Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 594/2022-T
Data da decisão: 2023-05-24  IVA  
Valor do pedido: € 567.867,11
Tema: IVA - Actividade económica na venda de participações sociais; dedução de IVA incorrido em serviços ligados a essa venda e na prestação de serviços de manutenção facturados posteriormente a essa venda.
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Sumário:

I – Não é possível deduzir montantes de IVA pagos para viabilizar a alienação de participações sociais por parte de uma empresa que não faz disso actividade.

II – Não é possível compatibilizar o mecanismo de dedução do IVA com a pretensão de repercutir em negócios futuros custos incorridos em negócios previamente alienados.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. No dia 7 de Outubro de 2022 a A..., S.A., com sede no ..., ..., ..., ...-... Porto Salvo, e número de identificação fiscal ... (Requerente), apresentou requerimento de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT).
  2. Pretendia que se procedesse à anulação do acto de liquidação adicional de Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) n.º ..., no montante de € 451.780,25, dos actos de demonstração de liquidação adicional de IVA com os n.os 2019..., 2019..., 2019..., 2019 ... e 2019..., no montante de € 116.086,86, e também a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento do procedimento de Reclamação Graciosa e do acto de indeferimento do procedimento de Nomeados os árbitros que constituem o presente Tribunal, que aceitaram a designação no prazo aplicável, e não tendo a Requerente, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida), suscitado qualquer objecção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 20 de Dezembro de 2020.
  3. Seguindo-se os normais trâmites, em 20 de Fevereiro a AT apresentou resposta e protestou juntar o processo administrativo.
  4. Em 4 de Março, foi proferido despacho a dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, a dispensar a produção de alegações – sujeita à não oposição de Requerente ou Requerida – e a determinar o pagamento do remanescente da taxa arbitral antes da data previsível para a pronúncia da decisão arbitral. 
  5. Como nada dissessem no prazo fixado, em 21 de Março foi notificada a Requerida para juntar aos autos o processo administrativo, o que esta fez no próprio dia.

 

 

  1. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e o pedido de pronúncia contém-se no âmbito das suas atribuições.
  2. Requerente e Requerida gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas.
  3. O pedido de pronúncia arbitral foi tempestivo.
  4. Não foram suscitadas excepções, nem a aferição dos pressupostos processuais levou à identificação de qualquer fundamento que obste ao conhecimento do mérito.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

  1. A A... (Requerente) é uma sociedade comercial cuja atividade consiste no desenvolvimento, construção e exploração de projetos na área das energias renováveis (nomeadamente eólicos e solares), desenvolvendo ainda, a atividade de consultoria relacionada com projetos no setor da eficiência energética;
  2. A Requerente apresenta como CAE principal “04220 – Construção de redes de transporte, eletricidade e telecomunicações” e os CAE secundários “077390 – Aluguer de outras máquinas e equipamentos, n.e.”, “074900 – Outras atividades de consultoria, científicas, técnicas, n.e.” e “035113 – Produção de eletricidade de origem eólica, geotérmica solar, n.e.”;
  3. A Requerente iniciou a sua atividade para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) a 1 de Janeiro de 2005 e encontra-se actualmente enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, realizando exclusivamente operações que conferem o direito à dedução do imposto incorrido a montante;
  4. Está integrada no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo a B..., SA, cujo NIF é o..., a sociedade dominante do Grupo;
  5. Nos anos de 2015 e 2017, a Requerente alienou participações sociais que detinha em várias sociedades por si participadas; assim:
  6. No dia 16 de Novembro de 2015, por via da sua participada C..., S.L., a Requerente procedeu à alienação da totalidade das ações que detinha na sociedade D..., S.L. - Sociedad Unipersonal, à entidade E..., S.L - Sociedad Unipersonal, pelo preço de € 2.502.822,14;
  7. Em consequência, em 12 de Dezembro de 2016, a C..., S.L., foi dissolvida;
  8. No dia 26 de Abril de 2017, a Requerente celebrou um contrato de venda à F..., SGPS, S.A., pelo preço global de € 5.348.500,00, das acções e suprimentos que detinha na sociedade G..., S.A., proprietária do Parque Eólico de ..., a quem a Requerente prestava à data serviços de gestão e manutenção;
  9. No dia 27 de Abril de 2017, a Requerente celebrou um contrato de venda à F..., SGPS, S.A., pelo preço de € 29.149.000,00, da totalidade das acções que detinha na entidade H..., S.A., proprietária da Central Fotovoltaica de ..., a quem a Requerente prestava à data serviços de gestão e manutenção;
  10. No dia 3 de Agosto de 2017, a Requerente celebrou um contrato de venda à I..., S.A., pelo preço de € 103.675.000,00, as acções que detinha na sociedade J..., S.A., proprietária Parque Eólico de ... e do Parque Eólico de ..., a quem a Requerente prestava à data serviços de gestão e manutenção;
  11. A K..., Lda. emitiu à Requerente a factura n.º FT 362/00062, com data de 14 de Janeiro de 2016, cujo IVA ascendeu a € 17.227,00, no âmbito do projeto de alienação da totalidade das acções da sociedade L..., S.L. - Sociedad Unipersonal e da dissolução da entidade C..., S.L.;
  12. A L... Lda., emitiu à Requerente a factura n.º FT 2017A1/8, com data de 27 de Abril de 2017, cujo IVA ascendeu a € 37.518,75, e a factura n.º FT 2017A1/12, com data de 20 de Junho de 2017, com IVA no montante de € 48.300,00 – ambas referentes a serviços de consultoria prestados no âmbito da operação de alienação das ações detidas pela Requerente nas entidades sua participadas G... a, S.A. e H..., S.A.;
  13. A sociedade de advogados M... & Associados emitiu à Requerente a factura n.º FSP 2017/2713, com data de 31 de Agosto de 2017, com IVA no montante de € 7.115,89, a factura n.º FSP 2017/3745, com data de 16 de Novembro de 2017, cujo IVA ascendeu a € 2.810,65, e a factura n.º FSP 2017/3178, com IVA no montante de € 3.114,57, por serviços jurídicos prestados no âmbito de uma due diligence legal realizada à entidade J...;
  14. A N..., S.A. (N...), emitiu à Requerente, com data de 31 de Dezembro de 2017, as facturas n.º 1414200682, n.º 1414200683, n.º 1414200684, n.º 1414200685 e n.º 1414200687, referentes a serviços de manutenção e gestão dos parques eólicos de ..., ..., ... e ... (parques eólicos que eram propriedade das entidades relativamente às quais a Requerente alienara a sua participação);
  15. A Requerente foi alvo de uma acção inspectiva externa dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa com vista à análise da sua situação tributária em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e de IVA, ao abrigo das Ordens de Serviço n.os OI 2018..., OI2018... e OI2018...;
  16. Dessa inspecção resultaram os actos tributários de liquidação adicional de IVA n.º ..., com o valor de correcção de imposto de € 451.780,25 (reportado às facturas identificadas em n)), e os actos de demonstração de liquidação deste imposto n.os 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., com o valor de correção de imposto de € 116.086,86 (reportado às facturas identificadas em k), l) e m));
  17. No dia 21 de Novembro de 2019 a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, que foi indeferida em 7 de Agosto de 2020 por despacho do Chefe de Divisão de Direcção de Finanças por subdelegação e em substituição legal do Director de Finanças Adjunto, decisão que foi notificada através do Via CTT, com a mesma data;
  18. No dia 21 de Setembro de 2020, a Requerente apresentou Recurso Hierárquico, que foi indeferido em 20 de Junho de 2022;
  19. No dia 7 de Outubro de 2022, Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral (PPA).

