Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 591/2022-T
Data da decisão: 2023-04-14  Selo  
Valor do pedido: € 32.130,02
Tema: IS - Valor patrimonial tributário. Terreno para construção. Indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa.
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SUMÁRIO:

 

I – A intempestividade do pedido de revisão oficiosa da liquidação de Imposto do Selo do ano de 2018 obsta ao conhecimento da ilegalidade dessa liquidação, por consubstanciar caso decidido ou resolvido, ainda que o pedido de constituição do tribunal arbitral tenha sido apresentado dentro do prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, em conjugação com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º, do CPPT.

II – A inimpugnabilidade do ato de liquidação objeto dos autos constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea i), do CPTA).

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I.  RELATÓRIO

Em 6 de outubro de 2022, A... S.A., com o NIPC ... e sede na...–..., ..., ..., ...‐... – Lisboa, (adiante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD em 10 de outubro de 2022 e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

  1. Objeto do pedido:

O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 31 de maio de 2022 com vista à anulação parcial do ato tributário de liquidação de Imposto do Selo emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 26 de março de 2018, no valor global de € 117 564,72, conforme o DUC n.º..., tendo por objeto mediato o ato de liquidação cuja anulação parcial se peticiona, pela quantia de € 32 130,02.

 

Mais pede a Requerente a condenação da Requerida na restituição do imposto pago em

excesso, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos legais.

 

 

B. Síntese da posição das Partes

a. Da Requerente:

A Requerente invoca a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo cuja anulação parcial pretende, com os fundamentos que, sucintamente, se enunciam:

  1. A liquidação do Imposto do Selo emitida pela AT em 26 de março de 2018, a que corresponde o DUC n.º ...1, respeita à aquisição de dois prédios urbanos, entre os quais um terreno para construção, adquirido pelo preço de € 10 051 187,00 e cujo valor patrimonial, à data dos factos, era de € 14 067 440,00;
  2. O valor tributável que serviu de base à liquidação, nos termos do n.º 4 do artigo 9.º, do Código do Imposto do Selo, foi o valor patrimonial tributário do terreno para construção, superior ao valor de aquisição, de que, por aplicação da taxa de 0,80%, prevista na verba 1.1, da TGIS, resultou imposto a pagar da quantia de € 112 539,52;
  3. Contudo, o valor patrimonial tributário do referido terreno para construção foi fixado segundo a fórmula erroneamente adotada pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e/ou (iii) de qualidade e conforto, em violação do artigo 45.º, do Código do IMI;
  4. Na sequência da jurisprudência reiterada do STA, a AT corrigiu a fórmula de cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes; porém, do erro na determinação do VPT do terreno objeto de tributação, resultou uma coleta de Imposto do Selo superior ao legalmente devido;
  5.  Desconsiderando os coeficientes indevidamente aplicados na fórmula de avaliação, o valor patrimonial tributário que deveria ter servido de cálculo do montante do Imposto do Selo a liquidar, seria de € 7 326 800,00;
  6. Assim, a matéria tributável para efeitos do Imposto do Selo, seria o valor de aquisição, de € 10 051 187,00, superior ao VPT corretamente calculado e não o VPT constante da matriz à data da liquidação, de € 14 067 440,00;
  7. A liquidação em crise, de que resultou imposto em excesso da quantia de  € 32 130,02, padece de manifesta ilegalidade, por resultar da interpretação e aplicação erróneas do Direito aplicável, devendo ser parcialmente anulada;
  8. A aplicação dos coeficientes de avaliação previstos no artigo 38.º, do Código do IMI, na determinação do VPT de terrenos para construção é contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa;
  9. A Requerente procedeu ao pagamento indevido do Imposto do Selo liquidado em excesso, pelo que requer o reembolso do montante de imposto indevidamente liquidado e o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º e 100.º da LGT;
  10. Em 31 de maio de 2022, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação em crise, que veio a presumir‐se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT;
  11. A final, pede a Requerente que seja declarada ilegal a decisão de indeferimento (tacitamente presumido) do pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, seja parcialmente anulado o ato tributário que constitui o seu objeto, por erro nos pressupostos de facto e de direito e que seja a AT condenada no reembolso do valor do imposto pago em excesso, no montante de € 32.130,02, bem como no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido.

