Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 602/2022-T
Data da decisão: 2023-07-28  IRC  
Valor do pedido: € 1.158.815,45
Tema: Tributação autónoma; remuneração dos membros de órgãos sociais.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Fernanda Maçãs, na qualidade de árbitro presidente do Tribunal coletivo, o Prof. Doutor Tomás Castro Tavares e o Prof. Doutor Miguel Patrício, na qualidade de árbitros vogais, acordam na seguinte Decisão arbitral:      

 

I – RELATÓRIO

 

1- A..., s.a., com sede na ..., n.º ..., ... ...-..., Lisboa, titular do n.º de identificação fiscal..., solicitou a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), solicitando o provimento do pedido que tem por objeto a ilegalidade do ato tributário impugnado, relativo ao ano de 2017, com a consequente anulação da Demonstração de Liquidação do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas identificada sob o n.º 2022..., Demonstração de Acerto de Contas n.º 2022 ... e a Demonstração de Liquidação de Juros n.º 2022 ..., relativas ao período de tributação de 2017, no valor de €1.158,815,45. Mais requer o pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à Requerida.

A Requerente procedeu à nomeação de árbitro, na pessoa do Prof. Doutor Tomás Castro Tavares, e a Requerida nomeou o Prof. Miguel Patrício, ambos árbitros vogais, que aceitaram a nomeação.

Nos termos do artigo 6º nº 2 do RJAT foi designada como Presidente do tribunal, por acordo entre os árbitros vogais, a Conselheira Fernanda Maçãs que aceitou, que aceitou a designação

Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 16 de janeiro de 2023.

 

2- A fundamentar o pedido alega, em suma, a Requerente:  