 

            III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que o contrato de venda à I..., S.A. (junto pela Requerente como Documento 8: “Venda J... à I...pdf”) incluísse um “Compromisso específico de indemnización”, em virtude do qual a Requerente teve de executar trabalhos de manutenção no Parque Eólico de ... .

Tendo em conta as posições das partes e, consequentemente, a matéria relevante para a decisão da presente causa, não há outros factos que se devam ter como não provados.

 

            III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO

Os factos dados como provados resultam dos documentos disponíveis nos autos e, ou, do acordo das Partes.

 

  1. DIREITO

IV.1. Questões a decidir

Há essencialmente duas questões principais a decidir numa perspectiva teleologicamente focada no concreto dissídio:

- uma – que envolve a correcção no montante total de € 116.086,86 e pela qual a Requerente começa a sua argumentação – é a de saber se a venda das suas participações sociais constituiu uma actividade económica sujeita a IVA; e sendo-o, se é dele isenta. Ou, recortando mais especificamente o que é controvertido, a da possibilidade de montantes cobrados por serviços de assessoria e de apoio jurídico no âmbito de alienação de participações sociais constituírem despesas relacionadas com a actividade de uma empresa que não tem no seu objecto social a gestão de participações sociais (ou, mais simplesmente, a da possibilidade de essa empresa poder deduzir montantes de IVA que lhe foram cobrados por tais serviços);

- a outra questão a decidir – que envolve a correcção de € 451.780,25 – é a dos montantes pagos pela Requerente no âmbito das suas relações com entidades que foram, até certa altura, suas participadas, e da relação desses valores pagos com a actividade por si desenvolvida.

A Requerente suscitou ainda a questão do ónus da prova, de modo expressamente transversal às anteriores questões, e que terá de ter tratamento em cada uma delas.

Do que for decidido em relação a estas questões decorrerá, ou não, a necessidade de determinar a restituição dos montantes de imposto e juros reclamados e a imposição de juros indemnizatórios.

 

 

IV.2. Posição da Requerente

Quanto à supra enunciada primeira questão decidenda, a Requerente entendeu, essencialmente, que:

  1. A suposta não sujeição das operações de venda das participações sociais a IVA, invocada pela AT ao seu caso, com base no Ofício Circulado n.º 30103/2008 de 23 de Abril, “não dá relevância às exceções que o TJUE tem vindo a reconhecer a esta regra geral”;
  2. Assim, “em casos de alienação de participações sociais em sentido estrito, o TJUE tem

entendido que a operação deve considerar-se como tendo conteúdo económico consoante se encontre reunido ou não o requisito da interferência direta ou indireta na gestão da entidade participada da qual aliena as respetivas participações sociais.”;

