Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 600/2022-T
Data da decisão: 2023-06-23  IRC  
Valor do pedido: € 13.930,89
Tema: IRC - declaração de rendimentos intempestiva; liquidação oficiosa; ónus da prova; princípio do inquisitório e da verdade material
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DECISÃO ARBITRAL

I. Relatório

1. A…, LDA. sociedade com o número único de matrícula e de pessoa coletiva … (doravante, designada por Requerente), com sede em …, … Frazão, apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), o pedido de constituição de Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2020...., respeitante ao exercício de 2018 e no montante de € 13.676,44, ao qual acrescem juros compensatórios de € 254,41, e, bem assim, do Despacho de Indeferimento do Recurso Hierárquico.º ...2022..., proferido em 18-05-2022, interposto pela Requerente contra o Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2021..., referente à referida Liquidação Oficiosa de IRC de 2018 n.º 2020 ..., sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

A) Constituição do Tribunal Arbitral

2. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 5 de dezembro de 2022.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 23 de dezembro de 2022.

B) História Processual

4. A Requerente formulou o presente pedido de pronúncia arbitral que tem por objeto o Despacho de Indeferimento do Recurso Hierárquico.º ...2022..., proferido em 18-05-2022, interposto pela Requerente contra o Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2021..., referente à referida Liquidação Oficiosa de IRC de 2018 n.º 2020 ..., da qual resultou o montante a pagar de € 13.930,85 (o que inclui juros compensatórios de € 254,41).

5. Em causa, está a apreciação da legalidade do referido Despacho de Indeferimento de Recurso Hierárquico e, bem assim do ato de Liquidação Oficiosa de IRC de 2018 n.º 2020 ....

6. Para fundamentar a ilegalidade dos referidos atos a Requerente invoca, em síntese, a falta de fundamentação da decisão por parte da AT, a violação do princípio do inquisitório e da verdade material e do princípio da colaboração.

7. A Requerida foi notificada por despacho arbitral de 28 de dezembro de 2022, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar a resposta e solicitar a produção de prova.

8. Em 6 de fevereiro de 2023, a Requerida apresentou o seu articulado de resposta, no qual essencialmente defendeu-se por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e manutenção na ordem jurídica dos atos impugnados, com a sua consequente absolvição do pedido.

9. A Requerida defende, em suma, que os elementos juntos ao processo de Recurso Hierárquico pela Requerente não se mostravam suficientes para que se pudesse satisfazer a pretensão do reclamante.

10. Por despacho de 12 de junho de 2023, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

11. Decidiu o presente Tribunal Arbitral Singular convidar as partes, querendo, a produzir alegações finais, no prazo de 5 dias, e em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, fixou como prazo limite para a decisão arbitral o dia 23 de junho de 2023.

12. Na sequência do aludido despacho, a Requerente optou por não produzir alegações finais.

13. A Requerida, optou, de igual modo, por não produzir alegações finais.

14. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

C) Saneamento

15. As partes do presente processo gozam de personalidade e capacidade judiciárias nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT.

II. Questão a decidir

16. A questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral, prende-se em saber se os atos respeitantes ao Despacho de Indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2022... e à liquidação oficiosa de IRC n.º 2020.... são ilegais por violação do princípio do inquisitório por parte da AT, nomeadamente, decorrente da não realização das diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

17. No que concerne à matéria de facto, importa salientar que, segundo o artigo 607.º números 3 e 4, do Código de Processo Civil (“CPC”) e o artigo 123.º n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, o tribunal não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os factos alegados pelas partes.

18. Com efeito, cabe ao presente Tribunal selecionar os factos que considera relevantes para a causa, distinguindo os que estão provados dos que não estão.