  1. De acordo com os Estatutos da Requerente, a determinação da remuneração dos membros dos órgãos sociais compete à Assembleia Geral, a qual pode nomear para o efeito uma Comissão de Vencimentos, pelo que, dando sequência ao disposto nos referidos Estatutos, a estrutura de remunerações relativa ao triénio iniciado em 2014 foi aprovada e implementada pela Comissão de Vencimentos.
  2. A política de remunerações aprovada pela Comissão de Vencimentos não visou reduzir a carga fiscal e/ou a capacidade contributiva da Requerente, mas sim e no seu essencial, promover o alinhamento entre a remuneração e a estratégia de negócio definidos e, consequentemente, a sustentabilidade dos resultados da Requerente e a criação de valor para os acionistas da Requerente, assentando nos seguintes objetivos: i) funcionar como instrumento da política de gestão de talento; ii) recompensar o trabalho, estimular o desempenho, premiar os resultados, tendo em conta o desempenho e o mérito individual; iii) contribuir para atrair, desenvolver e reter profissionais  competentes, procurando ser competitiva face às práticas do mercado português para empresas de idêntica complexidade; iv) promover o alinhamento de interesses com os valores e a “cultura A...”, com a estratégia de negócio, com os seus acionistas e, em geral, com os restantes stakeholders; e v) contribuir para a criação de valor, não só no curto, mas, sobretudo, no médio e longo prazos, seguindo práticas de gestão sustentadas.
  3. Foi estabelecido que a remuneração dos administradores executivos da Requerente compreenderia uma componente fixa e uma componente variável, sendo que a remuneração fixa foi definida atendendo à competitividade e mediana do mercado, natureza e complexidade das funções, bem como a sustentabilidade da performance da Requerente e a remuneração variável compreendia duas tipologias distintas, uma com características de curto prazo, a Remuneração Variável Anual (“RVA”), e a outra, de longo prazo, a Remuneração Variável de Longo Prazo (“RVLP”). Concretizando, a RVA correspondia ao pagamento de uma retribuição em dinheiro e a RVLP à atribuição de ações da Requerente aos membros da Comissão Executiva. Ou seja, na data da atribuição da RVLP, i.e., em 2014, a mesma traduzir-se-ia na entrega futura (pagamento), ou seja, apenas em 2017, de ações da Requerente aos membros da Comissão Executiva, tendo por base os resultados da avaliação de desempenho que visse a verificar-se durante o período do mandato, em conformidade com o n.º 8 do artigo 7.º do Regulamento de Remuneração dos Membros dos Órgãos Sociais.
  4. A atribuição do direito à RVLP ocorreu em 2014 mas o rendimento a auferir pelos administradores apenas viria a ser “pago”) após decorrido o período definido para a avaliação de desempenho do mencionado TSR face aos peers, ou seja, terminado o mandato, que ia de janeiro de 2014 a 31 de dezembro de 2016, assegurando-se que a remuneração somente seria paga se durante o mandato os administradores tivessem desempenho positivo ao longo desse período, o que se verificou.
  5. No que diz respeito ao reconhecimento anual, ao longo dos períodos de 2014, 2015 e 2016, do gasto contabilístico inerente à responsabilidade total futura com a RVLP a pagar em 2017 aos administradores, tal foi efetuado no estrito cumprimento do normativo contabilístico aplicável.
  6. Neste sentido, ao invés do que sustenta a Autoridade Tributária, o valor contabilizado anualmente não correspondeu à atribuição de qualquer remuneração anual, mas tão só ao reconhecimento da responsabilidade futura a pagar aos administradores, à medida que se verificaram as condições de avaliação definidas ab initio uma vez que, como se compreende, tal não era passível de ser aferido no início do mandato –, relativamente às ações sobre as quais se ganhou o direito, em 2014, ao exercício das opções que lhes correspondem.
  7. No que diz respeito ao apuramento da tributação autónoma no período de 2014 a 2017 alega o Requerente que é manifestamente evidente que 100% do pagamento da RVLP foi diferido por um período mínimo de 3 anos, uma vez que as ações apenas foram entregues aos administradores em 2017, não restam dúvidas que foi cumprida a condição que possibilita a exclusão de sujeição de tal remuneração variável a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º do IRC.
  8. Assim sendo, deverá ser anulada a correção promovida pela Autoridade Tributária, relativa a tributação autónoma sobre a RVLP registada de 2014 a 2016, que deu origem à liquidação ora contestada.
  9. O Requerente, para além de não acompanhar a interpretação seguida pela Autoridade Tributária da política remuneratória de longo prazo estabelecida em 2014 para os administradores executivos da Requerente, discorda igualmente de que os cálculos que efetuaram, com base nessa mesma interpretação, se encontram incorretos, uma vez que, como demonstrado no quadro acima, os SIT teriam, pelo menos, que rever a correção proposta à tributação autónoma, anulando aquela que se encontra associada a todos os administradores, com exceção do Administrador B..., uma vez que se verificaria o diferimento do pagamento de remunerações variáveis em mais de 50% nos restantes casos.
  10. Sobre a razão de ser da tributação autónoma no sector financeiro, a mesma teve por base a crise iniciada no final da primeira década deste milénio, viria a revelar uma conduta de comportamentos negligentes levados a cabo por gestores/administradores de empresas, na qual estes aprovavam remunerações variáveis em seu benefício próprio, desadequadas face ao panorama das sociedades/grupos que administravam, resultando, tal desajuste, em inúmeros casos de situações de falência das respetivas sociedades.
  11. Neste contexto, de acordo com o disposto no Relatório do Orçamento do Estado para 2010, a criação desta medida visava “uma moralização progressiva das políticas remuneratórias das empresas”, solução justificada sobretudo no sector financeiro, pelo papel que teve na criação do risco sistémico subjacente à presente crise económica, assim como no tocante a outros sectores, que foram beneficiários directos dos apoios públicos entretanto concedidos”.
  12. Para o cumprimento de tais objetivos, foi introduzido com o Orçamento do Estado para 2010 um regime excecional para o setor financeiro, que previa a tributação, à taxa única de 50%, dos gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis (i) pagas em 2010 e/ou (ii) apuradas/relativas a 2010, a pagar em anos futuros.
  13. Nos termos da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC, encontram-se sujeitos a tributação autónoma, à taxa de 35% “[o]s gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a € 27.500 (...)”.
  14. Contudo, se “(…) o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período” (negrito da Requerente), tais remunerações ficarão fora do alcance da norma, não sendo, consequentemente, tributadas.
  15. Assim, ainda que possa ser atribuída uma remuneração variável de montante superior a 27.500,00 € e que tal remuneração variável represente uma parcela superior a 25% da remuneração anual do administrador, não existirá incidência de tributação autónoma, sempre que, cumulativamente: i) o pagamento esteja subordinado a diferimento por um período mínimo de três anos; e ii) exista desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.
  16. Entende a Requerente que as condições acima elencadas, se verificaram relativamente à Remuneração Variável de Longo Prazo (“RVLP”) paga em 2017 aos administradores da Requerente, razão pela qual a mesma considera que os montantes registados como gasto a este título não devem ser sujeitos a tributação autónoma (a este respeito, o valor total da correção promovida pela AT ascende a 1.465.400,85 €).
  17. Para a Requerente a atribuição das remunerações variáveis em discussão aos seus administradores executivos não teve, como objetivo, em momento algum, a redução da sua carga fiscal e/ou da sua capacidade contributiva, sendo que também não se pretendeu que tal atribuição fosse desproporcionada ou desmedida.

 

4. Por sua vez a Requerida, na Resposta, argumenta designadamente que:

  1. “(…) é consensual entre as partes, a elegibilidade de todas as remunerações variáveis pagas a todos os Administradores Executivos para efeitos de tributação autónoma decorrente da verificação dos requisitos de incidência expressos na primeira parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC (parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a €27.500).
  2. A divergência entre as partes apenas ocorre quanto à verificação (ou não) da situação de exclusão referida na parte final daquela alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º o CIRC relativamente às designadas Remunerações Variáveis de Longo Prazo, referentes a 2014 e 2015 e 2016 e pagas em 31-01-2017 aos administradores da Requerente.
  3. Os SIT entendem – e bem –  que apenas as remunerações variáveis de Longo Prazo cujo direito foi adquirido em 2014 e foram pagas a 31-01-2017 aos Administradores C..., D..., E... e F..., reúnem os dois pressupostos de facto para aproveitar da exclusão prevista na parte final da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, ficando as restantes sujeitas à tributação autónoma nos termos do n.º 19 do art.º 88.º do CIRC, por inobservância dos dois pressupostos de facto cumulativamente exigíveis para aproveitar da exclusão prevista na parte final da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, conforme demonstrado no RIT.
  4. O n.º 13 do artigo 88.º do CIRC foi aditado pela Lei do Orçamento do Estado para 2010 (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), num cenário de plena crise económico-financeira, e visou assumidamente, em primeira linha, moralizar de alguma forma a atribuição de bónus e outras remunerações variáveis aos administradores ou gerentes, tidos por desproporcionados, desincentivando o sector financeiro mas também os restantes operadores económicos pois esta norma é aplicável à generalidade das empresas salvo as exceções legalmente previstas [1], incorrer naqueles gastos ou encargos.
  5. Como esclarece o Governo no ponto I.4.1.8. do Relatório do Orçamento de Estado para 2010 elaborado pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública, a justificação subjacente ao aditamento deste artigo foi a seguinte:

“A Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2010 vem reforçar a tributação do sector financeiro através de um conjunto de medidas que o Governo entende essenciais a uma distribuição mais justa dos encargos tributários e a uma moralização progressiva das políticas remuneratórias das empresas. Essas medidas mostram-se especialmente justificadas no tocante ao sector financeiro, pelo papel que teve na criação do risco sistémico subjacente à presente crise económica, assim como no tocante a outros sectores, que foram beneficiários directos dos apoios públicos entretanto concedidos.

Em conformidade com a política de boas práticas que o Governo tem vindo a estimular junto do sector financeiro e, bem assim, com as orientações mais recentes da CMVM quanto às sociedades cotadas, prevê a presente Proposta de Lei a fixação de uma taxa autónoma de IRC de 35%, aplicável a todos os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a 27 500 euros, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de 3 anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período”.

  1. Ora, resulta hialinamente das condições definidas naquela declaração que a remuneração variável está associada ao desempenho da Requerente impondo-se ainda que, anualmente (2014, 2015 e 2016, no caso), o valor da remuneração variável a atribuir a cada administrador não exceda uma percentagem fixa da remuneração fixa anual.
  2. Ou seja, anualmente, há que verificar se o valor da remuneração variável atribuída a cada administrador (composta pelas duas componentes: componente de curto prazo + componente médio e longo prazo) está dentro do limite máximo estabelecido (percentagem fixa da remuneração fixa anual.)
  3. Para a Requerida “(…) estamos perante remunerações variáveis que foram sendo atribuídas aos administradores em funções no decurso do mandato (2014, 2015, 2016) e consideradas contabilisticamente como gastos suportados entre 2014 e 2016, cujo pagamento a realizar em ações da Requerente, foi totalmente diferido para 31-01-2017, condicionado ao desempenho positivo da Requerente naquele período”, termos em que conclui “(…) pela falta de fundamento da alegação da Requerente quando defende que a atribuição do direito à totalidade da Remuneração Variável de Longo Prazo (RVLP) ocorreu logo em 01-01-2014, para efeitos de cumprimento de um dos pressupostos de facto exigidos na parte final da alínea b) do n.º 13 do art.º 88.º do CIRC referente ao prazo de diferimento do pagamento da RVLP atribuída aos administradores em 2015 e 2016.”
  4. Alega, ainda, a Requerida que “Também não tem fundamento a pretendida imputação da totalidade da RVLP que a Requerente estimou pagar em 2017, ou que efectivamente pagou em 2017, somente ao ano de 2014, valor a que somou à Remuneração Variável de curto prazo (RVA) paga em 2014, para efeitos de determinação da percentagem de diferimento do pagamento das RVLP a cada um dos administradores.”
  5. A 31-01-2017, e de acordo com o que ficou estipulado, a RVLP correspondeu à atribuição de ações da A... aos membros administração executiva, cujo número de acções atribuídas teve por base os resultados da avaliação de desempenho positivo do Total Shareholders Rerturn (“TSR”) das ações da A..., durante a duração do mandato, ou seja, desde 1 de janeiro de 2014 até 31 de dezembro de 2016.
  6. Na data da atribuição das acções, a Requerente considerou ainda como gasto, para efeitos de apuramento do resultado líquido e fiscal, o montante de €616.889,61 correspondente à diferença entre o gasto estimado (em 31 de dezembro de 2014 e ajustado em 31-12-2015) referente àquela RVLP, reconhecida contabilisticamente como gasto nos períodos de 2014, 2015 e 2016 e que totalizou €4.480.639,00 [2] e o valor das acções próprias atribuídas aos administradores, adquiridas pela Requerente em 2015 e 2016 e registadas nos Capitais Próprios, no montante de €5.097.527,00.
  7. A Requerida conclui que: A parcela das RVLP imputada ao administrador B... não cumpre a condição do diferimento de parte da remuneração variável não inferior a 50% estabelecida na segunda parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, sendo devida tributação autónoma no montante de € 118.845,86 (€339.559,61[3] x 35%) nos termos do n.º 19 da mesma norma; Relativamente à parcela da Remuneração Variável de Longo Prazo cujo direito foi adquirido pelos administradores em 2015 e 2016 e que foi paga a 31-01-2017, não tendo sido cumprido a condição de diferimento do seu pagamento por um período mínimo de três anos expressa na segunda parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, é devida tributação autónoma no montante de €1.086.481,19 [4] nos termos do n.º 19 dessa norma.
  8. Face ao exposto, afiguram-se correctas as correcções de natureza meramente aritméticas às tributações autónomas autoliquidadas, no montante total de €1.151.110,66 [5], referentes a remunerações variáveis pagas em 2017 aos administradores, em resultado da verificação cumulativa dos pressupostos de incidência relacionados com o valor dos próprios encargos ("superior a € 27 500") e do seu peso relativamente ao cômputo da remuneração anual ("uma parcela superior a 25% da remuneração anual"), nos termos previstos na primeira parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, incidência que não se encontra afastada em todas as remunerações variáveis pagas em 2017 por inobservância dos pressupostos de facto de delimitação negativa de incidência insertos na parte final da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC.