  1. O critério adotado pelo TJUE neste âmbito verifica-se, dado que a Requerente, enquanto sociedade-mãe, realiza prestações tributáveis em proveito das afiliadas, conforme é reconhecido pela AT no despacho de indeferimento “É facto que, à luz dos elementos que anexa como Docs. 10, 11, 12 e 13, foram celebrados contratos de prestação de serviços entre a ora Recorrente e as suas participadas, no âmbito dos quais terão sido realizadas operações tributáveis”;
  2. resulta com muita clareza dos contratos celebrados entre a Requerente e as entidades em causa (…) que esta prestava serviços relacionados com a manutenção e gestão dos parques eólicos e solares propriedade das entidades suas participadas, precisamente porque estas entidades não possuíam os recursos nem o know how exigido para a concretização destas tarefas.”;
  3. de acordo com o entendimento do TJUE, as operações de alienação de participações sociais poderão ser consideradas ou não como operações tributáveis para efeitos do IVA, consoante a entidade que aliena as participações intervém ou não na gestão das participadas relativamente às quais aliena as participações.”;
  4. O que ficou demonstrado que se verificava, pelo que a operação se encontra abrangida pelas normas de incidência para efeitos de IVA, sendo, como se vê, legítima a dedução do IVA suportado pela realização das operações sujeitas.
  5. embora abrangidas pela incidência do IVA, as operações de venda de participações sociais levadas a cabo pela Requerente são submissíveis na isenção prevista na alínea e) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA.”;
  6. Ainda assim, invoca o §58 do Acórdão SKF (proc. C-29/08, decidido em 29 de Outubro de 2009): “admite-se igualmente o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo”;
  7. E, depois de transcrever a seguir parte dos §§ 55, 56, 58, 60, 64, 68 e 70 do mesmo acórdão, extracta parte do seu §72: “O TJUE faz uma última ressalva, nos termos da qual o “o direito à dedução é conferido relativamente ao IVA pago a montante pelas prestações realizadas no quadro de operações financeiras se o capital adquirido com estas últimas operações tiver sido afectado às actividades económicas do interessado. Por outro lado, as despesas relacionadas com as prestações a montante têm uma ligação directa e imediata com as actividades económicas do sujeito passivo nos casos em que são exclusivamente imputáveis a actividades económicas efectuadas a jusante e, portanto, são parte apenas dos elementos constitutivos do preço das operações abrangidas pelas referidas actividades”;
  8. Para concluir que “Do exposto decorre que o direito à dedução poderá ser exercido caso i) se verifique uma relação direta e imediata entre as despesas relacionadas com as prestações a montante e o conjunto das atividades económicas do sujeito passivo, e se ii) as despesas realizadas não forem suscetíveis de ser incorporadas no preço das participações sociais alienadas, e fizerem unicamente parte dos elementos constitutivos do preço das operações abrangidas pelas atividades económicas do sujeito passivo.”;
  9. Citando a seguir “Vasques, Sérgio, “O Imposto sobre o Valor Acrescentado”, Edições Almedina, 2015, página 155, “o Tribunal admite que a SKF possa deduzir o IVA incorrido a montante com os serviços de consultoria ligados à operação”, sustentando ainda que “o TJUE afirma que essas despesas não podem ser tomadas à partida como custos directos da alienação mas que importa em vez disso apurar se sobre esse nexo directo não prevalece um nexo ulterior com a actividade tributável da empresa, que a operação se destina a financiar”.”;
  10. Para concluir que “Se a Requerente incorreu, no âmbito da sua atividade, em custos relacionados com a venda de ações que detinha nas entidades suas participadas, esses custos serão sempre incorporados – pela lógica subjacente a qualquer formação de preço – no preço de futuros bens/serviços prestados pela Requerente aos seus clientes.”;
  11. Já que “Considerando que a Requerente é uma entidade comercial que tem como objetivo a prossecução do lucro, os custos por si suportados no âmbito das operações de reorganização do seu grupo serão incorporados no preço das operações a realizar por si no futuro.”;
  12. E a este respeito, numa situação idêntica à ora em apreciação, afigura-se essencial para a boa resolução deste caso a consideração da conclusão apresentada pelo TJUE no Acórdão Kretztechnik de 26 de maio de 2005 e proferido no processo C-465/03 (in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62003CJ0465) que decidiu neste sentido.”;
  13. Nesta decisão, determinou o TJUE que no âmbito de uma operação de emissão de ações – que, à luz da Diretiva IVA, também beneficia de isenção de imposto – efectuada pela Kretztechnik com vista a reforçar o seu capital em proveito da sua actividade económica geral, há que considerar que os custos das prestações adquiridas por esta sociedade no âmbito da operação em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos seus produtos. Estas prestações têm, com efeito, uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo”.”;
  14. Apresentando-se a situação de facto idêntica às subjacentes a ambos os Acórdãos citados, não se vislumbram razões para a posição sufragada pela AT.”;
  15. Citando depois os parágrafos 26, 27 e 28 do Acórdão Grupa Lotos do TJUE (Proc. C-225/18, decisão de 2 de Maio de 2019), escreve o seguinte: “Referiu adicionalmente o TJUE no mesmo acórdão, que “De facto, o regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA (v. Acórdão de 14 de setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments, C-132/16, EU:C:2017:683, n.º 26 e jurisprudência referida). Daqui resulta que, na medida em que o sujeito passivo, agindo nessa qualidade na data em que adquire um bem ou um serviço, utilize esse bem ou serviço para as necessidades das suas operações tributadas está autorizado a deduzir o IVA devido ou pago em relação ao referido bem ou serviço (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments, C-132/16, EU:C:2017:683, n.º 27 e jurisprudência referida). Em segundo lugar, resulta igualmente da jurisprudência que só são permitidas derrogações ao direito à dedução do IVA nos casos expressamente previstos nas diretivas que regem esse imposto (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de setembro de 2000, Ampafrance e Sanofi, C-177/99 e C-181/99, EU:C:2000:470, n.º 34, e de 8 de janeiro de 2002, Metropol e Stadler, C-409/99, EU:C:2002:2, n.os 42, 44 e 58) e que tais derrogações são de interpretação restrita (Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Magoora, C- 414/07, EU:C:2008:766, n.º 28)” (vide os parágrafos 26 a 28 do mesmo acórdão).”;
  16. Acabando por concluir do seguinte modo: “Assim, deverão as demonstrações de liquidação de IVA n.os 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., com o valor de correção de imposto de € 116.086,86, ser declaradas ilícitas, porquanto manifestamente ilegais, em virtude do erro incorrido pelos Serviços de Inspeção Tributária na análise do direito à dedução do IVA incorrido pela Requerente nos serviços referidos supra.”;

