Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 732/2022-T
Data da decisão: 2023-09-11  IRS  
Valor do pedido: € 28.010,16
Tema: IRS- mais – valias imobiliárias- exclusão da tributação . dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar prevista no nº 5 do art. 10º do CIRS- meios de prova desse requisito.
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Sumário:

1-Para efeitos da aplicação da norma de exclusão tributária do  nº 5 do art. 10º do CIRS, apenas se consideram destinados a habitação os bens imóveis licenciados para essa finalidade, com consequente aplicação do coeficiente de afetação   de 1.00, referido no art. 41º do CIMI, ou, não estando licenciados, os bens imóveis que tiverem por fim normal a habitação.

2-Fora do âmbito de aplicação dessa norma figuram, assim, os prédios urbanos licenciados para  fins  comerciais, industriais e para serviços, os terrenos para construção e os prédios  outros, referidos no nº 1 do art. 6º daquele Código, ainda que efetivamente utilizados para fins habitacionais, bem como os prédios não licenciados para qualquer utilização e cujo fim normal , de acordo com critérios objetivos  , não seja a habitação, mas de outra natureza.

3- É relevante, assim , para efeitos de aplicação dessa norma a utilização  licenciada pelo município competente e não, independentemente da utilização prevista,  a utilização efetiva do imóvel, ainda quando testemunhalmente justificada.

4- - O domicílio fiscal dos contribuintes  é apurado de acordo com o método declarativo, a partir dos dados transmitidos por cada  contribuinte, por escrito ou verbalmente , nos termos do nº 1 do art. 2º do DL nº 463/79, de 30/11,  e do nº 1 do art. 7º  do DL nº 14/2013, de 28/1 e subsequentemente inscritos no registo nacional   organizado e mantido pela administração tributária.

5- O dever de atualização do domicílio fiscal no registo de contribuintes visa , não  apenas garantir um eficaz ponto  de contato entre o contribuinte e a administração fiscal, tornando mais cómodo o cumprimento por este das suas obrigações acessórias,   mas é também um meio de controlo dos pressupostos de um conjunto de  regimes fiscais de natureza especial previstos na lei interna e  nos acordos de dupla tributação internacional vinculativos do Estado português , sendo  consequentemente uma garantia , entre outras , do cumprimento do  princípio da igualdade tributária e do combate à evasão fiscal.

6 – Nessa medida, a elisão da  presunção da alínea a) do  nº 1 do art. 19º da LGT depende da alegação e prova, nos prazos de reclamação graciosa ou  impugnação judicial.   de indícios sérios e consistentes, conjugados com outros meios de prova,  da utilização dos imóveis para habitação própria e permanente do sujeito passivo do IRS e seu agregado familiar, que não se verificam sempre que o imóvel seja licenciado apenas para outras atividades e não para habitação.

 

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DECISÃO ARBITRAL

                                                           I – Relatório

 

  1. Requerente

A..., contribuinte nº..., Primeira Requerente, e B..., segundo Requerente, contribuinte nº...,   residentes na rua ..., nº ..., ..., ...-... ..., concelho de Mafra,  ambos de nacionalidade alemã,  casados na Alemanha em regime de comunhão geral de bens,  equivalente ao regime de comunhão de bens definido no art. 1.732º do Código Civil(CC) .

 

  1. Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

 

3- Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral.

 

3.1. O pedido de pronúncia arbitral (PI) foi apresentado em  30/11/22 e aceite no mesmo dia, nos termos regulamentares aplicáveis, tendo os  Requerentes optado pela não designação de árbitro.

 

3.2. A 6/12/2022, o pedido seria notificado  à AT.

 

3.3- A 7/12/2022, a AR designaria para a representarem no processo as juristas C... e D... .

 

3.4. A 19/1/2023, o presidente do Conselho Deontológico do CAAD designaria, no âmbito do presente processo arbitral,  como árbitro singular, o jurista  António Barros Lima Guerreiro; 

 

3.5 A 6/2/2023; o Presidente do CAAD, nos termos do nº 7 do art. 11º do RJAT, comunicaria às partes a constituição do Tribunal Arbitral;

 

3.6. Nesse dia, nos termos do art. 17º do RJAT, o Tribunal Arbitral notificaria a AT para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, requerer prova adicional, caso entenda, e juntar o Processo Administrativo  (PA).

 

3.7. A 7/3 /2023, a Requerida apresentou a sua Resposta, não tendo  remetido conjuntamente, no entanto, o PA .

 

3.8- Tal Resposta seria notificada ao Requerente e à Requerida a 8/3/2023.

 

3.9. A  21/3/2023 , o Tribunal Arbitral notificaria à Requerida  para remeter o PA com a possível urgência.

 

3.10- A 3/4/2023, a Requerida remeteria ao Tribunal Arbitral o PA, que . nesse dia, seria notificado aos Requerentes.

 

3.11. A 4/4/2023, o Tribunal Arbitral solicitaria à Requerida que completasse o PA, com a cópia do teor da inscrição matricial do prédio em causa que comprovasse  a sua invocada  afetação  a “comércio e serviços em construção tipo industrial”, bem como da ficha de avaliação de 26/12/2018, resultante da apresentação da Declaração modelo 1, relativa a “prédio melhorado/modificado/reconstruído”, a que se refere a Resposta apresentada.

 

3.12.  A 5/4/2023, a Requerida entregaria a documentação solicitada.

 

3.13. A 23 /4/2023,  o Tribunal Arbitral notificaria os Requerentes para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem sobre a documentação junta pela Requerida.

 

3.14-  Esse  despacho seria notificado no dia 24 seguinte.

 

3.15- Os Requerentes pronunciaram-se sobre essa documentação a 11/5/2023.

 

4. Pedido

 

Os    Requerentes pretendem a anulação do ato de liquidação  do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) nº 2022..., de 22/6/2022, no montante de € 28.010, 16, efetuada com base na Declaração modelo 3 de IRS :

 

Requerem consequentemente   o  reembolso do imposto indevidamente liquidado, acrescido  dos respetivos juros indemnizatórios

 

5 – Posição dos Requerentes.

 

Segundo os  Requerentes, a liquidação impugnada viola a norma de exclusão tributária do nº 5 do art. 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares( CIRS).

 

Com efeito, essa norma do CIRS exclui  da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação.

O prédio vendido destinar-se-ia a habitação própria e permanente do seu proprietário e o produto da venda teria sido reinvestido no prazo legal, pelos Requerentes, em nova habitação própria permanente, pelo que se  teriam verificado os pressupostos de aplicação dessa norma de exclusão tributária.

Admitem os Requerentes a construção em causa não estar licenciada para fins de habitação nem   o destino normal  à habitação constar da  sua inscrição matricial, enquadramento, no entanto,  que os Requerentes pretendiam alterar, estando mesmo prevista para esse fim a melhoria das condições acústicas e do sistema de aquecimento do imóvel

Segundo o  art. 41º da PI na verdade, o requisito exigido pela AT e cujo incumprimento é fundamento da liquidação impugnada  careceria de qualquer  apoio legal. .

Tal destino à habitação resultaria de  essa construção ser a base da vida social e familiar do agregado familiar  dos Requerentes e o local  onde os seus membros passam igualmente  uma parte relevante dos seus tempos de lazer e convívio, independentemente de a construção estar ou não licenciada para habitação, o que resultaria em particular  da documentação fotográfica apresentada, que retrataria momentos da vida familiar do agregado dos Requerentes aí passados.

