisição e a resgate/alienação das unidades de participação acima identificadas.

Das unidades de participação, com o código mobiliário LUO ...519, resulta uma mais-valia de 79,25€ (valor de realização - valor de aquisição = 2.579,25€-2.500,00€=79,25€), enquanto das unidades de participação com código mobiliário LUO ... 229, resulta uma mais-valia de 850,47€ (valor de realização-valor de aquisição*coef. de desvalorização da moeda = 1.181, 10€ - (306.14€*1.08) = 850,47€).

É de referir que, de acordo com o entendimento vertido na ficha doutrinária da informação vinculativa proferida no processo n.º 3869/2018, com despacho da Subdiretora-Geral do IRS, de 2019-04-18, “a Lei n.º 15/2010 ao ter introduzido o regime do n.º 3 e n.º 4 do artigo 43.º do CIRS, apenas e só pretendeu incrementar um regime fiscal mais favorável para as mais-valias obtidas na alienação de partes sociais de micro e pequenas empresas sediadas em Portugal.  E não de sociedades estrangeiras, não residentes em Portugal”.  Deste modo, as mais valias referidas no parágrafo anterior, respeitantes a partes sociais de empresas não residentes em território nacional (as entidades a que correspondem os códigos mobiliários LUO ... 519 e LUO ...229 têm domicílio no Luxemburgo), não se aplica o disposto no n.º 3 do artigo 43° do Código do IRS, sendo consideradas em 100% do seu valor.

De acordo com os elementos acima expostos, propõe-se a seguinte correção no quadro 09, do anexo G, da declaração de rendimentos:

 

Quadro 19 – Correção ao quadro 09 do anexo G da declaração modelo 3 de IRS

NIF da entidade emitente

Realização

Aquisição

Despesas e encargos

Data

Valor

Data

Valor

...

21-08-2017

1.181,10

16-11-2010

306,14

0,00

...

18-09-2017

2.579,25

03-11-2016

2,500,00

0,00

...

10-02-2017

479.757,65

09-11-2004

143.982,39

0,00

...

10-02-2017

479.757,65

09-11-2004

134.001,0

0,00

...

10-02-2017

359.817,74

09-11-2004

102.798,11

0,00

...

10-02-2017

359.817,74

09-11-2004

141.961,05

0,00

...

06-07-2017

479.757,65

09-11-2004

183.001,31

0,00

Soma

 

2.162.668,78

 

708.550,01

 

 

 

Quadro 20 – Correção ao exercício de 2017

Rúbrica

Montante

1. Menos valia fiscal declarada (quadro 8)

-222.682,63€

2. Correção (1.541.755,86 €+79,25 €+850,47 €, quadro 14 + cap. III.9.3

1.542.685,58€

3. Mais-valia corrigida (1+2)

1.320.002,95€

4. Mais-valia a considerar (1.319.073,23€*50%+79,25€+850,47€)

660.466,34€

 

            III.10. Apuramento do rendimento coletável 

De acordo com o referido no ponto II.3.1, o sujeito passivo ao entregar a declaração de rendimentos do exercício de 2017, optou pela tributação conjunta dos rendimentos, nos termos do n.º 2, do artigo 59.º do mesmo código, pelo que, no cálculo do apuramento do rendimento coletável será respeitada essa opção.

Preconiza a alínea d), n.º 1, do artigo 55.º do Código de IRS, que o saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, do Código do IRS, pode ser repostado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.

Assim, tendo-se constatado pela consulta às aplicações da Autoridade Tributária que há perdas a reportar, da categoria G, do exercício de 2016, referentes ao SP A..., NIF ... na importância de 40.657,48€, e que ainda não foram deduzidas, serão as mesmas consideradas no cálculo do rendimento líquido coletável. É de referir que o sujeito passivo B..., NIF..., tem igualmente perdas a reportar do exercício 2016 no montante de 40.874,58€, mas, respeitando a mais-valia obtida em 2017 ao SP A..., NIF..., apenas serão deduzidas à mesma mais-valia as perdas a reportar do mesmo titular do rendimento. De facto, atento ao disposto no n.º 1 do artigo 55º do Código do IRS, na redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, o apuramento é feito por titular e, no caso de haver resultados líquidos negativos, estes apenas serão dedutíveis nos resultados líquidos positivos da mesma categoria de rendimentos e do mesmo titular.

 

Quadro 21 – Apuramento do rendimento coletável

 

Tipo de Rendimentos

Rendimento Líquido Declarado

Correção (*)

Rendimento Líquido Corrigido

1. Rendimento de trabalho dependente e pensões – Cat. A

60.301,26 €

 

60.301,26 €

2. Rendimentos, profissionais comerciais e industriais – Cat. B

0,00 €

 

0,00 €

3. Rendimentos de mais-valias e outros incrementos patrimoniais – Cat. G

-111.341,31 €

771.807,65 €

660.466,34 €

4. Rendimento Global (1+2+3)

60.301,26 €

 

720.767,60 €

5. Declarações específicas

8.724,00€

 

8.724,00 €

6. Perdas a recuperar

0,00 €

 

40.657,48 €

Total Rendimento Líquido Coletável (4-5-6)

51.577,26 €

771.807,65 €

671.385,12 €

 

(* Correção = 1.541.755,86€*50%+79,25€+850,47€)

 

 BB) A Requerente C... foi objeto de uma ação de inspeção tributária, credenciada pela Ordem e Serviço nº OI2019..., com idênticos objetivos.

CC) O Relatório de Inspeção Tributária, elaborado no âmbito do procedimento inspetivo, determinou uma correção ao rendimento/resultado líquido da categoria G do IRS do ano de 2017, no tocante ao saldo entre as mais-valias e as menos-valias realizadas com a alienação onerosa de partes sociais, no valor de € 374.260,20 e originou a liquidação oficiosa de IRS nº 2021..., referente ao ano de 2017, no valor €115.548,39, e a correspondente compensação e acerto de contas nº 2021..., no valor de € 116.154,69, bem como a liquidação de IRS nº 2021..., referente ao ano de 2019, no valor € 30.176,65, e a correspondente  compensação e acerto de contas nº 2021 ..., no valor de € 32.477,71. 

DD) O Relatório de Inspeção Tributária, na parte relevante, refere o seguinte:

 

III.2. Correção ao rendimento coletável   

O rendimento coletável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias, auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos, de acordo com o artigo 22.º do CIRS.

Estipula a alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS que constituem mais-valias os ganhos obtidos que,  não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários,  incluindo o resgate de unidades de participação em fundos de investimento,  sendo o ganho sujeito a IRS  constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição,  líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso (alínea a) do n.º 4 do mesmo artigo).

Nos termos do artigo 42.º do mesmo código, e sem prejuízo do disposto relativamente às mais-valias, não são feitas quaisquer deduções aos restantes rendimentos qualificados como incrementos patrimoniais.

 

III.2.1.  Modelo 13 - valores mobiliários, warrants autónomos e instrumentos financeiros derivados

Da consulta à declaração modelo 13 - Valores Mobiliários, Warrants Autónomos e Instrumentos Financeiros Derivados, entregue pelas instituições de crédito e sociedades  financeiras que com a sua intervenção, tenham efetuado operações relativas a valores mobiliários e warrants autónomos, bem como operações relativas a instrumentos  financeiros derivados, incluindo os  produtos financeiros complexos,  nos termos do  artigo 124.º das  CIRS,  consta o   resgate/reembolso  das seguintes unidades de participação:

 

NIF Sujeito Passivo

NIF Entidade Declarante

Ano Fiscal

Código do Valor Mobiliário

Designação

Data da Operação

Número da operação

Nª Títulos

Valor da Operação

...

...

