Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 599/2022-T
Data da decisão: 2023-04-25   Outros 
Valor do pedido: € 343.659,79
Tema: ASSB - Adicional sobre o Sector Bancário - inconstitucionalidade
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SUMÁRIO: O artº 2 do anexo VI a que se refere o art. 18º da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, que define a incidência pessoal do Adicional sobre o Sector Bancário, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária, na sua dimensão de exigência da generalidade dos impostos, e por violação do princípio da proporcionalidade legislativa.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, estabelecida na Rua ... nº..., ..., ..., ...-... Lisboa, NIPC..., veio, nos termos legais, solicitar a constituição de Tribunal Arbitral.

É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira,

 

Pede a anulação das autoliquidações do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB) referentes aos períodos de tributação de 2020 e de 2021 e, consequentemente, a anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa por si apresentada.

 

Pede, ainda, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

I – Relatório

 

I.1 – O litígio

 

A Requerente entende, em suma que:

-      O ASSB tem a natureza jurídica de imposto;

-      Não são constitucionalmente aceitáveis as razões invocadas pelo legislador para a criação deste tributo, quais sejam: (i) suprir, por via deste (novo) imposto, as debilidades financeiras do sistema de segurança social; (ii) compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, pretendendo-se assim aproximar a carga fiscal incidente sobre o setor financeiro da carga fiscal incidente sobre os demais setores;

–     O ASSB não incide sobre uma qualquer manifestação de capacidade contributiva, pois não pode qualificar-se como imposto sobre o rendimento, ou sobre o consumo ou sobre o património;

-      “ao impor ao setor financeiro, por via do ASSB, um ónus acrescido no que respeita ao financiamento do Sistema Previdencial da Segurança Social (por via do FEFSS), que a todos beneficia, sem para tal apresentar qualquer fundamento substancial válido, o legislador fiscal afrontou diretamente o princípio da igualdade na sua vertente de limite de controlo externo à discricionariedade legislativa no campo fiscal, i.e., na sua vertente de proibição do arbítrio”».

–     O ASSB não reveste carácter temporário (de imposto extraordinário);

–     A exigência de imposto relativamente ao primeiro semestre do ano de 2020 viola a regra constitucional da proibição da retroatividade da lei fiscal;

-      A criação do ASSB aconteceu em violação da Lei de Enquadramento Orçamental (princípios da não consignação e da discriminação), pois as receitas relativas a  2020 e 2021 não foram devidamente discriminadas no Orçamento do Estado para 2020 nem no Orçamento do Estado para 2021, com a consequente ocultação desta receita ao controlo e autorização parlamentar;

-      A sujeição ao ASSB das sucursais de instituições de crédito estrangeiras em Portugal configura uma restrição à liberdade de estabelecimento assegurada pelo artigo 49.º do TFUE.

 

Subsidiariamente, peticiona a anulação parcial das autoliquidações em causa, feitas em obediência a instruções emanadas da AT, porquanto entende que, na determinação da matéria coletável, não devem ser tidas em conta as suas “responsabilidades” para com a sua casa-mãe.

Sugere, ainda, que seja em feito um pedido de reenvio prejudicial para o TJUE relativamente à questão da compatibilidade do ASSB com o princípio da liberdade de estabelecimento.

Na sua Resposta, a Requerida refuta, ponto por ponto, os vícios invocados pela Requerente, concluindo pela total improcedência dos pedidos.

Adiante, a propósito de cada tema que cumpra analisar, se fará, mais detalhadamente, referência à argumentação de ambas as partes.

 

I.2 - Tramitação processual

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 12-10-2022.

Os árbitros foram designados pelo Conselho Deontológico do CAAD, o que aceitaram, não tendo as nomeações suscitado oposição.

O tribunal arbitral ficou constituído em 23-12-2022.

A Requerida apresentou resposta e juntou o PA.

 

Por despacho arbitral de 19-03-2023, foi decidido prescindir da realização da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT, bem como da produção de alegações. Tal despacho não suscitou oposição.

 

I.3 – Saneamento

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

Não foram invocadas exceções.