Para esse efeito,  tais Requerentes invocam tal construção que beneficiaria de plenas condições de habitabilidade, integrar divisões que podem servir de quartos de dormir, quartos de banho,  salas de estar ou cozinha, bem como gerar consumos de água, luz , eletricidade e telecomunicações,  à semelhança de qualquer morada de família, não sendo relevante não estar licenciada para habitação.

Segundo a Requerente, essas instalações são utilizadas pelo  membros do agregado familiar  para pernoitarem, tomarem refeições e receberem  amigos e familiares, bem como para a celebração do Natal, passagem do ano e aniversários .

Essa posição teria enquadramento no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul no proc. 2960/10.4 BELRS, bem como na Decisão Arbitral nº 225/2020-T do CAAD.

Os Requerentes oferecem três testemunhas, uma delas residente no concelho de Mafra, outra no concelho de Cascais e uma terceira no concelho de Lisboa.

Para os Requerentes ,a natureza de habitação própria e permanente não está relacionada com a licença do imóvel.

A natureza de habitação própria e permanente depende, única e exclusivamente, da utilização que lhe é dada pelos proprietários, independentemente do seu licenciamento.

Para esse efeito, os Requerentes carrearam prova suficiente para demonstrar que o imóvel era, de facto, a sua  habitação própria e permanente, cujo valor de venda reinvestiram  integralmente   na aquisição de uma nova habitação própria e permanente, tendo, assim, cumprido adequadamente .os requisitos de que depende a aplicação da norma de exclusão tributária do nº 5 do art. 10º do CIRS.

 

 

5 – Posição da Requerida

 

Começa a Requerida por  corrigir a pronúncia  dos Requerentes no art.  7º da PI , em que é referido que o ato de liquidação em causa foi praticado no pressuposto de  os Requerentes não poderem beneficiar da exclusão de tributação prevista  no  nº 5 do art. 10º do CIRS,

 

Tal  pronúncia  não corresponderia  à realidade dos factos .

 

Com efeito, a liquidação em causa resultou diretamente  da entrega de  primeira  declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2021  a 22/6/2022  efetuada de  acordo com os elementos inscritos pelos Requerentes  no Anexo G e não da posterior declaração de substituição de 31/8/2022, que acabaria por não ser processada.

 

Na liquidação controvertida   foi considerado qualquer reinvestimento do valor de realização, porque os Requerentes não inscreveram quaisquer montantes nos  correspondentes campos 5006 e 5007  do quadro 5 desse   anexo G.

 

Os Requerentes, aliás, reconhecem no art. 11º da PI, que “Inicialmente, por mero lapso, não foi declarada a intenção de reinvestimento dos requerentes, situação de que estes apenas se aperceberam ao serem notificados da liquidação do imposto, em sede de IRS.”.

 

Assim, só após a receção da demonstração de liquidação e nota de cobrança é que os  Requerentes se aperceberam que não tinham inscrito quaisquer montantes nos campos do quadro 5 do anexo G.

 

Por esse facto, em 31/8/2022 , entregaram declaração de substituição, tendo inscrito nos campos 5006 (valor a reinvestir) e 5007 (valor reinvestido nos 24 meses anteriores) desse  quadro  5 do anexo G os montantes de, respetivamente, € 251.272,56  e €  48.000,00 €.

 

A declaração de substituição deu origem a um  normal procedimento de análise e gestão de  divergências com o código P01, por esta ter sido apresentada fora de prazo Tal procedimento terminaria por manter a primeira liquidação, por não se verificarem os pressupostos do processamento da declaração de substituição.

 

Admite  a Requerida a residência própria e permanente traduzir a ligação que uma pessoa  física tem com o local onde habita, reside ou vive e frequenta,  onde se confecionam refeições, se recebem e se confraterniza com amigos, onde se praticam atos de higiene e onde  se dorme, tudo com alguma regularidade.

 

Assim, a aplicação desse nº 5 do art. 10º do CIRS supõe a existência de condições que façam supor que a habitação, no seu todo, seja mantida e ocupada como residência habitual, que ao Tribunal Arbitral pode conhecer.

 

 No entanto,  no caso presente, o imóvel alienado em 25/5/2021  não  era, nas datas da venda da qual resultaram as mais – valias que originaram a liquidação impugnada, bem como na data em que foi apresentada a Declaração modelo 3,   uma habitação , como comprovou o desfecho do referido  procedimento de  gestão de divergências notificado aos Requerentes.

 

Consultada , na verdade, a base de dados do património – matriz predial – confirma-se  que o imóvel (prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ... da freguesia ..., concelho de Mafra), na data da venda, como , aliás , ainda acontece atualmente,  estava  afeto a “comércio e serviços em construção tipo industrial”.

 

Não se põe em causa que os Requerentes possam  ter efetuado as  obras no mencionado imóvel referidas  no art. 16º da PI.

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Aliás, o imóvel foi avaliado em  26/12/2018, por entrega, a 21/12 anterior,  da declaração Mod. 1 do IMI pelos Requerentes, com o motivo “prédio melhorado/modificado/reconstruído”.

 

Nessa declaração os próprios Requerentes indicaram que se tratava de “armazéns e atividade industrial”.

 

Refira-se, também, que na escritura de venda do imóvel, outorgada em  25/10/2021. , as partes identificaram  como objeto da transmissão um   “prédio urbano composto por casa de um pavimento para oficina e logradouro”, sem qualquer menção ao fim da habitação.

 

 Na Cláusula 5ª   vem reafirmado pelos intervenientes na escritura  o imóvel transmitido  se destinar a “armazéns e atividade industrial”.

 

Também a fatura da água (emitida pelo  SMAS do concelho de Mafra) se refere ao imóvel como “armazém”.

 

Logo , é inevitável a  conclusão de  que o imóvel alienado não estava habilitado a quando da transmissão  para ser a habitação própria e permanente dos Requerentes.

 

Não tendo o imóvel  vendido essa afetação habitacional , os ganhos com a  sua transmissão  não são passíveis de de reinvestimento nos termos do disposto no artigo 5º do art, 10º do  CIRS, face ao incumprimento de, pelo menos,  um dos requisitos aí exigidos: o destino a habitação do imóvel cuja transmissão originou as referidas mais- valias .

 

Por outro lado, no art. 60º da PI , os Requerentes alegam que “celebraram um acordo com a Autoridade Tributária para proceder ao pagamento de modo faseado, constituindo uma hipoteca voluntária”, garantindo essa obrigação .

 

Ora, não resulta do alegado pelos Requerentes, nem dos documentos juntos à petição ,que

estes tenham efetivamente pago quaisquer quantias por conta do imposto, cuja liquidação foi impugnada, ao abrigo do plano prestacional aprovado.

 

Não comprovaram, assim ,  erro imputável aos serviços de que tivesse  resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Quanto à inquirição de testemunhas, a diligência requerida   é dispensável , uma vez dos autos constam elementos documentais suficientes para  a prova dos  factos.