2017

LUO ...519

04-Unidades de participação

2017-09-18

11-Resgate/reembolso de outros valores mobiliários

188

-2.579,24

 

 

A operação acima não foi considerada pelo SP no “Quadro 9 - Alienação Onerosa de Partes Sociais e Outros Valores Mobiliários” do anexo G da Modelo 3 do IRS.  Notificado o sujeito passivo para prestar esclarecimentos, referiu que o “…resgate apenas agora foi devidamente comunicado peio banco, após tomar conhecimento através da vossa carta e insistir junto do banco, pelo que não foi incluído na declaração de IRS devido ao banco não me ter enviado a informação devida. No entanto, devido as menos-valias geradas pela alienação das a ações, este lapso não originou qualquer prejuízo para a fazenda pública …”.

Dos elementos enviados pelo SP resulta que, conforme se verifica na informação disponibilizada pela instituição bancária, da operação subjacente aos valores mobiliários em apreço foi apurado um resultado positivo e não uma menos-valia conforme referido pelo SP.

Assim, de acordo com os elementos remetidos, propõe-se a seguinte correção no quadro, do anexo G, da declaração de rendimentos, da qual resulta um incremento ao rendimento de € 79,24 (=€ 2.579,24 - € 2.500,00):

 

NIF da Entidade Emitente

Código da Operação

Valor de Realização

Valor de Aquisição

Despesas e Encargos

...

G22

€ 2.579,24

€ 2.500,00

€ 0,00

 

 

III.2.2.  Modelo 4 – aquisição e/ou alienação de valores mobiliários

Da consulta a declaração “Modelo 4 - Aquisição e/ou alienação de valores mobiliários”, verificou-se a alienação pelo SP das seguintes participações sociais:

 

Sociedade

NIPC

N.º Ações Alienadas

% Capital Social

Valor Alienação

Valor/Ação

P..., SA

...

279.796,50

12,49%

125.908.43 €

0,45 €

Q..., SA

...

260.400,00

12,49%

117.180,00 €

0,45 €

O..., SA

...

199.764,38

10,41%

89.893,97 €

0,45 €

M..., SA

...

358.010,50

10,41%

124.140,83 €

0,35 €

R…, SA (S…, SA)

...

355.620,75

12,50%

160.029,34 €

0,45 €

 

 

Conforme exposto no ponto III.1.2. ANÁLISE COMPLEMENTAR, solicitou-se ao SP que clarificasse o motivo pelo qual, ações da mesma empresa, foram transacionadas na mesma data, por valores diferentes, bem como os pressupostos que estiveram na base da quantificação e relação de troca estabelecida nas permutas efetuadas (valor/ação), que resultaram na alienação das ações, por igual valor, da sociedade N..., S.A., NIPC... .

Salientou o SP que conforme é referido “…nos contratos, neles e identificado (i) o Enterprise Value ou Valor de Referência de cada Sociedade envolvida, (ii) o Preço de Referência de cada permuta e (iii) a Valorização do Preço de Referência de cada transação. As partes tiveram a preocupação de definir, de forma objetiva, com liberdade total autonomia e preferência, cada um desses conceitos, sendo que, para o Enterprise Value ou Valor de Referência de cada Sociedade, foram analisados, entre outros, os últimos Balancetes disponíveis”.  Refere igualmente que os contratos “…foram celebrados com um propósito de restruturação de ambas as sociedades envolvidas e com o preço determinado pelo correspondente Valor de Mercado.” (sublinhado nosso).

Compulsada a informação reportada em 2017 na Modelo 4 - Aquisição e/ou alienação de valores mobiliários, relativa a alienação de ações em que foram intervenientes as sociedades acima citadas, verifica-se uma divergência entre os valores médios praticados e os valores de alienação considerados pelo SP:    

 

Sociedade

NIPC

1. N.º Ações Alienadas

2. Valor Ações Alienadas

3.=2./1 Preço Médio por Ação

P..., SA

...

1.865.360,00

1.744.626,28 €

0,94 €

Q..., SA

...

1.736.050,00

1.853.570,40 €

1,07 €

O..., SA

...

1,358.397,76

462.960,24 €

0,34 €

M..., SA

...

2.434.473,00

712.621,57 €

0,29 €

R…, SA (S…, SA)

...

2.370.805,00

2.437.576,20 €

1,03 €

 

 

De facto, como se pode observar no quadro acima, o preço médio de venda por ação das sociedades P..., SA (0,94 €), Q..., SA (1,07 €) e R..., SA (S..., SA) (1,03 €) é muito superior ao preço unitário praticado pelo SP (0,45 €), o que constitui indício objetivo de que o preço de mercado daquelas ações é muito superior ao declarado pelo SP.

No entanto, como à frente se referirá, tratando-se de troca, o valor de realização a considerar para efeitos fiscais terá como referência, não o valor de mercado das ações transmitidas, mas o valor de mercado das ações recebidas, acrescido ou diminuído, consoante o caso, da importância em dinheiro conjuntamente recebida ou paga, como resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º do Código do IRS.

Valor de Mercado das Ações alienadas e recebidas em troca  

De acordo com o explicado pelo SP, o preço cada permuta teve como “... pressuposto, motivo essencial e determinante da realização das referidas transações que qualquer dos Outorgantes nada tivesse a pagar ou a receber entre si.”

Tratando-se de ações não cotadas, o melhor indicador do valor de mercado das ações é obtido pela divisão entre o capital próprio das sociedades (dado pela diferença entre ativos detidos e passivos assumidos) e o número de ações representativas do capital dessas sociedades, reportadas a 31 de dezembro de 2016 (último balanço disponível anterior à data de alienação das ações, que ocorreu maioritariamente em fevereiro de 2017).     

Tendo por base a informação reportada na Informação Empresarial Simplificada (IES) de 2016, Quadro 04-A Balanço, apurou-se o valor de mercado das ações transacionadas, sendo que o valor calculado é similar ao respetivo valor nominal, que ascendia a € 1,00 em cada uma das sociedades:

 

Sociedade

NIPC

(1) Capital Próprio

(2) N.º Ações

(3)=(1)/(2) Valor de Mercado/Ação

P..., SA

...

2.237.752,89 €

2.239.372

1,00 €

Q..., SA

...

2.072.464,21 €

2.084.200

0,99 €

O..., SA

...

1.943.065,65 € 

1.918.739

1,01 €

M..., SA

...

3.455.254.82 €

3.437.902

1,01 €

R…, SA (S… SA)

...

2.816.989,66 €

2.844.966

0,99 €

N... SA

...

2.626.650,79 €

2.649.334

0,99 €

 

 

Resulta do exposto que o valor de realização considerado pelo SP se afasta de forma significativa quer do valor nominal quer do valor de mercado das ações alienadas. De facto, agregando a informação relativa às variáveis custo de aquisição, valor de alienação e valor de mercado das ações objeto de alienação pelo SP, resulta um valor médio por ação de:

 

Sociedade

NIPC

Custo de Aquisição

Valor de Alienação

Valor de Mercado

P..., SA

...

0,51 €

0,45 €

1,00 €

Q..., SA

...

0,51 €

0,45 €

0,99 €

O..., SA

513 306 145

0,51 €

0,45 €

1,01 €

M..., SA

513 341 285

0,51 €

0,35 €

1,01 €

R…, SA (S…, SA)

513 790 586

0,51 €

0,45 €

0,99 €

 

 

Da mesma forma, verifica-se que o sujeito passivo adquire ações da sociedade N..., S.A., por um valor significativamente inferior quer ao valor nominal quer ao valor de mercado das mesmas ações:

 

 

       Sociedade

     NIPC

 Quantidade

Comprada

 Preço Compra 

Custo unitário

de aquisição

Valor

nominal

Valor de

Mercado

N... SA 

...