A) Factos provados

19. Examinada a prova documental produzida pelas partes, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

a. A Requerente é uma sociedade comercial, constituída sob a forma de sociedade por quotas, que exerce a sua atividade no setor de serração de madeira e de produção de eletricidade de origem eólica, geométrica, solar e N.E.

b. Com referência ao exercício de 2018, a Requerente não procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, dentro do prazo legal para o efeito, isto é, até ao último dia do mês de maio de 2019.

c. Consequentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, aqui Requerida, através do Aviso n.º … de 23.10.2019, notificou a Requerente no sentido de esta proceder à regularização da sua situação tributária, cumprindo com o dever de autoliquidação, sob pena de a liquidação ser efetuada nos termos previstos pela al. b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC.

d. A Requerente não procedeu à regularização da sua situação tributária nos termos legais.

e. Face à inércia da Requerente, a AT procedeu à emissão da liquidação de IRC, n.º 2020…, relativa a 2018, da qual resultou um montante de imposto de € 13.676,44 e juros compensatórios de € 254,41.

f. Em 25.05.2021, veio a Requerente apresentar uma declaração Modelo 22-IRC, no âmbito da qual apurou prejuízos fiscais no montante de € 21.373,12.

g. A referida declaração de rendimentos ficou registada na base de dados da AT como “Não Liquidável”, por dela resultar imposto inferior ao da liquidação oficiosa emitida anteriormente pela Administração Tributária.

h. Em 27.05.2021, a Requerente submeteu a IES de 2018.

i. Com vista a obter a anulação da liquidação de IRC n.º Liquidação: 7..., a Requerente apresentou a Reclamação Graciosa n.º ...2021..., juntando as peças contabilísticas que lhe pareceu serem demonstrativas dos factos tributariamente relevantes do exercício em causa, a saber, Balancetes Analíticos antes e após o apuramento de resultados e Balanço e demonstração de resultados (cfr. Documentos n.ºs 11 a 13).

j. A Requerida emitiu projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa (cfr. Documento n.º 3), contra o qual a Requerente exerceu o direito de audição (cfr. Documento n.º 4).

l. A Requerida veio a proferir a decisão final de indeferimento total da Reclamação Graciosa, através de despacho do Sr. Chefe de Serviço de Finanças de ... de 29-12- 2021 competências (cfr. Documento n.º 5).

m. Perante tal decisão de indeferimento, a Requerente apresentou Recurso Hierárquico a 10-01-2022 (cfr. Documento n.º 6), no qual reproduziu os fundamentos aduzidos na Reclamação Graciosa.

n. Em 05-04-2022, a Requerida emitiu o projeto de decisão do procedimento de Recurso Hierárquico n.º ...2022..., notificando a Requerente para o exercício do direito de participação na decisão, na modalidade de audição prévia previsto no art.º 60.º da LGT (cfr. Documento n.º 7).

o. Em 14-04-2022, a Requerente exerceu o direito de audição prévia no âmbito do procedimento de Recurso Hierárquico (cfr. Documento n.º 8).

p. Em 18-05-2022, foi proferido despacho de indeferimento (cfr. Documento n.º 9), tendo tal decisão sido notificada por via CTT e disponibilizada em 28-06-2022 (cfr. Documento n.º 10).

B) Factos não provados

20. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

IV. Do Direito

21. Fixada a matéria de facto, cumpre analisar as questões de direito colocadas pela Requerente e Requerida.

22. De forma a apreciar do mérito da pretensão da Requerente, importa iniciar a nossa análise fazendo menção ao estatuído no artigo 117.º, n.º 1, al. b), do Código do IRC, do qual resulta para a Requerente a obrigação de proceder à declaração periódica de rendimentos modelo 22-CIRC.

23. Considerando que o período de tributação da Requerente coincide com o ano civil, o cumprimento da antedita obrigação deve ser efetuado até ao último dia do mês de maio, conforme dispõe o artigo 120.º, n.º 1 do Código do IRC.