 

Recordam os Requerentes que., sendo a produção de diligências de prova, a que se refere o nº 3 do art. 90º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos  ( CPTA, aplicável ex vi da alínea c) do nº 1 do artigo 29.º, n.º 1, do RJAT)  uma  mera faculdade de que o juiz se pode socorrer, podendo indeferir ou recusar tais diligências  quando claramente  desnecessárias, perante a factualidade anteriormente descrita, não se vislumbra, face aos elementos expostos,  a utilidade da audição das testemunhas arroladas. Com efeito,  a questão controvertida, se, para efeitos do nº 5 do art 10º do IRS, deve ser entendida a utilização efetiva do imóvel e não a utilização autorizada, . é  meramente de direito. No caso de se entender que releva apenas  a utilização autorizada, não tem qualquer interesse a utilização efetiva do imóvel.

 

III. Fundamentação de fato.

1-Factos provados.

 

III. Fundamentação de fato.

1-Factos provados.

 

1-Por escritura pública celebrada a 25/5/2021, pelo preço de € 251.272,55,  os Requerentes já então residentes na rua ..., nº ..., ..., ...-... ..., concelho de Mafra, alienaram, por contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca,  os direitos reais que então detinham sobre prédio urbano, edifício então com a idade de 25 anos,  descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho de Mafra com o nº ..., ...,-..., mencionado como  casa de um pavimento para oficina e logradouro, à Rua ..., freguesia de ...,  e registado a seu favor pela inscrição AP..., de  2014/01/30,figurando na respetiva matriz predial com o nº..., ao qual correspondia  o valor patrimonial tributário de € 92.890,00.

 

2-Desse preço, € 20.714,38  tinham sido pagos a 16/1/2021 a título de sinal e os restantes € 230.558,17  seriam entregues  a quando da escritura de compra e venda .

 

3- Anteriormente a essa venda,  o piso 0  desse  imóvel seria objeto do alvará  de construção nº .../2018, de 24/10/2018, relativo à construção   de arrumos na área de 14,45 m2.

 

4- A utilização desses arrumos seria autorizada pelo alvará nº .../2018 igualmente emitido, como o referido no nº anterior,  pela Câmara Municipal do concelho de Mafra .

 

5-A 21/12/2018, o primeiro Requerente apresentaria a declaração modelo 1 para atualização da inscrição matricial do prédio, a que se refere o nº 1 do art. 13º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis(CIMI), relativa às obras de construção dessa  arrecadação..

 

6- A 9/3/2020, o primeiro Requerente comunicaria  ao chefe do serviço de finanças do concelho de Mafra  para efeitos da atualização da referida inscrição matricial  que, sobre o prédio  inscrito na matriz predial urbana sob  o nº ..., tinha   recaído  o alvará de utilização nº .../2020, de 16/1/2020, de acordo com a  construção autorizada referida a 8, por essa Câmara Municipal .

 

7- Na  transmissão referida a 1, foi  comprador E..., de nacionalidade britânica, nº de identificação fiscal ..., residente a..., ..., EUA.

 

8- Na Cláusula 4ª , as partes declararam a existência do alvará de construção n ..., de 15/7/91, relativo a esse imóvel, bem como do alvará de utilização nº .../2020 já referido, igualmente passados pela Câmara Municipal do concelho de Mafra.

 

9-  Na Cláusula 5ª do contrato as partes declararam o bem vendido destinar-se a armazém e atividade industrial, de harmonia com a licença de utilização referida. 

 

10- A 6/4/2021, os Requerentes adquiriram   a F..., residente na Alemanha e de nacionalidade alemã,  nº de identificação fiscal..., casada em regime de separação total de bens com G..., nº de identificação fiscal ...,  pelo preço de € 48.000, um lote de  terreno sito igualmente em..., freguesia de ..., concelho de Mafra.

 

11- Tal lote de terreno tem o valor patrimonial de € 47.940,00, figurando na Conservatória do Registo Predial do concelho de Mafra   com o nº ... .

 

12- Sobre tal terreno seria emitido o alvará de loteamento nº.../1983, inscrito na respetiva matriz predial através da Apresentação nº..., de 10/4/2015. 

 

13- A 1712/2021,  os Requerentes adquiriram á H..., Ldº.com sede no concelho de Vila Nova de Cerveira, pelo valor de € 196.000,00, fabricante de casas de madeira, os serviços de construção e instalação de uma casa prefabricada que os Requerentes dizem destinada a  ocupar o logradouro da construção,  não se provando a posterior instalação, efetiva ou projetada ,  desse bem   com carácter de permanência em terreno da propriedade dos Requerentes ,  bem como a sua inscrição matricial autónoma nos termos previstos no nº 2 do art. 2º do CIMI. . 

 

14- As mais- valias obtidas pela venda desse imóvel seriam incluídas no Anexo G da Declaração modelo 3 do exercício de 2021, apresentada pelos Requerentes  a 22/6/2021.

 

15- Os Requerentes, nessa Declaração  , não preencheram o  Quadro 5 do Anexo G, não tendo, assim, manifestado nesse documento a   intenção de reinvestimento do valor da realização das mais- valias auferidas na aquisição de imóvel destinado à sua habitação própria e permanente.

16- A 31/8/2021, os Requerentes apresentaram declaração modelo 3 de substituição em que preencheram desta vez o Quadro 5 do Anexo G, inscrevendo  nos campos 5006 (valor a reinvestir) e 5007 (valor reinvestido nos 24 meses anteriores) do quadro  5 do anexo G os montantes de, respetivamente, 251.272,56 € e 48.000,00 €. 

17- A declaração de substituição deu origem, nos termos normais,  a um procedimento de análise e gestão de divergências com o código P01, por ter sido apresentada fora de prazo.

18-No âmbito desse procedimento, foram os Requerentes informados, pela Requerida . do seguinte:

“Em resposta ao solicitado cumpre-me informar em primeiro lugar que sempre que é entregue uma declaração de substituição fora do prazo previsto no artigo 60º do CIRS, é gerado um alerta que informa o contribuinte que como a mesma está a ser entregue fora de prazo terá de ser validada junto do Serviço de Finanças.

Relativamente, à alteração do anexo G, com preenchimento do Q5,  atendendo ao disposto no n.º 5 do artigo 10º do CIRS, apenas há lugar a exclusão de tributação, por reinvestimento, quando se aliena o imóvel de habitação própria e permanente do agregado familiar, para aquisição de outro imóvel para HPP do agregado familiar.

Após consulta ao cadastro predial, verifica-se que o imóvel alienado, com o artigo matricial ... da freguesia de ..., concelho de Mafra, a sua afetação é de Comércio e serviços em construção tipo industrial, e não de habitação, pelo que não se irá proceder à validação da declaração de substituição.”.

19- Por esse facto, após o  encerramento do procedimento de análise e gestão de divergências , devidamente  comunicado aos Requerentes essa declaração de substituição seria enquadrada como “Declaração Não Liquidável”, com a consequente impossibilidade de consideração do reinvestimento, mantendo-se, assim, sem qualquer modificação, a primeira liquidação, de acordo com os elementos constantes do anexo G

20-Por falta de pagamento no prazo legal dessa obrigação de IRS, o serviço de finanças do concelho de Mafra instauraria o processo de execução fiscal nº ... 2022... .