1.655.209

617.152,57 €

0,373 €

 

0,99 €

 

Deste modo, conclui-se que os preços unitários das vendas das ações, não resultaram do valor de mercado das ações das sociedades, mas foram consequência dos seguintes fatores:

- Das relações familiares existentes entre os intervenientes nas transações de ações, pois estamos perante transações entre familiares na linha reta (entre mãe e filhos) ou na linha colateral (entre irmãos ou entre primos em primeiro grau);         

- Porque o objetivo era garantir que não haveria, na maior parte dos casos, dado que se tratava de vendas recíprocas (permutas), valores a pagar ou receber, o que justificava a prática de preços unitários de compra e venda aproximados;

- Porque, conforme evidenciado no quadro anterior, o valor de aquisição das ações a considerar para efeitos  fiscais (conforme o artigo 45.º do CIRS), calculado nos termos do artigo 15.º do Código do Imposto do Selo, é de 0,51 € por ação, significativamente mais baixo do que o valor nominal e de marcado das mesmas ações, concluindo-se, pela existência de motivação fiscal na fixação pelo SP dos preços de venda das ações, que foram fixados  abaixo do valor da aquisição para efeitos fiscais de forma a evitar obter mais-valias sujeitas a tributação para efeitos de IRS.

[...]

 

Correção do Valor de Realização

A alínea a) do número 1 do artigo 44.º do CIRS preconiza que para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização “No caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar...”. O “valor de mercado” previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º do CIRS refere-se ao valor dos bens recebidos e não aos bens entregues em resultado de permuta/troca.

Assim, tendo por base a alínea a) do número 1 do artigo 44.º do CIRS e o explicitado nos pontos precedentes, procedeu-se à correção do valor de realização das ações alienadas pelo SP, dado que o valor de mercado das ações recebidas em troca (0,99 €) relativas à sociedade N..., SA, NIPC..., é manifestamente superior ao valor atribuído no contrato celebrado pelas partes:

 

Ações Recebidas em Troca da Sociedade N... SA NIPC ...

Alienante

NIF

(1) N.º

Ações

Alienadas

(2) Valor

Alienação

(3)=(2)/(1)

Valor/Ação

K...

...

367.824,00

125.908,43 €

0,34 €

L...

...

367.724,00

117.180,00 €

0,32 €

I...

...

275.868,50

89.893,97 €

0,33 €

A...

...

275.868,50

124.140,83 €

0,45 €

J...

185 836 892

367.824,34 €

160.029,34 €

0,44 €

 

 

Correção ao Valor de Realização – Referencial: Ações Recebidas em Troca da Sociedade N... SA NIPC ...

Sociedade

NIPC

(1) N.º Ações Recebidas em Troca

(2) Valor de realização declarado

(3) Valor mercado/ação

(4)=(1)-(3) Valor de realização corrigido

P..., SA

...

367.824,00

125.908,43 €

0,99 €

364.145,76 €

Q..., SA

...

367.824,00

117.180,00 €

0,99 €

364.145.76 €

O..., SA

...

275.868,50

275.868,50 €

0,99 €

273.109,82 €

M..., SA

...

275.868,50

124.140,83 €

0,99 €

273.109,82 €

R…, Sa (S…, SA)

513 790 586

367.824,00

160.029,34 €

0,99 €

364.145.76 €

 

 

Total

617.152,57€

 

1.638.656,92 €

 

Conforme se demostra no quadro anterior, propõe-se a correção de € 1.021.504,35 ao valor de realização, a qual, atento o disposto no n.º 3 do artigo 43.º do Código de IRS, irá afetar apenas em 50% o rendimento líquido da categoria G, pelo que a correção se fixará em € 510.752,17 (=€ 1.021.504,35 x 50%).

 

Correção ao quadro 09 do Anexo G da declaração modelo 3

Tendo por referência o valor de realização corrigido propõe-se a seguinte correção no quadro 9, do anexo G, da declaração de rendimentos:

 

NIF da entidade emitente

Realização

Aquisição

Despesas e encargos

Data

Valor

Data

Valor

...

10-02-2017

364.145,76 €

09-11-2004

143.982,39 €

0,00 €

...

10-02-2017

364.145,76 €

09-11-2004

134.001,01 €

0,00 €

...

10-02-2017

273.109,82 €

09-11-2004

102.798,11 €

0,00 €

...

10-02-2017

273.109,82 €

09-11-2004

184.231,07 €

0,00 €

...

06-07-2017

364.145,76 €

09-11-2004

183.001,31 €

0,00 €

Soma

 

1.638.656,92 €

 

748.013,89 €

 

 

 

Aplicado o coeficiente de desvalorização monetária ao valor de aquisição nos termos do n.º 1 do artigo 50.º do CIRS apurou-se uma mais-valia de 562.873114 €: 

Ø  Mais-Valia = Valor de realização - (Valor de aquisição * Coeficiente de desvalorização + Despesas e Encargos).

Ø  Mais-Valia = 1.638.656,92 € - (748.013,89 € * 1,19 + 0,00 €)

Ø  Mais-Valia = 748.520,39 €

Preconiza o n.º 3 do artigo 43.º do Código de IRS, que a alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, relativa a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é considerado em 50% do seu valor.

Em face do exposto, da correção efetuada ao quadro 09, do anexo G, da declaração modelo 3 de IRS de 2017, entregue pelo SP, resultará um acréscimo ao rendimento de € 374.260,20 (€ 748.520,39* 50%).

 

III.3. Rendimento coletável corrigido

O rendimento coletável em IRS e o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias, auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos, de acordo com o artigo 22.º do CIRS.

Do exposto nos pontos precedentes resulta o apuramento do seguinte rendimento coletável:

 

Tipo de Rendimentos

Rendimento Declarado

Correção

Rendimento Corrigido

1. Rendimento de trabalho dependente e pensões Categoria A

16.475,13 €

 

 

16.475,13 €

2. Rendimento de mais-valias e outros incrementos patrimoniais – Categoria G

 1 0,00€

 2 374.635,69 €

III.2.1

e

III.2.2

3 374.635,69 €

3. Rendimento Global (=1.+2.)

16.475,113 €

374.635,69 €

 

391.110,82 €

4. Deduções específicas

4.248,00 €

 

 

4.248,00 €

5. Perdas a recuperar

0,00 €

 

 

4 171.982,45 €

6. Rendimento Coletável (=3.-4.-5.)

12.227,13 €

 

 

214.880,37 €

 

1 Apurada uma menos valia no conjunto das várias operações declaradas no Quadro 9 do Anexo G, sendo que numa das operações relativa à alienação de unidades de participação (linha 9001), resultou uma mais-valia de 296,25 € (=1.181,10 €-884,85 €).

2 281.515,81 € = 79,24 € + 281.436,57 €

3 281.812,06 € = 281.515,61 € + 296,25 €

4 Perdas da Categoria G apuradas no ano de 2016 (Número de Liquidação 2017...), dedutíveis aos resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos termos do artigo 55.º do CIRS.     

 

EE)   Em 12 de Abril de 2022, os Requerentes A... e B... deduziram reclamação graciosa, contra os atos de liquidação mencionados na antecedente alínea X), que não foi objeto de decisão no prazo legalmente cominado. 

FF)   Em 12 de Abril de 2022, a Requerente C... deduziu reclamação graciosa contra os atos de liquidação mencionados na antecedente alínea BB), que não foi objeto de decisão no prazo legalmente cominado.

GG)    O pedido arbitral deu entrada no dia 11 de novembro de 2022.

 

Factos não provados

            

Não há factos não provados que relevem para a decisão da causa.

 

Motivação da decisão sobre a matéria de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e na prestação de declarações de parte e produção de prova testemunhal em audiência.

 

            O tribunal apreciou livremente as provas segundo a sua convicção relativamente a cada facto, tomando especialmente em consideração as declarações de parte de A... e o depoimento de T... .

 

            A declarante A... fez referência à licitação realizada em 2013, que teve em vista permitir que cada grupo licitante ficasse com os ativos das sociedades originárias que tivesse licitado, com objetivo de uma futura separação do património social por seis novas sociedades a constituir. Na licitação, houve lugar ao pagamento de tornas por parte dos licitantes que tivessem excedido a quota ideal de 1/6 que lhes cabia. Em 2015, na sequência da licitação, foi efectuada a operação de cisão/dissolução/fusão das sociedades D..., S.A. e E..., S.A., pela qual os ativos dessas sociedades foram transferidos para as seis novas sociedades incorporantes. Cada uma dessas sociedades passou a integrar os bens/ativos que foram adjudicados a cada um dos grupos licitantes. As contas entre os interessados ficaram saldadas com a licitação realizada em 2013. A compra e venda de ações entre os interessados, que teve lugar em 2017, destinou-se a que cada um dos sócios herdeiros ficasse titular de uma das novas sociedades, não tendo havido quaisquer fluxos financeiros por virtude dessas transações.  