 

 

b. Da Requerida

Notificada pelo despacho arbitral de 20 de dezembro de 2022, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT fez juntar o processo administrativo (PA) e apresentou Resposta na qual se defendeu por exceção, nos seguintes termos:

 

  1. A Requerente tem como objeto social a compra e venda de Imóveis, e no âmbito da sua atividade adquiriu, em 2018, dois imóveis, sendo um deles, um terreno para construção sito na freguesia de ..., concelho de Amadora;
  2. Em 26 de março de 2018, foi emitida a liquidação de Imposto do Selo com o DUC n.º..., no valor de € 117 564,72, com data limite de pagamento em 27 de março de 2018, que foi paga pela Requerente;
  3. A Requerente remeteu, por correio registado de 31 de maio de 2022 (RH ... PT), um pedido de revisão oficiosa contra o ato de liquidação do Imposto do Selo em causa, emitido em 2018, onde requereu a retificação do valor patrimonial do terreno para construção, segundo a fórmula legalmente estabelecida no artigo 45.º do Código do IMI, ou seja, sem a aplicação dos coeficientes de localização, de afetação e/ou qualidade e conforto, e, em consequência, a retificação da coleta de Imposto do Selo em causa;
  4. Paralelamente, em 15 de julho de 2022, remeteu por carta registada, dirigida ao Sr. Diretor de Serviços de Avaliações, um requerimento a solicitar a anulação administrativa da avaliação realizada ao prédio urbano em causa (terreno para construção);
  5. Na sequência do pedido de anulação, foi elaborada a informação n.º 115/2022, de 28 de julho de 2022, da DSA, na qual recaiu o despacho, proferido em 29 de julho de 2022, pela Senhora Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária – Património, que anulou a avaliação efetuada em 11 de janeiro de 2018, com implicação nas liquidações de IMT e Imposto do Selo, ora em crise;
  6. Mesmo assim, dando-se o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral em 6 de outubro de 2022;
  7. Suscita-se, no entanto, como questão prévia, a da intempestividade do pedido de revisão oficiosa da liquidação de Imposto do Selo emitida em 26 de março de 2018, apresentado para além do prazo previsto na segunda arte do n.º 1 do artigo 78.º, da LGT, ou seja, em 31 de maio de 2022;
  8. Visto que estamos perante uma situação de devolução de imposto pago, o pedido de revisão deveria ter observado o prazo de 4 anos, contado da liquidação, o que efetivamente não aconteceu;
  9. Tendo o presente pedido de pronuncia arbitral sido deduzido em consequência da presunção indeferimento tácito do pedido de revisão e, sendo este intempestivo, forçoso é concluir que o mesmo é extemporâneo, assim se verificando a exceção dilatória de caducidade do direito de ação, que determina a absolvição da instância da Requerida, ao abrigo alínea e) do nº 1 do 278º do CPC, aplicável ex vi art.º 2.º do RJAT a qual, desde já, se requer.

 

 

Pelo Despacho Arbitral de 9 de fevereiro de 2023, foi a Requerente notificada para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciar, querendo, sobre a matéria de exceção invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira em sede de Resposta, designadamente quanto à intempestividade do pedido de revisão oficiosa do ato tributário objeto dos presentes autos e respetivas consequências na marcha do processo, à luz do disposto no artigo 89.º, do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

 

A Requerente nada disse.

 

Não havendo factos controvertidos nem tendo sido requerida a produção de prova adicional, foi, pelo despacho arbitral de 3 de março de 2023, dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, e as Partes convidadas a apresentar alegações escritas, pelo prazo simultâneo de 15 dias.

 

Mais foi indicado o dia 15 de abril de 2023 como data previsível para prolação da decisão arbitral e notificada a Requerente para, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral remanescente.

 

Em requerimento de 22 de março de 2023, a Requerida informou não pretender produzir alegações finais escritas, dando por integralmente reproduzido todo o aduzido em sede de resposta.