 

Quanto à supra enunciada segunda questão decidenda – a da dedução das despesas incorridas na manutenção dos parques eólicos –, a Requerente entendeu, essencialmente, que:

  1. a AT considera que o imposto incorrido a jusante não é dedutível por não estarmos perante “custos incorridos para a realização de operações tributáveis, mas de custos que foram repercutidos, segundo a própria Recorrente e os contratos que apresenta, no preço de venda das ações, preço esse que não estava sujeito a tributação”;
  2. Ora, considera ao invés a Requerente que “Independentemente do facto de o preço de venda das ações em apreço ter englobado ou não as referidas despesas, a circunstância de o preço não estar sujeito a IVA não obsta à dedução do imposto incorrido com a manutenção dos parques eólicos.”;
  3. Invocando novamente o Acórdão SKF, considera “a alienação das participações sociais apresenta um nexo direto com a atividade económica geral exercida pela Requerente, sendo, naturalmente, um prolongamento da atividade tributável da mesma.”;
  4. Mais ainda, a atividade tributável da Recorrente compreende sempre a prática de serviços prestados às (antigas) participadas, serviços esses que tiveram, naturalmente, incidência de IVA.”;
  5. E, invocando o decidido no Proc. 398/2014-T do CAAD, transcreveu o § primeiro do seu n.º 28 sobre “o entendimento do TJUE a respeito do direito à dedução, vertido no artigo 17.º da Sexta Directiva, segundo o qual “o sujeito passivo terá direito à dedução integral do IVA incorrido sempre que exista “uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusantes com direito à dedução” (Cfr., entre outros, a jurisprudência vertida no Acórdão Midland Bank).”;
  6. Concluindo a Requerente que “Neste âmbito, os requisitos para o direito à dedução encontram-se reunidos no caso em apreço, de acordo com linha jurisprudencial desenvolvida na jurisprudência do Acórdão SKF.” e que “atendendo à motivação avançada pela AT que motivou a emissão dos atos tributários de liquidação adicional de IVA n.º ... e de demonstração de liquidação do mesmo imposto n.os 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., emitidos na sequência da ação inspetiva com as Ordens de Serviço n.os OI 2018..., OI2018..., OI2018..., relativos ao ano de tributação de 2016 e 2017, é manifesto que o racional subjacente a tal atuação não encontra respaldo nem na legislação interna, nem comunitária.”.

 

Quanto à questão do ónus da prova, a Requerente entendeu, essencialmente, que:

 

  1. é à AT que pertence o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito e da demonstração da falta de correspondência entre o teor dos documentos apresentados pela Requerente e a realidade nos termos dos artigos 74.º e 75.º da LGT.”;
  2. Pelo que, não o tendo feito a AT, o conteúdo das declarações da ora Requerente terá de ser considerado verdadeiro, tando quanto ao IVA incorrido nas despesas com serviços de consultoria e serviços jurídicos como nas despesas suportadas com a manutenção dos parques eólicos.”;
  3. Na verdade, e como decorre do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.11.2017, processo 0485/17, sendo Relator o Venerando Conselheiro Casimiro Gonçalves (in www.dgsi.pt ), “no âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do art. 342° do CCivil e nº 1 do art. 74° da LGT). Assim, (…), impende sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a proceder a correcções à matéria colectável declarada pelos sujeitos passivos. Ou seja, cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade, cabendo, por sua vez, ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos”.”;
  4.  Ora, “ao arrepio da referida obrigação legal, a AT limita-se a concluir (ignorando a jurisprudência já produzida pelo TJUE) que a alienação de participações sociais não é uma atividade sujeita a IVA, que a mesma está isenta e que não subsiste qualquer direito à dedução de imposto associado às faturas descritas supra.”.