21- A 21/10/2022, a primeira requerente, nos termos do art. 196º. dos nºs 1 , 2 e 9 do art. 199ºe do nº 2 do art. 197 do Código de Procedimento e de Processo Tributário(CPPT)   requereria o pagamento integral da dívida de imposto em 12 prestações mensais, oferecendo como garantia o prédio urbano com o nº de inscrição matricial sito na freguesia do ..., concelho de Mafra, com o valor patrimonial tributário de € 99.184,55, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra com o n  ... e com o nº inscrição  matricial de ..., afeto a oficina de reparação de automóveis, arrecadação e escritórios.

22- No mesmo dia, o chefe do serviço de finanças adjunto , por delegação do chefe do serviço de finanças,  deferiria o pedido com fundamento  na idoneidade dessa garantia.

23- A 8/1/2022, no Cartório ..., à Rua..., ..., seria celebrada a referida escritura de constituição voluntária de hipoteca, junta aos autos pelos Requerentes.

24- O imóvel em causa,  cuja alienação gerou as mencionadas mais- valias, sem prejuízo de poder ser utilizado pelos Requerentes em atividades de caráter social ou familiar, como as que os Requerentes  fotografaram  e juntaram ao processo. continua a  não estar  licenciado para habitação, mas para atividades industriais e prestações de serviços, não estando, assim, inscrito na matriz como prédio habitacional .

25- Tal imóvel gerou consumos de água , eletricidade e telecomunicações em nome do primeiro Requerente e aos consumos de água aplicou-se  a tarifa Não Doméstico, abrangendo apenas  os  clientes do tipo comercial. .

26- Não se provou qualquer indício objetivo   de os Requerentes, no período da  detenção desse imóvel,  terem planeado a alteração do  seu licenciamento.

27- Também não se provou que o imóvel em causa , de acordo com a sua morfologia , tivesse como destino normal  a habitação.

28- Os Requerentes não invocaram qualquer razão  para o local em que dizem ter efetivamente residido a quando dos factos em avaliação não coincidir com o domicílio fiscal declarado à administração fiscal ,  que consta do seu Cartão do Cidadão  , em edifício habitacional sito também no concelho de Mafra.

29- Não ficou provado que os Requerentes tivessem requerido e aproveitado dos benefícios fiscais previstos no art. 46º do Estatuto dos Benefícios Fiscais(EBF), aplicável aos prédios adquiridos , construídos ou ampliados para habitação própria e permanente dos proprietários.

30- A 12/7/2023, o Tribunal Arbitral solicitaria  aos Requerentes  para que, no prazo de 10 dias,  especificassem  concreta e individualizadamente os fatos sobre os quais pretendem  que deponham as testemunhas apresentadas, bem como as relações destas com esses factos ,que justifiquem a necessidade da sua audição. Chamaria  igualmente a sua atenção para a obrigação do pagamento da taxa de justiça  subsequente, nos termos regulamentares  aplicáveis.  Essa documentação não foi

 

2- Factos não provados

Não se consideram provados quaisquer outros factos relevantes para o conhecimento da causa não referidos a 1.

3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do art.º 607.º do Código de Processo Civil – CPC - aplicáveis “ex vi” alíneas a) e e) do nº 1 do art.º 29º do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. n.º 1 do art.º 511.º do CPC, correspondente ao atual art.º 596.º, aplicável “ex vi” da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.ºdo RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do art.º 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

2.Factos não provados

Não se consideram provados quaisquer outros factos relevantes para o conhecimento da causa não referidos a 1.

3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do art.º 607.º do Código de Processo Civil – CPC - aplicáveis “ex vi” alíneas a) e e) do nº 1 do art.º 29º do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. n.º 1 do art.º 511.º do CPC, correspondente ao atual art.º 596.º, aplicável “ex vi” da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.ºdo RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do art.º 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

V. Decisão

Nos termos do nº 1 do art. 6º do CIMI, os prédios urbanos dividem-se em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros. Para esse efeito, segundo o art. 4º, prédio urbano  é  definido residualmente como toda a fração de território , incluindo edifícios e construções nele incluídas, que,  cabendo no  conceito de prédio do nº 1 dessa norma legal  ,  no entanto, não deva ser classificada   como prédio rústico. Essas definições  não são de aplicação exclusiva ao IMI, sendo comuns a todo o ordenamento jurídico- tributário, incluindo para efeitos de IRS, dada a inexistência no CIRS de qualquer definição específica de prédio urbano ou rústico.

 

Segundo o subsequente  nº 2,, habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para essas finalidades licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal qualquer  destes fins.

 

No caso de licenciamento dos prédios para esses  fins, o legislador seguiu , assim, um critério formal: a classificação de cada prédio depende da utilização licenciada e não da utilização efetiva.

 

Assim, no tocante aos prédios urbanos especificados como habitacionais, comerciais, industriais ou destinados à prestação de serviços , releva em primeira linha para a classificação como prédio habitacional ,  o conteúdo da respetiva licença de utilização emitida pela entidade competente, independentemente da concreta ou efetiva utilização do imóvel( Ofício- Circulado nº 40.087, de 27/6/2006, da Direção de Serviços de Avaliações da DGCI).

 

O critério da afetação efetiva do prédio apenas deve ser  tido em conta para efeitos do seu enquadramento em uma das várias categorias possíveis de prédios urbanos  quando, relativamente ao imóvel,  não tiver sido emitida licença de utilização.

 

Assim, é entendido o prédio urbano licenciado para o exercício do comércio ou indústria, ainda que na realidade afeto à habitação, dever ser enquadrado e avaliado de acordo com as regras aplicáveis aos prédios destinados a esses fins e não a habitação.

 

Do mesmo modo, o prédio licenciado para habitação não deixa de ser enquadrado e avaliado  para efeitos de IMI, de acordo  as regras aplicáveis aos prédios habitacionais, ainda que  efetivamente estiver afeto a uma atividade comercial ou industrial (“Tributação do Património “ , António Santos Rocha e Eduardo José Martins , Coimbra, 2015, pg. 157).  

Por outro lado, segundo esse critério, uma construção  em espaço onde seja legalmente vedada, por  inexistência de qualquer licenciamento, não deixa, por isso, de ser considerada prédio urbano com destino a habitação caso, de acordo com as  caraterísticas físicas do bem ,  seja essa a sua utilização funcional  normal.

Assim, o coeficiente de afetação definido no art. 41º do CIMI, a aplicar a cada área dos prédios urbanos,  varia em função do tipo   de utilização autorizado e não em função da utilização efetiva (em particular,  1,20 para o comércio, 1,10 para os serviços, 1,00 para a habitação, 0,60 para armazéns e atividade industrial, 0,80 para o comércio e serviços em construção do tipo industrial e 0,35 para arrecadações e arrumos)  e não da utilização efetiva.

A licença de utilização, também conhecida por alvará de utilização, é um documento que atesta que um determinado imóvel cumpre as condições para o fim a que se destina. A emissão deste documento é da responsabilidade da Câmara Municipal da área de localização do imóvel, , em princípio, depois de fazer uma vistoria para inspecionar e certificar  essas mesmas condições.

Assim, a licença de utilização atesta que o imóvel pode ser utilizado para um de dois  tipos de fins: habitacionais ou não habitacionais (comércio, serviços ou indústria). Para o efeito, são avaliados pela entidade licenciadora  os seguintes fatores:

-Conformidade da obra com os projetos aprovados pelas entidades competentes;

-Conformidade da utilização com as normas legais e regulamentares em vigor (como, por exemplo, segurança contra riscos de incêndio, salubridade, entre outros);

-Adequação do imóvel para o fim pretendido.