 

II – Prova

 

II.1 – Factos Provados

 

  1. A Requerente é a sucursal em Portugal da instituição financeira de crédito espanhola B..., estando autorizada pelo Banco de Portugal para o exercício da atividade de crédito, pelo que se encontra sujeita ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”).
  2. A Requerente autoliquidou o ASSB referente aos períodos de tributação de 2020 e de 2021 (documento de liquidação n.º ..., no valor de € 210.952,89 e documento de liquidação n.º ..., no valor de € 132.706,90).
  3. A Requerente pagou tais montantes.
  4. A Requerente reclamou graciosamente de tais autoliquidações.
  5. Tais reclamações foram expressamente indeferidas, em 28 de junho de 2022, com base no argumento de que a Requerida não tem competência legal nem para apreciar da conformidade das normas jurídicas vigentes com a Constituição, nem com normas do Direito da União.

Os factos dados como provados constam de documentação junta aos autos e não foram objeto de qualquer controvérsia.

II.2 - Factos não provados

 

Não foram considerados não provados quaisquer factos relevantes para a boa decisão da causa.

 

 

III- Do Direito

 

Analisemos as diferentes questões a serem decididas seguindo a ordem apresentada pela Requerente.

 

III.1 – A natureza jurídica de imposto do ASSB

 

As partes convergem na qualificação deste tributo como imposto. Porém, sendo esta uma questão de direito, não pode o tribunal considerá-la ultrapassada por acordo entre as partes.

 

Também nós consideramos estar-se, inquestionavelmente – cremos – perante um imposto.

 

Assumindo como pressuposto a trilogia dos tributos constitucionalmente admitida, temos que o ASSB não é, claramente, uma taxa, porquanto ao seu pagamento não corresponde uma qualquer contraprestação individualizada por parte de um qualquer ente público. O ASSB não é, também, uma contribuição financeira, na medida em que o “grupo” sujeito ao pagamento deste tributo (as instituições de crédito sedeadas ou operando em Portugal) não corresponde a um “grupo” que usufrua de especiais vantagens resultantes da atuação do ente público assim financiado, ou a um “grupo” que surja como especial causador da necessidade da existência de determinado serviço público. Na realidade, sendo a segurança social universal, podemos dizer que aproveita a todos e não a um qualquer “grupo”.

 

Sendo assim, por exclusão, estaremos necessariamente perante um imposto.

 

A qualificação legislativa deste tributo como sendo um adicional assume particular relevância no caso concreto. Embora o nomen não vincule o intérprete, porque este imposto foi apelidado pelo legislador como sendo um adicional[1], haverá natural tendência para entender o ASSB como sendo acessório de outro tributo, tido por principal, (a Contribuição sobre o Sector Bancário), pelo que, materialmente, partilharia a legitimidade constitucional deste.

 

Com Filipe Vasconcelos Fernandes[2], o entendimento e aferição da conformidade constitucional do regime que cria o ASSB pode e deve efetuar-se com a necessária autonomia face à jurisprudência existente e contínua face sobre a CSB, dada a diferença de pressupostos e qualificação jurídica-tributária de cada um dos referidos tributos.

Encontrando-se, por isso totalmente excluída a alusão a um “caso estruturalmente semelhante” – para nos referirmos a uma expressão habitualmente utilizada na jurisprudência do TC – na medida em que a jurisprudência já existente e relativa à CSB se projeta sobre pressupostos e realidades totalmente distintos daqueles que agora relevam ao nível do regime que cria o ASSB.

 

Se o legislador com poderes constituintes, em 1997, decidiu prever a existência de três espécies de tributos, foi porque reconheceu serem diferentes. E fez corresponder ao imposto um regime mais exigente ao nível da reserva de lei parlamentar.

 

Mas resultam também diferentes os princípios, materialmente constitucionais, conformadores de cada uma destas espécies tributárias, no que nos interessa, impostos e contribuições financeiras.

 

Mais,

 

O ASSB nem sequer é um tributo acessório da CSB, pois não remete para as normas de incidência desta. O ASSB é um tributo completo, pois a Lei que o criou prevê todos os seus elementos essenciais, nomeadamente a incidência subjetiva e objetiva. O que acontece é que esta é uma como que uma “duplicação” da CSB, o que mostra bem que o uso do termo “adicional” não obedeceu a qualquer razão técnico-legislativa, mas ao propósito político de atribuir ao ASSB um nome suscetível de “camuflar” a sua natureza jurídica.