 

IV.3. Posição da Requerida

Invocando que “a argumentação da Requerente no presente PPA, é idêntica à já analisada pela Requerida em sede de contencioso administrativo”, esta remeteu para o processo administrativo (PA) a sua posição sobre a pretensão da Requerente “para não incorrer numa desnecessária repetição do já referido naquela sede”, não sem destacar que

– quanto à primeira questão decidenda (a da dedução das despesas incorridas em serviços instrumentais para a alienação de participações sociais):

  1. O IVA que a Requerente pagou por serviços relacionados “com a venda de participações sociais” não tinha ligação específica com os serviços pelos quais invoca o direito à sua dedução, até porque “a venda de participações sociais não constitui uma actividade sujeita a imposto”;

- quanto à supra enunciada segunda questão decidenda (a da dedução das despesas incorridas na manutenção dos parques eólicos):

  1. Os contratos juntos pela Requerente para demonstrar que prestava serviços de gestão e de manutenção dos parques eólicos às suas participadas não provam que hajam sido prestados esses serviços;
  2. A junção de comprovativos de facturação à Requerente de serviços de manutenção de parques eólicos não prova que tais facturas tenham relação com serviços prestados por si às suas participadas “porque a Requerente, nunca (re)facturou tais serviços às suas participadas”;
  3. E, de resto, “em dezembro de 2017, a Requerente, já não detinha as participações sociais nas antes, suas participadas”.

Do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) consta o seguinte, sendo que as informações que sustentaram os indeferimentos da Reclamação Graciosa e do Recurso Hierárquico assentam na mesma argumentação.

No que diz respeito à primeira questão[1]:

 

 

E do mesmo RIT consta o seguinte, no que diz respeito à segunda questão[2]:

 

 

 

 

IV.4. Decidindo

  1. Quanto à primeira questão:

Nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, os sujeitos passivos apenas podem deduzir o imposto que tenha incidido sobre serviços por eles adquiridos ou utilizados para a realização das operações aí elencadas, entre as quais se contam as “Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas[3].

Há nesta formulação legal uma delimitação a três níveis das situações em que pode haver dedução de IVA: por um lado, é necessário que i) haja transmissões de bens e que ii) essas transmissões estejam sujeitas a imposto – uma dupla delimitação positiva; por outro lado lado – uma delimitação negativa –, é necessário que, estando-o, iii) não sejam isentas.

A argumentação da AT assentou essencialmente no primeiro nível: se as vendas de participações sociais não constituem, face à actividade da Requerente, “transmissões de bens[4], não há possibilidade de deduzir nelas o IVA pago a montante.

Se bem se entende, uma primeira implicação da argumentação da Requerente era fazer derivar a verificação do segundo nível (a sujeição a imposto) da existência do terceiro (a isenção). Na verdade, assumindo a existência de uma isenção (alegadamente decorrente da jurisprudência do TJUE) isso implicaria, necessariamente, que a transmissão de acções estava sujeita a imposto – e daí que a Requerente tenha invocado, no artigo 101.º do PPA, a outra condição (a isenção) para que o IVA pago em serviços ligados à venda de participações sociais não fosse dedutível, nos termos da referida alínea do artigo 20.º do Código do IVA: “embora abrangidas pela incidência do IVA, as operações de venda de participações sociais levadas a cabo pela Requerente são submissíveis na isenção prevista na alínea e) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA.”).

Ou seja: não estando a venda de participações sociais sujeita a IVA – como referia a AT –, a Requerente não poderia deduzir o IVA pago a montante; por outro lado, estando sujeita, mas isenta – como ela própria invocava –, também não. Prima facie, não seria mais do que saltar da frigideira para a fogueira, mas – mesmo sem considerar a argumentação subsequente (que invoca situações em que é reconhecido direito à dedução em relação a operações isentas[5]) – não seria indiferente perder a possibilidade de deduzir o IVA por uma ou por outra das razões: é que sendo a fundamentação do acto tributário (e das decisões tomadas sobre ele) baseada na não sujeição a IVA da cedência das participações sociais da Requerente, a prevalência da tese da isenção poderia constituir razão suficiente para invalidar as liquidações contestadas (por, ainda que se viesse a decidir que não havia, no caso, direito à dedução, tal já constituir, então, fundamentação a posteriori).   

Quer dizer que, embora a Requerente tenha desenvolvido profusa argumentação adicional para defender o seu alegado direito à dedução com base na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, o facto de os órgãos da Administração Fiscal que decidiram a sua Reclamação Graciosa e o subsequente Recurso Hierárquico terem indeferido a sua pretensão porque entenderam que, excepto para quem faça disso função própria[6], a venda de participações sociais não é uma actividade económica (logo não é sujeita a IVA), implica que, caso este Tribunal Arbitral entenda o mesmo (ie: que não é uma actividade económica), fica dispensado de aferir essa subsequente argumentação da Requerente, segundo a qual a alienação de participações sociais, não sendo embora, em princípio, uma actividade económica, é-o, excepcionalmente, no seu caso; e sendo embora uma actividade isenta, ainda assim pode dar origem a dedução do IVA pago por despesas realizadas a montante. Fica o Tribunal dispensado, portanto, de averiguar, segundo a visão das coisas da Requerente, se a venda de participações sociais seria, portanto, a excepção da excepção da excepção.

Ora, não é necessário aprofundar a argumentação da Requerente porque o próprio Acórdão invocado por ela como fundamento da sua posição[7]  – o Acórdão do TJUE de 29 de Outubro de 2009, proferido no processo C-29/08[8] – esclarece cabalmente que, contrariamente ao que a Requerente alega, a venda da totalidade das acções de uma empresa não constitui actividade económica – como a AT entendeu.

