Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 741/2022-T
Data da decisão: 2023-06-26  IRC  
Valor do pedido: € 4.855.056,32
Tema: IRC 2017 - RETGS. Gastos de financiamento. Contrato de Swap de taxas de juro.
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SUMÁRIO: 

 

     I.         O n.º 12 do artigo 67.º do Código do IRC, na redação da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, não considerava como gastos de financiamento líquidos, para efeitos desse artigo, os juros relativos a contratos swap de taxas de juro.

   II.         Não tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira contestado - nem em sede do procedimento administrativo, nem em sede de processo arbitral - quer o imposto (que a Requerente segregou como sendo o correspondente à parte do acto tributário com o qual não se conforma), quer o valor da causa e, considerando o presente Tribunal Arbitral Coletivo que dispõe de elementos suficientes para validar o quantum do excesso de imposto, este decidiu, sem necessidade de diferimento para execução de julgado.

 III.         Em suma, e conforme demonstrado, a não dedutibilidade de juros relativos a contratos swap de taxas de juro, com referência ao grupo fiscal C..., relativo ao exercício de 2017, quando não se encontrava previsto, a essa data, a sua inclusão como gastos de financiamento, para efeitos do disposto no artigo 67.º do CIRC, é ilegal por violação do disposto no n.º 12 desse artigo, na redação dada pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, então vigente. Em face desta ilegalidade, as autoliquidações respeitantes à derrama estadual e municipal de 2017 ficam também e, consequentemente, prejudicadas.

 

 

Os Árbitros Guilherme W. d’Oliveira Martins, Dr. David de Oliveira Silva Nunes Fernandes e Dra. Ana Catarina Guerra Rodrigues Breia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

     I.         RELATÓRIO

A..., UNIPESSOAL LDA., pessoa colectiva n.º..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais sob o mesmo número, com sede social na Rua ... n.º ... – A, piso 0, ...-... Oeiras (doravante designada por “A...”, ou “Requerente”), sociedade dominante de grupo (o Grupo B..., e grupo fiscal C...) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no (na numeração actual) artigo 69.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL e submetendo o presente PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, solicitando: 

a.       Que na sequência do indeferimento expresso do Pedido de Revisão Oficiosa n.º ...2022... seja declarada a ilegalidade e anulação parcial dos atos tributários de liquidação de IRC, Derrama Estadual e Derrama Municipal do exercício fiscal de 2017 no grupo fiscal C..., quanto aos montantes de € 4.108.167,81 (IRC), de € 566.066,34 (Derrama Estadual) e de € 180.822,17 (Derrama Municipal) respetivamente, num total de € 4.855.056,32, com a sua consequente anulação nestas partes e neste total, com todas as consequências legais, designadamente

b.       A Condenação da Autoridade Tributaria e Aduaneira (AT) a reembolsar a Requerente do valor do imposto pago em excesso; 

 

c.       A condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde (inclusive) 30 de Junho de 2023 até ao seu integral reembolso.

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 7 de Dezembro de 2022. 

A Requerente não procedeu à nomeação de arbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 25 de Janeiro de 2023, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. 

O TAC encontra-se, desde 15 de Fevereiro de 2023, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 22 de Março de 2023, defendendo-se por exceção e por impugnação.

A Requerente providenciou a sua resposta às exceções no seu Requerimento datado de 11 de Abril de 2023.  

Por despacho de 18 de Abril de 2023, o TAC ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a matéria de exceção invocada pela Requerida já foi devidamente objeto de contraditório.

 

Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido de Pronúncia Arbitral, quer na Resposta, o TAC dispensou a produção de alegações escritas tendo o processo prosseguido para a prolação da sentença.