 

 

 

III.2- Inconstitucionalidade da incidência subjetiva do ASSB

 

Começando pela incidência subjetiva[3] temos, sumariamente, que são sujeitos passivos do ASSB as instituições de crédito, sejam as sedeadas em Portugal, sejam filiais e sucursais de não residentes sitas no nosso país.

 

Da leitura da norma de incidência pessoal (subjetiva) deste imposto, resulta claro que apenas as instituições de crédito, ou seja, apenas um sector das empresas (pessoas coletivas) com fins lucrativos, são sujeitos passivos deste imposto.

 

Mais, o carácter sectorial da incidência subjetiva deste imposto não oferece dúvidas, pois é expressamente afirmado pelo legislador: O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores (artº 2 do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho).

Em nosso entender, a expressa previsão, pela revisão constitucional de 1987, da figura das contribuições financeiras decorreu do reconhecimento da necessidade da existência de tributos sectoriais que, antes, estariam feridos de inconstitucionalidade, pois este tipo de tributos não preenche nem as caraterísticas próprias das taxas nem as dos impostos. O mesmo é dizer que entendemos que, à luz da nossa Constituição, os únicos tributos sectoriais admissíveis são as contribuições financeiras.

O certo é que a caraterística generalidade é, pacificamente, aceite pela jurisprudência, e pela doutrina, como essencial a um imposto: O dever de os cidadãos pagarem impostos constitui uma obrigação pública com assento constitucional. Como tal, está sujeito a algumas regras equivalentes às dos direitos fundamentais, designadamente os princípios da generalidade e da igualdade, ou seja, de que devem estar sujeitos ao seu pagamento os cidadãos em geral (artigo 12º, n.º 1), e devem estar sujeitos a ele em idêntica medida, sem qualquer discriminação indevida (artigo 13º, n.º 2), isto constituído o princípio da igualdade tributária.” (acórdão TC n.º 348/97, de 29-04-1997) [sublinhados nossos].

No caso do ASSB, a idêntica medida que este imposto visa tributar são as “realidades” enumeradas no art. 3º do anexo VI da Lei n.º 27-A/2020. Ora, podemos assumir - cremos que incontestavelmente - que existem outros contribuintes detentores dos mesmos índices de capacidade contributiva (assumindo, por mera disciplina de raciocínio, que as “realidades “que constituem a base de incidência do ASSB podem ser entendidas como constituindo índices de capacidade contributiva), os quais não resultam tributados neste imposto.

 

Com o TC, no acórdão nº 695/2014, de 15 de outubro, diremos: Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (nestes precisos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2010) [sublinhados nossos].

 

Parece-nos manifesto que, em razão do que antes ficou dito, a definição legal da incidência subjetiva do ASSB não cumpre com a exigência de constitucional de generalidade, o mesmo é dizer, viola o princípio constitucional da igualdade tributária.

 

Da incidência subjetiva deste imposto resulta que o sector bancário é vítima de uma discriminação negativa face aos restantes sectores de atividade económica, o que é patente e não tem a menor justificação ou fundamento que o possa sustentar. Exige-se mais um imposto ao sector bancário para o financiamento da Segurança Social, mediante a consignação da receita do ASSB ao FEFSS, como se este sector da atividade económica estivesse em alguma situação de vantagem em sede das contribuições (contribuições das entidades bancárias e cotizações dos seus trabalhadores) ou tivesse algum especial dever de financiar a Segurança Social.

 

III.3- As “justificações” para a criação deste imposto

Prosseguindo, talvez desnecessariamente, mas no respeito pelo contraditório, analisemos a contra-argumentação da Requerente: sumariamente, sustenta, louvando-se no legislador, que o ASSB visa realizar a igualdade dos contribuintes relativamente ao dever de pagar impostos, visa ser a forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.

