Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 603/2022-T
Data da decisão: 2023-05-08  IVA  
Valor do pedido: € 289.834,97
Tema: IVA – Taxa reduzida; empreitada de reabilitação urbana. Verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA. Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro (RJRU).
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Sumário:

I – Constituem condições para aplicar o disposto na verba 2.23 da Lista l anexa ao Código do IVA: i) tratar-se de uma empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico; ii) localizar-se essa empreitada em área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais.

II – O legislador tributário não sujeitou a aplicação da taxa reduzida de IVA dessa verba 2.23 à obrigação de uma prévia apreciação e aprovação do respetivo pedido de licenciamento por parte da entidade competente.

III – Estando em causa valores de IVA erradamente pagos à taxa normal por inversão do sujeito passivo nos serviços de construção civil, nada obsta a que seja feita a sua tempestiva regularização desde que se comprovem, mesmo que ex post, as referidas condições.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Prof. Doutor Victor Calvete (árbitro presidente), Dr. Fernando Marques Simões e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. Relatório

1. No dia 11 de outubro de 2022, A..., Lda., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... ...-Valongo (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração:

(i) de ilegalidade do ato de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2021...;

(ii) de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020...;

(iii) de ilegalidade parcial das liquidações adicionais de IVA n.ºs 2018 ... (2018/03), no montante de € 41.960,79, 2020... (2018/04), no montante de € 29.781,83, 2020 ... (2018/05), no montante de € 29.054,61, 2020 ... (2018/06), no montante de € 35.808,50, 2020 ... (2018/07), no montante de € 35.776,96, 2018 ... (2018/09), no montante de € 25.781,83, 2020 ... (2018/10), no montante de € 37.698,44 e 2020 ... (2018/11), no montante de € 34.741,25, perfazendo o montante global de € 271.042,59;

(iv) de ilegalidade parcial da liquidação de juros compensatórios e de juros moratórios n.º 2020 ... (2018/03), nos montantes de € 2.961,39 e de € 41,23, respetivamente, das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 ... (2018/04), no montante de e 2.394,60, 2020 ... (2018/05), no montante de € 2.268,91, 2020 ... (2018/06), no montante de € 2.648,61, 2020  ... (2018/07), no montante de € 2.504,46, da liquidação de juros compensatórios e de juros moratórios n.º 2020 ... (2018/09), nos montantes de € 1.294,03 e de € 24,85, respetivamente, e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 ... (2018/10), no montante de € 2.176,40 e 2020 ... (2018/11), no montante de € 1.916,28, perfazendo o montante global de € 18.230,76.

A Requerente juntou 13 (treze) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.    

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente alega, nuclearmente, o seguinte que passamos a citar:

“9. (…) o tema aqui em causa tem a ver com a interpretação adotada pelos Serviços de Inspeção Tributária na qual negaram a aplicação da taxa reduzida de IVA ínsita na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA relativamente à obra de reabilitação identificada por prédio de ... .

(…)

 13. (…), na presente ação arbitral, a Requerente apenas pretende contestar a legalidade das liquidações sobreditas na parte correspondente ao IVA auto-liquidado pela Requerente, no valor de € 195.388,29 e seus respetivos juros.

(…)

16. (…), quer o objeto social da Requerente, quer a sua inscrição cadastral, abarcam a atividade de construção de edifícios.

17. Em termos de IVA, a Requerente está enquadrada no regime normal do IVA, como sujeito passivo misto, pelo que, pela aquisição dos serviços de construção civil, procede à liquidação de IVA, aplicando a inversão do sujeito passivo prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA.

18. Só que, como esses serviços são adquiridos para construção ou acabamento de imóveis para venda, a Requerente não procede à dedução do imposto que liquida, nem do que lhe é liquidado pelos seus fornecedores ou prestadores de serviços.

19. Ora, no caso concreto, apesar da obra do prédio sito em ... estar situada na área de reabilitação urbana (ARU) de Vila Nova de Gaia, a Requerente vinha a liquidar imposto à taxa normal, não aplicando o disposto na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA.

20. Até que tomou conhecimento que, desde que a obra respeitasse o disposto no Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, deveria liquidar o imposto, na qualidade de adquirente das respetivas empreitadas, à taxa reduzida e não à taxa normal.

21. Ainda assim, por uma questão de segurança, já que o imóvel tinha sido adquirido com a construção “em tosco” solicitou à AT a emissão de uma informação vinculativa, na qual pretendia ser informada “se a autoliquidação do IVA nas faturas das diferentes empreitadas a contratar para a conclusão do referido prédio inserido em ARU, à taxa reduzida de 6% é correta ou não, nas condições relatadas”, (…).

22. Em resposta, a Direção de Serviços do IVA considerou, no n.16 da sua informação vinculativa, que “o recurso a mais que uma empreitada, não impede que seja aplicada a cada uma delas a taxa reduzida de IVA, ao abrigo da citada verba 2.23, desde que as referidas empreitadas sejam qualificadas como empreitadas de reabilitação urbana, nos termos definidos no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 307/2009”, (…).

23. Embora referisse, no seu n.17, que “Assim, os meros serviços de empreitada de carpintaria, serralharia, pichelaria, etc., referidos pelo sujeito passivo, não se enquadram no conceito de empreitada da verba 2.23, sendo tributados à taxa normal (23%).”.

24. Como a Requerente não recorria a meras prestações de serviços, mas apenas a diversas empreitadas, tal como são definidas no artigo 1207.º e seguintes do Código Civil, considerou que devia aplicar o disposto na verba 2.23, a cada uma das empreitadas, desde que as mesmas fossem, como vieram a ser qualificadas como empreitadas de reabilitação urbana, (…).

25. Pelo que, nas suas declarações periódicas do IVA, relativas aos períodos de 2018-03 e 2018-09, regularizou a seu favor, no campo 40 do quadro 06 das referidas declarações, os valores de, respetivamente, € 171.821,07 e € 99.221,52, pela diferença entre o IVA liquidado à taxa de 23 e o IVA que considerava devido, à taxa de 6%.

26. Só que, no decorrer do procedimento de inspeção tributária a que foi sujeito, foi confrontada com o entendimento da Senhora Inspetora Tributária de que a Requerente não poderia ter aplicado o disposto na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, já que a mesma não era aplicável no caso em apreciação, nomeadamente por se ter recorrido à contratação (pelo dono da obra) de empresas para a execução de trabalhos distintos dos adjudicados ao chamado “empreiteiro geral”.

(…)

42. (…) logo que a Requerente solicitou [à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia] a referida certidão, a mesma foi prontamente emitida, com data de 31 de março de 2020, (…) da qual consta que “no prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 6125, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., assinalado na planta de localização n.º .../18, foi edificada uma Habitação Multifamiliar ao abrigo do alvará de licenciamento de obras de edificação n.º .../04, encontrando-se localizado na Área de Reabilitação Urbana (ARU) denominada “Cidade de Gaia””, (…).

(…)    

44. Na página 17 do Relatório, sob o título “Cumprimento do normativo legal”, reconhece-se que “Encontra-se, pois, cumprida uma das condições fundamentais para a aplicação do IVA a 6% - a da área de intervenção, em cumprimento da alínea b) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 307/2009”.

45. Mas refere que “Não foi possível, contudo, validar a 2.ª condição: a forma integrada de intervenção mediante uma empreitada de reabilitação urbana”.     

46. Referindo, de seguida: “Inclusive, questionada a Câmara Municipal de Gaia, área do urbanismo – GAIURB – vieram referir que”.

(…)

48. (…) “Mediante análise às contas da empresa, aos contratos (de subempreitada), aos orçamentos e faturação emitida pelos fornecedores e prestadores de serviços conclui-se que não estamos perante uma empreitada de reabilitação urbana, conforme atrás amplamente definida, não sendo passível a tributação do IVA à taxa reduzida dos 6%”.

49. Ora, nunca a GAIURB procedeu à análise das contas da empresa, nem aos contratos de subempreitada, nem aos orçamentos e faturação emitida pelos fornecedores e prestadores de serviços, nem seria essa, como é compreensível, a sua função.

(…)  

60. (…) todo o Relatório se baseia no pressuposto de que a verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA apenas se aplica a uma obra totalmente executada pelo denominado “empreiteiro geral”, conceito que nem sequer consta do atual ordenamento jurídico português, já que foi dele eliminado pela Lei n.º 41/2015.

(…)

64. Sendo de referir que a Requerente celebrou com os empreiteiros, com quem contratou as empreitadas parciais, contratos de empreitada reduzidos a escrito, como aliás é referido no Relatório, o que afasta a hipótese de as mesmas empreitadas serem consideradas como meras prestações de serviços, (…).