A  licença de utilização distingue-se da  licença  de habitabilidade. Ambas são emitidas pela Câmara Municipal, mas a primeira licença  atesta apenas o tipo de utilização permitida, ou seja, legalmente possível, , ao passo que a segunda licença  certifica a  concreta habitabilidade do imóvel., ou  seja, se o edifício construído  reúne as condições de comodidade,  segurança, salubridade e outras necessárias para ser habitado.

O  alvará de utilização nº .../2020 que integra o Facto Provado 6 prevê um único tipo possível  de utilização do prédio em causa, Oficina de Artes mais arrumos, que, como evidencia a Declaração modelo 1 apresentada para efeitos de IMI, , inclui apenas   o comércio e serviços em construção tipo industrial. 

.

Tal alvará não prevê qualquer outro tipo de utilização para esse imóvel, em especial a utilização para habitação, nem muito menos os Requerentes provaram a câmara municipal do concelho de Mafra ter certificado a qualquer título  a sua habitabilidade.

 

O licenciamento requerido e obtido pelos Requerentes foi ,assim. apenas para comércio e serviços em construção do tipo industrial.

 

Assim, ainda que fosse demonstrada essa  utilização, normal ou efetiva,  para habitação , por prova documental, testemunhal ou qualquer outro meio  consagrado na lei, ela não influenciaria a caracterização do prédio como não habitacional para efeitos de IMI,  em virtude de este estar somente  licenciado   para comércio e serviços em construção do tipo industrial e não  para habitação.

 

Para efeitos da exclusão tributária do nº 5 do art. 10º do CIRS,  cujos conceitos, nos termos do nº 2 do art. 11º da LGT, não são extrajurídicos, mas devem ser interpretados  no termo da legislação civil(Acórdão do STA de 22/11/2017, proc. 0384/269), releva, reitera-se .  a  afetação prevista do imóvel, no sentido de afetação autorizada,  e não a afetação efetiva. .

O facto de o prédio se destinar a habitação própria e permanente do proprietário apenas teria relevância se tivesse sido   previamente licenciado para habitação ou, não tendo sido objeto de prévio  licenciamento para qualquer finalidade legal, o seu destino normal, indiciado pelas suas caraterísticas físicas, fosse a habitação, circunstância  que os Requerentes não invocaram nem  provaram, nomeadamente através da inscrição dessa finalidade na declaração modelo 1 apresentada para efeitos de IMI..  .

 

Nos termos do  nº 1 do art.. 62º do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação(DL nº 555/99, de 16 /12),  a licença de utilização prevista na alínea e) do n.º 2 do artigo 4.º destina-se a verificar a conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis e a idoneidade do edifício ou sua fração autónoma para o fim a que se destina .

 

Segundo o nº 1 do  art. 74º desse Regime Jurídico, o licenciamento ou autorização das operações urbanísticas é titulado por  alvará, cuja emissão, segundo o nº 2, é  condição de eficácia da licença ou autorização e depende do pagamento das taxas devidas pelo proprietário.

 

Essa alínea e) do nº 2 do art. 4º sujeita, por sua vez, ,  a licenciamento as obras de alteração  dos prédios das quais  resulte a modificação das características físicas de uma edificação existente ou sua fração, designadamente a respetiva estrutura resistente, o número de fogos ou divisões interiores, ou a natureza  e cor dos materiais de revestimento exterior, sem aumento da área de pavimento ou de implantação ou da  cércea. No âmbito da obrigatoriedade de licenciamento, figura a transformação de um prédio habitacional em prédios  para comércio e serviços ou inversamente. 

 

O alvará de utilização nº .../2020 referido, emitido ao abrigo das disposições legais citadas e conforme o Facto Provado nº 6,    prevê um único tipo de utilização do prédio em causa, Oficina de Artes mais arrumos, que, como evidencia a Declaração modelo 1 apresentada para efeitos de IMI, , integra o comércio e serviços em construção tipo industrial. 

.

Tal alvará não prevê, repita-se,  qualquer outro tipo de utilização para esse imóvel, em especial o que resulta da afetação habitacional.

 

Tal fim , de acordo com essa licença,  foi  e é comércio e serviços em construção tipo industrial e não a habitação 

 

A caraterização do imóvel como habitacional, não obstante estar licenciado para comércio e serviços em construção do tipo industrial e não para habitação, apenas com fundamento na sua utilização efetiva,  violaria o princípio da legalidade urbanística e a consequente  regra geral  de sujeição a controlo prévio das obras de edificação e urbanização, com vista a garantir o cumprimento pelas mesmas dos instrumentos de  planeamento e das regras técnicas de construção que se destinem a salvaguardar o correto ordenamento do território .

Esse controlo recai nos termos legais sobre o aspeto exterior , a inserção paisagística das edificações e  o uso proposto, habitacional , comercial, industrial ou para serviços. que deve ser adequado à morfologia do imóvel.

 

Os Requerentes não invocam, como fundamento da sua pretensão, o licenciamento do imóvel para habitação ou que o uso proposto seja  a habitação.

 

Limitam-se a oferecer, sem qualquer fundamentação da sua necessidade,   prova   testemunhal  alegadamente comprovativa de os membros do seu agregado familiar, não obstante o licenciamento apenas para comércio e serviços do tipo industrial, regularmente  aí  pernoitarem, tomarem refeições ou receberem amigos ou familiares, o que seria suficiente para o imóvel poder ser qualificado como habitacional. Das testemunhas apresentadas, apenas uma reside no concelho de Mafra: as outras duas moram a dezenas de quilómetros de distância desse concelho.

 

A  prova testemunhal oferecida  não é, assim,  conjugada com qualquer tipo de prova documental, incluindo eventualmente atestado da junta de freguesia atestando a residência  dos Requerentes, ao tipo a que se refere o  Ofício – circulado nº 20.183, de 13/6/2016, já que por prova documental não podem ser entendidas simples fotografias dos membros do agregado familiar dos Requerentes  alegadamente no interior da construção que pretendem caraterizar como edifício habitacional, mas que  não tem tais características.

 

Tal uso habitacional  não é, assim, justificado com quaisquer circunstâncias objetivas, mas com fatos da vida privada dos Requerentes aos quais tais testemunhas podem  eventualmente ter tido  acesso, mas que a administração fiscal, por tais fatos não serem públicos,  não poderia ter presenciado.

 

 Tais factos apenas poderiam ser considerados caso tias  testemunhos pudessem ser conjugados, no sentido de corrigidos ou completados, com qualquer tipo de prova documental ou outros indícios objetivos dos factos invocados pelos requerentes, que a administração fiscal pudesse contrariar.

 

A documentação carreada para o processo por estes refere, pelo contrário, o imóvel em causa estar licenciado para fins exclusivamente não habitacionais e aos consumos do imóvel se aplicarem as tarifas dos clientes comerciais(Fato Provado 25) .

 

À luz do critério absurdo invocado pelos Requerentes um edifício para escritórios seria habitacional desde que houvesse testemunhos que  aí vivessem pessoas,  no sentido de dormirem e alimentarem no local, aplicando-se à sua venda a exclusão tributária do nº5 do art. 10º do CIRS .