 

 II.           DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

III.1    Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

a.     Em 29 de Junho de 2018, a Requerente procedeu à apresentação da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do grupo de sociedades sujeito ao Regime Especial de Grupos de Sociedades (RETGS) de que era sociedade dominante, referente ao exercício de 2017.

b.     Através da entrega daquela declaração, o grupo de sociedades sujeito ao RETGS declarou um resultado fiscal positivo no montante de €58.436.103,46, tendo apurado um montante total de imposto a pagar de €3.264.515,74. 

c.     Enquanto sociedade dominante do grupo sujeito ao RETGS, a Requerente optou pela aplicação do regime de  limitação à dedução de gastos de financiamento ao nível do Grupo, conforme possibilidade prevista no n.º 5 do artigo 67.º do Código do IRC (CIRC). 

d.     Foi por esta razão que, não obstante a soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas Declarações de Rendimentos Modelo 22 individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao Grupo sujeito ao RETGS corresponder a €69.573.462,39, o resultado fiscal do Grupo, apurado nos termos do artigo 70.º do CIRC, ascendeu a €58.436.103,46 (tendo sido este excesso, no 

 

 

valor de €11.137.358,93 corrigido na declaração fiscal do grupo, no quadro 09 e campo 395).

e.     Em 29 de Junho de 2018 a Requerente procedeu ao pagamento do imposto devido. 

f.      Isto sem prejuízo de, para efeitos informativos, e conforme previsto na Circular da AT (da Direcção de Serviços do IRC) n.º 5/2015, de 31 de Março, começar por calcular o efeito da aplicação do artigo 67.º do Código do IRC (e do CIRC em geral) numa base individual, nas Declarações de Rendimentos IRC Modelo 22 individuais das várias sociedades integrantes do grupo fiscal.

g.     A AT divulgou e impõe a sua orientação genérica vertida na Circular 7/2013, de 19 de Agosto de 2013 (da Direcção de Serviços do IRC), de que os “gastos relativos a um instrumento financeiro designado como instrumento de cobertura de um endividamento do sujeito passivo devem ser considerados no cômputo dos “gastos de financiamento líquidos” no período de tributação em que concorrem para a formação do lucro tributável”, para efeitos da aplicação das limitações à dedução de gastos de financiamento constantes do artigo 67.º do CIRC (para o que aqui importa, na redacção em vigor em 2017).

h.     A Requerente e seu grupo fiscal obedeceram na autoliquidação de IRC (e derramas) do exercício de 2017, a esta Circular da AT, sendo o seu impacto fiscal, nos aspetos relevantes, sintetizado e explanado infra:

 

 

 

§  Neste âmbito, e em concreto, as perdas com contratos swap de taxa de juro foram sujeitas aos limites de dedutibilidade do artigo 67.º do Código de IRC (CIRC) na redação em vigor em 2017, tendo este acréscimo:

o   resultado de duas entidades do grupo, a D... Unipessoal, Lda e a E... S.A. , as quais incorreram em perdas em contratos de swap para cobertura de risco de taxa e de juro, nos montantes de €24.710.591,97 e € 337.027,59 respectivamente, num total de € 25.047.619,56, o qual foi sujeito ao referido limite à dedução dos gastos de financiamento líquidos (GFL), limite este in casu de 30% da soma algébrica dos EBITDA[1] fiscais das sociedades integrantes do Grupo (cfr. a alínea a) do n.º 5 do artigo 67.º do CIRC, na redacção em vigor em 2017), 

o   o qual foi devidamente suportado documentalmente, no âmbito do processo, 

o    

o   sido efectuado ao lucro tributável do grupo fiscal no exercício da opção (pela perspectiva de Grupo) do n.º 5 do artigo 67.º do CIRC, submetida à AT nos termos do n.º 7 deste mesmo artigo, o que aqui se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 74.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), e  

o   padecido ele próprio de excesso, porquanto é contrário à lei o entendimento da AT de que em 2017 também as perdas em contratos de swap para cobertura de risco de taxa de juro estariam sujeitas à restrição de dedutibilidade desta norma.

§  Ora retirando aos GFL as perdas com swaps de taxa de juros aí indevidamente incluídos [no montante total de €25.047.619,56 (ver supra)], temos que os GFL a sujeitar ao limite de 30% do somatório de EBITDAs das sociedades do grupo se reduz de € 60.850.755,93 para € 35.803.136,37, valor este que está abaixo do limite de dedutibilidade de 30% dos EBITDA do grupo, apurado em € 41.288.052,02. 