24. Não tendo a Requerente cumprido com a obrigação declarativa a que se refere o 117.º, n.º 1, al. b), do Código do IRC dentro do prazo legal, a AT instaurou o competente procedimento de liquidação do imposto, regulado em termos gerais no artigo 59.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e quanto ao IRC, no artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC.

25. Assim, determina este último artigo que na falta da apresentação da declaração de rendimentos pelo sujeito passivo, a AT procede à liquidação oficiosa com base na matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada.

26. Conforme dispõe no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), a “tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

27. A tributação do rendimento real é, regra geral, apurado a partir da contabilidade do sujeito passivo, existindo diversas obrigações contabilísticas para as empresas, nomeadamente, nos termos do artigo 123.º, n.º 1 do Código do IRC, do qual decorre a obrigação dos sujeitos passivos disporem de contabilidade organizada nos termos da lei.

28. A liquidação do imposto efetuada nos termos do artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, consubstancia um método indireto de apuramento da matéria tributável, que reveste natureza excecional, ocorrendo apenas quando a Administração Fiscal esteja impossibilitada de quantificar diretamente a material tributável.

29. Com efeito, a Administração Fiscal está vinculada ao esgotamento prévio dos métodos de determinação direta da matéria tributável, não podendo recorrer a métodos indiciários caso não estava provada a dúvida fundada e efetiva impossibilidade de apuramento da matéria tributável efetiva do sujeito passivo.

30. No seio da jurisprudência e doutrina portuguesa, tem vindo a ser considerado que o objetivo primordial da liquidação oficiosa prende-se com a prevenção da caducidade do direito à liquidação, devendo a AT diligenciar pela determinação da matéria coletável com base no rendimento real do contribuinte, caso hajam elementos novos trazidos pelo mesmo.

31. Entre outros, veja-se as conclusões do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 339/13.5BESNT, de 24-02-2022:

“1. Na falta de apresentação tempestiva da declaração periódica de rendimentos, a AT pode proceder a liquidação oficiosa, nos termos do artigo 90.º, n.º 1 alíneas b) e c) do CIRC. 2. Essa liquidação tem natureza provisória, só se tornando definitiva se o contribuinte não vier a apresentar supervenientemente e no prazo de caducidade, a declaração (art.º 101.º do CIRC). 3. Se o fizer, a AT está funcionalmente obrigada a corrigir a liquidação oficiosa de acordo com a declaração e na medida em que a documentação contabilística de suporte e de relato financeiro permitam confirmar os elementos declarados. 4. Se a decisão de Recurso Hierárquico interposto para a anulação da liquidação oficiosa e a sua substituição por outra concordante com a declaração superveniente apresentada, se limita a manter a liquidação oficiosa com fundamento em que os elementos que acompanham a declaração contêm omissões, erros ou inexatidões, enferma de vício invalidante por erro nos pressupostos. 5. Com efeito, impunha-se outra decisão, que averiguasse ou mandasse averiguar, se necessário em procedimento de inspeção, em que medida a declaração podia ser validada embora corrigida das omissões, erros e inexatidões constatados e não supridos pelo sujeito passivo. 6. Se em procedimento de 2.º grau (Reclamação Graciosa ou Recurso Hierárquico) a AT procede à análise da declaração superveniente apresentada, opera-se a revogação tácita da liquidação oficiosa, passando os pressupostos da liquidação reportada ao exercício em causa a assentar na matéria coletável declarada, ainda que depois não venha a ser, em procedimento de averiguação ou inspeção, totalmente confirmada por não adequadamente suportada nos elementos da contabilidade ou escrita do sujeito passivo.”

32. No caso sub judice, ainda que a Requerente não tenha cumprido com a obrigação declarativa até ao último dia de maio de 2019, facto é que houve entrega da declaração dentro do prazo de caducidade aplicável ao imposto em causa.