 

É certo que o  facto de o imóvel ter sido licenciado para habitação, questão prévia de que dependeria sempre  o sucesso da sua pretensão , que não se demonstrou ,não implicaria  obrigatoriamente  que os Requerentes aí tivessem o domicílio fiscal ou residissem com carácter de permanência, ficando, assim, abrangidos pela norma de não sujeição.

 

Esse licenciamento é , no entanto,  apenas uma condição para os Requerentes serem considerados  fiscalmente domiciliados nesse imóvel. Sendo tal licenciamento  uma condição necessária, não é, no entanto, suficiente para  efeito. 

 

Com efeito, para a aplicação desse nº 10 do art. 5º do CIRS não é bastante  o licenciamento para habitação do imóvel, sendo igualmente necessária a efetiva afetação do bem   à habitação regular ou permanente do sujeito passivo , que este deve demonstrar nos termos da lei.  Apenas nesse caso os Requerentes poderiam ser considerados fiscalmente domiciliados no imóvel.

 .

Concede o Tribunal Arbitral que essa afetação a habitação própria e permanente  pode ser .  legalmente presumida a partir do domicílio fiscal que consta do registo nacional dos contribuintes , coincidente ou não   com o domicílio fiscal efetivo.

Na verdade,  a prova do domicílio fiscal é ,em princípio , feita a partir dos dados desse registo nacional ( Acórdão do TCA Sul,  proc. 26481/10.6BELRES, de 27/1/2022).

Os próprios Requerentes admitem , no entanto,  não terem declarado o prédio cuja alienação originou as citadas mais-valias como o seu domicilio fiscal,  para efeitos de inscrição no  registo nacional de contribuintes organizado e mantido pela administração tributária

É certo, na linha das considerações anteriores,   que o fato desse prédio não ser o domicílio fiscal dos Requerentes de acordo com o registo nacional de contribuintes organizado e mantido pela administração tributária não impediria  a aplicação da norma de exclusão tributária do nº 5 do art. 10º do CIRS, caso simultaneamente se verificassem os requisitos do licenciamento  do imóvel  para habitação e fosse a residência permanente dos Requerentes, ou seja, o domicílio fiscal efetivo destes, demonstrado com critérios objetivos e não por mera prova testemunhal.

Com efeito, ,  embora, segundo o nº 12 do art. 13º do CIRS   o domicílio fiscal faça presumir a habitação  permanente do sujeito passivo no imóvel , este  pode, tal aliás como  a administração fiscal,  em igualdade de condições,  apresentar, de acordo com o regime-  regra  de prova legal regulado no art. 350º do Código Civil(CC), de que  não reside permanentemente nesse domicílio fiscal mas noutro imóvel também  destinado a habitação .

Tal prova pode ser apresentada a todo o tempo, sem prejuízo dos prazos  normais de reclamação ou impugnação dos atos tributários. Caso esses prazos já tiverem precludido, a prova do domicílio fiscal tem efeitos apenas “ex nunc”.

Essa é a doutrina em especial dos Acórdãos de 23/11/2011, proc. 0590/11, e de 14/11/2018,  proc. 01077/11.9 BESNT, do STA). A aplicação dessa  doutrina seria estendida às uniões de facto pelo Acórdão  também do STA de 16/11/2016, proc. 0671/15:   . (

Nos termos do  nº 1 do art. 19º da LGT, o domicílio fiscal do sujeito passivo é,  assim. salvo disposição em contrário, para as pessoas singulares, o local da residência habitual e, para as pessoas coletivas, o local da sede ou direção efetiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.

 

Para essa definição remeteria  expressamente o nº 1 do art. 22º do DL n 14/2013, de 18/1, cuja alínea a) do art. 44º revogou globalmente o DL nº 463/79, de 30/11, o qual introduziria em Portugal o  número fiscal de contribuinte.

Ela   corresponde essencialmente, com adaptações de pormenor,   à dada pelo nº 1 do  art. 82º do Código Civil(CC), de acordo com o qual cada  pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; e , se residir alternadamente em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles.

 

O legislador do n 1 do art. 82º do CC  distinguiu , assim, residência habitual da residência permanente: o residente habitual pode residir permanentemente em vários locais, embora apenas um deles possa ser considerado residência habitual.

Ao residente habitual contrapõe-se,  por seu turno , o residente ocasional.

Com efeito, segundo o nº 2 desse art. 82º do CC, , na falta de residência habitual,  a pessoa considera-se domiciliada no lugar da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar.

O domicílio fiscal integra ainda, segundo o nº 2 daquele art.. 19º ,   o domicílio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica.
 

É obrigatória, nos termos da lei, de acordo com o nº 3 do referido art. 19º  da LGT , a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração fiscal.

De acordo com o nºs 4 e 5 do referido art. 19º ,é ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária e,  sempre que se altere o estatuto de residência de um sujeito passivo, este deve comunicar, no prazo de 60 dias, tal alteração à administração tributária., com a consequente atualização em ambos   os casos do registo nacional  de contribuintes organizado  e mantido por esta.

 

A tais nº 4º  e 5º do  art. 19º correspondem respetivamente os nºs 1 e 2 do art. 24º do DL nº 14/2013, de acordo com os quais respetivamente  sempre que se verifique qualquer alteração dos elementos constantes do registo deve o contribuinte, seu representante ou gestor de negócios, comunicar as respetivas alterações à administração fiscal, no prazo de 15 dias a contar da data da ocorrência do facto determinante da alteração, salvo se outro prazo não decorrer expressamente da lei e essa  alteração só produz efeitos a partir da comunicação à Administração Tributária.

Segundo o nº 11 desse art. 19º  , a administração tributária poderá retificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor. 

Essa norma da LGT seria desenvolvida no nº 3 do art. 24º desse DL nº 14/2013.

Segundo esta  disposição,  com efeito,  a administração fiscal  procede à alteração oficiosa dos elementos identificativos constantes no registo, designadamente:

a) Sempre que tenha tomado conhecimento de tais alterações, no âmbito das suas competências ou através da comunicação efetuada nos termos do artigo 28.º;

b) Por meio de decisão judicial;

c) Por erro imputável aos serviços.

Obviamente, essa alteração oficiosa do domicílio fiscal depende de audição prévia do visado nos termos do  nº 1 do art. 60º da LGT

Finalmente, de acordo com o art. 28º, todos os serviços públicos que, no exercício das suas competências, tomem conhecimento de factos suscetíveis de dar lugar à inscrição ou a qualquer atualização cadastral, devem comunicar tais factos à administração fiscal  no prazo de 30 dias para que esta promova a atualização dos seus registos.

Fora dos casos de cumprimento de decisões judiciais , a retificação oficiosa do domicílio fiscal  baseia-se,  assim,  nos dados obtidos no procedimento tributário , ainda que corrigidos quando for apurado  erro imputável aos serviços, e nos elementos obtidos de outras entidades públicas ao abrigo dos deveres de colaboração destas com a administração tributária, incluindo as juntas de freguesia da área da residência dos interessados. Não pode é fundar-se em meros testemunhos de terceiros, obtidos fora do âmbito de qualquer procedimento ou processo tributário.