§  Do exposto, no período fiscal de 2017, nenhum valor de GFL devia ter ficado por deduzir (nem sequer os € 19.562.703,91), por ser inferior ao limite legal os GFL do grupo fiscal [que não incluem em 2017 as perdas com swaps de taxa de juro]. 

§  Como tal, o acréscimo de € 19.562.703,91 ao lucro tributável em aplicação do artigo 67.º do CIRC padece de excesso, porquanto é contrário à lei o entendimento da AT de que em 2017 também as perdas em contratos de swap para cobertura de risco de taxa de juro estariam sujeitas à restrição de dedutibilidade desta norma.

 

 

§  Em síntese, a quantificação do excesso de imposto, decorrente do excesso de acréscimo ao lucro tributável por indevida inclusão das perdas em contratos de swap para cobertura de risco de taxa de juro na restrição à dedutibilidade fiscal do artigo 67.º do CIRC na redacção em vigor em 2017, corresponde ao montante total de € 4.855.056,32, segregado como seguidamente se demonstra:

o   IRC - € 4.108.167,81, e 

o   Derrama Estadual e Derrama Municipal - € 566.066,34 e de € 180.822,17 respetivamente.

i.      Do exposto, foi apresentado um pedido de revisão oficiosa n.º ...2022... contra a referida autoliquidação, respeitante ao exercício de 2017, a 29 de Junho de 2022, o qual foi considerado o meio próprio e tempestivo.

j.      Posteriormente, foi a Requerente, com data de registo de 6 de Setembro de 2022, notificada em 21 de Setembro de 2022 do seu indeferimento, tendo em conta a dilação legal de quinze dias [cfr. o artigo 39.º, n.º 10, do Código de Procedimento e de Processo Tributário – (CPPT)].

k.     Percorrida que foi, sem sucesso, a via administrativa, a Requerente optou pela apresentação do presente Pedido de Pronuncia Arbitral.

l.      A Direcção Geral dos Impostos, hoje AT, encontra-se vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais nos termos do artigo 1.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, quanto às pretensões deduzidas, como é o caso, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

m.   Acresce referir que, no caso de actos de autoliquidação de imposto, é ainda exigido o recurso prévio à via administrativa (cfr. artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), o que foi verificado.

n.     Por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o prazo para apresentação do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral é, nas circunstâncias do caso, de noventa dias contados do facto previsto no artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT, i.e., contado da notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa. 

o.     O Pedido de Pronuncia Arbitral deu entrada a 5 de Dezembro de 2022 e foi considerado tempestivo.

III.2    Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

A Requerente apresentou a 29 de junho de 2022 um Pedido de Revisão Oficiosa da autoliquidação do exercício de 2017, o qual foi indeferido por despacho da Diretora Adjunta da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 05-09-2022, com os seguintes fundamentos:

a.     A decisão da AT não pode recair em sentido contrário às orientações administrativas incluídas na Circular n.º 7/2013, de 19 de Agosto;

b.     Os serviços não partilham da leitura de lei efetuada pela Requerente, nomeadamente, quanto à questão sub judice e a sua natureza inovatória do conceito de gastos de financiamento e gastos de financiamento líquidos atribuída

 

 pela Lei n.º 32/2019, de 3 de Maio, ou sequer da sua oposição ao direito europeu, in casu, a Diretiva (EU) n.º 2016/1164 do conselho.  

 

Por sua vez, no âmbito do Pedido de Pronuncia Arbitral, a AT efetuou a apresentação de resposta para os efeitos do previsto no n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, bem como o Processo Administrativo para os efeitos do previsto no n.º 2 do artigo 17.º do RJAT.