Vale a pena remontar ao que, no caso, o Advogado-Geral defendeu perante o TJUE[9]: que estando em causa “realizar uma intervenção directa ou indirecta na gestão das sociedades em causa (…) esta operação pode cair no âmbito de aplicação do IVA.” (§28) – como a Requerente pretende – e que “as apreciações do Tribunal de Justiça relativas ao reconhecimento do carácter económico das tomadas de participações acompanhadas de uma interferência pela sociedade-mãe na gestão das suas filiais e das empresas associadas sejam estendidas às situações de transmissão de participações que põem termo a essa interferência.” (§34) – como a Requerente também defendeu. Com base nessa dupla extensão das normas base das Directivas, advogou que se respondesse à primeira questão formulada pelo órgão de reenvio nos seguintes termos (§ 35):

os artigos 2.o, n.o1, e 4.o, n.os 1 e 2, da Sexta Directiva bem como os artigos 2.o, n.o 1, e 9.º n.o 1, da Directiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que constitui uma actividade económica a transmissão da totalidade das participações que uma sociedade-mãe detém no capital social duma filial e no de uma empresa associada, na gestão das quais a referida sociedade-mãe participou de forma directa ou indirecta, fornecendo-lhes diversas prestações de serviços a título oneroso do tipo administrativo, contabilístico e comercial, em relação aos quais esta sociedade-mãe está sujeita a IVA.

Adiante (§58) admitiu, porém, que, se o Tribunal considerasse

à semelhança da proposta defendida pela Comissão, que tal operação é equiparável à transmissão da universalidade total ou parcial de uma empresa, na acepção do artigo 5.o, n.o 8, da Sexta Directiva (tal como o artigo 19.o, n.o 1, da Directiva 2006/112), essa operação escapará, de todo o modo, ao campo de aplicação respectivo das referidas directivas, tendo em conta a faculdade, oferecida pelas disposições supra-referidas e que o Reino da Suécia invocou, de considerar que essa transmissão não implica qualquer entrega de bens.

Ora, foi exactamente isso que o TJUE entendeu, invocando (§67) o princípio da neutralidade fiscal:

o Tribunal de Justiça já decidiu que o princípio da neutralidade fiscal, princípio fundamental do sistema comum do IVA, se opõe, por um lado, a que prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de modo diferente do ponto de vista do IVA (…) e, por outro lado, a que operadores económicos que efectuam as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de IVA (v., designadamente, acórdãos de 7 de Setembro de 1999, Gregg, C-216/97, Colect., p. I-4947, n.o 20, e de 16 de Setembro de 2008, Isle of Wight Council e o., C-288/07, Colect., p. I-7203, n.o 42).

Assim, no ponto 1) do decisório, ao dar a resposta à primeira questão que lhe tinha sido formulada pelo órgão de reenvio, depois de considerar que as normas das directivas

devem ser interpretados no sentido de que constitui uma actividade económica abrangida pelo âmbito de aplicação das referidas directivas uma transmissão, por uma sociedade‑mãe, da totalidade das acções que detém no capital de uma filial detida a 100% e a participação remanescente numa sociedade controlada anteriormente detida a 100%, às quais forneceu prestações de serviços sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado.”,

ressalvou (notas e destaques aditados):

Todavia, na medida em que a transmissão de acções seja equiparada à transmissão da universalidade total ou parcial de uma empresa, na acepção do artigo 5.°, n.° 8, da Sexta Directiva 77/388, conforme alterada pela Directiva 95/7[10], ou do artigo 19.°, primeiro parágrafo, da Directiva 2006/112[11], desde que o Estado‑Membro em causa tenha optado pela faculdade prevista nestas disposições, esta operação não constitui uma actividade económica sujeita ao imposto sobre o valor acrescentado.

Acontece que, tal como o reino da Suécia, Portugal previu (no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA) que “Não são consideradas transmissões as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente”, e o referido acórdão SKF deixou claro que não havia diferença entre essa cedência se fazer de uma só vez ou de forma gradual: “o tratamento fiscal de uma transmissão de acções deve basear-se em elementos objectivos da operação em causa e não pode variar consoante intervenha num único momento ou em vários momentos.” (§78)[12]

Esta componente essencial da posição do TJUE foi ignorada pela Requerente, mas corrobora plenamente a posição tomada pela AT: não houve, na transmissão das acções, actividade económica para efeitos de IVA.

Porque, neste entendimento, não é relevante discutir a repartição do ónus de prova, nem prolongar a análise (que dependeria de se aceitar que a transmissão de acções seria, no caso, uma actividade económica – para, por isso, ser sujeita a IVA, posto que isenta, posto que gerando direito a dedução…) confirmam-se, pois, neste particular, as decisões de indeferimento da Reclamação Graciosa e do Recurso Hierárquico, e mantêm-se em vigor os actos de demonstração de liquidação deste imposto n.os 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., com o valor de correção de imposto de € 116.086,86.

 

  1. Quanto à segunda questão

Estão agora em causa as facturas n.º 1414200682, n.º 1414200683, n.º 1414200684, n.º 1414200685 e n.º 1414200687 que a. N..., S.A. (N...), emitiu à Requerente, com data de 31 de Dezembro de 2017, referentes a serviços de manutenção e gestão dos parques eólicos de..., ..., ... e ... (parques eólicos que eram propriedade das entidades relativamente às quais a Requerente alienara antes a sua participação), com o valor de correcção de imposto de € 451.780,25.