 

 

II – SANEADOR

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 5.º e 6.º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

III – 1- Matéria de facto

 

§1.º Factos dados como provados

 

a) Como resulta do processo instrutor, a A... foi constituída em 1 de outubro de 1970 como Empresa Pública, tendo sido até final de 2012 uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando por um processo de privatização no período de 2013/2014.

b) No período de tributação de 2017, é a sociedade dominante de um grupo denominado doravante por Grupo G... tributado, por opção, pelo RETGS previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, o qual, integrou as seguintes sociedades além da dominante:

 

 

 

c) De acordo com os Estatutos da A..., a determinação das remunerações dos membros dos órgãos sociais compete à Assembleia Geral, que pode nomear para o efeito uma Comissão de Vencimentos.

d) Esta Comissão de Vencimentos foi designada na Assembleia Geral realizada em 24 de março de 2014, para o mandato de 2014-2016, assim como a composição dos órgãos sociais da Requerente para o mesmo período.

e) Assim, foi aprovado pelos accionistas em Assembleia Geral Anual realizada em 5 de maio de 2014 o pacote remuneratório estabelecido para os Administradores Executivos e que contempla, em linha com as Recomendações III.1 e III.3. da CMVM [6]:

  1. Uma componente fixa - Remuneração fixa – e
  2. Uma componente variável - Remuneração Variável - associada ao desempenho - que por sua vez se decompõe em:
    1. Numa Remuneração Variável de curto prazo (ou Remuneração Variável Anual – paga anualmente aos administradores em numerário, posteriormente à aprovação das contas do ano a que diz respeito;
    2. Numa Remuneração Variável diferida de médio e longo prazo (Remuneração Variável Longo Prazo - RVLP), a pagar em 31 de janeiro de 2017 mediante a atribuição de acções do sujeito passivo, pagamento condicionado à avaliação do desempenho positivo da sociedade até entre 01-01-2014 e 31 de dezembro de 2017.

f) Quer a Remuneração Variável Anual, quer a Remuneração Variável Longo Prazo estão sujeitas a limites máximos definidos pela Comissão de Vencimentos, designadamente por referência à remuneração base anual.

g) O limite máximo da RVLP foi fixado em 180% da respetiva Remuneração Fixa Anual [7].

h) Contabilisticamente, e tal como a Requerente expõe no ppa [8], este tipo de benefícios concedidos aos administradores executivos ao abrigo dos Planos de remuneração de longo prazo (Remuneração Variável Longo Prazo) são registados de acordo com a Norma Internacional de Relato Financeiro (IFRS) 2 - Pagamentos com base em acções, sendo o justo valor dos serviços recebidos determinado na data da atribuição do benefício, reconhecido como custo de forma linear ao longo do período em que o mesmo é adquirido pelos beneficiários, decorrente de prestação de serviços, com o correspondente aumento no capital próprio.

i) Fiscalmente, nos termos do n.º 11 do art.º 18.º do CIRC, este tipo de benefícios atribuídos relativos a pagamentos com base em acções, efectuados aos membros dos órgãos estatutários, em razão do exercício de cargo ou função, apenas concorrem para a formação do lucro tributável do período de tributação em que os respectivos direitos ou opções sejam exercidos, pelas quantias liquidadas.

j) Ou seja, os valores registados contabilisticamente em gastos (débito na conta 63 – Gastos com o Pessoal) nos períodos de tributação de 2014 a 2016, terão sido acrescidos no quadro 07 da Declaração Periódica de Rendimentos Modelo 22 não concorrendo para o apuramento do lucro tributável e apenas na data da atribuição das ações em 207, este gasto releva para efeitos fiscais nos termos do n.º 11 do artigo 18.º do CIRC.

l) Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2021..., a Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção que teve início a 3 de dezembro de 2021, abrangendo o IRC do período de tributação de 2017, que os Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”) classificaram enquanto inspeção externa e de âmbito parcial.

m) A 29 de março de 2022, a Requerente foi notificada, através do Ofício n.º..., do Projeto de Relatório, no qual foram propostas correções de 1.753.506,17 € à tributação autónoma apurada no período de tributação de 2017, associada a gastos com bónus e outras remunerações variáveis atribuídas a administradores - cfr. cópia do Projeto que se junta como Documento n.º 7 que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

n) A ora Requerente veio exercer o respetivo direito de audição, dentro do prazo legalmente concedido – cfr. cópia do direito de audição que se junta como Documento n.º 8 que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

o) Entretanto a Autoridade Tributária notificou a Requerente do Relatório de Inspeção, tendo considerado parte da argumentação apresentada em sede de direito de audição – cfr. cópia do Relatório final que se junta como Documento n.º 9 que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

p) Conforme resulta do Relatório de Inspeção Tributária, a correção ao montante de tributação autónoma decorre do seguinte:

  1.  118.845,86 €, correspondentes ao (alegado) incumprimento do diferimento de uma parte não inferior a 50% dos gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis (ao invés do valor de 531.357,47 € que constava no Projeto de Relatório);
  2.  1.086.481,19 €, associados ao (alegado) incumprimento do diferimento do pagamento por um período mínimo de três anos (ao invés do valor de 947.406,59 € que constava no Projeto de Relatório) – cfr. Documento n.º 9 reproduzido.

q) De notar que a proposta de correção no valor de 288.105,30 €, correspondente ao alegado afastamento da exclusão prevista na segunda parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC, foi removida do Relatório Final.

r) Neste aspeto, importa ainda referir que, relativamente ao período de tributação de 2017, se encontra pendente de análise o recurso hierárquico interposto pela Requerente, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa que o precedeu, e na qual foi solicitada a totalidade do reembolso do referido montante de 215.911,36 € (duzentos e quinze mil novecentos e onze euros e trinta e seis cêntimos) – cfr. cópia do recurso hierárquico que se junta como Documento n.º 13 que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

s) Uma vez que a Requerente não procedeu ao pagamento da dívida, foi instaurado um processo de execução fiscal à Requerente – cfr. cópia da citação do Processo de execução fiscal n.º ...2022... que se junta como Documento n.º 3 que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

t) No âmbito desse processo de execução fiscal, a Requerente apresentou um requerimento para suspensão do referido processo, tendo junto a respetiva garantia bancária n.º N... emitida pelo H..., para assegurar a sua suspensão até à decisão do presente pedido de pronúncia arbitral – cfr. cópia do requerimento e respetiva garantia bancária prestada, no valor de 1.472.041,14 €, que se juntam como Documentos n.º 4 e 5 que se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.

u) Entretanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira, mediante notificação enviada à Requerente veio aceitar a garantia bancária prestada, por ser idónea e suficiente para a suspensão do referido processo – cfr. cópia do Ofício que se junta como Documento n.º 6 que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

v) As ações a que cada administrador executivo acedeu, ao abrigo deste programa de RVLP, apenas lhes foram entregues após o termo do mandato de três anos, i.e. em 2017, ficando ainda sujeitas a um período adicional de indisponibilidade quanto à respetiva transmissão, venda, etc..

x) A sociedade teve desempenho positivo durante o período do mandato dos administradores. 

 

§2.º Factos dados como não provados

 

Não existem facto dados como não provados com interesse para a apreciação da causa. 

 

§3.º Fundamentação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, antes, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o disposto nos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. o artigo 596.º do CPC).

No que se refere aos factos provados e não provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental, junta aos autos, incluindo o processo administrativo, e na posição assumida por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo que as questões controvertidas são estritamente de Direito, como adiante se verá.

 

III – 2- DO DIREITO

 

§1.º Delimitação do objeto do pedido

 

Na Resposta veio a Requerida alegar que a parcela da RVLP, no montante de €616.889,61, foi repartida pela Requerente equitativamente pelos 3 anos de 2014, 2015 e 2016 (€ 205.629,87/cada) e ainda por administrador executivo, conforme se pode verificar pela leitura da coluna 4 dos mapas abaixo, tendo ainda sido tributada autonomamente pela Requerente na autoliquidação de IRC individual e do Grupo de sociedades referente ao período de tributação de 2017.

Mais acrescenta que “Esta autoliquidação de IRC foi objecto de Reclamação Graciosa tendo em vista a devolução daquela tributação autónoma que correu termos sob o n.º ...2020... e que foi indeferida pela AT mantendo a tributação autónoma que incidiu sobre aquela parcela da RVLP.” Posteriormente foi interposto recurso hierárquico contra aquela decisão que ainda correr os seus termos.

Conclui a Requerida que “relativamente àquela parcela da RVLP paga em 2017, mas respeitante a 2015 e 2016, no montante de €205.629,87 em cada um dos anos e que foi tributada autonomamente pela Requerente na autoliquidação de IRC de 2017, sublinhamos que não foi efetuada pelos SIT qualquer correção desfavorável à Requerente, pelo que a liquidação de IRC ora impugnada não comporta qualquer valor a este título.”

Não podendo “(…) a Requerente pretender impugnar nos presentes autos, a sua autoliquidação de IRC de 2017 que, já foi objecto de Reclamação Graciosa e que tendo sido indeferida, foi interposto Recurso Hierárquico que corre os seus termos.”

Em exercício do contraditório, a Requerente veio confirmar a existência do referido recurso hierárquico, mas entende que a Requerida, no Relatório de Inspeção, terá dado razão à Requerente no que se refere ao valor de 54 216,39 €, ou seja, parcialmente. No entanto, termina a Requerente por aceitar que, considerando a Requerida que o referido recurso hierárquico se encontra pendente, deve o mesmo ser apreciado na sua totalidade, seguindo os seus termos.

Acontece que, também em relação a esta autoliquidação de IRC do ano de 2017, a Requerente não formulou no Pedido arbitral qualquer pedido específico nem invocou causa de pedir, razão pela qual esta ilegalidade nunca poderia ser considerada neste processo. 