 

A AT sustenta que a pretensão da Requerida não pode proceder uma vez que:

a.     Há incompetência do Tribunal Arbitral para a anulação da autoliquidação no concreto montante de IRC de € 4.108.167,81, do montante de derrama estadual de € 566.066,34, e do montante de derrama municipal de € 180.822,17, e para a condenação da Requerida ao reembolso do montante de total € 4.855.056,32, e

b.     Na decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa esta não se pronuncia sobre os valores apurados pela Requerente, tendo os Serviços considerado, desde logo e sem necessidade de proceder a quaisquer operações de quantificação, que a argumentação invocada carecia de fundamentação legal, pois “a norma contemplada no n.º 12 do art.º 67.º do CIRC, tanto na redação atual como na dada Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, não restringe de nenhuma forma os elementos que se considerem importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheio, ou seja, custos financeiros com obrigações assumidas”. Pelo que, não foram analisados nem, consequentemente, validados pela AT os valores que suportam a alegada “quantificação em excesso”.

c.     Caso o TAC decida apreciar o Pedido de Pronúncia Arbitral e julgá-lo procedente, este deverá determinar a anulação parcial da liquidação e a restituição do montante que vier a ser apurado em sede de execução de sentença, porquanto não dispõe de elementos que lhe permitam condenar a Requerida na quantia peticionada.

 III.         SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades. 

 IV.         FUNDAMENTAÇÃO

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

a.     A Requerente, e restantes empresas do grupo fiscal C..., desenvolvem a sua  actividade no setor das energias renováveis.  

b.     Em 29 de Junho de 2018, a Requerente, enquadrada em IRC no regime geral de tributação de rendimentos, procedeu à apresentação da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do grupo de sociedades sujeito ao RETGS de que era sociedade dominante, referente ao exercício de 2017. 

c.     Enquanto sociedade dominante do grupo sujeito ao RETGS, a Requerente optou pela aplicação do regime de  limitação à dedução de gastos de financiamento ao nível do Grupo, conforme possibilidade prevista no n.º 5 do artigo 67.º do CIRC. 

 

 

 

 

d.     Fornecendo a visão de conjunto, inclui-se (cfr. documentação apresentada no processo) o mapa de suporte ao preenchimento das Modelos 22 com o cálculo, a nível individual e do grupo, dos limites à dedutibilidade de gastos de financiamento líquido no exercício de 2017 no Grupo Fiscal C...:

 

 

 

e.     Sistematizando a informação relevante para esta análise:

Entidade

§

Montante

Somatório dos EBITDA do grupo fiscal B...

(A)

€ 137.626.840,08

30% do somatório dos EBITDA

(B)

€ 41.288.052,02

Somatório dos GFL com inclusão de perdas em swaps

(C)

€ 60.850.755,93

GFL não dedutíveis por ultrapassarem 30% dos EBITDAs

(C) – (B)

€ 19.562.703,91

 

f.      Por sua vez, nas três declarações modelo 22 individuais de 2017 onde houve inscrição de GFL não dedutíveis, acrescendo-os aos lucros tributáveis individuais, foram, estas e por estes valores onde se incluíram perdas em contratos swap de taxa de juro, com o seguinte total:

Entidade

Montante 

A...

€ 13.408.743,68

F...:

€ 4.379.295,33

D...

€ 12.912.023,83

Total

€ 30.700.062,84

 

 

 

d.     Conforme exposto, no somatório das declarações individuais foram acrescidos aos lucros tributáveis individuais um total de € 30.700.062,84, quando por referência à perspectiva adoptada, a de grupo fiscal, só era de acrescer um máximo (com arredondamentos) de € 19.562.703,91, como se referiu supra.

e.     Um excesso, pois, de € 11.137.358,93 que foi corrigido, nos termos legais, na declaração fiscal de grupo, mais concretamente no quadro 09, campo 395, com consequente passagem do lucro tributável do grupo de € 69.573.462,39 para € 58.436.103,46.

f.      Uma vez que, no âmbito da sua atividade, algumas destas entidades celebraram contratos swap de taxas de juros com os seus bancos financiadores para limitar a sua exposição aos juros bancários, tal significa que também estes montantes foram sujeitos ao limite à dedução (de gastos de financiamento líquidos) previsto no artigo 67.º do CIRC.

g.     Os gastos com os juros dos contratos swap totalizaram, em 2017, os seguintes valores, por entidade relevante:

Entidade

Contabilização

Gastos com juros dos contratos de swap              

D… Unipessoal, Lda

Todo o extrato da conta #6918

€24.710.591,97

E... S.A

#6918000936 e #6918000937

€337.027,59

Total

 