Face ao argumento (que ela própria tinha aduzido em sede administrativa[13]) de que os custos teriam sido incluídos no preço de venda das participações, escreveu a Requerente no artigo 140.º do PPA: “Independentemente do facto de o preço de venda das ações em apreço ter englobado ou não as referidas despesas, a circunstância de o preço não estar sujeito a IVA não obsta à dedução do imposto incorrido com a manutenção dos parques eólicos.” (destaques aditados). Não é certo a que despesas se estaria a Requerente a referir, uma vez que as facturas em apreciação foram todas emitidas posteriormente à alienação de todas as participações consideradas[14] e, portanto, não podiam ter sido incluídas no preço de venda das acções.

No PPA, a questão da superveniência das despesas é abordada pela Requerente de forma breve (e assaz equívoca[15]), nem sequer se retomando nenhuma das alegações feitas durante a fase administrativa:

- a, mais geral e indiscriminada, de que os contratos de manutenção celebrados com as suas participadas se mantinham após a alienação destas (“o facto de as entidades G..., S.A., H..., S.A. e J..., S.A. já não pertencerem ao grupo económico da Reclamante não apresenta qualquer relevância para a análise da presente situação, uma vez que (…) a Reclamante encontrava-se vinculada à prestação de serviços de manutenção e gestão dos parques detidos por estas entidades ao abrigo dos contratos de prestação de serviços celebrados entre a Reclamante e cada uma destas entidades (…)”)[16];

ou só

- a, mais específica e limitada, de que “no caso concreto da manutenção efetuada aos parques detidos pela J..., S.A., a Recorrente estava também vinculada à prestação de serviços de manutenção através de um contrato de manutenção entre as duas entidades[17].

Em qualquer caso, a apresentação das respectivas facturas e comprovativos de pagamento – que poderia resolver a questão – não foi feita, nem nenhuma explicação foi dada no PPA para não ser feita (ao contrário, como visto, do que ocorreu na fase administrativa, em que a Requerente reivindicou a sua inclusão no preço das acções alienadas). Como resulta do transcrito supra (IV.2), a argumentação da Requerente em sede de PPA não aborda a (não) re-facturação dessas despesas às entidades que lhe adquiriram o capital social das suas participadas. Ora, para se estabelecer a invocada relação de pagamento de inputs com a produção de output[18], necessário seria que as entidades beneficiárias dos serviços de manutenção o tivessem pago: constituiria uma óbvia distorção do processo de formação de preços no mercado[19] que fossem os beneficiários futuros dos serviços da Requerente a suportarem os custos de serviços pretéritos prestados a outros agentes. Mesmo que a Requerente quisesse aplicar para si uma tal lógica de fixação de preços (e é, evidentemente, livre de o fazer), não podia um imposto teleologicamente não distorçor do funcionamento do mercado, como o IVA, ser usado para facilitar tais práticas. Onde faz sentido que tais despesas sejam computadas – para efeitos fiscais, mas não só – é na margem de lucro final (a diferença entre custos e receitas) dos negócios terminados. Não certamente em outros.

Assim, e também porque era a Requerente que estava onerada com a prova de que facturas subsequentes à alienação das entidades que teriam beneficiado dos serviços aí referidos lhas tinham pago – através da junção dos respectivos documentos – tem de se concluir que tais montantes não constituíram custos necessários à sua actividade pretérita (uma vez que não foram, tanto quanto se pode determinar, nem facturados a terceiros, nem por eles pagos), nem devem fazer parte dos custos gerais da sua actividade futura (uma vez que nada contribuem para ela).   

Confirmam-se, pois, neste particular, as decisões de indeferimento da Reclamação Graciosa e do Recurso Hierárquico, e mantém-se em vigor o acto de liquidação adicional de Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) n.º..., no montante de € 451.780,25.

 

IV.5. Pedido de reembolso e de juros indemnizatórios

            Uma vez que, nos termos vistos, improcederam totalmente as pretensões da Requerente, não há qualquer montante a devolver, nem juros a atribuir.

 

  1. DECISÃO

Termos em que este Tribunal Colectivo delibera:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente manutenção da decisão de indeferimento do recurso hierárquico e dos actos tributários de liquidação adicional de IVA n.º..., com o valor de correcção de imposto de € 451.780,25, e os actos de demonstração de liquidação deste imposto n.os 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., com o valor de correção de imposto de € 116.086,86;
  2. Condenar a Requerente nas custas do processo, nos termos infra referidos.

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  1. VALOR DO PROCESSO

Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), fixa-se o valor do processo em € 567 867,11 (quinhentos e sessenta e sete mil e oitocentos e sessenta e sete euros e onze cêntimos).

 

  1. CUSTAS

Custas a cargo da Requerente, no montante de € 8.568 (oito mil, quinhentos e sessenta e oito euros), nos termos da Tabela I do RCPAT e do disposto no seu artigo 3.º, n.º 2, e nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, dado que o presente pedido foi julgado inteiramente improcedente.

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de Maio de 2020

A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 execepto em transcrições que o sigam.

 

O Árbitro Presidente e relator

 

 

Victor Calvete

 

 

O Árbitro Adjunto

 

 

Alberto Amorim Pereira

 

 

 

O Árbitro Adjunto

 

 

Rui Miguel Marrana

 



[1] O mesmo texto consta, ipsis verbis, da informação que sustentou o indeferimento do Recurso Hierárquico.

[2] O mesmo texto consta, ipsis verbis, da informação que sustentou o indeferimento do Recurso Hierárquico.