 

Não iremos, por o considerarmos desnecessário, entrar no debate sobre se o sector bancário se encontra ou não numa situação de privilégio, relativamente ao IVA, de onde decorreria ser a sua carga fiscal inferior à de outros sectores (vg. os também isentos). Apenas faremos algumas observações, das quais, adiante, retiraremos a consequência que se parece impor:

-      É sabido que, pelo menos em alguns casos, uma isenção num estádio intermédio (as operações bancárias isentas não acontecem, necessariamente, com consumidores finais) beneficie os sujeitos passivos por ela abrangidos, pelo que resulta algo incompreensivo que, diferentemente do que acontece com outras isenções incompletas em IVA, não seja renunciável.

-      A isenção de IVA não constitui um “benefício” para os prestadores de serviços ou transmitentes de bens, antes lhes impondo um encargo por via da irrecuperabilidade (não dedução) do IVA suportado a montante (independentemente de, em caso de coexistência com atividades não isentas, uma parte do IVA ser recuperável através dos métodos pro rata ou afetação real).

-      A isenção dos serviços e operações financeiras resultou de uma opção meramente técnica, resultante das dificuldades práticas de aplicação do sistema IVA a este sector (estão em causa os chamados hard-to-tax goods). Por esta razão, a isenção de IVA é contrabalançada pela existência de outro imposto, o Imposto do Selo, cujo campo de incidência abrange grande parte de as operações e serviços, praticados pelas instituições bancárias.

Relembremos o  ac. do TC nº 694/2014: O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adotar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.

 

Naturalmente que este tribunal arbitral, no exercício do seu poder de controlo difuso da constitucionalidade das normas, não pode deixar de seguir esta orientação.

 

Mas, mais uma questão de “arbítrio legislativo”, entendemos que a solução legal (criação do ASSB) para resolver as questões apontadas como seu fundamento (isenção de IVA no sector bancário) sempre deveria ser recusada também por manifesta violação do princípio da proporcionalidade.

 

Com João Félix Nogueira[4], a propósito do elemento necessidade enquanto um dos “crivos” do controlo da proporcionalidade[5]: O método da escolha pessoal (personal decision making) pode ser facilmente transponível para o campo normativo. Neste exige-se que o poder público, tendo à sua disposição várias alternativas para a prossecução de um determinado fim, opte por aquela que seja menos lesiva das esferas jurídicas dos particulares.

 

Julgamos que mesmo aceitando - por mera disciplina de raciocínio - existir uma situação de desigualdade fiscal entre as instituições de crédito e a generalidade das demais empresas, derivada da existência de uma isenção de IVA relativa à maioria das operações económicas praticadas pelas primeiras, o “caminho lógico”, espelho da proporcionalidade legislativa, seria o de agravar a tributação das operações bancárias sujeitas a Imposto do Selo.

 

A criação de um outro imposto, incidindo objetivamente sobre realidade diversa que não as transações efetuadas, e, subjetivamente, apenas sobre as instituições de crédito não pode deixar de ser qualificada por este tribunal como sendo uma solução legislativa arbitrária, totalmente desproporcionada relativamente à prossecução do fim que o legislador afirma que com ela pretendeu obter (reforço do financiamento da Segurança Social).

 

No contexto descrito, não é possível encontrar outra razão de ser para a incidência subjetiva do ASSB que não a consideração, pelo legislador, de ser uma forma viável de obtenção de mais receita. Ou seja, que apenas o interesse fazendário determinou a criação de um novo imposto que, mesmo após pesadas as razões determinantes da sua criação, resulta inconstitucional, desde logo quanto à sua incidência subjetiva, porque sectorial.

Ou seja, a opção legislativa sempre deveria ser havida por inconstitucional por desproporcionada (no dizer da nossa jurisprudência constitucional, por configurar um arbítrio legislativo).

 

III.4- Norma cuja inconstitucionalidade foi arguida

Por último: A Requerente não identifica, em concreto a norma do ASSB que considera inconstitucionais por violação do princípio da igualdade na sua dimensão de generalidade.

Ora o controlo, mesmo difuso, da constitucionalidade refere-se a normas e não à globalidade de um normativo, no caso da disciplina legal do ASSB.