€25.047.619,56

 

 

h.     Do exposto, o total de € 25.047.619,56 em perdas com swap de taxa de juro incorridas em 2017 pelo Grupo Fiscal, foi sujeito ao referido limite à dedução dos gastos de financiamento líquidos (GFL), limite este in casu de 30% da soma algébrica dos EBITDA fiscais das sociedades integrantes do Grupo (cfr. a alínea a) do n.º 5 do artigo 67.º do CIRC, na redacção em vigor em 2017).

i.      Retirando aos GFL as perdas com swaps de taxa de juros aí indevidamente incluídos (como se demonstrará infra – questão de direito), no montante total de € 25.047.619,56 (ver supra), temos que os GFL a sujeitar ao limite de 30% do somatório de EBITDAs das sociedades do grupo se reduz de € 60.850.755,93 para € 35.803.136,37.

j.      Estando, por sua vez, este valor abaixo do limite de dedutibilidade de 30% dos EBITDA, € 41.288.052,02 demonstrado no ponto e. supra.

k.     Ou seja, em 2017 nenhum valor de GFL devia ter ficado por deduzir (nem sequer os € 19.562.703,91 que em termos finais ficaram por deduzir), por ser inferior ao limite legal os GFL do grupo fiscal, que não incluem em 2017 as perdas com swaps de taxa de juro.

l.      Em 29 de Junho de 2018 a Requerente procedeu ao pagamento do imposto devido, constante na demonstração da liquidação n.º 2018..., tendo apurado um montante total de imposto a pagar de €3.264.515,74.

m.   A Requerente e seu grupo fiscal obedeceram na autoliquidação de IRC (e derramas) do exercício de 2017, a esta Circular da AT, sendo a quantificação do excesso de imposto, decorrente do excesso de acréscimo ao lucro tributável por indevida inclusão das perdas em contratos de swap para cobertura de risco de taxa de juro na restrição à dedutibilidade fiscal do artigo 67.º do CIRC na redacção em vigor em 2017, corresponde ao montante total

 

de € 4.855.056,32, devidamente suportada no processo, segregado de forma sumária como seguidamente se demonstra:

o   IRC - € 4.108.167,81, e 

o   Derrama Estadual e Derrama Municipal - € 566.066,34 e de € 180.822,17 respetivamente.

n.     Para que não restem dúvidas sobre os valores e a sua referenciação para a documentação do processo, juntamos os quadros A, B e C infra, que suportam o quantum do excesso de imposto em apreciação.  

 

 

 

 

 

 

o.     Do exposto, foi apresentado um pedido de revisão oficiosa n.º ...2022... contra a referida autoliquidação, respeitante ao exercício de 2017, a 29 de Junho de 2022, o qual foi considerado o meio próprio e tempestivo.

p.     Posteriormente, a Requerente foi, com data de registo de 6 de Setembro de 2022, notificada em 21 de Setembro de 2022 do seu indeferimento.

q.     Percorrida que foi, sem sucesso, a via administrativa, a Requerente optou pela apresentação do presente Pedido de Pronuncia Arbitral, visando, na sequência do indeferimento expresso do Pedido de Revisão Oficiosa n.º ...2022..., que seja declarada a ilegalidade e anulação parcial dos atos tributários de liquidação de IRC, Derrama Estadual e Derrama Municipal do exercício fiscal de 2017 no grupo fiscal B..., no montante anteriormente referido (ver ponto h. supra).

r.      Acresce referir que, no caso de actos de autoliquidação de imposto, é ainda exigido o recurso prévio à via administrativa (cfr. artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), o que foi verificado.

s.     Por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o prazo para apresentação do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral é, nas circunstâncias do caso, de noventa dias contados do facto previsto no artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT, i.e., contado da notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa. 

t.      O Pedido de Pronuncia Arbitral deu entrada a 5 de Dezembro de 2022 e foi considerado tempestivo.

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[2]“o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

III. 2. Matéria de Direito

 

III.2.A. Quanto às exceções

 

Alega a AT, que haveria incompetência do Tribunal Arbitral quer para anular o concreto montante de imposto cuja anulação se peticiona, quer para decretar o seu reembolso.