(…)

67. Importa, contudo, reconhecer que a Requerente efetuou a regularização a seu favor, no campo 40 do quadro 06 das suas declarações periódicas do IVA dos períodos de 2018-03 e 2018-09, por valores excessivos.

68. Com efeito, regularizou a seu favor € 62.572,32 e € 13.081,98, nos períodos de 2018-03 e 2018-09, respetivamente, respeitantes a IVA liquidado nas faturas pelos prestadores de serviços ou fornecedores de materiais.

69. Sendo que apenas deveria ter regularizado a seu favor as importâncias de € 109.248,75 e € 86.139,54, constantes dos quadros 13 e 14, a páginas 23 e 24 do Relatório de Inspeção e resumidas na linha 2 do quadro 15 do mesmo Relatório.

70. Pelo que requer que seja considerado que a Requerente deveria ter mantido, nos campos 40 do quadro 06 das declarações periódicas de substituição que apresentou, relativas aos períodos de 2018-03 e 2018-09, os valores de e 109.248,75 e € 86.139,54, no total de € 195.388,29.

71. E que as liquidações de que a Requerente aqui impugna sejam anuladas ou retificadas no referido valor de € 195.388,29.

72. Em suma, a verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, apenas coloca como condição para a sua aplicabilidade que estejam em caus empreitadas de reabilitação urbana, tal como definidas em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.

73. O diploma específico ali referido, que é o Decreto-Lei n.º 307/2009, não impõe, para que a obra seja de considerar como de reabilitação urbana, que a certidão seja solicitada e emitida antes do início da obra.

74. A própria entidade gestora apenas recomenda e não impõe que a certidão seja solicitada e emitida antes do início da obra.

75. Tanto que, a pedido do sujeito passivo, emitiu a referida certidão depois da obra terminada.

76. Por outro lado, não tem qualquer base legal a exigência do denominado “empreiteiro geral”, quando à data da emissão do Relatório, já tinham sido divulgadas informações vinculativas em que a condição de os contratos de empreitada serem celebrado com o “empreiteiro geral” não se colocava.

(…)

86. (…), considera a Requerente que este Douto Tribunal Arbitral deverá proceder à anulação parcial dos atos tributários aqui visados, com as inerentes consequências previstas legalmente, e entre elas, além da restituição do imposto já pago por aquela, o ressarcimento desta através dos exigíveis juros indemnizatórios, conforme plasmado nos artigos 43.º e 100.º da LGT, bem como no artigo 61.º do CPPT, (…).”

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e notificado à AT em 19 de outubro de 2022.

           

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 5 de dezembro de 2022, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 23 de dezembro de 2022.

 

4. No dia 2 de fevereiro de 2023, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas; posteriormente, a Requerida procedeu à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

A Requerida alicerçou a sua Resposta, nuclearmente, na seguinte argumentação que passamos a citar:

“7. O prédio de ..., adquirido em 2016 em estado “tosco” e construído, segundo as faturas registadas na contabilidade, entre janeiro de 2017 e meados de agosto de 2018, encontra-se geograficamente localizado em Área de Reabilitação Urbana (ARU) de Vila Nova de Gaia.

8. A Requerente apresentou-se como dono da obra e empreiteiro-geral da mesma (titular de Alvará de Construção).

9. A direção da obra esteve a seu cargo e para além de mão-de-obra própria (trabalhadores dependentes), subcontratou – em algumas artes – a prestação de serviços de construção civil a entidades externas, (…).

(…)

15. A aplicação da taxa reduzida de IVA ao abrigo desta verba [2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA] depende do cumprimento dos seguintes requisitos: i. Incidência dos serviços sobre imóvel sito em ARU, conforme definição constante da alínea b) do artigo 2.º do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro (com as alterações produzidas pela Lei 32/2012 de 14 de agosto, pelo DL 136/2014 de 9 de setembro e pelo DL 88/2017 de 27 julho); ii. A prestação a incidir sobre o imóvel deve tratar-se de empreitada de reabilitação urbana, nos termos da conjugação da alínea j) do artigo 2.º do RJRU, com a definição de empreitada estatuída pelo artigo 1207.º do Código Civil (CC). 

(…)

20. (…) para a citada verba 2.23 – e a aplicação ou não da taxa reduzida de IVA – não é apenas o conceito de “empreitada”, por si só, que deve ser considerado, mas também e sobretudo o de “empreitada de reabilitação urbana”.

(…)

22. Sendo que, para que a obra seja relevante para efeitos de reabilitação urbana, tem de ser realizada sob o conceito de “Reabilitação urbana” definido no RJRU.

23. Ou seja, sob a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios.

24. A ocorrência de intervenção, na “modalidade” de reabilitação urbana, está, entre o mais, dependente de formalismo – o licenciamento e comunicação prévia de operação urbanística.

28. Só este licenciamento ou admissão de comunicação prévia, para aquela empreitada de reabilitação urbana (aquela que foi apresentada e sujeita a apreciação e aprovada), garante que a obra constitui uma empreitada de reabilitação urbana, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do RJRU.

(…)

30. Não tem enquadramento na previsão da verba 2.23 (da Lista I anexa ao CIVA), tudo o que não se encontrar expressamente previsto na respetiva empreitada – aquela que se encontra licenciada pelo Município, nomeadamente:

- A contratação (pelo dono da obra) de empresas para a execução de trabalhos distintos dos adjudicados ao chamado “empreiteiro geral”, bem como,

- A aquisição (por este) de materiais a fornecedores para utilização/aplicação pelo empreiteiro/subempreiteiro na obra (ou pelo seu próprio pessoal), ou,

- Quaisquer outros custos relativos a projetos, honorários, fiscalização de obras entre outros, contratados pelo dono da obra, ou

- A prestação de serviços e fornecimento de bens, ainda que envolvam a respetiva instalação ou montagem, fora da empreitada.

31. A todos esses bens e prestações de serviços é aplicada a taxa normal de IVA.

(…)

33. Na operação de construção das 36 frações em ..., a Requerente – com a dupla natureza de dono da obra e de empreiteiro – não cumpriu os requisitos de uma empreitada de reabilitação urbana.

34. Contratou subempreitadas mediante a aquisição de bens e prestações de serviços a um conjunto de fornecedores, assim como à utilização de mão-de-obra própria.

(…)

42. Com data de 03-02-2017, foi emitida certidão pela GAIURB - Urbanismo e Habitação - EM, em nome da Requerente, na qual se atesta que o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., artigo matricial ..., localizado na Rua..., União de Freguesias de ... e ..., se situa em ARU, cuja delimitação foi aprovada por deliberação da Assembleia Municipal, em 25 de fevereiro de 2016. 

43. Acontece que a dita certidão nada refere quanto ao outro requisito ínsito na verba 2.23 da lista I do CIVA, nomeadamente a forma integrada de intervenção mediante uma “empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico.”, o que, ante a interpretação e o contexto da redação da verba 2.23 da Lista I, se provaria através de certidão emitida pela edilidade camarária.

(…)

45. Ora, considerando que nos termos da verba 2.23 da Lista I, só se aplica a taxa reduzida de IVA a empreitadas de reabilitação urbana que assim sejam consideradas nos termos legalmente definidos.

46. E considerando que essa definição legal está patente nos termos do artigo 44.º, n.º 1 do RJRU, que refere que a execução de uma reabilitação urbana fica sujeita a licenciamento e admissão de comunicação prévia de operações urbanísticas e autorização de utilização, inspeções, vistorias e cobrança de taxas.

47. Conclui-se que o legislador pretendeu e efetivamente colocou a natureza do conceito de reabilitação urbana na dependência da emissão de uma licença camarária para o efeito.

48. Questionada a Câmara Municipal de Gaia – área do urbanismo –, esclareceu que mediante a análise às contas da empresa, aos contratos (de subempreitada), aos orçamentos e faturação emitida pelos fornecedores e prestadores de serviços, conclui-se que não se estar perante uma empreitada de reabilitação urbana, não sendo passível a tributação do IVA à taxa reduzida dos 6%.

(…)

51. (…), a verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA limita-se unicamente à modalidade contratual de empreitada de reabilitação urbana, não abrangendo os meros fornecimentos de bens, ainda que envolvam a respetiva instalação ou montagem, e/ou serviços (designadamente relativos a projetos, honorários, fiscalização de obras, etc…), os quais devem ser tributados à taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, ou seja, à taxa de 23%.  