 

O depoente T... referiu que a troca de ações realizada em 2017 não gerou fluxos financeiros. Cada um dos sócios herdeiros de F... e de G..., com um quota-parte do património social de 1/6, pretenderam trocar as ações que detinham nas sociedades incorporantes de modo a ficar com 100% de uma das sociedades. A troca foi feita a preço zero para respeitar o acordo assumido no anterior processo de licitações em que houve lugar ao pagamento de tornas. As ações foram vendidas a diferentes preços mas sem que implicasse um novo acerto de contas, uma vez que os interessados se encontravam ressarcidos através do processo de licitações. A operação de troca de ações era meramente instrumental, destinando-se a permitir que cada um dos sócios herdeiros pudesse passar a ser o titular exclusivo ou maioritário de uma das sociedades. As sociedades tinham um valor diferente, mas o valor de venda foi ficticiamente igual.

 

 

Matéria de direito

 

Valor de realização para apuramento de mais-valias

 

5. A primeira questão a dirimir traduz-se em saber se o valor de realização declarado para apuramento de mais-valias por efeito da alienação onerosa de partes sociais, nos termos previstos no artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, pode ser considerado como correspondendo ao valor de mercado segundo o disposto no 44.º, n.º 1, alínea a), desse diploma.

 

As Requerentes entendem que o valor das participações sociais alienadas através dos contratos de compra e venda, pelos quais permutaram as ações representativas do capital das seis sociedades de que eram acionistas, foi determinado no âmbito de um processo de licitação realizado entre todos os sócios, pelo que o valor de realização é o resultante do funcionamento das regras de mercado, correspondendo aos valores pelos quais os sócios estavam dispostos a vender e comprar as ações representativas do capital social das sociedades envolvidas. E, assim, cada sócio recebeu o número de ações que equivalem ao número de ações de que eram titulares nas sociedades dissolvidas e, posteriormente, nas sociedades incorporantes, e, não tendo ocorrido qualquer incremento patrimonial em resultado da permuta das ações, não pode considerar-se verificada existência de uma mais-valia. 

 

A Autoridade Tributária contrapõe que, nas circunstâncias do caso, os valores declarados pelos impugnantes não foram definidos segundo as regras de funcionamento do mercado, mas através de uma licitação em que intervieram unicamente os titulares das participações sociais a permutar, no quadro de relações familiares, e que tinha como objetivo assegurar que não haveria valores a pagar ou a receber entre os permutantes. E, nesse sentido, na operação de permuta de partes sociais foram fixados valores de realização inferiores aos valores de aquisição, de modo a evitar a constituição de mais-valias, como normalmente se verificaria se a permuta tivesse em conta o valor de mercado. 

As referidas disposições legais, na parte que mais interessa considerar, estatuem nos seguintes termos:
 

Artigo 10.º

Mais-valias

 

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: 

[…]

b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo: 

1) A remição e amortização com redução de capital de partes sociais; 

2) A extinção ou entrega de partes sociais das sociedades fundidas, cindidas ou adquiridas no âmbito de operações de fusão, cisão ou permuta de partes sociais; 

3) O valor atribuído em resultado da partilha, bem como em resultado da liquidação, revogação ou extinção de estruturas fiduciárias aos sujeitos passivos que as constituíram, nos termos dos artigos 81.º e 82.º do Código do IRC; 

[…].

 

Artigo 44.º

Valor de realização 

 

1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: 

a)  No caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar; 

[…].

 

Deve começar por dizer-se que o conceito de valor de mercado, a que se refere esta última disposição, surge plasmado em diversa legislação tributária e não apenas no Código do IRS ou a propósito de apuramento de mais-valias. 

 

O legislador recorre frequentemente ao valor do mercado como ponto de referência para fixar a matéria coletável, ou seja, o valor sobre que há de incidir a taxa de imposto aplicável.

 

É o que sucede, em particular, no tocante à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos em sede do imposto municipal sobre imóveis (artigos 42.º, n.º 3, alínea d), e 76.º, n.º 3, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI)) ou do valor tributável dos bens móveis no âmbito das transmissões gratuitas sujeitas a imposto de selo (artigo 14.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Imposto do Selo (CIS)).

 

Por sua vez, o valor patrimonial tributário apurado nos termos do CIMI vale para todos os demais impostos em que haja de ter em conta o valor dos prédios, para efeito de tributação, como seja o Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), o Imposto do Selo (IS), o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) ou o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS). 

 

valor de mercado é também utilizado para a definição do lucro tributável em sede de IRC, e, designadamente, nas seguintes situações: dedução de prejuízos fiscais imputáveis a estabelecimento estável (artigo 15.º, n.º 1, alínea a), subalínea 1), do CIRC), aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito (artigo 21.º, n.º 2, do CIRC), quota de depreciação ou amortização que deve ser aceite como gasto fiscal (artigo 31.º, n.º 1, alínea c), do CIRC), determinação do valor de realização para efeitos de mais-valias (artigo 46.º, n.º 3), transmissão de direitos reais sobre imóveis (artigo 64.º, n.º 1, do CIRC), transmissão de prejuízos fiscais para a sociedade beneficiária de sociedades fundidas ou cindidas (artigos 75.º, n.º 2, alínea a), e 76.º, n.ºs 3 e 5), do CIRC) e determinação do resultado de liquidação de sociedades (artigo 80.º do CIRC).

 

Em sede de IRS, o valor de mercado releva para efeito da qualificação como remunerações de trabalho dependente, a título de remunerações acessórias, quando se trate da aquisição pelo trabalhador ou membro de órgão social de qualquer viatura que tenha originado encargos para a entidade patronal (artigo 2.º, n.º 3, alínea b), subalínea 10), do CIRS), assim como para a determinação da equivalência pecuniária dos rendimentos em espécie (artigos 2.º, n.º 3, alínea b), subalínea 8), e 24.º, n.º 1, alínea b), do CIRS), ou para determinar o valor de aquisição de quaisquer bens do património particular do sujeito passivo, no caso de afetação desses bens à sua atividade empresarial ou profissional (artigo 29.º, n.º 2, do CIRS).

 

O CPPT refere-se ainda à avaliação pelo “valor de mercado dos bens” quando, em processo de execução fiscal, o executado ou terceiro pretenda liquidar a dívida exequenda através da dação em pagamento de bens móveis ou imóveis (artigo 201.º, n.º 5).

 

Por outro lado, a lei fiscal recorre ao critério da “manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços” para verificar a impossibilidade de comprovação direta e exata da matéria coletável e permitir, excecionalmente, a determinação do valor dos bens e rendimentos tributáveis através de métodos indiretos (artigos 83.º, n.º 2, 87.º, n.º 1, alínea a), e 88.º, alínea d), da LGT).  

 

Cabe ainda referir, neste contexto, que, em certas situações, e, especialmente, no caso de afetação de bens do património particular do sujeito passivo à sua atividade empresarial e profissional, o valor de mercado declarado pode ser objeto de correção quando a Autoridade Tributária considere que o mesmo não corresponde ao que seria normalmente praticado (artigo 29.º, n.º 4, e 44.º, n.º 4, do CIRS), ou, no caso de transmissões onerosas de bens, quando o valor atribuído seja inferior ao valor patrimonial tributário (artigo 64.º, n.º 2, do CIRC). 

 

Como se deixou entrever, o valor de mercado é um conceito comum aplicável aos mais diversos factos tributários, para efeito da determinação do rendimento líquido sujeito a imposto, e que o próprio legislador caracteriza como correspondendo ao que seria praticado entre pessoas independentes (artigo 29.º, n.º 4, do CIRS) ou em condições de concorrência (artigo 24.º, n.º 1, alínea e), do CIRS).

