Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 723/2022-T
Data da decisão: 2023-05-20  IRS  
Valor do pedido: € 658.331,76
Tema: IRS – Insolvência do sujeito passivo. Caducidade da procuração forense. Absolvição da instância por falta de constituição de advogado.
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SUMÁRIO

  1. Não obstante a Requerente ter nomeado advogados e junto procuração forense quando requereu a constituição de tribunal arbitral tributário e apresentou o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente deixou de estar representada pelos mesmos por efeito da sentença judicial que a declarou insolvente (já no decorrer do processo arbitral), vício que não sanou quando notificada pelo Tribunal Arbitral para o efeito.
  2. Nos termos do artigo 41.º do CPC, “Se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determina a sua notificação para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa”.

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dra. Raquel Franco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Tributário no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte:

 

 

  1. RELATÓRIO

A..., LDA., com o NIF/NIPC ... e sede na ..., n.º ..., ...-... Valpaços (“Requerente”), notificada do indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020..., veio, em 28-11-2022, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a) do n.º 1, e n.º 2, do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º do CPPT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) com vista à anulação dos seguintes atos:

  1. Despacho de indeferimento no procedimento de reclamação graciosa n.º ...2020...;
  2. Liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2020..., ano de 2015, no valor de € 658.331,76.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 30-11-2022 e notificado à Requerida.

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 06-02-2023.

Notificada para apresentar Resposta e remeter cópia do processo administrativo, a Requerida apresentou os mesmos em 13-03-2023.

Por despacho de 14-03-2023, o Tribunal Arbitral marcou a reunião do artigo 18.º, n.º 1, do RJAT para o dia 17-05-2023, pelas 15h30, e informou as Partes de que a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente teria lugar na mesma.

Em 27-03-2023, os advogados com procuração junta aos autos informaram o Tribunal de que havia sido proferida sentença de declaração de insolvência da Requerente em 06-02-2023, e juntaram a mesma aos autos.

Por Despacho de 28-03-2023, o Tribunal Arbitral ordenou a notificação do Administrador de Insolvência do seguinte despacho:

“Na sequência do requerimento apresentado pelo Dr. B... e Dr. C... em 28-03-2023, e considerando a Sentença de declaração de insolvência da sociedade A..., Lda., NIF ... (Requerente no processo arbitral tributário n.º 723/2022-T) pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real em 06-02-2023 (junta aos autos), notifique-se a Sra. D..., NIF ...  (por carta registada com aviso de receção para o endereço: ..., ..., ...-... Amadora), para, na qualidade de Administrador de Insolvência da referida sociedade, nomear novos mandatários para efeitos do processo arbitral tributário supra referido e juntar a respetiva procuração aos autos no prazo de 15 dias, sob pena de a Autoridade Tributária e Aduaneira (Requerida) ser absolvida da instância nos termos do artigo 41.º do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).”

Em 27-04-2023, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD determinou a substituição, como árbitro-adjunto, do Dr. Pedro Saraiva Nércio pela Dra. Raquel Franco, que aceitou o encargo no prazo legalmente estabelecido para o efeito.

O Tribunal notificou a Requerida de que a reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT não terá lugar em 17-05-2023.

Até à presente data (20-05-2023), o Administrador de Insolvência não juntou nova procuração aos autos.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, atendo o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

A Requerente não se encontra devidamente representada, por força da articulação das normas legais dos artigos 105.º da LGT, 6.º, n.º 3, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 44.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, 6.º, n.º 1, do CPPT e 40.º do CPC, nos termos das quais a constituição de advogado é obrigatória no presente processo arbitral atendo ao respetivo valor (€ 658.331,76).

Não obstante a Requerente ter nomeado advogados e junto procuração forense quando requereu a constituição de tribunal arbitral tributário e apresentou o PPA (em 28-11-2022), a Requerente deixou de estar representada pelos mesmos por efeito da sentença judicial que a declarou insolvente (em 06-02-2023), vício que não sanou quando notificada pelo Tribunal Arbitral para o efeito.

Senão vejamos.

Prevê o artigo 81.º, n.º 1, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) que “a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência”.  O 110.º do CIRE prevê, especificamente, a caducidade dos contratos de mandato conferidos pelo insolvente, como decorrência da declaração de insolvência. Nos termos do artigo 81.º, n.º 4, do CIRE, “O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência”, o que inclui a representação da entidade insolvente em juízo, tal como resulta expressamente do artigo 85.º, n.º 3, do mesmo diploma: “O administrador da insolvência substitui o insolvente em todas as acções referidas nos números anteriores, independentemente da apensação ao processo de insolvência e do acordo da parte contrária”. Por último cabe referir o disposto no artigo 87.º, n.º 2, do CIRE, relativamente às convenções arbitrais: “Os processos pendentes à data da declaração de insolvência prosseguirão (...) os seus termos”.

No decorrer do processo arbitral, a Requerente foi declarada insolvente pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real (cf. sentença de 06-02-2023 junta aos autos). Foi nomeado Administrador da Insolvência a Sra. D..., NIF -..., com morada na ..., ..., ...-... Amadora.

Tendo o mandato forense conferido aos advogados com procuração junta aos autos caducado, e estando em causa, no presente processo arbitral, matéria que tem caracter patrimonial e económico que interessa à massa insolvente e aos credores da Requerente, o Tribunal notificou o Administrador da Insolvência nomeado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real para nomear novos advogados para efeitos do presente processo arbitral e juntar a respetiva procuração aos autos no prazo de 15 dias, advertindo-o de que a falta de constituição de advogado resultaria na absolvição da instância, nos termos do artigo 41.º do CPC.

O Administrador da Insolvência nada disse.

Assim, resta ao Tribunal Arbitral abster-se de conhecer o pedido de pronúncia arbitral e declarar extinta a instância, por absolvição da Requerida da instância com fundamento na falta de constituição de advogado pela Requerente (exceção dilatória inominada), ao abrigo dos artigos 41.º e 278.º, n.º 1, alínea e), do CPC (aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Cumpre também ao Tribunal condenar a Requerente no pagamento das custas arbitrais, nos termos do artigo 4º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e artigo 527.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

  1.  DECISÃO

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral absolver a Requerida da instância e extinguir a mesma, por falta de constituição de advogado pela Requerente, nos termos dos artigos 41.º e 278.º, n.º 1, alínea e), do CPC (aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1.  VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 658.331,76, correspondente ao valor contestado pela Requerente (conforme indicado no PPA e não contestado pela Requerida).

 

V.  CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em € 9.792,00, a cargo da Requerente em razão do decaimento.

 

Notifique-se.

 

 

 

Lisboa, 20 de maio de 2023

 

A Presidente do Tribunal Arbitral,

 

 

Rita Correia da Cunha

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

A. Sérgio de Matos

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

Raquel Franco