 

Por requerimento de 23 de março de 2023, veio a Requerente informar não pretender produzir alegações, orais ou escritas, por se encontrar já exposta e definida a sua posição no respetivo pedido de pronúncia arbitral.

 

II. SANEAMENTO

  1. O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 20 de dezembro de 2022, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;
  3. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as
suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral
tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA) e do processo administrativo (PA), fixa-se como segue:

 

A – Factos provados

  1. A Requerente é uma sociedade anónima, tendo como objeto social a compra e venda de imóveis (facto admitido por acordo);
  2. Em 26 de março de 2018 a Requerente apresentou declaração para liquidação do Imposto do Selo – Verba 1.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), referente à aquisição de dois prédios urbanos sitos na freguesia de ..., concelho da Amadora – Bem n.º 1, destinado a serviços e Bem n.º 2, classificado como terreno para construção (Doc. n.º 2 junto ao PPA);
  3. Na mesma data, foi emitida a liquidação de Imposto do Selo – Verba 1.1, da TGIS, a que correspondeu o DUC n.º ..., pela quantia de € 117 564,72 e com data limite de pagamento em 27 de março de 2018 (Doc. n.º 2 junto ao PPA);
  4. O prédio urbano indicado como Bem n.º 2 corresponde ao terreno para construção inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário (VPT) de € 14 067 440,00, adquirido pelo preço de € 10 051 187,00 (Doc. n.º 2 junto ao PPA);
  5. Constituiu matéria coletável da liquidação de Imposto do Selo – Verba 1.1, da TGIS, referente ao artigo ... da freguesia de ..., o VPT de € 14 067 440,00, que, por aplicação da taxa de 0,80%, produziu a coleta de € 112 539,52 (Doc. n.º 2 junto ao PPA);
  6. A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de Imposto do Selo, conforme o DUC n.º ..., em 26 de março de 2018 (Doc. n.º 6 junto ao PPA);
  7. Na determinação do VPT do terreno para construção inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo ..., avaliado em 11 de janeiro de 2018, foram utilizados os coeficientes de localização (Cl – 1,60), de afetação (Ca – 1,20) e de qualidade e conforto (Cq – 1,000), tendo sido considerada a percentagem de 29,00 % para cálculo da área de implantação (Doc. n.º 4 junto ao PPA);
  8.  Em 31 de maio de 2022, a Requerente endereçou ao Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ..., a coberto do registo dos CTT n.º RH ... PT, um pedido de revisão oficiosa da liquidação de Imposto do Selo já identificada, no que respeita ao terreno para construção inscrito sob o artigo ... da freguesia de ..., com fundamento em erro na determinação do respetivo VPT, por errada aplicação dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto (Docs. n.ºs 1 e 3 juntos ao PPA);
  9. À data da propositura da presente ação arbitral, a Requerente ainda não tinha sido notificada da decisão do pedido de revisão oficiosa da sobredita liquidação de Imposto do Selo (facto admitido por acordo das Partes);
  10. Em 15 de julho 2022, a Requerente remeteu por carta registada, dirigida ao Sr. Diretor de Serviços de Avaliações, um requerimento a solicitar a anulação administrativa da avaliação realizada ao prédio urbano classificado como terreno para construção (facto descrito na Resposta da Requerida – artigo 7.º – não contestado pela Requerente);
  11. Por despacho proferido pela Senhora Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária – Património, datado de 29 de julho de 2022, foi anulada a avaliação do prédio urbano (terreno para construção) inscrito sob o artigo ... da freguesia de ..., efetuada em 11 de janeiro de 2018 (facto descrito na Resposta da Requerida – artigo 8.º – não contestado pela Requerente).

 

 

B – Factos não provados

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

 

C – Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Os factos dados como provados decorrem da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral, que a Requerida não contestou, e da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados.