33. Para além da entrega dentro do prazo de caducidade, verifica-se que na sequência da notificação do projeto de decisão da Reclamação Graciosa, a Requerente exerceu o direito de audição prévia, apresentando peças contabilísticas demonstrativas dos factos tributariamente relevantes do exercício em causa (Balancetes Analíticos antes e após o apuramento de resultados e Balanço e demonstração de resultados), exercendo o mesmo ónus probatório em sede de Recurso Hierárquico.

34. Com efeito, estamos perante um caso de apresentação superveniente de elementos que colocam em causa a matéria coletável da liquidação oficiosa de IRC, estando a Requerida, em cumprimento do princípio do inquisitório e da verdade material, vinculada a realizar as diligências necessárias para garantir a tributação do rendimento real do contribuinte.

35. Em ambas as decisões de indeferimento proferidas em sede dos procedimentos tributários supra mencionados, a AT defende que os elementos juntos pela Requerente não se mostraram suficientes para a procedência da pretensão da Requerente.

36. Importa, no entanto, averiguar se a AT diligenciou por recolher os elementos necessários ao apuramento da matéria coletável da Requerente, em cumprimento do princípio do inquisitório e da verdade material.

37. Na decisão final da Reclamação Graciosa, verifica-se que a AT baseou-se nos seguintes fundamentos:

  • Irregularidade na entrega das Declarações modelo 22, demonstrável pelo seguinte histórico:

“2013: declaração oficiosa (faltoso)

2014: entregou modelo 22

2015: entregou modelo 22

2016: declaração oficiosa (faltoso)

2017: declaração oficiosa (faltoso)

2018: declaração oficiosa (faltoso)

2019: entregou modelo 22”.

  • Segundo a AT, tal irregularidade “não permite a comparação entre exercícios, o que permitiria perceber o que levou ao apuramento de prejuízo fiscal no exercício em análise, além de não permitir analisar a consistência dos inventários entre exercícios.”.
  • Adicionalmente, a AT faz menção à falta de apresentação por parte da Requente dos mapas de depreciações e amortizações: “A reclamante refere que não foram contabilizados quaisquer encargos com imparidades, reintegrações, créditos incobráveis e demais situações que se encontram previstas na portaria 92-A/2011. No entanto, verifica-se que, de acordo com a documentação apresentada, existem Ativos Fixos Tangíveis sujeitos a depreciação. Mesmo que já não estejam a ser depreciados, os mapas devem ser apresentados.”

38. Da decisão final de Recurso Hierárquico podemos extrair os seguintes fundamentos utilizados para o indeferimento do pedido da Requerente:

  • A AT alega a ausência de prova por parte da Requerente da Certificação de Pequena empresa: “não fez prova em como detém a CERTIFICAÇÃO PEQUENA EMPRESA, emitida pelo IAPMEI, I.P. - Agência para a Competitividade e Inovação, dada a sua referência na declaração de IRC n.º 1830-2021-C1100-10 [Não Liquidável].”
  • Adicionalmente, a AT reforça que os elementos trazidos pela Requerente “tratam-se apenas de algumas peças contabilísticas, sendo que as mesmas se mostram insuficientes para validar o pedido, porquanto não satisfazem a alínea a), do n.º 2, do art.º 123 conjugado com o art.º 130.º, ambos, do CIRC, tal como já havia sido referido no nosso Projeto de Decisão (ipsis verbis Cap. III).”

39. Em suma, os fundamentos invocados pela AT resumem-se ao cumprimento declarativo irregular da Requerente, em anos anteriores e no exercício de 2019, ao nível das declarações modelo 22 e IES, falta de prova de Certificação de Pequena Empresa e falta de apresentação do mapa de reintegrações.

40. Ora, em face da apresentação, em 25.05.2021, da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC pela Requerente, referente ao período de tributação de 2018, e atenta a natureza provisória da liquidação oficiosa, a AT devia ter solicitado à Requerente a apresentação de mais elementos probatórios ou a prestação de esclarecimentos adicionais.