Considerando o passo, já acima transcrito do requerimento inicial (ao impor ao setor financeiro, por via do ASSB, um ónus acrescido no que respeita ao financiamento do Sistema Previdencial da Segurança Social (por via do FEFSS), que a todos beneficia, sem para tal apresentar qualquer fundamento substancial válido, o legislador fiscal afrontou diretamente o princípio da igualdade na sua vertente de limite de controlo externo à discricionariedade legislativa no campo fiscal, i.e., na sua vertente de proibição do arbítrio) este tribunal arbitral entende estar em condições de suprir tal omissão, o que lhe é lícito fazer[6] considerando que o vício de inconstitucionalidade invocado se refere ao artº 2º do anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, o qual define a incidência subjetiva do ASSB.

Tendo este tribunal arbitral concluído pela inconstitucionalidade da norma em que se funda a exigência de pagamento do ASSB pela Requerente, atenta a sua qualidade de instituição financeira, há que concluir pela anulação total dos atos tributários impugnados.

 

III.4- Questões cujo conhecimento ficou prejudicado

Tendo a Requerente obtido total ganho de causa em razão de este tribunal arbitral ter considerado procedente o primeiro vício por ela invocado, fica prejudicado, por desnecessário, o conhecimento dos demais vícios por ela alegados.

 

IV- Juros indemnizatórios

A Requerida peticionou, também, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, ao que esta se opôs alegando a inexistência de erro imputável aos serviços pois, mesmo na hipótese de reconhecer o bem fundado das alegação daquela, nada poderia fazer, se não decidir como decidiu em sede de reclamação graciosa, por não ter competência legal para proceder ao controlo da constitucionalidade do direito ordinário vigente.

A questão, antes controvertida, está hoje expressamente resolvida pelo artigo 43.º da LGT, segundo o qual são também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (Aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro).

 

Procede, portanto, este pedido da Requerente, tendo esta direito, para além do reembolso do montante de imposto indevidamente pago, a juros indemnizatórios em montante a ser oficiosamente apurado em execução de sentença.

 

V -Decisão Arbitral

- Declara-se a inconstitucionalidade do artº 2 do anexo VI a que se refere o art. 18º da Lei n.º 27-A/2020, o qual define a incidência subjetiva do ASSB, por violação do princípio da igualdade tributária, na sua dimensão de exigência de generalidade dos impostos e violação do princípio da proporcionalidade legislativa.

- Consequentemente, anulam-se, na totalidade, as liquidações impugnadas, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

- Condena-se a Requerida, em execução de sentença, na devolução do montante do imposto indevidamente, pago acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos.

 

VI - Notificação do Ministério Público

 

Notifique-se Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul, para efeitos de recurso obrigatório para o TC (art. 72º, nº 3, da LOTC).

Valor: Fixa-se em € 343.659,79 o valor da causa.

Custas arbitrais, no valor de € 5.814,00 pela Requerida, dada a total procedência dos pedidos formulados pela Requerente.

 

25 de abril de 2023

 

Os árbitros,

 

 

Rui Duarte Morais (relator)

 

 

 

Rui Miguel Zeferino Ferreira

 


 

José Luís Ferreira

 



[1] Rigorosamente, um adicionamento, uma vez que o ASSB incide sobre a matéria coletável da CSB e não sobre a coleta desta.

[2] FILIPE VASCONCELOS FERNANDES, O (Imposto) Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário” AAFDL Editora, 2020, pág., obra em que (também) a Requerente, em larga medida, se louva.

[3] Artigo 2.º do anexo VI a que se refere o art. 18º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho

Incidência subjetiva

1 - São sujeitos passivos do adicional de solidariedade sobre o setor bancário:
a) As instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português;
b) As filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português;

c) As sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se instituições de crédito, filiais e sucursais as definidas, respetivamente, nas alíneas u), w) e ll) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.

 

[4] JOÃO FÉLIX NOGUEIRA, O Paradigma da Proporcionalidade, Wolters Kluwer (Coimbra Editora), 2010, pág. 120.

[5] Sobre o controlo da proporcionalidade de “medidas legislativas”, ibidem, pág. 94.

[6] JORGE MIRANDA, «O regime de fiscalização concreta da constitucionalidade em Portugal», acessível em https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/1119-2440.pdf , pág. 6.