A) Competência para anulação parcial do acto de liquidação consubstanciada num concreto montante de imposto e existência de elementos suficientes para validar o quantum do excesso de imposto

O acto tributário, porque se reconduz a uma quantidade monetária, é uma realidade divisível. Em milhares de controvérsias fiscais (arbitrais e tributárias), o contribuinte que se não conforme com parte (por oposição ao todo) de um acto tributário, pode (e deve) segregar essa parte das demais para efeitos de: (i) requerer apenas a anulação dessa parte; e (ii) indicar, em função do valor dessa parte, um valor para a causa. Isto acontece frequentemente, sem que se conheça oposição da AT a este modo de proceder. Este é, sublinha-se, o único modo de proceder proporcional, porque respeitador do acto tributário na parte em que não haja discordância entre a AT e o contribuinte.

Quanto à divisibilidade do acto tributário, ela está hoje consolidada na jurisprudência: pode ser ilegal só em parte e pode ser destruído, anulado, só em parte também. Entre muito outros, veja-se o acórdão do STA de 02.12.2015, proferido no processo n.º 0754/15 (FONSECA CARVALHO – relator –, ISABEL MARQUES DA SILVA e PEDRO DELGADO). 

 

Dito isto, tem a AT, evidentemente, o direito de controlar a segregação feita pelo contribuinte da parte do acto por si impugnada, e se não estiver de acordo, tem o direito de contestar, apresentando a sua versão do quantum implicado na controvérsia fiscal. 

No caso em epígrafe, a AT não contestou, nem em sede do procedimento administrativo que antecedeu esta arbitragem fiscal, nem agora na mesma, o imposto que o contribuinte segregou como sendo o correspondente à parte do acto tributário com que não se conforma. 

Mas tão pouco contestou o valor da causa que, em coerência com esta quantificação, o contribuinte indicou no seu pedido de pronúncia arbitral.

Há, pois, um manifesto equívoco da AT no suscitar desta excepção, com respeito à qual, sintomaticamente, nem indica base legal inteligível onde a mesma pudesse assentar, nem tão-pouco retira da mesma consequência quanto ao valor da causa.

O dever de rever atos injustos é um corolário do dever de atuação segundo o princípio da justiça constitucionalmente consagrado. 

Na verdade, os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a AT tem de observar na sua atividade (artigos 266.º n.º 2 da CRO e 55.º da LGT) impõem que sejam oficiosamente corrigidos erros nas liquidações que beneficiem a Administração, o que não aconteceu neste caso. 

A AT está, assim, obrigada a corrigir oficiosamente todos os erros que tenham conduzido à arrecadação de tributo em excesso.

Ademais, os Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD têm as competências que são atribuídas aos Tribunais judiciais em processo de impugnação judicial (artigo 124.º n.º 2 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril) incluindo das decisões de indeferimento de pedidos de revisão de atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade dos atos de liquidação (n.º 4 alínea a) do mesmo artigo). 

Também o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, viabiliza a apresentação de pedidos de pronuncia arbitral relativamente a atos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo e os tribunais arbitrais a funcionar junto do CAAD. 

Acresce referir que não pode a actuação omissa da AT na precedente fase administrativa, beneficiá-la na subsequente fase arbitral ou judicial. Isso feriria de morte o princípio do processo equitativo e do acesso aos tribunais para dirimir litígios com a autoridade administrativa.

Finalmente, cumpre referir que, considerando neste caso o TAC que tem elementos suficientes para validar o quantum do excesso de imposto [tendo até ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensado a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a matéria de exceção invocada pela Requerida já foi devidamente objeto de contraditório] este decidiu, sem necessidade de diferimento para execução de julgado.

B)        Competência para condenação no reembolso

Defende a AT, que o Tribunal Arbitral seria incompetente para, anulada determinada parcela de imposto pago pelo contribuinte, retirar daí o corolário lógico de que a AT fica obrigado a restituí-lo. Vulgo, condenação em reembolso.