 

Segundo o entendimento corrente que se encontra expresso, por exemplo, no acórdão do TCA Norte de 25 de fevereiro de 2021 (Processo n.º 002674/08), o valor de mercado “é o valor que um produto atinge no mercado, baseado objetivamente na concorrência - resultante do jogo entre a oferta e a procura - constituindo seu oposto o valor real do mesmo produto ou bem. O valor do mercado é, pois, a medida desse bem expressa em unidade monetária que resulta, em regra, de estatísticas ou critérios de referência sobre os preços praticados na venda e ou oferta de bens similares no mesmo mercado, em dado momento. É uma medida, um dado numérico que possibilita a comparação entre bens similares, refletindo esse valor (monetário) a medida-referência que o mercado impõe numa eventual transação comercial, distintamente do que ocorre com o valor realem que as variações de mercado ou medida-referência não têm ou têm pouca influência na determinação do preço de transação”. Em síntese conclusiva, o valor de mercado é o valor que um produto atinge no mercado, baseando-se na concorrência, constituindo, nesse sentido, o resultado do confronto geral da oferta e da procura.

 

Ainda a este propósito, Tomás Tavares, explicita que, na ausência de regras específicas de quantificação do valor de mercado para efeitos fiscais, torna-se necessário preencher o conceito de acordo com as regras gerais de interpretação mediante remissão para os critérios de avaliação descritos no artigo 63.º, n.ºs 1 a 3, do CIRC aplicáveis no âmbito dos preços de transferência, entendendo-se que essas regras de quantificação têm um alcance geral no domínio tributário que extravasam as situações de relações especiais (“Preços de transferência e valor mercado do artigo 46.º do CIRC”, in Cadernos. Preços de Transferência. 2013, coordenação de João Taborda da Gama, Coimbra, 2013, págs. 313 e segs.).

 

Nesse mesmo sentido estatui, no direito espanhol, o artigo 15.º da Ley del Imposto sobre Sociedades, dispondo que se entende como valor normal de mercado aquele que tivesse sido acordado em condições normais de mercado entre partes independentes, aplicando-se, para a determinação desse valor, os métodos previstos na lei para a quantificação do valor de mercado no caso dos preços de transferência.

 

 Ora, segundo o artigo 63.º, n.º 1, do CIRC, nas operações comerciais, incluindo operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticas aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.  O sujeito passivo deve ainda adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado (n.º 2). Sendo aplicáveis, para efeito, os métodos mencionados no n.º 3 do artigo 63.º, e, designadamente, o método do preço comparável de mercado.

 

6. Revertendo à situação do caso, o que se constata – como resulta da matéria de facto dada como assente - é que, na sequência do óbito dos acionistas titulares das sociedades D..., S.A. (D...) e E..., S.A. (E...), em 2013, os herdeiros acordaram em abrir, entre si, um processo de licitação dos bens/ativos dessas sociedades. Em 2014, constituíram cinco novas sociedades comerciais (M..., S.A., N..., S.A., O..., S.A., P..., S.A. e Q..., S.A.), e, em 2015, outorgaram a cisão das sociedades D... e E..., mediante a fusão com as novas sociedades entretanto constituídas, com a consequente extinção das sociedades cindidas D... e E... . No âmbito dessa mesma operação, os sócios herdeiros constituíram uma nova sociedade (R..., S.A.), e, em 2017, celebraram contratos de compra e venda de ações, pelos quais permutaram entre si as ações representativas do capital das sociedades incorporantes de forma que cada um dos sócios herdeiros passasse a ser o titular exclusivo ou maioritário de cada uma das novas seis sociedades (cfr. alíneas B) a F), K), M), N, O) e P) da matéria de facto).

 

Como referem os Requerentes, no pedido arbitral, o objetivo final da operação de cisão/dissolução/fusão e a subsequente permuta de ações entre os sócios herdeiros foi o de reestruturar as sociedades originárias de modo que cada um sócios herdeiros das sociedades cindidas e entretanto extintas pudesse prosseguir “a mesma atividade empresarial, mas de forma separada, individual e independente de todos os restantes”. Tendo sido ainda acordado que os acionistas nada tinham a pagar ou a receber entre si por efeito da permuta de ações (artigo 33.º e 74.º do pedido arbitral). 

 

A abertura de licitação foi o procedimento adotado para proceder à divisão do património social das sociedades D... e E..., que os sócios herdeiros detinham em comum, tendo em vista estabelecer as verbas que haveriam de compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles, e os valores por que deviam ser adjudicadas.

 

A licitação tem lugar, em princípio, quando não haja acordo entre as partes quanto à partilha da herança e tem a natureza de uma arrematação em que apenas são admitidos a licitar os interessados diretos na partilha (artigo 1113.º, n.º 3, do CPC), e que confere o direito de adjudicação dos bens que tenham sido licitados pelo interessado que tenha oferecido o melhor lanço. Quando se verifique o excesso do valor dos bens adjudicados relativamente ao limite do quinhão de algum ou alguns licitantes, há lugar ao pagamento de tornas que se destina a reestabelecer em dinheiro, o equilíbrio, entre a quota ideal de cada um dos interessados na partilha - artigo 1121.º do CPC (cfr. Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 3.ª edição, Coimbra Editora, págs. 102 e 171).

 

A partilha extrajudicial realizada através da licitação, tem, por outro lado, o carácter de um negócio certificativo, que se destina a tornar certa uma situação anterior. Cada um dos herdeiros já tinha direito a uma parte ideal antes da partilha e, através da partilha, esse direito concretiza-se em bens certos e determinados, tendo eficácia retroativa à data da abertura da herança - artigo 2119.º do Código Civil (cfr. Pereira Coelho, Direito das Sucessões, lições policopiadas, 3.ª edição, pág. 248). 

 

O processo de licitação em vista à divisão do património comum pertencente aos sócios herdeiros corresponde, por conseguinte, a uma forma de partilha extrajudicial pela qual se verificou o preenchimento concreto dos quinhões hereditários e que implicou o pagamento de tornas por parte dos interessados que excederam a sua quota ideal.

 

No entanto, ainda que o preço obtido entre as partes, nesse contexto, possa ser entendido como sendo resultante do funcionamento do mercado, na medida em que corresponde ao valor que os licitantes estavam dispostos a pagar ou a receber pela adjudicação dos bens que constituíam o objeto da partilha, uma tal conclusão não tem relevo para a decisão a proferir no processo arbitral.

 

Com efeito, as correções aritméticas efetuadas pela Autoridade Tributária, e que originaram os atos de liquidação impugnados, não tiveram por base os preços praticados no processo de licitação pelo qual foi realizada a partilha do património social indiviso - que, aliás, se encontra excluída de tributação em mais-valias -, mas a ulterior permuta de participações sociais que cada um dos sócios herdeiros detinham nas sociedades incorporantes após a operação de cisão-dissolução-fusão.

 

Como resulta do Relatório de Inspeção Tributária a que se refere a Ordem de Serviço nº OI2019..., e consta da alínea AA) da matéria de facto, a Requerente A... alienou ações das sociedades O..., SA, N..., S.A., R..., S.A., P..., S.A. e Q..., S.A. pelo preço médio unitário de € 0,45, que é inferior ao valor nominal de cada ação (€ 1,00), e pelo valor total de € 617.152,57, que é inferior ao valor de aquisição (€ 705.743,87) (cfr. quadros 08, 10 e 12 do Relatório). Para além disso, as ações das mesmas sociedades foram vendidas por outros contitulares por preços unitários superiores aos praticados pela Requerente, o que reflete igualmente uma significativa diferença entre o preço médio por ação de cada uma das sociedades que foram objeto de permuta (cfr. quadro 11 do Relatório).