Do conjunto dessas disposições presume-se, assim, que o contribuinte reside habitualmente, considerando-se, por isso,  fiscalmente domiciliado,  na morada constante do cadastro  organizado e mantido  pela administração tributária, presunção meramente “iuris tantum”, podendo ser elidida pelo interessado por todos os meios admitidos em direito para prova do domicílio fiscal efetivo. 

Para efeitos do disposto no nº 12  anterior,  de acordo com o nº 13 do art. 13º  do CIRS, considera-se que o domicílio fiscal do contribuinte não coincide com o que consta do registo nacional de contribuintes organizado e mantida pela administração tributária quando o contribuinte:

(a) Faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou

b) Faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.
 

A prova dos factos previstos no nº  anterior  prossegue o nº 14,compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios  admitidos por lei, no quadro definido no n 3 do art. 14º do DL nº 14/2013.. (

Compete , por sua vez, à administração fiscal , finaliza o nº 15,  demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados no nº  anterior que tenham sido apresentados pelo interessado   ou das informações neles constantes.

O domicílio fiscal dos contribuintes  é , assim, o que consta do registo nacional de contribuintes organizado e mantido pela administração tributária e é nesse domicílio fiscal que o contribuinte se presume habitualmente residente, sem que tenha de demonstrar  qualquer outro requisito adicional, requisito que deve verificar a quando da entrada e saída do imóvel do seu património.

A intermitência da residência permanente , quando justificada de acordo com critérios objetivos  que a administração fiscal possa controlar , não prejudica necessariamente a aplicação dessa norma do nº 5 do art. 10º do CIRS(Acórdão do TCA  Sul de 2/2/202, proc. 126/115BELRS).

Assim, da residência intercalada em outra morada no período entre a aquisição e a alienação do imóvel  não pode inferir-se necessariamente  que uma interrupção do nexo de ligação-causalidade entre o "imóvel de partida" e o "imóvel de chegada"  impeça o preenchimento da previsão normativa da isenção/exclusão de tributação, como a referida no nº 5 do art. 10º do CIRS,  sempre que a concreta factualidade seja subsumível a uma razoável e plausível situação de vida apreciada casuisticamente (ver Acórdão do.S.T.A. 2ª.Secção, 17/02/2021, rec.164/13.3BEALM).

 

A este propósito constitui jurisprudência fiscal assente( Acórdão do TCA Sul de 27/11/2022, proc. 2648/10.6 BELRS), reafirmado e desenvolvido pelo Acórdão do STA de 3/5/2023, proc.. 05266/14, proc. 9BEBRG:

 

i)«Para que opere a exclusão tributária prevista no n° 5 do art. 10° do CIRS (exclusão da tributação do ganho obtido mediante a alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do  sujeito passivo) a lei impõe que o respetivo ganho seja reinvestido, no prazo de 24 meses, na aquisição de um diferente imóvel e que este também tenha como destino a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar. Para efeitos do disposto neste normativo, o conceito de habitação própria e permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal.

ii) «Estando em causa a interpretação de normas de exclusão de tributação, as mesmas devem ser interpretadas nos seus exatos termos, sem o recurso à analogia e evitando também a interpretação extensiva, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação».
iii) «A exclusão referida só vale pois para as mais-valias de imóveis destinados a habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino.

iv)O imóvel “de partida” e o imóvel “de chegada” têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão de incidência – e mais-valia realizada no imóvel de “partida” será tributável» .

Aplicando ao caso esse  critério, reafirmado e desenvolvido pelo Acórdão do STA de 3/5/2023, proc.. 05266/14, proc. 9BEBRG,  porque  o imóvel “de partida” não se destina a habitação, independentemente de esta ser ou não própria e permanente, situação que se manteve no período entre a sua aquisição e alienação, as mais- valias obtidas não podem aproveitar da exclusão tributária do nº 5 do art. 10º do CIRS.

Essa situação é distinta daquela sobre a qual recaiu o Acórdão do TCA Sul de 11/1/2023, proc.  399/12.6 BESNT, em que o imóvel “de partida”, uma  moradia licenciada ,  se destinava a habitação, colocando-se apenas a questão diferente  de esta ser, ou não, a chamada casa de morada de  família dos impugnantes . Também a situação colocada  não tem similitude, pelo menos direta,  com aquela sobre a qual versou o Acórdão  do TCA Sul de proc. 3172/10.2BERPT, de 2/2/2023, que se fundamentou  na   não coincidência dos conceitos de  domicílio fiscal, entendido como tal o que consta do registo nacional de contribuintes,  e habitação própria permanente e não na prevalência da utilização efetiva do imóvel, ainda que apenas testemunhalmente demonstrada,  sobre a utilização prevista para efeito da aplicação do nº 5   do art. 10º do CIRS.

Solução contrária  pressuporia que o destino  a  habitação pudesse ser determinado, não de acordo com a utilização prevista do imóvel , no sentido de  utilização autorizada,  mas com a utilização efetiva, ainda que não prevista nem autorizada .

Face a esse claro quadro legal, a audição das testemunhas apresentadas pelos Requerentes carece de qualquer utilidade.

Está , com efeito, em causa  a existência ou não de um ato administrativo de autorização da utilização de um imóvel que  necessariamente tem suporte documental e é condição da exclusão tributária do nº 5 do art. 10º do CIRS. .

É certo que a  prova testemunhal , em procedimento tributário  é admitida, nos termos do art. 392º do CC,  subsidiariamente aplicável “ex vi” da alínea d) do art. 2º da LGT,  quando não seja direta ou indiretamente afastada.

O legislador do CC não consagrou, no entanto,  qualquer admissibilidade livre ou irrestrita da prova testemunhal, que derrogaria quaisquer exigências legais de prova documental, bem como qualquer juízo do tribunal sobre a sua adequação aos resultados cuja produção visa alcançar.

 A recusa fundada da prova testemunhal apresentada pelo contribuinte, quando  a administração fiscal a considere impertinente ou desnecessária à luz do interesse público que lhe compete prosseguir,  não apenas não  é incompatível , em princípio, com o direito de acesso aos direitos e aos tribunais. , como a sua produção não pode deixar , em processo tributário , de  ser considerada um ato inútil proibido por lei, sob pena de postergação do interesse público. Mister é apenas que tal recusa seja fundamentada( Decisão Arbitral nº 504/2022-T)

O  Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) nº 681/2006 equacionou nos seguintes termos a conformidade constitucional  da  exclusão da  prova testemunhal no procedimento ou processo tributário- 