É irreconciliável com o reconhecimento (a que a AT também adere) de que entre os poderes do Tribunal está o da condenação em juros, a negação do poder, logicamente prévio, de condenação no reembolso do montante de imposto anulado (posto que demonstradamente pago, evidentemente, o que no caso não é ponto controverso).

O poder de condenar no reembolso é uma exigência do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, que se impõe na arbitragem tributária da mesma maneira que se impõe na impugnação judicial. Quem tem poderes/competência para anular imposto, tem necessariamente competência/poderes (ou a tutela não seria efectiva) para condenar no reembolso, mais ainda (ou por maioria de razão) do que tem competência para condenar no pagamento de juros indemnizatórios. 

Este mesmo entendimento encontra-se expresso, entre outros, no acórdão do TCAS, de 8 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 06112/12 (JOAQUIM CONDESSO – relator – CATARINA ALMEIDA E SOUSA e BÁRBARA TAVARES TELES), se escreveu e aqui se cita:

“2-O princípio da tutela jurisdicional efectiva com consagração constitucional (cfr.artº.268, nº.4, da Constituição da República) somente é alcançado se as sentenças puderem ter todos os efeitos necessários e aptos a proteger o direito ou interesse apreciado pelo Tribunal, assim não podendo limitar-se à mera anulação do acto tributário e podendo o processo de impugnação revestir uma natureza condenatória, caso o contribuinte solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante pago acrescido dos respectivos juros;

3-O princípio da economia processual que exige que se ponha fim ao litígio utilizando do processo judicial tudo o que puder ser aproveitado para basear uma decisão do Tribunal de onde sai logo uma definição da situação tributária concreta sob análise que não careça de qualquer nova pronúncia da Administração Tributária”.

Como prescreve a Lei de autorização legislativa em matéria de arbitragem tributária, o processo arbitral tributário “deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial” (cfr. o artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).

Em suma, não se concebe que o Tribunal não esteja investido de poderes para condenar no reembolso, posto que, evidentemente, as partes lhe indiquem em concreto o montante da liquidação cuja legalidade se discute, como aconteceu no caso em epígrafe. 

 

III.2.B. Quanto ao Mérito da causa

 

Do exposto, a única questão em debate traduz-se em saber se os gastos com instrumentos financeiros derivados, e, em especial, os resultantes de contratos de swap de taxa de juro, poderiam ter sido considerados para efeitos do limite de gastos de financiamento ao abrigo do artigo 67.º, n.º 12, do CIRC, na redacção em vigor no período de tributação de 2017. 

A Requerente entende que a correcção efetuada pelos serviços inspetivos, relativa a gastos de financiamento líquidos, incluía juros de contratos de swap de taxa de juro, que no período de tributação em causa (2017) não relevavam para o limite de dedutibilidade referido artigo 67.º, n.º 1, do CIRC, por não integrarem a noção legal de gastos de financiamento, que apenas foi consagrada, para esse efeito, no n.º 12 desse artigo, na redação dada pela Lei n.º 32/2019, de 3 de Maio. 

Em contraposição, a AT defende que o n.º 12 do artigo 67.º do CIRC, vigente à data dos factos, e segundo a interpretação vertida na Circular n.º 7/2013, de 19 de Agosto, ao englobar nos gastos de financiamento “as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros ...”, permite inferir que aí se encontram incluídos os instrumentos financeiros de cobertura de operações de endividamento, como é o caso de contratos de swap de taxa de juro, a que se refere a alínea f) da Circular, sob a epígrafe “instrumentos financeiros derivados”.

Vindo a concluir que, segundo a melhor interpretação da norma do n.º 12 do art.º 67.º do CIRC, na redação vigente em 2017, os gastos com instrumentos financeiros derivados, designadamente, com os contratos de swap de taxa de juro com a natureza de instrumentos de cobertura de endividamento, cabem na definição de “gastos de financiamento líquidos”.

Sendo esta a questão a decidir, importa ter presente o referido n.º 12 do artigo 67.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, vigente no período de tributação a que se refere a correcção tributária, e que é do seguinte teor: 

“Para efeitos do presente artigo, consideram-se gastos de financiamento líquidos as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazos, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza.” 