 

Nos termos do Relatório de Inspeção Tributária a que se refere a Ordem de Serviço nº OI2019..., e consta da alínea DD) da matéria de facto, a Requerente C... alienou ações da sociedade M..., S.A., pelo valor unitário de € 0,35, e das sociedades O..., SA, R..., S.A., P..., S.A. e Q..., S.A. pelo valor unitário de € 0,45, que são inferiores ao valor nominal de cada ação (€ 1,00), e pelo valor total de € 617.152,77, que é inferior ao valor de aquisição (€ 744.801,89) (cfr. quadros de fls. 6, 11 e 13 do Relatório). E, também neste caso, as ações das mesmas sociedades foram vendidas por outros sócios herdeiros pelo valor unitário superior, verificando-se uma divergência entre os valores médios praticados e o preço de alienação considerado pelo sujeito passivo (cfr. quadro de fls.14 do Relatório).

 

Como facilmente se pode verificar, os preços pelos quais as Requerentes A... e C... alienaram as ações que detinham naquelas sociedades não correspondem aos preços que normalmente seriam praticados entre pessoas independentes, e nem sequer correspondem aos preços pelos quais outros contitulares alienaram as ações das mesmas sociedades. As ações foram transacionadas, em qualquer dos casos - como decorre com evidência da matéria de facto tida como assente -, a valores ajustados ou ficcionados de forma a permitir que cada um dos interessados, na permuta das participações sociais, não tivesse de desembolsar ou receber outras importâncias para além daquelas que tinham sido fixadas no processo de licitações para efeito da partilha do património indiviso.

 

E esse era o pressuposto dos contratos de compra e venda de ações, em cuja cláusula 5.ª se fez constar que os outorgantes “nada tinham a pagar ou a receber entre si” por efeito da permuta de ações e justifica que o preço estipulado, em qualquer dos casos, tenha sido valor idêntico para ambos os outorgantes.

 

A operação de cisão/dissolução/fusão teve precisamente como objetivo permitir a constituição de seis sociedades, para as quais foi transferido o património social das sociedades cindidas, de modo que, através da ulterior permuta de ações, cada um dos sócios herdeiros passasse a ser titular exclusivo ou maioritário de uma dessas sociedades. A permuta não devia envolver, no entanto, qualquer nova negociação do valor das ações uma vez que os interessados se consideravam ressarcidos através de quotas subjetivas que lhes couberam no processo de licitação, não havendo novos fluxos financeiros por efeito da troca de participações sociais. Esta operação foi meramente instrumental e as participações foram alienadas, neste condicionalismo, a um “custo de oportunidade”, no dizer da testemunha T..., que não gerou qualquer novo acerto de contas.

 

Em tais circunstâncias, torna-se claro que o preço de alienação das ações não corresponde ao que seria normalmente praticado entre pessoas independentes e não pode ser entendido como o valor de mercado, pelo que a correção efetuada pela Autoridade Tributária quanto ao valor de realização, para determinação dos ganhos sujeitos a IRS, em aplicação do disposto no artigo 44.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, não enferma de ilegalidade.           

 

Regime de neutralidade fiscal

 

7. Os Requerentes alegam ainda que a operação de reestruturação das sociedades foi neutra do ponto de vista económico-financeiro e a Autoridade Tributária, através da correção do valor de realização das permutas realizadas entre os sócios herdeiros, pretendeu anular os efeitos da neutralidade fiscal da operação, afastando a aplicação dos artigos 73.º e seguintes do CIRC, ignorando que as sociedades incorporantes mantiveram, para efeitos fiscais, os elementos patrimoniais, objeto de transferência, pelos mesmos valores que eles tinham nas sociedades a cindir e dissolver.

 

É esta a questão que cabe agora analisar.

 

O regime de neutralidade fiscal, por último alterado pela Reforma de IRC de 2014, com a nova redação introduzida nos artigos 73.º e seguintes do CIRC, aplica-se a operações de reestruturação empresarial entendidas como um conjunto de ações dirigidas a transformar a estrutura produtiva das empresas, modificando a forma de participação dos fatores de produção no processo de obtenção de lucros, abrangendo as modalidades de fusão e de cisão, bem como ajustamentos ao regime de transmissibilidade de prejuízos fiscais, de benefícios fiscais e de gastos de financiamento, e ainda ao nível de transporte de base fiscal e das obrigações acessórias. 

 

O objetivo central do regime de neutralidade fiscal é o de neutralizar os ganhos resultantes da reorganização empresarial, nomeadamente através do mecanismo do diferimento da tributação, em vista a não dificultar a realização de operações economicamente vantajosas mediante uma organização eficiente dos meios de produção das empresas, mas que apenas opera em relação aos ganhos que são considerados elegíveis no contexto das operações expressamente definidas no CIRC. 

 

Para o efeito, admite-se a neutralização do imposto sobre o rendimento para que este não constitua um entrave à organização eficiente dos meios de produção das empresas (eficiência organizacional), reconhecendo-se, no plano fiscal, que a eficiência organizacional das empresas é um valor extrafiscal superior aos interesses creditícios do Estado e ao princípio da justa repartição dos encargos fiscais.

 

No entanto, nem todas as operações economicamente vantajosas do ponto de vista organizacional podem beneficiar do regime de neutralidade, já que este regime se aplica  apenas àquelas operações em que o controlo da empresa reorganizada é mantido pelos seus proprietários, ou seja, às operações em que efetivamente não ocorre um desinvestimento nem a desagregação da própria empresa (continuidade do investimento e continuidade da empresa) (Sobre todos estes aspetos e nestes precisos termos, cfr. António Rocha Mendes, IRC e as Reorganizações Empresariais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2016, págs. 125 e segs., e, em especial, 191 e 211-214).

 

  Nestes termos, o regime de neutralidade fiscal exige o preenchimento cumulativo de dois requisitos essenciais relativamente à própria reorganização empresarial, a continuidade do investimento e da empresa e a eficiência económica da reorganização, significando que a neutralização do imposto sobre o rendimento não ocorre, mesmo em relação a operações vantajosas do ponto de vista organizacional, quando os proprietários não mantenham o controlo da empresa reorganizada e se verifique um desinvestimento ou a desagregração da própria empresa (idem, págs. 213-214).

 

Cabe ainda referir que o artigo 73.º, n.º 10, do CIRC contém uma norma antiabuso, dispondo que o regime especial relativo à neutralidade fiscal “não se aplica, total ou parcialmente, quando se conclua que as operações abrangidas pelo mesmo tiveram como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente […] quando as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das atividades das sociedades que nelas participam, procedendo-se então, se for caso disso, às correspondentes liquidações adicionais de imposto”.  

 

A prática abusiva verifica-se, nos termos dessa disposição, quando a operação tenha sido organizada de forma artificial, ou seja, quando em resultado da reorganização empresarial realizada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal tenham sido obtidas vantagens de natureza fiscal e a obtenção dessas vantagens tenha sido o principal objetivo dessa operação, e, em segundo lugar, quando o resultado produzido com a reorganização seja incompatível com o propósito e os princípios subjacentes ao regime de neutralidade fiscal (idem, págs. 441 e 457). 

 

Como se deixou dito, o regime de neutralidade fiscal, com o consequente diferimento da tributação, foi consagrado para que o imposto sobre o rendimento não constitua um entrave às operações que visem a eficiência organizacional das empresas, tornando-se também exigível que a reorganização não implique qualquer descontinuidade no investimento e na empresa. Como refere António Rocha Mendes, essas duas características (eficiência e continuidade), têm de estar presentes na reorganização empresarial, sob pena de se concluir que o regime de neutralidade foi utilizado para um fim estranho ao seu propósito normativo (ob. cit. pág. 458).

 

Ou seja, a eficiência pressupõe que a reestruturação tenha gerado uma estrutura mais eficiente do que a existente na fase precedente, e, do ponto de vista empresarial, apresente uma efetiva vantagem económica. A continuidade implica que o conjunto de operações, com a realocação de ativos e combinação de negócios, não originem um efetivo desinvestimento nem a desagregação da empresa.