(…)

58. Só com a qualificação de empreitada como obra de reabilitação urbana – conforme veio a acontecer por o ofício da Gaiurb, n.º .../20, de 2020-03-10 –, que teria de ser requerida por certidão e previamente ao início da obra, devidamente instruída com todos os elementos necessários para análise e validação da mesma como empreitada de reabilitação urbana, para efeitos de enquadramento em IVA – é que teria sido possível a Requerente beneficiar de IVA nas faturas à taxa reduzida.

59. Esse controlo prévio é efetuado no caso em concreto pela Gaiurb, nos termos dos artigos 44.º e 45.º do RJRU, controlo e enquadramento que, no caso em apreço, não foi efetuado.

60. Apenas foi validado que o imóvel estava inserido numa ARU, não tendo sido validado – e isto assume relevância à face da redação da verba 2.23 e do artigo 44.º RJRU – previamente pelo Município que se tratava de uma empreitada no âmbito de reabilitação urbana, que impunha toda uma análise prévia à obra dos projetos, orçamento para o devido enquadramento jurídico para aplicação da taxa reduzida de IVA.

61. Tal certidão, reafirma-se, nunca foi requerida e revelava-se essencial para se considerar cumprido o 2.º requisito da verba 2.23 – o da prova efetiva de empreitada para reabilitação urbana.

62. Só em sede de reclamação graciosa, a Requerente veio juntar, a 26-06-2020, certidão da Gaiurb, com data de 31-03-2020, onde consta que a obra efetuada no imóvel consubstancia uma obra de reabilitação urbana, ao abrigo da alínea j) do artigo 2.º do RJRU.

63. Isto é, em altura muito posterior à execução dos trabalhos em causa.

64. Por assim ser, e atenta a redação conjugada da verba 2.23 e do artigo 44.º do RJRU, conclui-se que só na data de 31-03-2020 a Requerente adquiriu o direito à tributação dos serviços à taxa reduzida de 6%, porquanto só naquela data a edilidade camarária atestou o requisito exigível pela verba 2.23.

65. O que significa que só a partir de 31-03-2020 a Requerente, após a receção do documento retificativo do seu fornecedor, nos termos do artigo 78.º, n.º 4 do CIVA, poderia corrigir a dedução que havia efetuado, pela diferença entre a taxa de 23% efetivamente suportada e a de 6% que se aplicaria ao caso.

(…)

67. Mas, caso se venha a entender que a conduta da Requerente é legal, isto é, ao tempo em que procedeu à regularização de imposto a seu favor o podia fazer, deverá esse Tribunal promover a reposição da situação que existiria caso não tivesse sido cometida a ilegalidade – nos termos da reparação da responsabilidade por fatos ilícitos -, concedendo, em execução de sentença, sejam notificados os fornecedores, para, nos termos do disposto no artigo 78.º do CIVA, procedam à regularização do respetivo imposto, em ordem à obediência ao princípio nuclear da neutralidade do IVA. (…)

68. Sendo o contrato de empreitada a única modalidade contratual prevista na respetiva verba, a contratação direta pelo dono da obra, de empresa(s) para execução de trabalhos distintos dos adjudicados ao chamado “empreiteiro geral” ou, a aquisição por este último de materiais para aplicação pelo empreiteiro/subempreiteiro na obra ou, quaisquer custos relativos a projetos, honorários e fiscalização entre outros, não expressamente previstos na respetiva empreitada, devem ser tributados à taxa normal.

69. Todos esses trabalhos teriam todos que constar do contrato de empreitada entre empreiteiro geral e dono de obra e que assim fossem enquadradas como empreitadas de reabilitação urbana com autorização, validação e enquadramento prévio da parte do Município, por um preço previamente estipulado, um trabalho ajustado globalmente e não consoante o trabalho diário.

70. Os meros fornecimentos de bens (ainda que envolvam a respetiva instalação) e/ou serviços não incluídos nas referidas empreitadas, serão tributados à taxa normal, desde que não enquadráveis em qualquer das listas anexas ao CIVA.

(…)

74. Pelo que, em suma, para que as intervenções a efetuar no imóvel em causa pudessem ter enquadramento na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA e, consequentemente, beneficiar da taxa reduzida de IVA, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, tornava-se necessário que, cumulativamente: i. Se verificasse a execução de uma empreitada, nos termos previstos no artigo 1207.º do CC; ii. Fosse considerada pela Câmara Municipal, uma obra, efetuada no âmbito do RJRU e o imóvel esteja situado numa área de reabilitação urbana; iii. O sujeito passivo fosse possuidor de um documento – prévio à obra, emitido pelo respetivo Município, que comprove a localização do imóvel numa área de reabilitação urbana, bem como a obra ser enquadrada no âmbito do referido Decreto-Lei; iv. Se o adquirente dos serviços fosse um sujeito passivo que exerce exclusivamente operações isentas de IVA que não consagram o direito à dedução, não é aplicável a inversão do sujeito passivo prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA; v. Se fosse obrigatória aplicação da regra da inversão, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, norma clarificada pelo Ofício-Circulado n.º 30101 de 2007-05-24, desde que se trate de prestação de serviços de construção civil e o adquirente seja um sujeito passivo no regime normal, teria de se dar cumprimento à mencionada regra.

75. (…), mais se constatou que as faturas não foram emitidas à taxa de IVA de 6%, nem das mesmas consta qualquer menção à verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA.

76. E a falta de menção verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA nas faturas, constitui motivo de inaplicabilidade da mencionada verba, conforme referido na parte inicial do ponto 13 da informação vinculativa n.º 12432, com despacho de 2017-11-08, da Diretora de Serviços do IVA, (por subdelegação), de acordo com a qual o incumprimento do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA constitui causa de não enquadramento na mencionada verba.

77. Sendo que o empreiteiro, nas faturas que emite ao dono da obra, deve fazer alusão à mencionada verba, identificando a ARU de localização do imóvel, bem como justificação para aplicação da taxa reduzida de IVA, elementos aos quais, como se verificou, também não foi dado cumprimento. (…)”

 

5. Por despacho arbitral, datado de 15 de fevereiro de 2023, foi, além do mais, dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

Por despacho arbitral, datado de 14 de março de 2023, foi fixado prazo para a apresentação de alegações escritas e foi, ainda, indicado o dia 23 de junho de 2023 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

 

6. Ambas as partes apresentaram as alegações escritas que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, tendo essencialmente reiterado as posições anteriormente vertidas nos respetivos articulados.

 

7. Na sequência de despacho arbitral, datado de 18 de abril de 2023, atinente à eventual caducidade do direito de ação, ambas as partes se pronunciaram quanto a esta questão, nos termos constantes dos respetivos requerimentos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

 

II. Saneamento

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos tributários atinentes a IVA e correspetivas liquidações de juros compensatórios e moratórios, sendo peticionada a respetiva declaração de ilegalidade e consequente anulação –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.  

 

            III. Fundamentação

            III.1. De Facto

§1. Factos ProvadosROVADOS                   

9. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

            a) A Requerente é uma sociedade por quotas, de índole familiar, constituída a 24 de janeiro de 2007, tendo por objeto social a “Compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim, assim como a construção de imóveis, reabilitação de imóveis e sua promoção e venda, compra e venda de bens móveis e revenda destas, assim como a gestão de condomínios e de patrimónios imobiliários e construção de edifícios (residenciais e não residenciais). Arrendamento de bens móveis. Arrendamento de bens imobiliários. Atividade de prestação de informação no âmbito de atividade imobiliária.”. [cf. documento n.º 7 anexo ao PPA] 

b) No âmbito da Classificação Portuguesa das Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE – Rev. 3), a atividade da Requerente tem o CAE principal 68100 (compra e venda de bens imobiliários) e os CAE’s secundários 68200 (arrendamento de bens imobiliários), 66190 (outras atividades auxiliares de serviços financeiros, exceto seguros e fundos de pensões) e 41200 (construção de edifícios (residenciais e não residenciais)). [cf. documento n.º 8 anexo ao PPA] 

c) Em termos de IVA, a Requerente está enquadrada no regime normal, como sujeito passivo misto, pelo que, pela aquisição dos serviços de construção civil, procede à liquidação de IVA, aplicando a inversão do sujeito passivo, nos termos do disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA; contudo, como esses serviços são adquiridos para construção ou acabamento de imóveis para venda, a Requerente não procede à dedução do imposto que liquida, nem do que lhe é liquidado pelos seus fornecedores ou prestadores de serviços.

d) A Requerente dedica-se, essencialmente, à aquisição de imóveis para venda, os quais são adquiridos em fase de construção (estado “tosco”), procedendo às obras necessárias para conclusão e subsequente comercialização.