 

§2.º Da ilegalidade do ato tributário impugnado

 

 A questão essencial é de direito e gira em torno do sentido e alcance da parte final da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, recortada pela Requerida da seguinte forma:

As remunerações variáveis cujo direito foi sendo adquirido pelos cinco administradores executivos, proporcionalmente, ao longo dos anos de 2014, 2015 e 2016, e totalmente pagas em 31-01-2017 mediante a entrega de ações da Requerente, condicionadas ao desempenho positivo da sociedade para o triénio 2014 – 2016, estão sujeitos a tributação autónoma à taxa de 35% por não se verificarem os critérios de exclusão referidos na parte final daquela alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º o CIRC como entendem os SIT, ou estão reunidas as condições de exclusão de tributação como vem arguindo a Requerente? (ponto 22 da Resposta).

 

Determina a aludida norma que:

“13 - São tributados autonomamente, à taxa de 35 %:

(...)

b) Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a (euro) 27 500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.”

(…)

19- No caso de se verificar o incumprimento de qualquer das condições previstas na parte final da alínea b) do n.º 13, o montante correspondente à tributação autónoma que deveria ter sido liquidada é adicionado ao valor do IRC liquidado relativo ao período de tributação em que se verifique aquele incumprimento.

 

Para a Requerida é consensual entre as partes a elegibilidade de todas as remunerações variáveis pagas a todos os Administradores Executivos para efeitos de tributação autónoma decorrente da verificação dos requisitos de incidência expressos na primeira parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC (parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a €27.500). Também é consensual que a Sociedade teve desempenho positivo.

“A divergência entre as partes apenas ocorre quanto à verificação (ou não) da situação de exclusão referida na parte final daquela alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º o CIRC relativamente às designadas Remunerações Variáveis de Longo Prazo, referentes a 2014 e 2015 e 2016 e pagas em 31-01-2017 aos administradores da Requerente.”

Segundo a interpretação do direito aplicável, a Requerida conclui que: A parcela das RVLP imputada ao administrador B..., não cumpre a condição do diferimento de parte da remuneração variável não inferior a 50% estabelecida na segunda parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, sendo devida tributação autónoma no montante de € 118.845,86 (€339.559,61[9] x 35%) nos termos do n.º 19 da mesma norma; Relativamente à parcela da Remuneração Variável de Longo Prazo cujo direito foi adquirido pelos administradores em 2015 e 2016 e que foi paga a 31-01-2017, não tendo sido cumprido a condição de diferimento do seu pagamento por um período mínimo de três anos expressa na segunda parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC.

Por seu turno, a Requerente defende que todas as remunerações variáveis de Longo Prazo, apesar de consideradas como gasto em 2014, 2015 e 2016 por imposição do normativo contabilístico, tendo sido pagas em 31-01-2017 aos cinco administradores executivos, reúnem os dois pressupostos de facto e por isso aproveitam da exclusão de tributação autónoma prevista na segunda parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC.

Ante o exposto, a divergência entre as partes centra-se sobre o sentido e alcance a dar ao inciso o “período mínimo de três anos” inserto no artigo 88.º, n.º 13, alínea c), do CIRC.

 

Vejamos. 

 

São duas as questões em causa a resolver, pressupondo ambas a interpretação e aplicação do referido artigo 88.º, n.º 13, al. c), do CIRC:

a) A relativa ao valor de 1.086.481,19€, associado ao (alegado) incumprimento do diferimento do pagamento por um período mínimo de três anos;

b) A relativa ao valor de 118.845,86€, correspondente ao (alegado) incumprimento do diferimento de uma parte não inferior a 50% dos gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis.

 

Começando pela primeira, dos autos resulta que o direito à RVLP, constituído em 2014, foi atribuído aos administradores com a sua nomeação tendo ficado sujeito a condição suspensiva, por mais de 3 anos (desempenho positivo da Sociedade), período correspondente à duração do mandato desses administradores. Verificada a condição, a remuneração correspondente foi paga mais de 3 anos após o direito se ter constituído.

Na verdade, repare-se que o legislador tem o cuidado de falar em “(…) período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

Daqui decorre, desde logo, que estamos perante requisitos que a lei estabelece não apenas como cumulativos, mas também como indissociáveis (desempenho positivo durante período mínimo de três anos). Por outro lado, não oferece dúvida que o direito emerge com a nomeação dos administradores ficando a sua eficácia (produção de efeitos, ou seja, a receção da remuneração) sujeita à verificação da condição suspensiva traduzida no desempenho positivo. Terminado o mandato se o desempenho da sociedade for positivo (verificação da condição), o direito produz efeitos desde a origem, ou seja, desde 2014. Neste sentido, Francisco Velasco Caballero (Las cláusulas acessórias del acto administrativo, Tecnos, Madrid, 1996, p. 86) refere que “O cumprimento da condição determina o início da eficácia do acto”, com efeitos automáticos e ex tunc.  No caso, a nomeação não configura um ato administrativo, mas os efeitos da condição são idênticos, até porque se trata de uma figura típica do direito civil.   

Esta interpretação é, em primeiro lugar, a que melhor corresponde à letra da lei.

Nas palavras de J. Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1994), “O texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei” (ob. cit., p. 182).