 

 

 

III.2 DO DIREITO

 

Questão prévia. Matéria de exceção

 

Na elaboração da decisão arbitral deve dar-se prioridade ao conhecimento “das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica” (artigo 608.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

No caso concreto, existe, contudo, uma questão prévia, que se prende com o princípio da aquisição processual, segundo o qual “o material necessário à decisão e levado ao processo por uma das partes – sejam alegações, sejam motivos de prova – pode ser tomado em conta para todos os efeitos processuais, mesmo a favor da parte contrária àquela que o aduziu.”[1].

 

O efeito jurídico pretendido pela Requerente com a presente ação arbitral consiste na declaração de ilegalidade e na consequente anulação parcial da liquidação de Imposto do Selo emitida pela AT em 26 de março de 2018, referente à aquisição de um terreno para construção, cujo valor patrimonial tributário (VPT) era, àquela data, superior ao valor da compra e, como tal, constituiu a matéria tributável subjacente à liquidação impugnada (artigo 9.º, n.º 4 do Código do Imposto do Selo, com remissão para o artigo 12.º, n.º 1, do Código do IMT). Nisto consiste o seu pedido.

 

A causa de pedir, enquanto fundamento daquele visado efeito jurídico, é compósita, pois se, por um lado, consiste no erro da Requerida na determinação do VPT do terreno para construção a cuja aquisição se reporta a liquidação do Imposto do Selo, por violação do disposto no artigo 45.º, do Código do IMI, na redação em vigor à data dos factos, por outro, assenta na presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, ato de segundo grau[2] através do qual se pretendeu a reapreciação, pela via administrativa, da mencionada liquidação de imposto.

 

Em sede de resposta, alude a AT ao pedido de “anulação administrativa da avaliação realizada ao prédio urbano em causa (terreno para construção)” dirigido pela Requerente  ao Senhor Diretor de Serviços de Avaliações, em 15 de julho de 2022, na sequência do qual foi emitido o Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária – Património, de 29 de julho de 2022, “que anulou a avaliação efetuada em 2018-01-11, com implicação nas liquidações de IMT e Imposto de Selo, ora em crise” (artigos 7.º e 8.º da resposta)[3].

 

Porém, a referida anulação administrativa da avaliação que determinou o VPT subjacente à liquidação impugnada, facto não contestado pela Requerente, não vem invocado no pedido de constituição do tribunal arbitral[4], não integrando, consequentemente, a causa de pedir.

 

A anulação administrativa daquela avaliação, em data anterior à da propositura da presente ação arbitral, não constitui facto superveniente para efeitos do disposto nos artigos 265.º e 588.º, do CPC ou do artigo 63.º, do CPTA, nem integra a causa de pedir, não sendo, portanto, suscetível de fundamentar qualquer decisão de mérito, sob pena de nulidade da decisão arbitral, por excesso de pronúncia, pois o julgador “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (artigos 608.º, n.º 2 e 615, n.º 1, alínea d), in fine, ambos do CPC)[5].

 

Importa, então, apreciar a matéria de exceção, quer a invocada pela AT, quer a identificada no artigo 89.º, do CPTA, de conhecimento oficioso e de que a Requerente foi notificada para se pronunciar.

 

Em sede de resposta, vem a Requerida invocar a extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral, motivada pela extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa da liquidação do Imposto do Selo emitida em 26 de março de 2018 e paga no dia seguinte, apresentado pela Requerente em 31 de maio de 2022.

 

Defende a AT que a extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral consubstancia a exceção dilatória de caducidade do direito de ação, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância da Requerida, nos termos do artigo 278.º, n.º 1, alínea e), do CPC.

 

Notificada para se pronunciar sobre a exceção invocada pela Requerida, designadamente quanto à intempestividade do pedido de revisão oficiosa do ato tributário objeto dos presentes autos e respetivas consequências na marcha do processo, à luz do disposto no artigo 89.º, do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, a Requerente nada disse.

 

Quanto à caducidade do direito de ação, dir-se-á que a mesma ocorre se a ação não for deduzida dentro do prazo legalmente previsto[6].