    

8. Reportando à situação do caso, o que se verifica é que os sócios herdeiros das sociedades D... e E... acordaram em abrir, entre si, um processo de licitação dos bens e ativos sociais dessas sociedades e, posteriormente, constituíram cinco novas sociedades e aprovaram um projeto de cisão/dissolução/fusão, pelo qual houve lugar à cisão das sociedades D... e E..., mediante a divisão de todo o seu património em seis partes e à fusão com as cinco sociedades já constituídas e uma sociedade a constituir, com a consequente   extinção das sociedades cindidas. Seguidamente, os sócios herdeiros, que se mantiveram como acionistas das sociedades incorporantes, celebraram, entre si, contratos de compra e venda de ações, pelos quais permutaram as ações representativas do capital das sociedades incorporantes de forma que cada um deles passasse a ser o titular exclusivo ou maioritário de uma dessas sociedades.

Operou-se, por conseguinte uma cisão das sociedades originárias, na modalidade de cisão-dissolução, pela qual se efetuou a deslocalização dos elementos patrimoniais que se encontravam na esfera das sociedades cindidas para as novas sociedades, mantendo os sócios o seu interesse económico no património cindido através das participações sociais que passaram a deter nas sociedades beneficiárias.

 

Nas circunstâncias do caso, a operação de cisão/dissolução/fusão levadas a efeito pelo sócios herdeiros das sociedades originárias teve essencialmente em vista, como é reconhecido no próprio pedido arbitral, assegurar que cada um deles pudesse prosseguir a mesma atividade económica de forma separada, individual e independente de todos os restantes (artigo 33.º), assim se compreendendo que tivessem constituído seis sociedades comerciais para as quais foi transferido o património das sociedades cindidas e que, na sequência dos contratos de compra e venda de ações, cada um deles passasse a ser titular exclusivo ou maioritário de uma dessas sociedades.

 

Dificilmente se poderia considerar verificada, nesse condicionalismo, a característica típica da restruturação de sociedades em vista à obtenção de uma maior eficiência organizacional, que constitui pressuposto essencial do regime de neutralidade fiscal. Mas ainda que assim não fosse, as mais-valias que foram objeto de correção pela Autoridade Tributária e que originaram os atos tributários impugnados, não foram geradas pela operação de cisão/dissolução/fusão, mas pela subsequente permuta de ações entre os acionistas das sociedades incorporantes, realizada com o objetivo de permitir que cada um deles ficasse titular exclusivo ou maioritário de uma dessas sociedades. E, desse modo, a pretendida reorganização empresarial determinou a própria desagregação das empresas incorporantes, desrespeitando o princípio da continuidade do investimento, que constitui o segundo pressuposto fundamental do regime de neutralidade fiscal e que justifica o diferimento da tributação.

 

 Como é de concluir, estamos perante uma violação da intenção normativa subjacente ao regime de neutralidade fiscal que afasta a possibilidade de diferimento da tributação em aplicação desse regime.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica as liquidações adicionais impugnadas e a correspondente liquidação de juros compensatórios, respeitantes ao exercício de 2017, bem como as decisões de indeferimento tácito das reclamações graciosas contra eles deduzidas. 

 

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 520.136,36, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor das liquidações a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Notifique.

 

Lisboa, 19 de junho de 2023

   

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

(relator)

 

O Árbitro vogal

 

Diogo Leite de Campos (com declaração de voto em anexo)

 

A Árbitro vogal

 

Sofia Ricardo Borges

 

 

Diogo Leite de Campos

Árbitro

(Vencido conforme declaração junta)

 

 

 

 

Declaração de voto

 

 

O meu voto é de discordância da opinião maioritária, que muito respeito, pelo que elaboro um resumo das razões de facto e de Direito a justificarem-no.

Enuncio um percurso de conhecimento e interpretação do Direito e respetiva conclusão muito diferente dos que prevaleceram.

 

 

I

Caraterização do Negócio Jurídico

 

1- O instituto jurídico que subjaz ao aspeto fiscal configura-se como uma partilha bens “mortis causa”.

Haverá que confirmar a sua natureza, analisar o seu o âmbito, pois o regime fiscal está assente nele e dele dependente.

 

2- A sua caraterização depende da vontade expressa pelas partes e dos factos, independentemente do nome que lhe for atribuído.

É esta caraterização, enquanto matéria de Direito das Sucessões, em que assenta a tributação.

 

3- O Direito tributário é um direito de sobreposição. Isto é, trata frequentemente de matérias já tratadas por outros ramos do direito, assentando neles para prosseguir os seus fins. E assumindo muitos dos seus valores, técnicas e ciência. (Diogo Leite de Campos e Mônica Horta Neves Leite de Campos, Direito Tributário, 2ª ed. Del Rey, Belo Horizonte, 2001, p.17 e segs.).

 

4- Nesta ordem de ideias, o art. 11º da Lei geral Tributária dispõe que sempre que nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido que aí têm, salvo se outro de correr diretamente da lei.

A norma perfilhou a conceção de dependência qualificadora do Direito tributário. Os conceitos recebidos devem sê-lo do modo por que o são no ramo de direito da origem.

E “os impostos sobre a transmissão de bens e os impostos sobre as sucessões estão assentes em conceitos de Direito privado” (Diogo Leite de Campos, Benjamim  Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, com ao artigo 11º)

Assim, no caso em análise os conceitos de sucessão, de abertura da sucessão, de designação sucessória, de vocação sucessória, de aceitação e de partilha, devem ser aceites e tratados em Direito Fiscal como o são e Direito das Sucessões (Sobre estes conceitos e sua sequência e interdependência vd. Diogo Leite de Campos e Mónica Martinez de Campos, Lições de Direito das Sucessões, 4ª ed. Por Mónica Martinez de Campos, Almedina, Coimbra, 4ª ed., 2021, esp. págs.69 e segs.).

 

5- No caso concreto nem se põe autonomamente a aceitação ou não dos conceitos de Direito das sucessões. Mas da compreensão desse ramo de Direito para o necessário entendimento e respeito de um processo sucessório verificado, e modelação das consequências fiscais.

 

 

II

Processo sucessório e consequências

 

6- No caso em análise estamos perante matéria de Direito das Sucessões. Tal não me parece ter sido posto em causa por ninguém. Nos depoimentos testemunhais foi afirmado pelas testemunhas apresentadas pela Requerente.

 

7- O decurso do processo sucessório decorre até a integração definitiva dos bens a partilhar na esfera jurídica dos herdeiros 

Esta integração deriva da partilha completa da herança, precedida de aceitação.

 

8 -Podendo ser necessários para tal fim, diversos e, por vezes díspares, atos e negócios jurídicos.

 

9- No caso a decidir, o processo foi longo e complexo, dado que se tratava de duas massas sucessórias profundamente imbricadas através da titularidade de sociedades de carácter marcadamente familiar- segundo os depoimentos das testemunhas da Requerente, corroborados pela evidência dos passos do processo sucessório, muito longo.

 

10-Tendo os herdeiros seguido um percurso complexo, com vista a situar as ações herdadas na esfera jurídica de cada herdeiro, que culminou com alterações de sociedades e troca de ações.

 

11- Esta caracterização não se evidencia nas doutas peças processuais elaboradas pela AT. 

 

12- Mas, repete-se, resulta do percurso analisado em si mesmo, e que foi referido pelas testemunhas apresentadas pela requerente nomeadamente pela testemunha ROC.

 

13- Entre a aquisição de ações por licitação e o escambo final decorreram vários anos.

Será que este prazo exclui necessariamente o escambo fina da partilha de herança ou, mais em geral, do fenómeno sucessório?  

Seguramente que não. 

 

14- O legislador do processo sucessório tem sido paciente. Aceita, nomeadamente, que a herança se pode manter indivisa por um prazo não superior a cinco anos, sendo lícito renovar este prazo uma ou mais vezes, por nova convenção (art. 2101º do Código Civil). 

De onde resulta que a partilha pode ser adiada dezenas de anos, ou indo sendo feita por dezenas de anos.

 

15- Lembremos, já agora, o tempo que duram amiúde as aceitações a benefício de inventário.

 

16- As ações foram atribuídas aos seus destinatários finais, por um certo valor, na operação de troca referida.

Será que esta troca não é uma operação de partilha da herança, visando equilibrar as aquisições obtidas por licitação?