Aplicando o exposto ao caso em análise, a tese da Requerida não tem o mínimo apoio na letra da lei quando defende que o direito à remuneração vai sendo adquirido proporcionalmente ao longo do período mínimo de 3 anos. O que a letra da lei difere no tempo, para o fim do período de três anos, é o pagamento da remuneração. Por outro lado, esta tese conduz à separação no tempo da verificação dos requisitos que a lei quis indissociáveis. Na verdade, na tese da Requerida uma parte do rendimento variável ficaria condicionado ao desempenho positivo da sociedade após o mandato desse administrador (e sem estar condicionado ao empenho desse administrador, mas dos seguintes).

A tese da Requerente é a que melhor se adequa à letra da lei, à natureza jurídico-civil (comercial) da RVLP: constituição do direito em 2014 (o administrador, quando é nomeado, sabe e conhece esse direito), direito sujeito a condição suspensiva, por 3 anos (período normal mínimo da administração), que só se vence e paga após o terceiro ano. Por sua vez, a condição afere-se com o desempenho positivo da administração nesse período de 3 anos: para que saibam e conheçam – e alinhem a sua gestão – a uma perspetiva de médio prazo, pelo prazo da sua administração, procurando o desempenho positivo da sociedade, nesses três anos e não numa lógica anual e de curto prazo.

Em segundo lugar, a tese da Requerente é a que melhor se adequada à interpretação conjugada da letra do preceito e da razão de ser do mesmo. É também a que melhor se adequa ao contratualmente estabelecido, em concreto; e às regras gerais de funcionamento das remunerações variáveis de longo prazo.

Como defendem as Partes, o art. 88.º, n.º 13, al. b), do CIRC surge no contexto das enormes remunerações variáveis dos administradores (de grandes sociedades), que capturavam, muitas vezes, os próprios sócios das sociedades (sobretudo quando o capital está muito pulverizado e distribuído), optando por uma gestão anual e de curto prazo, para receberem os seus bónus variáveis, sem atender a uma visão de médio prazo, pelo período do seu mandato – e as sociedades devem ter uma política de continuidade e duração no tempo.

A grave crise de 2008 foi devida, em parte, a esta gestão de curto prazo das empresas, na mira de ganhos especulativos de curto prazo, para assim os administradores reforçarem os seus bónus anuais – sem atenderem ao médio prazo (que poderia ser pior, mas já não afetaria as remunerações dos administradores, porque já recebidas e pagas). Quer dizer: os administradores tinham um incentivo a efetuarem políticas de gestão apenas de curto prazo (tipos de negócios e sua contabilização), anuais, sem atender ao médio prazo, no interesse da sociedade e dos sócios.

As sociedades ocidentais, no domínio da liberdade contratual, não são compatíveis com políticas proibicionistas – do género da proibição de remunerações variáveis anuais; ou proibição de remunerações excessivas...

As formas encontradas foram essencialmente duas:

Por um lado, ao nível regulatório, sobretudo para bancos e empresas cotadas, com legislação que imponha remunerações variáveis de longo prazo, para o final do mandato, com diretrizes claras, alinhamento e proteção dos sócios, regras de transparência, competência repartida por vários órgãos (Regulamento CMVM 1/2010 [depois revogado e substituído por outros]).

Por outro lado, ao nível fiscal, via tributação autónoma agora em causa (aditado pela Lei n.º 3-B/2010, de 28/4): que promove uma sobretributação (e por isso, um desincentivo e regulação por adequação ao propósito legal) das remunerações variáveis de curto prazo e que não estejam alinhadas com o desempenho positivo da sociedade.

O objetivo é, como vimos, que uma parte significativa da remuneração total (50%) seja diferida até ao fim do mandato como administrador (e daí os 3 anos) e condicionada ao desempenho positivo da sociedade (só é paga se a sociedade estiver económica e financeiramente melhor no final do mandato da administração, por comparação com o seu início – obtida, seguramente, pelo empenho e trabalho dos administradores).

Finalmente, a ligação com a contabilidade não faz qualquer sentido: a contabilização anual (via IFRS 2) justifica-se por razões contabilísticas de prudência e especialização de exercícios, sem qualquer relevância fiscal em IRC: só é gasto fiscal do A... em 2017; e, por conseguinte, o mesmo tem de suceder com o tema das tributações autónomas associadas, até por uma regra de unidade sistemática das leis fiscais.

Mais ainda: a solução da AT pressuporia uma dualidade de regime fiscal consoante a base contabilística das empresas: se aplicassem as IFRS, então a tributação autónoma teria uma configuração temporal, em face do disposto na IFRS 2; se empregassem as NCRF do SNC, então teriam outro regime fiscal, em face da diferença de tratamento contabilístico dessa realidade, sob o padrão nacional. Não faz sentido; haveria violação da igualdade, face ao regime fiscal escolhido, quando materialmente, a RVLP seria exatamente idêntica.

Esse diferimento de 50% é assegurado mesmo que se inclua a RVA no valor da remuneração comparativa – que não se deve incluir (como se constata das contas das alegações da requerente, nas pp. 20 e 21).

 

No que se refere à segunda questão em causa, relativa à imputação a 2014 ao Administrador B..., a inspeção fiscal efetuou segunda correção: 118.845,86€, correspondentes ao (alegado) incumprimento do diferimento de uma parte não inferior a 50% dos gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis.