41. Em alternativa, considerando que está em causa o período de tributação do ano de 2018, cujo prazo de caducidade só ocorre em 31.12.2022, a AT poderia ter promovido a realização de um procedimento de inspeção tributária com vista ao apuramento da situação tributária da contribuinte, ora Requerente.

42. Não tendo realizado todas as diligências que tinha ao seu alcance para a satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, o ato tributário de liquidação oficiosa não pode subsistir na ordem jurídica por violação do princípio constitucional da tributação do rendimento real (n.º 2 do art.º 102.º da CRP).

43. Em face do exposto, deve o pedido de pronúncia arbitral ser considerado procedente, quanto à anulação do ato de liquidação oficiosa de IRC e de juros compensatórios supra identificados, referentes ao período de tributação do ano de 2018.

44. O presente Tribunal teve em consideração diversas decisões jurisprudenciais que decidiram no mesmo sentido.

45. Veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 2550/04.0BELSB, de 25-02-2021:

I. No caso como dos autos em que a A.T.A. procedeu a uma liquidação oficiosa de IRC, por ausência de apresentação, dentro do prazo legal, da respetiva D.P. Modelo 22, a sua posterior entrega não obsta à sua consideração, caso a mesma permita o apuramento do lucro tributável do s.p. II. Tal será o caso quando a sua determinação se baseie na contabilidade que cumpra o disposto no n.º 3, do art.º 17.º, do CIRC, e que se encontrem apoiadas em documentos de suporte que satisfaçam as condições apostas no n.º 3, do art.º 98.º, do mesmo Código. III. Cabe à Adm. Fiscal, no âmbito dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material (art.º 58.º, da LGT), proceder ao apuramento da situação tributária do s.p.- cfr art.º 63.º da mesma Lei.”.

46. Também o Supremo Tribunal de Administrativa decidiu no processo n.º 0499/11.0BELRS, de 13-07-2022:

“Nos casos em que o sujeito passivo não apresenta a declaração de rendimentos, a AT tem o poder-dever de promover a liquidação oficiosa provisória do imposto à luz do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 76.º do CIRS, para evitar que dessa falta (independentemente das sanções aplicáveis pela violação dos deveres acessórios declarativos a que possa dar lugar) resulte uma vantagem futura para o sujeito passivo inadimplente. Porém, é dever da AT inteirar-se, por via do exercício dos seus poderes inspetivos, da real situação económica do sujeito passivo, sobretudo quando este apresenta, mesmo que através de reclamação graciosa, elementos comprovativos da sua concreta situação tributária.”

Decisão

47. Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Singular:

  1. Julgar procedente, por provado, o pedido da Requerente no que respeita à ilegalidade e consequente anulação do Despacho de Indeferimento do Recurso Hierárquico, proferido em 18-05-2022 pelo Sr. Diretor adjunto de Direção de Finanças do …, ao abrigo de Subdelegação de competências (Documento n.º 9), que manteve a decisão do Despacho do Sr. Chefe de Serviço de Finanças de ... 29-12-2021, proferido ao abrigo de Delegação de competências (Documento n.º 5), que indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação de IRC n.º 2020...., respeitante ao exercício de 2018, por violação de lei, omissão de pronúncia e falta de fundamentação, violação do princípio do inquisitório e da verdade material (artigos 58.º da LGT e 6.º do RCPITA) e do princípio da colaboração (artigo 59.º da LGT);

 

  1. Julgar procedente, por provado, o pedido da Requerente no que respeita à ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRC n.º 2020…, respeitante ao exercício de 2018 e no montante de € 13.676,44, ao qual acrescem juros compensatórios de € 254,41;

 

  1. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

 

Valor do processo

48. De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º do Código do Processo Civil, da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 13.930,89 (treze mil novecentos e trinta euros e oitenta e nove cêntimos).

Custas

49. Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 23 de junho de 2023

 

O Árbitro

 

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(Sérgio Santos Pereira)