e) Um desses imóveis que foi pela Requerente adquirido inacabado é um prédio destinado a habitação coletiva, com 36 frações, situado na Rua ... e na Rua ..., União das Freguesias de ... e..., concelho de Vila Nova de Gaia, edificado ao abrigo do alvará de licenciamento de obras de construção n.º .../06, de 5 de junho, e respetivos aditamentos, no âmbito do pedido de licenciamento de obras de edificação n.º .../04, encontrando-se localizado na Área de Reabilitação Urbana (ARU) denominada “Cidade de Gaia”, aprovada pela Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia, em 25 de fevereiro de 2016, conforme Aviso n.º 3874/2016, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 56, de 21 de março de 2016. [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA] 

f) Relativamente às obras de conclusão do referido prédio, a Requerente, para além de dona de obra, teve a seu cargo a respetiva direção e execução, tendo utilizado mão-de-obra própria (trabalhadores dependentes) e subcontratado, nalgumas partes, a prestação de serviços de construção civil a entidades externas (subempreiteiros). [cf. documento n.º 12 anexo ao PPA] 

g) Os gastos suportados pela Requerente com as referenciadas obras contemplaram: os projetos de arquitetura e das várias especialidades; a aquisição de mercadorias a vários fornecedores (portas, janelas, torneiras, betão, tintas, etc.), instaladas por trabalhadores da Requerente ou por terceiros subcontratados; e, outros serviços de construção civil, como carpintaria, pichelaria e eletricidade, com fornecimento e instalação a cargo de subempreiteiros. [cf. documento n.º 6 anexo ao PPA]

h) As ditas obras de conclusão do aludido prédio ocorreram no período compreendido entre janeiro de 2017 e meados de 2018, segundo as respetivas faturas registadas na contabilidade da Requerente. [cf. quadros 10, 11, 12, 13 e 14 do documento n.º 6 anexo ao PPA]    

i) Face à existência de dúvidas quanto ao enquadramento das obras de conclusão do mencionado prédio, em sede de IVA, a Requerente pediu à DSIVA – Direção de Serviços do IVA uma informação vinculativa, nos termos constantes do documento n.º 9 anexo ao PPA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido (pedido n.º 10642, apresentado em 02.06.2016 – cf. documento n.º 10 anexo ao PPA).

j) Nessa sequência, a DSIVA emitiu a informação vinculativa constante do documento n.º 10 anexo ao PPA e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, na qual, além do mais, é afirmado o seguinte:

“15. Do exposto advém que, se o imóvel objeto da empreitada de reabilitação urbana efetuada nos termos da al. j) do art. 2.º do DL n.º 307/2009, ou seja, “se a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através de realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição de edifícios”, se localizar numa zona legalmente delimitada como área de reabilitação urbana nos termos definidos na al. b) da mesma disposição legal, aquela empreitada está abrangida pela verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, sendo tributada pela taxa reduzida de IVA, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA.

16. O recurso a mais do que uma empreitada, não impede que seja aplicada a cada uma delas a taxa reduzida de IVA, ao abrigo da citada verba 2.23, desde que as referidas empreitadas sejam qualificadas como empreitadas de reabilitação urbana nos termos definidos no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 307/2009.

17. Assim, os meros serviços de empreitada de carpintaria, serralharia, pichelaria, etc., referidos pelo sujeito passivo, não se enquadram no conceito de empreitada da verba 2.23, sendo tributados à taxa normal (23%).”      

k) Nas faturas referenciadas no facto provado h), foi liquidado IVA à taxa normal de 23% – quer via liquidação na própria fatura (pelo fornecedor), quer via auto-liquidação (pela Requerente, por aplicação da regra da inversão do sujeito passivo nos serviços de construção civil) –, não tendo, pois, sido aplicado o disposto na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA e, portanto, a taxa reduzida de 6%.

l) Posteriormente, a Requerente entendeu que a verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA deveria ser aplicada às operações tituladas pelas aludidas faturas e, por isso, o IVA deveria ter sido liquidado à taxa reduzida de 6%.

m) Nessa conformidade, nas declarações periódicas de IVA, relativas aos períodos de 2018/03 e 2018/09, a Requerente regularizou a seu favor, no campo 40 do quadro 06 daquelas declarações, os valores de € 171.821,07 e de € 99.221,52, respetivamente, referentes à diferença entre o IVA liquidado à taxa de 23% e o IVA que considerava devido, à taxa de 6%.

n) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2019..., a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, de âmbito geral, incidente sobre o exercício de 2018, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, que culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária (doravante, designado RIT) – notificado à Requerente por ofício datado de 07.04.2020, remetido por correio registado –, junto como documento n.º 6 ao PPA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual se conclui, além do mais, que “foram detetadas faltas que se traduziram em correções (…) ao imposto – IVA, que o sujeito passivo regularizou voluntariamente”, a saber:

“Com data de 2020-02-13, foi pelo sujeito passivo entregue DPIVA de substituição para os períodos 2018-03 e 2018-09, resultando numa correção ao IVA no valor global de € 271.042,59, conforme se segue:

 

 

o) Na sequência da entrega das mencionadas declarações periódicas de IVA, de substituição, relativas aos períodos de 2018/03 e 2018/09, a AT emitiu e notificou à Requerente os seguintes atos tributários [cf. documentos n.ºs 3, 4 e 5 anexos ao PPA]:

(i) Liquidações adicionais de IVA:

  • Liquidação n.º 2018 ..., referente ao período de 2018/03, no montante de € 41.960,79;
  • Liquidação n.º 2020 ..., referente ao período de 2018/04, no montante de € 29.220,21;
  • Liquidação n.º 2020 ..., referente ao período de 2018/05, no montante de € 29.054,61;
  • Liquidação n.º 2020 ..., referente ao período de 2018/06, no montante de € 35.808,50;
  • Liquidação n.º 2020 ..., referente ao período de 2018/07, no montante de € 35.776,96;
  • Liquidação n.º 2018 ..., referente ao período de 2018/09, no montante de € 25.781,83;
  • Liquidação n.º 2020 ..., referente ao período de 2018/10, no montante de € 37.698,44; e,
  • Liquidação n.º 2020 ...., referente ao período de 2018/11, no montante de € 35.741,25.

(ii) Liquidações de juros:

  • Liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ... e liquidação de juros moratórios n.º 2020 ..., referentes ao período de 2018/03, nos montantes de € 2.961,39 e de € 41,23, respetivamente (documento n.º 2020...);
  • Liquidação de juros moratórios n.º 2020 ..., referente ao período de 2018/04, no montante total de € 2.394,60 (documento n.º 2020 ...);
  • Liquidação de juros moratórios n.º 2020..., referente ao período de 2018/05, no montante total de € 2.268,91 (documento n.º 2020...);
  • Liquidação de juros moratórios n.º 2020..., referente ao período de 2018/06, no montante total de € 2.648,61 (documento n.º 2020...);
  • Liquidação de juros moratórios n.º 2020..., referente ao período de 2018/07, no montante total de € 2.504,46 (documento n.º 2020...); 
  • Liquidação de juros compensatórios n.º 2020...e liquidação de juros moratórios n.º 2020..., referentes ao período de 2018/09, nos montantes de € 1.294,03 e € 24,85, respetivamente (documento n.º 2020...);
  • Liquidação de juros moratórios n.º 2020..., referente ao período de 2018/10, no montante total de € 2.176,40 (documento n.º 2020...); e,
  • Liquidação de juros moratórios n.º 2020..., referente ao período de 2018/11, no montante total de € 1.916,28 (documento n.º 2020...).   