 

Determina o n.º 1 do artigo 78.º, da LGT, que os atos tributários podem ser revistos oficiosamente pela entidade que os praticou, “no prazo de quatro anos após a liquidação”, com fundamento em erro dos serviços, entendendo-se como tal o erro que “concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efetivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial”.[7]

 

Apesar de a revisão oficiosa dos atos tributários ser da competência da entidade que os praticou, nada impede que o impulso para a sua revisão caiba ao contribuinte, como decorre do disposto no n.º 7, do artigo 78.º, da LGT, norma que faz referência ao efeito interruptivo do respetivo prazo, do pedido por aquele dirigido ao órgão competente para a sua realização (cfr. os artigos 69.º, n.º 1, da LGT, 44.º, n.º 1, alínea c) e 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT).

 

Existindo erro dos serviços na determinação do VPT do terreno para construção de que decorreu a liquidação de Imposto do Selo objeto do pedido de pronúncia arbitral, em valor superior ao devido, sempre poderia o contribuinte, ainda que o não tivesse feito antes, invocar tal erro, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT,[8] como a Requerente efetivamente fez.

 

Da omissão do dever de decidir o caso concreto dentro do prazo de quatro meses estabelecido pelo n.º 1 do artigo 57.º, da LGT, resultou a presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação de Imposto do Selo emitida em 26 de março de 2018, apresentado pela Requerente, ficando aberta a via contenciosa, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo. 

 

O meio processual adequado à reação contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do referido ato tributário, estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, ainda que com fundamento em vícios de um ato destacável (ato de determinação do VPT), é o processo de impugnação judicial ou o processo arbitral tributário, enquanto meio alternativo àquele (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte), da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010).

 

De acordo com o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos no artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, entre os quais a formação da presunção de indeferimento tácito (artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT).

 

Ora, no caso sub judice, tendo o pedido de revisão oficiosa da liquidação cuja anulação vem peticionada sido apresentado em 31 de maio de 2022, a formação da presunção de indeferimento ocorreu na falta de decisão expressa, decorridos quatro meses sobre aquela data, pelo que, tendo o pedido de constituição do tribunal arbitral sido apresentado em 6 de outubro de 2022, conclui-se não se encontrar então caducado o direito de ação, como alega a Requerida.

 

Contudo, o erro dos serviços na determinação do VPT apenas constitui fundamento para revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação a que serviu de base se estiverem verificados os pressupostos a que alude o n.º 1 do artigo 78.º, da LGT, designadamente que, encontrando-se o imposto pago, como é o caso vertente, o pedido de revisão oficiosa seja apresentado “no prazo de quatro anos após a liquidação”, prazo este que se justifica “com a necessidade de segurança jurídica e de evitar as perturbações que resultariam para os cofres do estado de terem de devolver a todo o tempo qualquer imposto pago indevidamente”.[9]     

 

Ora, no procedimento tributário, os prazos são contínuos e contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil (artigos 20.º, n.º 1, do CPPT e 57.º, n.º 3, da LGT), de acordo com cuja alínea c) “O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data (…)”.

 

No caso em análise, como consta do probatório supra, a liquidação de Imposto do Selo contestada foi emitida em de 26 de março de 2018, encontrando-se, em 31 de maio de 2022, data do pedido da sua revisão oficiosa, excedido o limite temporal previsto no n.º 1 do artigo 78.º, da LGT que, como se disse, encontrando-se pago o imposto, é de quatro anos a contar da data da liquidação.

 

A intempestividade do pedido de revisão oficiosa da liquidação de Imposto do Selo do ano de 2018 objeto da presente ação arbitral, obsta ao conhecimento da (i)legalidade dessa liquidação, por consubstanciar caso decidido ou resolvido[10], ainda que o pedido de constituição do tribunal arbitral tenha sido, como foi, apresentado dentro do prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, em conjugação com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º, do CPPT.

 

A inimpugnabilidade do ato de liquidação objeto dos autos constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea i), do CPTA).

 

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados, decide o tribunal arbitral singular:

  1. Julgar verificada a exceção da inimpugnabilidade da liquidação de Imposto do Selo do ano de 2018 objeto dos autos e,
  2. Absolver a AT da instância.