A resposta da AT explica esta correção nos seguintes termos (vd. p. 3):

“Relativamente à Remuneração Variável de Longo Prazo (RVLP) cujo direito foi adquirido proporcionalmente em 2014 e considerado como gasto nesse ano, apenas a parcela das RVLP imputada ao administrador B..., não cumpre a condição do diferimento de parte da remuneração variável não inferior a 50% estabelecida na segunda parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, tendo os SIT apurado imposto decorrente da tributação autónoma em falta correspondente no montante de € 118.845,86”.

Ora, se na resposta à primeira questão se conclui que o direito não é proporcional no tempo, mas adquire-se totalmente em 2014 – e o pagamento ficou sujeito a condição suspensiva por 3 anos, condicionada ao desempenho positivo da empresa, então, a ser assim, e salvo melhor, esta questão está automaticamente resolvida, no sentido da anulação da liquidação, neste segmento.

A AT assenta na aquisição proporcional do direito, em 2014. Mas, se não é assim, o pressuposto de base desta correção está errado: e, como se viu, o pagamento das ações é superior em 50% da remuneração fixa (e variável anual) de todos e cada um dos administradores.

Termos em que, pelas razões acima expostas, deve proceder o pedido arbitral, com as legais consequências. 

 

§3.º Indemnização por prestação de garantia indevida

 

A Requerente pede indemnização por prestação indevida de garantia bancária que prestou no valor total do imposto devido e respetivos juros, e foi aceite pela Requerida para suspender o processo executivo.

Assim, demonstrada a existência de erro imputável aos serviços conducente à ilegalidade do ato tributário controvertido e, consequentemente, à indevida prestação de garantia para suspensão da execução fiscal resultante do não pagamento da prestação tributária ilegalmente liquidada, assiste ao contribuinte o direito a ser ressarcido dos custos incorridos com a prestação e manutenção da garantia, nos termos do artigo 53.º da LGT e do artigo 171.º do CPPT, até ao respetivo cancelamento. Entretanto a Requerente não indica qual o valor dos custos incorridos.

Deverá, assim, a Requerida ser condenada a ressarcir a Requerente dos prejuízos causados com a prestação de garantia indevidamente prestada, no montante que vier a ser fixado em sede de execução de sentença.

 

IV – DECISÃO

 

Termos em que se julga neste Tribunal Coletivo:

 

  1. Dar provimento ao pedido, atenta a ilegalidade do ato de liquidação de IRC, referente ao período de 2017, com a consequente anulação da Demonstração de Liquidação de IRC, Demonstração de Acerto de Contas e Liquidação de juros acima identificadas, no valor total de 1.158.815,45 € (um milhão cento e cinquenta e oito mil oitocentos e quinze euros e quarenta e cinco cêntimos);
  2. Condenar a Requerida no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, em conformidade com o montante que vier a ser apurado em execução de sentença.

 

V – VALOR DA CAUSA

 

Fixa-se o valor do processo em € 1. 158.815,45, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 28 de julho de 2023.

 

 

 

O Tribunal coletivo,

 

 

Fernanda Maçãs (presidente)

 

 

Tomás Cantista Tavares (árbitro vogal)

 

 

Miguel Patrício (árbitro vogal)



[1] Esta tributação autónoma não se aplica quando o sujeito passivo esteja enquadrado no regime simplificado de determinação da matéria coletável (n.º 16).

[2] A Requerente foi considerando como gasto (conta 63) para efeitos de apuramento do resultado líquido de 2014 (€1.376.407,00), 2015 (€1.610.685,99), 2016 (€1.493.547,00), parcelas das Remunerações variáveis de Longo Prazo estimadas e a atribuir aos administradores executivos cujo pagamento seria efetuado em ações da própria a entregar em 31-01-2017.

[3] Pois os restantes € 50.725,89 foram tributados autonomamente pela Requerente.

[4] O valor restante das RVLP relativas a 2015 e 2016 (€205.630,87 em cada ano) e igualmente pagas em 2017 foi tributado autonomamente pela Requerente.

[5] Não esquecer que, relativamente à parcela da RVLP paga em 2017 mas respeitante a 2014 no montante de €205.629,87 e que foi tributada autonomamente pela Requerente na autoliquidação de IRC de 2017, foi efetuada pelos SIT uma correção às tributações autónomas, favorável à Requerente, relativamente à tributação autónoma que incidiu sobre remunerações variáveis pagas aos administradores em que se cumprem os dois pressupostos de facto, cumulativos, previstos na segunda parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, no montante de €54.216,39.

[6] Que referem:

III.1. A remuneração dos membros executivos do órgão de administração deve basear-se no desempenho efetivo e desincentivar a assunção excessiva de riscos.

III.3. A componente variável da remuneração deve ser globalmente razoável em relação à componente fixa da remuneração, e devem ser fixados limites máximos para todas as componentes.

III.4. Uma parte significativa da remuneração variável deve ser diferida por um período não inferior a três anos, e o seu pagamento deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

Disponível em

https://www.cmvm.pt/pt/Legislacao/ConsultasPublicas/CMVM/Documents/4.%20Novo%20C%C3%

B3d.%20Gov.%20Soc.%20CMVM.pdf

[7] Alínea ii) do n.º 1 do art.º 2.º do plano de atribuição de ações e respetivo regulamento A..., S.A. – vide página 9 a 12 do RIT.

[8] Art.º 45.º do PPA.

[9] Pois os restantes € 50.725,89 foram tributados autonomamente pela Requerente.