Não encontrei qualquer afirmação fundamentada no Direito das Sucessões que a afastasse.

 

17- Direito das Sucessões sistematicamente ignorado

 

18- Resulta das alegações da Requerente e da prova testemunhal que a herança só ficou terminada pela troca final. A própria licitação nada mais foi do que um ato preparatório dessa troca.

 

19- Vamos agora de recorrer à disposição legal (art. 2119º do Código Civil) aplicada nomeadamente em acórdão do STA uniformizador da jurisprudência (de 24-02-2021, relator Aníbal Ferraz) segundo a qual os atos de partilha são referidos ao momento da abertura da sucessão (falecimento do “de cuius”).

 

20- O valor pelo qual os herdeiros se viram atribuídas as suas partes retroage ao momento da abertura da sucessão (artigo2119º cit. do código civil. Também Diogo Leite de Campos e Mónica Martinez de Campos, Lições de Direito das Sucessões, 4ª ed, por Mónica Martinez de Campos, Almedina, 2021, Liç.XV). Nesta ordem de ideias se pronunciou o acórdão do STA uniformizador de jurisprudência, e não poderia ser de outra maneira dados os juízes conselheiros que nele participaram.

 

21- A aquisição sucessória, ao dar-se com a aceitação, retroage ao momento da abertura da sucessão. (Auts. ob. cits.. Liç. XVI).

Esta aceitação atribui a qualidade de herdeiro, mas de uma quota alíquota. A partilha subsequente transforma a quota em bens concretos.

 

22- Assim os valores por que as ações foram trocadas, retroagem ao momento da abertura da sucessão pela morte do “de cuius”.

A lei criou aqui uma zona de autonomia da vontade., resguardando as decisões. A partilha – seja ela uma troca de ações – fica subtraída à AT.

 

23- Nela interferir seria violar o direito dos herdeiros à sua autonomia privada, direito da personalidade.

 

24- Entende a Requerida que a última transmissão de ações não foi a preço de mercado.

Não refere, porém, o que é preço de mercado ou o que é mercado. Assim, a sua alegação é desprovida de valor jurídico.

Para dizer que algo está errado é preciso dizer o certo, senão tudo se transforma em questão de opinião e em debate vazio indigno de uma Arbitragem e que não posso aceitar.

 

25- E no acórdão não está presente um critério científico, retirado das ciências económicas e financeiras cujos conceitos devem servir de base para determinar o preço de mercado.

 

III

Excurso

 

26- Assim, vou assentar nessas ciências para determinar como se chega ao preço de mercado.

 

27- Embora só para esgotamento lógico do caso, por a última operação estar protegida pela partilha da herança.

 

28 - O debate sobre o que é preço de mercado ter-se-á iniciado no século XIII sempre com hesitações e espaços muito alargados de tolerância, normalmente 50% do preço para qualquer dos lados (Diogo Leite de Campos, A felicidade somos Nós, Lisboa, Fundação Lusíada, 2019, p. 100 e segs., e Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2019).

 

29- Não se pode entender por preço de mercado o preço máximo que o transmitente poderia ter obtido no mercado… passados quantos anos? qual o nível de marketing exigido? qual a pressa do vendedor e do comprador? Etc. 

“O preço do mercado é o montante estimado pelo qual um bem ou responsabilidade deve ser trocado no momento da avaliação, entre um comprador e um vendedor numa transação a distância do braço, depois de adequada presença no mercado e no qual ambas as partes agiram com conhecimento, prudência e sem compulsão” ( International Valuation Standards Council, International Valuation Standards, 31 Jan. 2022,IVS Market Value 30.1- Trata-se de uma ONG leader nos critérios de avaliação).

 

30- O valor de mercado varia constantemente e é dependente do bem e da dimensão do mercado que pode ter um número reduzido de participantes. (30.3). 

Assim as ações não cotadas e ativos financeiros envolvem mercados específicos. E as relações entre entidades financeiras e seus clientes exigem a consideração de outros fatores, nomeadamente a relação de confiança. (Texto citado in fine)

 

31- Por outro lado, a transação de participações em sociedades familiares, tão frequentes em Portugal, como o são as em análise, se não atribuírem domínio, não só têm o mercado muito restrito, como o valor depende muito da estratégia dos possíveis compradores. O preço de mercado é o que se obtiver.

Trata-se de realidades bem conhecidas dos cultores das finanças privadas e do Direito das sociedades.

 

32- Portanto querer invocar aqui dados numéricos a título de valor de mercado, é ilusão, na falta de um rigoroso percurso analítico.

 

33- Valor de mercado é o que se obteve pela ação dos herdeiros e dos seus projetos pessoais. 

 

34- E aqui voltamos aos herdeiros, à sucessão. Os adquirentes e transmitentes comportaram-se como herdeiros e os valores retroagiram ao momento da abertura da sucessão.

 

 

Fim do excurso

IV

Clausula geral anti-abuso

 

35- Filtragem do ou dos negócios através da clausula geral anti-abuso. Ou seja, se os contribuintes usaram negócios indiretos com fim fiscal.

 

36- A AT não invocou oportunamente a aplicação da cláusula anti- abuso, não podendo este tribunal fazê-lo mesmo que tivesse razões para isso, e não me parece tê-las.

 

37- Respeitou a AT nesse momento a autonomia jurídica das partes que é um direito da personalidade.

Com efeito as normas indicadas de Direito Civil visam assegurar um espaço de plena autonomia da vontade às partes na sucessão. Não olvido que a autonomia, a liberdade, conhece um conteúdo interno e externo que é o “outro”. 

Assim. A liberdade é para o outro (Diogo Leite de Campos e Fátima Nancy Andrighi, Pessoa, Direitos e Direito, Editora Revista dos Tribunais, S. Paulo, 2021, p. 160 e segs.).

 

38 -O problema da autonomia é um problema de legitimidade.

Sendo o seu abuso deixar de gerir os seus interesses, para gerir interesses alheios, no caso, os do Estado, o que nunca foi invocado (Diogo Leite de  Campos e João Costa Andrade, Autonomia contratual e Direito Tributário, Almedina, Coimbra, 2008, esp.p. 62 e segs.).

 

V

A operação final de partilha

 

39- Refere-se no douto acórdão, a começar  no sumário, “não pode beneficiar do regime de transferência fiscal a que se referem os artigos 73º e seguintes do CI RC, a operação de cisão barra dissolução barra fusão das sociedades originárias, pela qual foram dissolvidas as sociedades cindidas e transferido o seu património para 6 novas sociedades constituídas quando foi realizada uma subsequente permuta de participações sociais entre os acionistas das sociedades incorporantes com o objetivo de permitir que cada um deles fosse titulado exclusivo de uma dessas sociedades, assim originando a própria desagregação das empresas que haviam sido objeto de reestruturação”.

 

40- Porém, e contra o percurso do acórdão, não está em causa um processo isolado de transformação de sociedades,

 

41- Mas sim o ato terminal de uma partilha da herança. Os Requerentes afirmaram nas suas alegações e as testemunhas confirmaram que a operação de reestruturação visava distribuir os ativos das duas primitivas sociedades pelos herdeiros.

 

42- É o que resulta do comparar do seu procedimento com conceitos sólidos e bem estabelecidos do Direito das Sucessões. A operação de partilha só está terminada quando os bens repartidos se sediarem na esfera dos herdeiros nos termos decididos por estes.

Não encontrei nada, em qualquer sede, nomeadamente no douto acórdão, que razoavelmente, explicitando razões de direito e de facto assentes no direito das Sucessões, excluísse a pertinência da última operação do processo sucessório.

 

VI

Aplicação do Direito Fiscal

 

 

43- A aplicação das normas fiscais vem a seguir ao processo sucessório, e deve respeitar este, como referimos. Mais: deve assentar nele em termos de unidade sucessiva.

 

44- Por força deste processo, o último valor das ações fixado pelos herdeiros retroage o momento da abertura da sucessão. 

 

45- Pelo que as liquidações realizadas pela AT devem ser anuladas com todas as consequências legais.

 

 

 

Diogo Leite de Campos