 

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 32 130,02 (trinta e dois mil, cento e trinta euros e dois cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 836,00 (mil, oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de abril de 2023.

 

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 



[1] Cfr. Joaquim Freitas da Rocha, “Lições de Procedimento e Processo Tributário”, 5.ª Edição. Coimbra Editora, 2014, pág. 260.

[2] Cfr. Joaquim Freitas da Rocha, obra citada, pág. 29.

[3] Quanto às consequências da anulação administrativa, em especial no que respeita aos atos consequentes de atos anulados, dispõe o n.º 2 do artigo 172.º, do Código do Procedimento Administrativo:

Artigo 172.º - Consequências da anulação administrativa

(…)

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa, desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, assim como no dever de anular, reformar ou substituir os atos consequentes sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a necessidade de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.

(…)”

[4] De acordo com o disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea c), do RJAT, o pedido de constituição do tribunal arbitral deve conter “A identificação do pedido de pronúncia arbitral, constituindo fundamentos deste pedido os previstos no artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, bem assim, a exposição das questões de facto e de direito objecto do referido pedido de pronúncia arbitral”.

Cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30 de setembro de 2019, processo n.º 1383/06.4BESNT, de acordo com cujo sumário: “I - O Impugnante deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de anulação do ato de liquidação, no seu articulado inicial, ressalvadas as questões de caráter superveniente e de conhecimento oficioso (…)”

[5] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de outubro de 2022, processo n.º 0202/09.4BEALM 01188/14: “I - A nulidade da sentença por excesso de pronúncia ocorre se o Tribunal exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir e pedido, em violação da regra da identidade de causa de pedir e de causa de julgar. (…)”.

[6] Conforme escreve Jorge Lopes de Sousa, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, págs. 155/156, “A impugnação dos actos anuláveis tem de se fazer no prazo que estiver previsto na lei, para cada caso. Se a impugnação não for deduzida nesse prazo, caduca o direito de impugnar com fundamento em vícios geradores de anulabilidade.

A caducidade do direito de impugnar é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, uma vez que os direitos do Estado consubstanciados em actos tributários não são disponíveis e a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes (art. 333.º, n.º 1, do CC).”.

No mesmo sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2 de dezembro de 2020, processo 02526/15.2BELRS, em que se decidiu: “I - O prazo fixado para a dedução da acção, porque aparece como extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade. E a caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria (prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade do acto tributário) que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr.artº.333, do C.Civil). É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do artº.576, nº.3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento "de meritis" e a consequente absolvição oficiosa do pedido.

II - O específico prazo da impugnação judicial é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública (cfr.artº.333, nº.1, do C.Civil; artº.123, do anterior C.P.Tributário; artº.102, do C.P.P.Tributário). (…)”

[7] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23.03.2017, processo n.º 1349/10.0BELRS.

[8] No sentido de que o pedido de revisão oficiosa é meio idóneo de impugnação administrativa da errónea determinação do VPT, cfr. Joaquim Freitas da Rocha, ob. cit., pág. 195, segundo o qual “(…) antes de recorrer a Tribunal, o sujeito impugnante deverá auscultar a Administração tributária uma vez mais. De que forma? Basicamente, pedindo um segundo acto de avaliação – possibilidade que, por exemplo no caso de bens imóveis, se encontra prevista nos arts. 71.º e ss. do CIMI – ou utilizar, se outro não existir, o procedimento de revisão dos actos tributários, previsto no art. 78.º da LGT. Só após a decisão desfavorável no âmbito destes últimos procedimentos (isto é, decisão que mantenha o valor fixado em sede de primeira avaliação) é que se abre a via contenciosa.”.

[9] Cfr. o Acórdão proferido pelo STA em 13-03-2013, Processo n.º 01183/12.

[10] Cfr., neste sentido, embora referindo a reclamação graciosa, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 02.04.2009, no processo n.º 0125/09, de acordo com cuja decisão “Só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, (…), a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a sua extemporaneidade da reclamação ainda que não consequencie a extemporaneidade da impugnação conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido.”.