[3] No §34 da Informação que fundamentou o indeferimento do Recurso Hierárquico escreve-se: “considera a Administração Tributária, seguindo o entendimento da jurisprudência, nomeadamente o Acórdão do TJUE de 06 de fevereiro de 1997, que a simples aquisição e venda de participações sociais não constitui a exploração de um bem com vista à produção de receitas com carater de permanência e como tal são consideradas como operações excluídas do conceito de atividade económica. (…) Acrescentando o TJUE que se essas atividades não constituem, em si mesmas, uma atividade económica, o mesmo sucede em relação às que consistem em ceder tais participações.”.

[4] Recorde-se que no artigo 70.º do PPA (transcrito supra, em IV.2.a)), a Requerente acusou a AT de não dar “relevância às exceções que o TJUE tem vindo a reconhecer a esta regra geral”.

[5] Nos termos do disposto no V) da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, há “Operações isentas nos termos dos n.ºs 27) e 28) do artigo 9.º” que dão direito à dedução (como foi reconhecido na decisão do Proc. n.º 195/2019-T, mas não teria cabimento neste caso), e a argumentação subsequente da Requerente estribou-se no direito à dedução estabelecido na alínea a) desse mesmo n.º 1.

 

[6] A AT não o refere por estas palavras, mas exclui a possibilidade de dedução dos gastos incorridos com a preparação da venda de participações sociais por a Requerente não ter como actividade a sua gestão e compra e venda.

 

[7] Recorde-se que, interpelada pelos serviços de inspecção tributária para indicar os bens que teriam sido transmitidos na sequência das despesas incorridas com a preparação das vendas de acções, a Requerente remeteu para esse acórdão (cfr. supra, transcrição do ponto III.4.7. do RIT).

 

[9] Conclusões de Paolo Mengozzi, apresentadas em 12 de Fevereiro de 2009 no processo C-29/08, disponíveis em  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62009CC0279&from=CS

[10] Cuja redacção, na parte relevante, era a seguinte:

Os Estados-membros podem considerar que a transferência a título oneroso ou a título gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade de uma universalidade de bens ou de parte dela não implica uma entrega de bens e que o beneficiário é equiparado a sucessor do transmitente. (…)”

 

[11] Cuja redacção é a seguinte:

Os Estados-Membros podem considerar que a transmissão, a título oneroso ou gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade, de uma universalidade de bens ou de parte dela não implica uma entrega de bens e que o beneficiário sucede ao transmitente.

 

[12] Antes, §76, reafirmara o que escrevera no §67 (e já acima transcrevemos):

como salienta justamente o Governo do Reino Unido, um tratamento diferente de operações objectivamente semelhantes é contrário aos princípios da neutralidade fiscal, tal como lembrado no n.º 67 do presente acórdão, e da segurança jurídica, inerentes ao sistema comum do IVA.

Assim, no ponto 4) do decisório declarou:

As respostas às questões anteriores não são afectadas pela circunstância de a transmissão das acções se realizar em várias operações sucessivas.

 

[13] No artigo 91.º do Recurso Hierárquico, escreveu a Requerente:

o valor do custo de manutenção efetuada foi incorporado no preço de venda das participações sociais das entidades que detinham os parques eólicos e fotovoltaicos, pelo que não há qualquer razão para que o IVA incorrido não seja considerado dedutível de acordo com o exposto supra.

 

[14] A referência surge no artigo 140.º e a partir do seu artigo 133.º o PPA trata das “Despesas incorridas na manutenção dos parques eólicos”). A Requerente podia estar a tentar distanciar-se da anterior posição assumida em sede administrativa (cfr. nota anterior), em que admitiu abertamente que tais despesas (eventualmente já previstas no seu montante) tinham sido incorporadas no preço de alienação das acções (enquadramento que, por não dar origem a pagamento de IVA, e não dar origem a dedução, prejudicaria a sua pretensão).

 

[15] Na secção dedicada à questão das “Despesas incorridas na manutenção dos parques eólicos” veja-se o (único) artigo 144.º do PPA, que remete para as “(antigas) participadas” e que, apesar de um “sempre”, é formulado no passado (“serviços esses que tiveram (…) incidência de IVA”):

Mais ainda, a atividade tributável da Recorrente compreende sempre a prática de serviços prestados às (antigas) participadas, serviços esses que tiveram, naturalmente, incidência de IVA.

 

[16] Artigo 94.º da Reclamação Graciosa.

 

[17] Artigo 95.º do Recurso Hierárquico.

 

[18] Invocada, por ex., no artigo 146.º do PPA, que cita a decisão do CAAD proferida no Proc. no 398/2014-T, que se transcreve parcialmente, aditando destaques: “(…) todos os serviços adquiridos a montante que revelem um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução, conferem ao sujeito passivo em causa o direito, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Directiva, de deduzir a integralidade do IVA que tenha onerado a aquisição a montante de bens ou serviços que revelem um nexo directo com as operações.

 

[19] Aparentemente advogada pela Requerente: “Se a Requerente incorreu, no âmbito da sua atividade, em custos (…), esses custos serão sempre incorporados – pela lógica subjacente a qualquer formação de preço – no preço de futuros bens/serviços prestados pela Requerente aos seus clientes.” (artigo 120.º do PPA, então especificamente em relação aos custos “relacionados com a venda de ações que detinha nas entidades suas participadas”, mas claramente adoptada como tese geral pela oração intercalada entre travessões).