(iii) Demonstrações de acertos de contas:

  • Demonstração de acerto de contas n.º 2020 ..., referente ao período de 2018/03, no montante de € 3.002,62, com data limite de pagamento em 08.04.2020;
  • Demonstração de acerto de contas n.º 2020..., referente ao período de 2018/04, no montante de € 29.220,21, com data limite de pagamento em 08.04.2020;
  • Demonstração de acerto de contas n.º 2020 ..., referente ao período de 2018/04, no montante de € 2.394,60, com data limite de pagamento em 08.04.2020;
  • Demonstração de acerto de contas n.º 2020..., referente ao período de 2018/05, no montante de € 29.054,61, com data limite de pagamento em 08.04.2020;
  • Demonstração de acerto de contas n.º 2020 ..., referente ao período de 2018/05, no montante de € 2.268,91, com data limite de pagamento em 08.04.2020;
  • Demonstração de acerto de contas n.º 2020..., referente ao período de 2018/06, no montante de € 35.808,50, com data limite de pagamento em 08.04.2020;
  • Demonstração de acerto de contas n.º 2020..., referente ao período de 2018/07, no montante de € 35.776,96, com data limite de pagamento em 08.04.2020;
  • Demonstração de acerto de contas n.º 2020..., referente ao período de 2018/07, no montante de € 2.504,46, com data limite de pagamento em 08.04.2020;
  • Demonstração de acerto de contas n.º 2020..., referente ao período de 2018/09, no montante de € 1.318,88, com data limite de pagamento em 08.04.2020;
  • Demonstração de acerto de contas n.º 2020..., referente ao período de 2018/10, no montante de € 37.698,44, com data limite de pagamento em 08.04.2020;
  • Demonstração de acerto de contas n.º 2020..., referente ao período de 2018/10, no montante de € 2.176,40, com data limite de pagamento em 08.04.2020;
  • Demonstração de acerto de contas n.º 2020..., referente ao período de 2018/11, no montante de € 35.741,25, com data limite de pagamento em 08.04.2020; e,
  • Demonstração de acerto de contas n.º 2020..., referente ao período de 2018/11, no montante de € 1.916,28, com data limite de pagamento em 08.04.2020.

p) No dia 07.04.2020, a Requerente efetuou o pagamento integral e tempestivo dos montantes apurados nas demonstrações de acertos de contas elencadas no facto provado anterior. [cf. documento n.º 13 anexo ao requerimento de 03.03.2023]

q) Na sequência de requerimento apresentado, em 10.03.2020, pela Requerente, a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia emitiu a certidão datada de 31 de março de 2020, constante do documento n.º 11 anexo ao PPA e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, na qual, além do mais, certifica o seguinte:

“(…), certifica que o prédio sito nas Ruas ... e ..., da União das Freguesias de ... e ... do Concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial sob o n.º..., assinalado na planta de localização n.º .../18, foi edificada uma Habitação Multifamiliar ao abrigo do alvará de licenciamento de obras de construção n.º .../06, de 5 de junho, e respetivos aditamentos, no âmbito do pedido de licenciamento de obras de edificação n.º .../04, encontrando-se localizado na Área de Reabilitação Urbana (ARU) denominada “Cidade de Gaia”.

Mais certifica que as obras realizadas constituíram uma intervenção de reabilitação urbana, ao abrigo do disposto na al. j) do art. 2.º do Regime Jurídico de Reabilitação Urbana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, na sua atual redação.”

r) A Requerente juntou essa certidão camarária ao procedimento de reclamação graciosa n.º ...2020..., referenciado no próximo facto provado.

s) Em data concretamente não apurada, a Requerente instaurou reclamação graciosa contra os atos tributários elencados no facto provado o), autuada sob o n.º ...2020..., a qual foi indeferida por despacho proferido (por subdelegação) pela Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças do Porto, datado de 21.04.2021, cuja fundamentação aqui se dá por inteiramente reproduzida e de que [por remissão para a Informação do projeto de indeferimento, datada de 28.12.2020] importa, nuclearmente, destacar o seguinte: 

“Do enquadramento jurídico

9. Existe um largo acervo de orientações administrativas no seio da AT sobre este assunto onde estão em causa a análise de obras de reabilitação urbana, nomeadamente, as informações vinculativas n.ºs 1478, 3268, 7871,8338,9650,12207,12215,12402, 12446, 12772, 13835, 13887, 13892, 13957,14610, 17295, 17858.

10. O código do IVA na epígrafe da verba respeitante à reabilitação urbana, na questão em apreço, estabelece o seguinte:

“LISTA I - BENS E SERVIÇOS SUJEITOS A TAXA REDUZIDA

2.23 - Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.” (Redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro)

11. Conforme se diz no RIT, na obra em questão o reclamante preenche o 1º requisito no que respeita ao imóvel inserido em área de reabilitação urbana e como tal certificada pelo município.

12. Contudo, a inspecção tributária foi clara quanto aos motivos de exclusão e fundamentação das correções efetuadas e que aqui se reproduz

(…)

13. A qualificação de empreitada como obra de reabilitação urbana conforme o ofício da Gaiurb, n.º .../20 de 10/3/2020, teria que ser requerida por certidão e previamente ao início da obra, devidamente instruída com todos os elementos necessários para análise e validação da mesma como empreitada de reabilitação urbana para efeitos de enquadramento em IVA, ver doc.1.

14. Com esse enquadramento jurídico validado por certidão prévia à obra, com vista ao enquadramento na alínea j) do n.º 2 do RJRU, emitida pelo município, as faturas teriam que ter essa menção expressa e o IVA liquidado à taxa de 6%.

15. Refere essa alínea j) “«Reabilitação urbana» a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra-estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização colectiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios”;

16. Este controlo prévio é efectuado no caso em concreto pela Gaiurb, nos termos dos arts. 44º e 45º do enquadramento jurídico do DL 307/2009 de 23 de Outubro, controlo e enquadramento que não foi efectuado no caso em apreço.

17. Apenas foi validado que o imóvel estava inserido numa área de reabilitação urbana, não tendo sido validado previamente pelo município que se tratava de uma empreitada no âmbito de reabilitação urbana, que impunha toda uma análise prévia à obra dos projectos, orçamento para o devido enquadramento jurídico para aplicação da taxa reduzida de IVA.

18. Como o reclamante reconhece no articulado 31 da reclamação, nunca solicitou tal certidão prévia a que estava obrigado, com análise da memória descritiva e projectos prévia ao início da obra pela Gaiurb, a que estava obrigado pelo DL 307/2009 de 23 de Outubro, o que presumimos possa ter ocorrido por desconhecimento legal ou falta de conhecimentos.

19. A notificação da Gaiurb à AT faz parte dos papéis de trabalho e processo de evidência da Inspeção Tributária que podem ser consultados pelo reclamante a todo o tempo. Contudo, atendendo ao princípio da colaboração da AT com os contribuintes e no âmbito do princípio da verdade material, o ofício da Gaiurb deve ser junto com a decisão e este parecer com conhecimento ao reclamante, ver doc.1.

20. Posteriormente ao procedimento inspectivo, o reclamante vem juntar em 26/6/2020 certidão da Gaiurb com data de 31/3/2020 onde consta que a obra efectuada no imóvel supramencionado foi no âmbito da reabilitação urbana, ao abrigo do art. 2 alínea j) do DL n.º 307/2009 de 23 de Outubro.

21. Como se pode constatar e tendo em conta a redacção do art. 36º do CIVA, todas as facturas deveriam mencionar o motivo da aplicação da taxa reduzida e tal não foi cumprido pelas facturas emitidas ao reclamante.

(…)

24. O conceito de empreitada referido na norma, deve corresponder ao disposto no artigo 1207.º do Código Civil, ou seja: "o contrato em que uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço", entendendo-se por "obra" todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis.

25. Apenas é possível acrescer ao valor total da empreitada, constituída por mão-de-obra, materiais incorporados e outros custos aí referenciados, o IVA à taxa reduzida ao abrigo da citada verba 2.23, em conjugação com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA.

26. Sendo o contrato de empreitada a única modalidade contratual prevista na respectiva verba, a contratação directa pelo dono da obra, de empresa(s) para execução de trabalhos distintos dos adjudicados ao chamado “empreiteiro geral” ou, a aquisição por este último de materiais para aplicação pelo empreiteiro/subempreiteiro na obra ou, quaisquer custos relativos a projectos, honorários e fiscalização entre outros, não expressamente previstos na respectiva empreitada, devem ser tributados à taxa normal.

27. Assim estes trabalhos teriam todos que constar do contrato de empreitada entre empreiteiro geral e dono de obra e que assim fossem enquadradas como empreitadas de reabilitação urbana com autorização, validação e enquadramento prévio da parte do município, por um preço previamente estipulado, um trabalho ajustado globalmente e não consoante o trabalho diário.

28. No entanto, os meros fornecimentos de bens (ainda que envolvam a respectiva instalação) e/ou serviços não incluídos nas referidas empreitadas, serão tributados à taxa normal, desde que não enquadráveis em qualquer das Listas anexas ao CIVA.

29. Por exemplo, ainda que na presença de empreitada de reabilitação urbana, nos termos do DL n.º 307/2009, de 23/10 (RJRU), a adjudicação de materiais (ex: fabrico/fornecimento de cozinhas ou janelas) e/ou contratação de mão-de-obra para a sua aplicação, efectuadas pelo proprietário a fornecedores ou prestadores de serviços diferentes do "empreiteiro-geral", não pode beneficiar da aplicação da taxa reduzida do imposto (IVA), ao abrigo daquela verba.