“Tendo de operar-se uma ponderação de interesses contrapostos constitucionalmente reconhecidos, há que tomar em consideração que o princípio da proporcionalidade implicará uma solução que admita a produção de prova testemunhal, pelo menos quando esta na situação concreta não se revele contrária às finalidades tidas em vista, competindo então ao juiz avaliar e decidir sobre a oportunidade de admissão de tal meio de prova no caso concreto, considerando, também, os casos em que o recurso à prova testemunhal seja mesmo (como acontece no presente caso) o único meio de conhecer e/ou de comprovar factos e elementos materiais dos quais dependa a subsistência da pretensão da administração tributária de derrogação do dever de sigilo bancário. Noutros casos – pode admitir-se – será já, possivelmente, de recusar fundadamente,  a prova testemunhal apresentada pelo contribuinte, quando a considere impertinente ou desnecessária à luz do interesse público que lhe compete prosseguir. Mas tratar-se-á, sempre, de uma limitação em concreto, e não de uma exclusão absoluta, e em abstrato, de um meio de prova que, repisa-se, pode bem ser o único de que é possível lançar mão no caso concreto para concretização da garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais. Aliás, a eventual falibilidade da prova testemunhal pode ser considerada no âmbito da livre valoração consentida ao julgador. Todavia, não consentir o uso de prova testemunhal não é sempre o mesmo que sugerir o(s) meio(s) de prova mais oportuno(s) ou idóneo(s) sem exclusão dos demais meios de prova no caso concreto, significando antes vedar em abstracto um meio de prova que, em concreto, se pode revelar adequado à aclaração dos factos que fazem parte do objeto do processo especial de derrogação do dever de sigilo bancário, e que pode mesmo ser o único meio de prova disponível. Esta exclusão abstrata excede manifestamente o necessário para a prossecução dos interesses que o levantamento do sigilo bancário visa prosseguir, cerceando uma dimensão que pode ser essencial (o direito à produção de prova) da garantia de acesso ao direito e aos tribunais”

Essa jurisprudência distingue, assim, a proibição em absoluto da prova testemunhal  nos casos em que  outro   meio de prova se mostre  impossível  ou demasiado oneroso, que ofenderia o princípio do acesso à justiça,  da sua proibição relativa com fundamento na inaptidão desse meio de prova para substituir a prova documental legalmente exigida.. .

Apenas seria, assim, à luz dessa jurisprudência,  inconstitucional, por violação do direito à produção de prova e consequentemente da garantia de acesso aos tribunais a norma que , no procedimento tributário, estabelecesse uma interdição total da prova por depoimento, nos casos em que outro meio  de prova, nomeadamente a prova documental,  se mostrasse impossível ou desproporcionadamente oneroso para o onerado com o dever de demonstração dos factos em que pretende basear o seu  direito(  Acórdão do TC nº 759/2021 que, na sequência dos Acórdãos nº s  646/2006, 681/2006, 24/2008 e 22/2013,procederia  à  apreciação e a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante da parte final do n.º 3 do artigo 146.º-B, do CPPT quando aplicável por força do disposto no n.º 8 do artigo 89.º-A da LGT).

É de referir que a função da obrigatoriedade do domicílio fiscal não é apenas  assegurar um eficaz ponto de contrato entre o contribuinte e a administração fiscal,  que  facilitaria as relações entre ambos.

O  domicílio fiscal é igualmente pressuposto do direito do contribuinte aos benefícios fiscais e a outros regimes fiscais de carácter fiscal concedidos em função da residência , como incluindo entre estes os estabelecidos no nº 5 do art. 10º do CIRS, as taxas reduzidas de que podem aproveitar os residentes nas Regiões Autónomas, nos termos do nº 2 do art. 59º da Lei Orgânica nº 2/2013, da 29/9,  a redução do IRS correspondente à   participação variável no IRS prevista no art. 26º da Lei nº 73/2013, de 3/9, da qual os municípios entendam abdicar a favor dos residentes na respetiva área ,  e os benefícios fiscais à interioridade previstos no art. 78º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares(CIRS) e no nº 8 do art. 41º do Estatuto  dos Benefícios Fiscais(EBF). Essa função do domicílio fiscal  obriga o contribuinte à prova , de acordo com critérios objetivos, do domicílio fiscal efetivo, nos casos em que este não resulte dos arquivos e outros registos na posse da administração tributária. Apenas neste caso é exigível que a administração fiscal retifique oficiosamente o domicílio fiscal declarado pelo sujeito passivo, circunstância a que se refere o Acórdão do STA de 23/1172011, proc. 0590/11.

A globalização das relações económicas e à resultante mobilidade dos restantes  elementos  de conexão  suscetíveis de desencadear a aplicação das leis tributárias tem conduzido , por outro lado, os legisladores tributários à eleição, em outros impostos  além dos impostos sobre o rendimento,  de fatores de conexão pessoal de muito mais fácil controlo que os meros indícios de circulação de riqueza, em que avulta o  domicílio fiscal.

 

A crescente relevância que vem assumindo o domicílio fiscal resulta também da necessidade de intensificação  da utilização dos mecanismos de  controlo das leis fiscais, tornada especialmente necessária em virtude do desenvolvimento da concessão de benefícios fiscais a não residentes visando a captação do capital estrangeiro, que se vem generalizando em vários países da União Europeia, não obstante as medidas que à escala internacional  vêm sendo adotadas em sede de concorrência fiscal prejudicial.. 

 

Também parte do relevo que vem adquirindo a problemática do domicílio fiscal resulta da profusão, já dentro desses Estados, de regimes fiscais excecionais ou especiais associados à residência efetiva do contribuinte, instituídos genericamente com a função de impulsionar o desenvolvimento  de economias periféricas.

 

Ainda que se considere a presunção do nº 1 do art. 19º da LGT meramente “juris tantum”, a sua elisão não pode contrariar a força probatória dos registos e arquivos da administração fiscal, como os Requerentes querem.

 

Da interpretação da lei preconizada pelos Requerentes  resultaria igualmente qualquer imóvel  licenciado para fins  não habitacionais, do contribuinte poder abusivamente  aproveitar da tutela conferida pelo legislador à casa de morada de família,  no  nº 2 do art. 244º do CPPT e em legislação avulsa, bastando-lhe apresentar testemunhas de que aí pernoita ,   para evitar a sua penhora.

 

Ainda que as testemunhas arroladas depusessem no sentido da valoração dos factos invocados pelos Requerentes, a anulação da liquidação com esse fundamento constituiria notório erro de julgamento.

A  morada fiscal online dos Requerentes  poderia , aliás, ser livremente alterada no Portal das Finanças, caso o contribuinte não possuíssse  Cartão de Cidadão,  no Portal do Cidadão, ou presencialmente, num dos balcões de atendimento do Instituto dos Registos e do Notariado (INR), ou num dos balcões das Lojas do Cidadão e dos Espaços do Cidadão que disponibilizam este serviço, o que o Requerentes não fizeram, impedindo, dada a ausência de qualquer suporte documental dos factos que alegam ,qualquer controlo eficaz da norma de não sujeição do º 5 do art. 10º do CIRS., pelo que o procedimento da administração fiscal não suscita qualquer  reparo. .

 

Termos em que, o Tribunal decide:

 

-Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, incluindo o de pagamento de juros indemnizatórios,  e, em consequência, manter na ordem jurídica a liquidação impugnada , no montante total de  € 28.010

- Condenar os Requerentes nas custas do processo, dada a improcedência total do pedido.~

 

VI – VALOR

 

 

Fixa-se o valor do processo em   € 28.010,16, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 97º-A do CPPT, aplicável ex vi as alíneas a) e b) do art.º 29º do RJAT e do n.º 2 do art.º 3º do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII – CUSTAS

Fixa-se em €  1.530,00 (mil e quinhentos e trinta  euros)  o valor das custas, a cargo dos Requerentes, nos termos dos nºs 1 e 5 do art. 4º  I                                                                                                                                                          do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa..

 

 

 

Lisboa, 11 de Setembro   de 2023

 

O árbitro singular

 

(António de Barros Lima Guerreiro)