30. Contudo, o fornecimento e instalação de uma caixilharia incluídos no âmbito de uma empreitada de reabilitação urbana, enquadrável na referida verba 2.23, integrando a facturação geral relativa à dita empreitada, emitida pelo empreiteiro ao dono da obra, encontram-se abrangidos pela taxa reduzida de 6%, aplicável à mesma empreitada.

31. Relativamente às empreitadas de reabilitação urbana abrangidas pela verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, que o empreiteiro, nas facturas que emite ao dono da obra, deve fazer alusão àquela verba, identificando a área de reabilitação urbana onde se localiza o imóvel, como justificação para aplicação da taxa reduzida de IVA.

32. As empreitadas de reabilitação urbana são tributadas à taxa reduzida de 6%, quando abrangidas na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, em conjugação com a alínea a) do nº 1 do artigo 18º do mesmo Código, sendo aplicada ao valor global da empreitada (serviços prestados e materiais aplicados).

33. O recurso a diversas empreitadas para obras a que se refere a reclamante não impede que seja aplicada a cada uma delas a taxa reduzida de IVA, ao abrigo da verba 2.23, desde que as referidas subcontratações sejam qualificadas como empreitadas de reabilitação urbana

34. Ainda segundo o pedido n.º 10642 da reclamante:

“16. O recurso a mais do que uma empreitada, não impede que seja aplicada a cada uma delas a taxa reduzida de IVA, ao abrigo da citada verba 2.23, desde que as referidas empreitadas sejam qualificadas como empreitadas de reabilitação urbana nos termos definidos no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 307/2009.

(…)

21. Assim para que as intervenções a efectuar no imóvel em causa, possam ter enquadramento na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA e, consequentemente, beneficiar da taxa reduzida de IVA, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, torna-se necessário que, cumulativamente:

a) se verifique a execução de uma empreitada, nos termos previstos no artigo 1207.º do Código Civil;

b) seja considerada pela Câmara Municipal, uma obra, efectuada no âmbito do Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23/10, e o imóvel esteja situado numa área de reabilitação urbana;

c) o sujeito passivo seja possuidor de um documento, emitido pelo respectivo Município, que comprove a localização do imóvel numa área de reabilitação urbana, bem como a obra ser enquadrada no âmbito do referido Decreto-Lei;

d) se o adquirente dos serviços sujeito passivo que exerce exclusivamente operações isentas de IVA que não consagram o direito à dedução, não é aplicável a inversão do sujeito passivo prevista na alínea j) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA.

e) se for aplicável a inversão do sujeito passivo nos termos a que se refere a alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA (CIVA), aditada pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, norma clarificada pelo Ofício-Circulado n.º 30101 de 24/05/2007, desde que se trate de prestação de serviços de construção civil e o adquirente seja um Sujeito Passivo no regime normal terá de haver Inversão do Sujeito Passivo.

Quando seja aplicável a regra de inversão do sujeito passivo relativa aos serviços de construção civil, a liquidação do imposto compete ao sujeito passivo adquirente, devendo o registo destas operações, em que a liquidação do imposto compete ao adquirente, ser objeto de relevação contabilística distinta, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 44.º do CIVA.”

 

Decisão

35. Atendendo a tudo o que foi exposto e analisado e, em conformidade com o RIT e com o ofício do município, por não se mostrar cumprido o requisito de obra previamente validada e certificada pelo município como uma empreitada de reabilitação urbana e enquadrada nesses termos para efeitos de aplicação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as facturas não foram emitidas com IVA a 6%, nem foram com menção à verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, que o empreiteiro, nas facturas que emite ao dono da obra, deve fazer alusão àquela verba, identificando a área de reabilitação urbana onde se localiza o imóvel, como justificação para aplicação da taxa reduzida de IVA.”   

t) Em 24.05.2021, a Requerente instaurou recurso hierárquico contra a referenciada decisão de indeferimento da reclamação graciosa, autuado sob o n.º ...2021..., o qual foi indeferido por despacho proferido (por subdelegação) pela Diretora de Serviços da DSIVA, datado de 11.05.2022, cuja fundamentação aqui se dá por inteiramente reproduzida e da qual importa, nuclearmente, destacar o seguinte [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA]:   

“151. Desta forma, pese embora se conceda que o enquadramento na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA não possa depender exclusivamente de um requisito de temporalidade relativo ao pedido de certidão que reconheça o caráter de reabilitação urbana da obra, não pode deixar de se ter em consideração que as correções também se alicerçaram em outros elementos (não contraditados pela recorrente), nomeadamente na falta de cumprimento dos requisitos legalmente previstos para proceder à regularização de imposto, na regularização indevida de imposto a uma taxa diferente daquela que foi efetivamente aplicada (e cobrada) e na lógica e consequente ausência de referência à verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA e à ARU nas faturas.

152. Note-se que a falta de menção verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA nas faturas, constitui motivo de inaplicabilidade da mencionada verba, conforme referido na parte inicial do ponto 13 da informação vinculativa n.º 12432, com despacho de 2017-11-08, da Diretora de Serviços do IVA, (por subdelegação), de acordo com a qual o incumprimento do n.º 5 do art. 36.º do CIVA constitui causa de não enquadramento na mencionada verba.

153. Face ao exposto, conclui-se que não foram juntos aos autos elementos adequados a alterar a decisão proferida na RG, pelo que se deve manter o sentido da mesma, preservando-se os efeitos dos atos tributários em causa no ordenamento jurídico.”

u) A notificação da decisão de indeferimento do aludido recurso hierárquico foi efetuada para o domicílio fiscal eletrónico da Requerente, através do Via CTT, tendo-lhe sido disponibilizada em 28.06.2022. [cf. documentos anexos ao requerimento da Requerente, apresentado em 20.04.2023]   

v) No dia 11.10.2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

w) A Requerente entende agora que, nos períodos de 2018/03 e 2018/09, apenas deveria ter regularizado a seu favor os montantes de € 109.248,75 e de € 86.139,54, respetivamente, constantes dos quadros 13 e 14 e resumidos na linha 2 do quadro 15 do RIT (documento n.º 6 anexo ao PPA), que constituem os montantes de IVA auto-liquidados:

 

 

§2. Factos não Provados

10. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.

 

§3. Motivação quanto à Matéria de Facto

11. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

O Tribunal não se pronunciou sobre o demais vertido nos articulados das partes por constituírem afirmações conclusivas e/ou juízos de direito – e que, por isso, não podem ser objeto de uma pronúncia em termos de “provado” ou “não provado” – ou por se tratar de factualidade irrelevante à boa decisão da causa.

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja adesão à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório carreado para os autos (incluindo o processo administrativo), o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

            III.2. De Direito

§1. O thema decidendum

12. A questão jurídico-tributária que está no epicentro do dissídio entre as partes e que, por isso, o Tribunal é chamado a apreciar e decidir é respeitante ao enquadramento, em sede de IVA, das obras de conclusão do prédio identificado no facto provado e), concretamente se as mesmas se enquadram ou não na Verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA e, portanto, se estão sujeitas à taxa reduzida de imposto de 6% ou, pelo contrário, à taxa normal de imposto de 23%.  

A resposta que for dada a esta questão será, naturalmente, determinante para o juízo a emitir quanto à (i)legalidade dos atos tributários controvertidos.

Importa, contudo, salientar que, conforme delimitação expressamente feita pela própria Requerente, neste processo apenas está em causa a (i)legalidade parcial dos atos tributários elencados no facto provado o), concretamente na parte em que radicam nas correções atinentes ao IVA auto-liquidado pela Requerente, por via do mecanismo de inversão do sujeito passivo (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea j), do Código do IVA), relativamente às faturas referenciadas no facto provado h). Nesta conformidade, não são objeto de sindicância neste processo as correções referentes ao IVA liquidado pelos fornecedores/prestadores de serviços nas faturas que são referidas no facto provado h); por tal motivo, carece de qualquer relevância tudo quanto a Requerida alega a propósito dessas faturas, designadamente no sentido de, em caso de procedência desta ação, deverem ser “notificados os fornecedores, para, nos termos do disposto no artigo 78.º do CIVA, procederem à regularização do respetivo imposto a que houver lugar, em obediência ao princípio nuclear da neutralidade do IVA”.      

O Tribunal é, ainda, chamado a pronunciar-se sobre o reembolso dos montantes de imposto e de juros (indevidamente) pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

 

            §2. O caso concreto: enquadramento legal e subsunção normativa

13. Conforme decorre das disposições conjugadas do artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA e da Verba 2.23. da Lista I anexa ao Código do IVA, na redação concretamente aplicável, estão sujeitas à taxa de imposto de 6%:

“Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zona de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.”

Nesta conformidade, constatamos que a aplicação da citada Verba 2.23 depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

a) Tratar-se de uma empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico;

b) Realizada em imóvel ou espaço público localizado em área de reabilitação urbana, delimitada nos termos legais.

 

14. No respeitante ao primeiro requisito, importa densificar os conceitos de “empreitada” e de “reabilitação urbana”, o que importa a convocação de diplomas legais de cariz não tributário, uma vez que “[s]empre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo de outro decorrer diretamente da lei” (cf. artigo 11.º, n.º 2, da LGT); aliás, no concernente ao conceito de “reabilitação urbana”, é a própria norma fiscal que remete para a definição constante de diploma específico.

Assim, começando pelo conceito de “empreitada”, o artigo 1207.º do Código Civil define-o como sendo “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.

No tangente ao conceito de “reabilitação urbana” e seguindo o comando normativo que manda atender à definição constante de diploma específico, devemos convocar o Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, que estabelece o regime jurídico da reabilitação urbana, cujo artigo 2.º, alínea j), define “reabilitação urbana” como “a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios”.

O mesmo diploma legal alude, ainda, à “reabilitação de edifícios” – que é “a forma de intervenção destinada a conferir adequadas características de desempenho e de segurança funcional, estrutural e construtiva a um ou a vários edifícios, às construções funcionalmente adjacentes incorporadas no seu logradouro, bem como às frações eventualmente integradas nesse edifício, ou a conceder-lhes novas aptidões funcionais, determinadas em função das opções de reabilitação urbana prosseguidas, com vista a permitir novos usos ou o mesmo uso com padrões de desempenho mais elevados, podendo compreender uma ou mais operações urbanísticas” (cf. artigo 2.º, alínea i)) – e a “operação de reabilitação urbana” – que é “o conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área” (cf. artigo 2.º, alínea h)) –, que são conceitos distintos do de “reabilitação urbana”.

No entanto, tal distinção não releva para efeitos de aplicação da mencionada Verba 2.23, pois não foi aqui considerada pelo legislador, porquanto este pretendeu aqui abarcar as empreitadas de reabilitação urbana realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana. Ademais, como vimos, o conceito de “reabilitação urbana”, tal como é legalmente definido, abrange as “obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios”.

No caso concreto e com relevância neste conspecto, resultou provado que o prédio em causa, destinado a habitação coletiva, foi adquirido pela Requerente no estado de inacabado (em “tosco”) e que, relativamente às respetivas obras de conclusão, a Requerente, para além de dona de obra, teve a seu cargo a respetiva direção e execução, tendo utilizado mão-de-obra própria (trabalhadores dependentes) e subcontratado, nalgumas partes, a prestação de serviços de construção civil a entidades externas (subempreiteiros) (cf. factos provados e) e f)); ademais, a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia emitiu a certidão datada de 31 de março de 2020, constante do documento n.º 11 anexo ao PPA, na qual é afirmado que “as obras realizadas constituíram uma intervenção de reabilitação urbana, ao abrigo do disposto na al. j) do art. 2.º do Regime Jurídico de Reabilitação Urbana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, na sua atual redação” (cf. facto provado r)).

            Nesta conformidade, a empreitada sub judice não pode deixar de ser considerada como uma empreitada de reabilitação urbana, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º, alínea j), do Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, pelo que se mostra preenchido o primeiro dos sobreditos requisitos previstos na Verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA. 

 

15. No concernente ao segundo dos enunciados requisitos previstos na Verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, importa convocar novamente o Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, cuja alínea b) do respetivo artigo 2.º define “área de reabilitação urbana” como “a área territorialmente delimitada que, em virtude da insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infraestruturas, dos equipamentos de utilização coletiva e dos espaços urbanos e verdes de utilização coletiva, designadamente no que se refere às suas condições de uso, solidez, segurança, estética ou salubridade, justifique uma intervenção integrada, através de uma operação de reabilitação urbana aprovada em instrumento próprio ou em plano de pormenor de reabilitação urbana”. Consoante é salientado no preâmbulo do citado diploma legal, a delimitação da “área de reabilitação urbana” pelo município “tem como efeito determinar a parcela territorial que justifica uma intervenção integrada no âmbito deste diploma”.

A este propósito, resultou provado que o aludido edifício está localizado na Área de Reabilitação Urbana (ARU) denominada “Cidade de Gaia”, aprovada pela Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia, em 25 de fevereiro de 2016, conforme Aviso n.º 3874/2016, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 56, de 21 de março de 2016 (cf. facto provado e)).

            Por consequência, inexiste qualquer dúvida quanto ao preenchimento do segundo dos sobreditos requisitos previstos na Verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA. 

 

16. Na ótica da Requerida, a aplicação da aludida Verba 2.23 depende, também, da observância do seguinte formalismo legal: “o licenciamento e comunicação prévia de operação urbanística”, porquanto, apenas “este licenciamento ou admissão de comunicação prévia, para aquela empreitada de reabilitação urbana (aquela que foi apresentada e sujeita a apreciação e aprovada), tem a garantia de que constitui uma empreitada de reabilitação urbana subjacente à al. j) do n.º 2 do RJRU” (cf. RIT). A AT retoma esta argumentação na resposta que apresentou nestes autos, concretamente nos artigos 60 a 63, extraindo daí a seguinte conclusão: “atenta a redação conjugada do verba 2.23 e do artigo 44.º do RJRU, conclui-se que só na data de 31-03-2020 a Requerente adquiriu o direito à tributação dos serviços à taxa reduzida de 6%, porquanto só naquela data a edilidade camarária atestou o requisito exigível pela verba 2.23”.

Esta mesma questão foi tratada na decisão arbitral proferida no processo n.º 137/2022-T, merecendo a nossa inteira concordância o seguinte entendimento ali adotado e que, por isso, data venia, fazemos nosso:

“Este argumento não é procedente. Com efeito, esta alegação da Requerida AT não pode deixar de se considerar como uma inferência ou uma dedução, que não está suportada no texto da verba 2.23 da lista I anexa ao Código do IVA.

Na verdade, em nenhum segmento da verba 2.23 se determina que, tendo em vista a aplicação da taxa reduzida de IVA, seja necessário que a apreciação e aprovação do respetivo pedido de licenciamento seja efetuada pela respetiva câmara municipal, nos termos do artigo 4.º do RJUE.

Em rigor estão em causa matérias distintas: (a) a (eventual) aplicação de uma taxa reduzida de IVA a empreitadas de reabilitação urbana situadas área de reabilitação urbana e (b) o processo de licenciamento de obras de reabilitação urbana.

A primeira, de natureza fiscal, abrange a situação sub judice e convoca a interpretação da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, sabendo-se que esta interpretação não pode deixar de ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil).

A segunda, de natureza jurídico-urbanística, está relacionada com a necessidade de submeter a apreciação e aprovação do respetivo pedido de licenciamento a execução de uma obra de reabilitação urbana.

Ora o legislador tributário não previu – porque não quis - na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, a obrigação de a aplicação da taxa reduzida de IVA a empreitadas de reabilitação urbana pressupor a prévia apreciação e aprovação do respetivo pedido de licenciamento por parte da entidade competente. 

Tal hipótese não encontra o mínimo suporte na lei, pelo que o seu acolhimento no atual contexto violaria o princípio da legalidade tributária, maxime da tipicidade tributária, previsto no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. 

Não pode, por isso, proceder a alegação da Requerida AT segundo a qual, para que uma empreitada de construção civil em imóvel localizado numa ARU seja suscetível de enquadramento na verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA, é necessário que a apreciação e aprovação do respetivo pedido de licenciamento, seja efetuada pela respetiva câmara municipal (ou entidade gestora, no âmbito de poderes delegados, de acordo com o disposto no RJUE), nos termos do artigo 4.º do RJUE (Regime jurídico da urbanização e edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro).”

 

17. Pela mesma ordem, mutatis mutandis, também não pode proceder o argumento da Requerida de que a “intervenção integrada tem, assim, subjacente uma empreitada única”, pelo que “NÃO cabe na aplicação da verba 2.23 (da lista anexa ao CIVA) o que não se encontra expressamente previsto na respetiva empreitada – aquela que se encontra licenciada pela Câmara”, designadamente “a contratação (pelo dono da obra) de empresas para a execução de trabalhos distintos dos adjudicados ao chamado “empreiteiro geral” (cf. RIT); sendo que, em sede de resposta nestes autos, a AT retoma esta argumentação, nomeadamente nos artigos 71.º a 73.º. Tanto mais que, como a Requerente bem salienta, a figura do “empreiteiro geral” despareceu do nosso ordenamento jurídico com a entrada em vigor do atual regime jurídico aplicável ao exercício da atividade de construção, estabelecido pela Lei n.º 41/2015, de 3 de junho, diploma este que também revogou o Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de janeiro, onde anteriormente existia a figura do “empreiteiro geral ou construtor geral”.  

 

18. A Requerida entende, ainda, que existe um outro requisito para que seja possível beneficiar da taxa reduzida de IVA prevista na Verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, assim explicitado pela própria AT na sua resposta: “75. (…) as faturas não foram emitidas à taxa de IVA de 6%, nem das mesmas consta qualquer menção à verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA.”; “76. (…) a falta de menção verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA nas faturas, constitui motivo de inaplicabilidade da mencionada verba, (…) o incumprimento do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA constitui causa de não enquadramento na mencionada verba.”; “77. (…) o empreiteiro, nas faturas que emite ao dono da obra, deve fazer alusão à mencionada verba, identificando a ARU de localização do imóvel, bem como a justificação para aplicação da taxa reduzida de IVA, elementos aos quais, como se verificou, também não foi dado cumprimento.”  

A este propósito, mais uma vez convocamos a decisão arbitral prolatada no processo n.º 137/2022-T, na qual igual questão mereceu a seguinte apreciação que, por merecer a nossa concordância, data venia, fazemos nossa:

“Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, «A fatura é um elemento essencial do direito de um sujeito passivo à dedução do IVA pago a montante, nos termos da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «Diretiva IVA»). Com efeito, a fatura devidamente emitida tem sido classificada como o «título de acesso» ao direito à dedução, dado que tem uma «função de seguro» para a autoridade tributária nacional ao estabelecer um nexo entre a dedução do imposto pago a montante e o pagamento de imposto.» (assim, cfr. acórdão de 30 de Maio de 2018, Lucreţiu Hadrian Vădan/Agenţia Naţională de Administrare Fiscală – Direcţia Generală de Soluţionare a Contestaţiilor, Processo C-664/16, parágrafo 1, disponível em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid= 202348&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1 ).

Nesse sentido, o artigo 36.º do CIVA estabelece determinados requisitos na emissão de facturas ou documentos equivalentes.

Daqui resulta que, para o CIVA, uma factura passada em forma legal é a que respeite o estatuído no artigo 36.°. Dito de outra forma, a factura que não respeite todas as exigências previstas naquele artigo não é uma factura passada na forma legal.

A este propósito prescreve o artigo 36.º (Prazo de emissão e formalidades das facturas e documentos equivalentes), n.º 5, alíneas b) e f), do CIVA, que:

«5 - As facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:

(…)

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

(…)

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura.».

A expressão «quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos bens necessários à determinação da taxa aplicável» tem como finalidade permitir quer ao cliente quer à Administração Tributária controlarem se a taxa incidente sobre o valor tributável é a correcta (neste sentido, entre muitos outros, vide acórdão deste TCA de 19.05.2009, proferido no processo n.º 26/09, disponível em texto integral em www.dgsi.pt ).

A este propósito deve assinalar-se novamente a jurisprudência do TJUE, agora no acórdão Barlis, processo C‑516/14, de 15 de setembro de 2016 (disponível em https://curia.europa.eu /juris/document/document.jsf?text=&docid=183364&doclang=PT) relativa à importância de ponderar as consequências de uma violação do artigo 226.º da DIVA sobre o exercício do direito à dedução à luz das finalidades prosseguidas pela referida norma. 

Reforçando a jurisprudência em matéria de vícios formais, o TJUE refere, no parágrafo 42, que o princípio da neutralidade do IVA “exige que a devolução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber se os requisitos materiais foram cumpridos não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C‑385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C‑280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência aí referida)”.

E concretiza acrescentando “Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.º 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.””

No caso concreto, resultou provado que a empreitada em questão decorreu entre janeiro de 2017 e meados de 2018, estando as respetivas faturas registadas na contabilidade da Requerente (cf. facto provado h)); ademais, a AT não evidenciou, por qualquer forma e em qualquer momento (nem tal vem alegado na resposta apresentada nestes autos), designadamente aquando da referenciada ação inspetiva, qualquer dificuldade e/ou impossibilidade quer de relacionar tais faturas com a empreitada em apreço, quer de identificar os respetivos prestadores de serviços e/ou fornecedores de bens, bem como os serviços prestados e os bens fornecidos a coberto das mesmas, como resulta evidenciado pelos quadros 10, 11, 12, 13 e 14 do RIT.

Além do mais, a Requerente apresentou ainda documentação adicional, como contratos de subempreitada (cf. documento n.º 12 anexo ao PPA) e a declaração emitida pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, comprovativa da localização do imóvel na ARU denominada “Cidade de Gaia” e de que as obras nele realizadas constituíram uma intervenção de reabilitação urbana (cf. documento n.º 11 anexo ao PPA).

Destarte, as aludidas faturas não padecem de qualquer irregularidade substancial e/ou formal impeditiva da aplicação da Verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA.

 

19. Nesta conformidade, impõe-se julgar procedente o vício de violação de lei imputado pela Requerente aos atos tributários controvertidos, por erro nos pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação das disposições conjugadas do artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA e da Verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA; consequentemente, os atos tributários controvertidos, enunciados no facto provado o), devem ser parcialmente anulados – na parte em que radicam nas correções atinentes ao IVA auto-liquidado pela Requerente, por via do mecanismo de inversão do sujeito passivo, relativamente às faturas referenciadas no facto provado h) – e os atos de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020... e do recurso hierárquico n.º ...2021..., que os mantiveram, devem ser anulados (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).  

 

§3. O reembolso dos montantes de imposto e de juros pagos, acrescidos de juros indemnizatórios

20. O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre o pedido de condenação da AT no reembolso dos montantes de imposto e de juros indevidamente pagos pela Requerente, acrescidos de juros indemnizatórios.

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que [a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Ora, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

Cumpre, então, apreciar e decidir.

 

21. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação dos atos tributários controvertidos, nos termos acima enunciados, há lugar ao reembolso das prestações tributárias indevidamente suportadas pela Requerente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aqueles atos tributários não tivessem sido praticados nos termos em que foram.

Destarte, procede o pedido de reembolso à Requerente dos montantes por esta indevidamente suportados a título de imposto e de juros compensatórios e moratórios (cf. factos provados o) e p)), a serem determinados em execução de julgado.

 

22. Para além disso, tem ainda a Requerente direito a juros indemnizatórios, pois, como estatui o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Com efeito, afigura-se que a invalidade dos atos tributários controvertidos, nos termos acima enunciados, é imputável à AT por ter incorrido em vício de violação de lei, gerador de anulabilidade.

No caso concreto, tais juros indemnizatórios são calculados à taxa legal supletiva (cf. artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e a Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril) sobre os montantes de imposto e de juros compensatórios e moratórios que se vierem a apurar terem sido indevidamente suportados pela Requerente e são devidos desde a data – 07.04.2020 (cf. facto provado q)) – em que foram efetuados tais pagamentos indevidos de imposto e de juros compensatórios e moratórios, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (cf. artigo 61.º do CPPT).

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23. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

IV. Decisão

            Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

  1. Declarar ilegais e anular os atos tributários elencados no facto provado o), na parte em que radicam nas correções atinentes ao IVA auto-liquidado pela Requerente, por via do mecanismo de inversão do sujeito passivo, relativamente às faturas referenciadas no facto provado h), com as legais consequências;
  2. Declarar ilegal e anular o ato de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2021..., com as legais consequências;
  3. Declarar ilegal e anular o ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020..., com as legais consequências; 
  4. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente os montantes por esta indevidamente suportados a título de imposto e de juros compensatórios e moratórios, a serem determinados em execução de julgado, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos legais acima enunciados, com as legais consequências;
  5. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

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V. Valor do Processo

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 289.834,97 (duzentos e oitenta e nove mil oitocentos e trinta e quatro euros e noventa e sete cêntimos).

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VI. Custas

Em conformidade com o acima decidido e nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 5.202,00 (cinco mil duzentos e dois euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Notifique.

 

Lisboa, 8 de maio de 2023.

 

O Presidente do Tribunal Arbitral,

 

 

(Victor Calvete)

 

 

O Árbitro vogal,

 

(Fernando Marques Simões)

 

 

O Árbitro vogal (relator),

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)