Essa disposição começou por ser introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, correspondendo ao n.º 8 desse artigo 67.º, entretanto renumerado como n.º 12 por efeito das alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, e foi mantida pela Lei n.º 82-/2014, de 31 de Dezembro. 

Entretanto, a Lei n.º 32/2019, de 3 de Maio, desdobrou o n.º 12 em duas alíneas e na alínea a), que corresponde ao antigo corpo do n.º 12, aditou ao conjunto de situações que se consideram gastos de financiamento “os montantes de juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados ou de mecanismos de cobertura do risco relacionados com empréstimos obtidos”. 

A Lei n.º 32/2019 pretendeu transpor para a ordem jurídica nacional a Diretiva (EU) 2016/1164, do Conselho, de 12 de julho, que reforça as regras contra práticas de elisão fiscal que tenham incidência direta no funcionamento do mercado interno. E é essa mesma Diretiva que, no seu artigo 2.º, parágrafo 1), define como gastos com empréstimos obtidos, “os montantes de juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados ou de mecanismos de cobertura do risco relacionados com empréstimos contraídos por uma entidade”. 

Por outro lado, como se depreende do considerando (5) da Diretiva, a referência aos “juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados” teve em vista contribuir para o objetivo de evitar a erosão das bases tributáveis e a transferência de lucros para fora do mercado interno, especialmente no domínio da limitação à dedutibilidade de juros. 

Resulta ainda da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 177/XIII, que originou a Lei n.º 32/2019, que houve o propósito de concretizar, na sequência da Diretiva, alterações ao Código do IRC em vários aspectos da tributação das empresas e, em especial, nas limitações à dedutibilidade dos juros (cfr. alínea i)), que acrescenta ainda o seguinte: 

A presente proposta de lei propõe, assim, alterações ao CIRC, começando por, em matéria de limitação da dedutibilidade de gastos de financiamento, ajustar apenas a definição de “gastos de financiamento líquidos”, visto que o regime consignado no artigo 67.º do Código do IRC, que estabelece que os gastos de financiamento líquidos apenas concorrem para a determinação do lucro tributável até ao montante de 1 milhão de euros ou, quando superior, até ao montante que corresponder a 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, já se afigura estar, nos restantes aspetos, em conformidade com o previsto na Diretiva (UE) 2016/114 e até com Maior exigência do que esta no que respeita à possibilidade de reporte dos gastos que não sejam dedutíveis por força da aplicação deste regime e da parte do limite que não seja utilizada. 

Como tudo indica, a Lei n.º 32/2019, ao efetuar a transposição para o direito interno da Diretiva (EU) 2016/1164, pretendeu reajustar a definição de gastos de financiamento, aditando, entre outras, a referência aos “juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados”, na linha do entretanto estabelecido no artigo 2.º, parágrafo 1), da Diretiva, entendendo o legislador que, noutros aspetos, o regime consignado no artigo 67.º do Código do IRC já se encontrava em conformidade com o previsto no direito europeu. 

Por tudo o que antes se expôs, torna-se claro que os juros no âmbito de instrumentos derivados apenas foram qualificados como “gastos de financiamento”, para efeito dos limites à dedutibilidade previstos no artigo 67.o do CIRC, com a nova redação dada ao n.o 12 desse artigo pela Lei n.º 32/2019. 

Acresce referir que idêntica posição quanto ao mérito da causa foi incluída nos seguintes acórdãos do CAAD: Processo n.º 374/2019-T, Processo n.º: 674/2019-T, Processo n.º 492/2021-T e Processo n.º 161/2021-T.

Nem seria possível extrair diferente conclusão com base no advérbio “designadamente”, que já constava da precedente redação desse n.º 12, na medida em que uma enumeração não taxativa da norma, como parece sugerir a sua utilização, não permite ao intérprete um juízo casuístico sobre o que se entende por gastos de financiamento, o que poderia colocar em causa o próprio princípio da tipicidade da lei do imposto. Pretende-se que o imposto, quanto aos seus principais elementos, seja desenhado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar, nem para a discricionariedade administrativa. Uma tal determinação constitucional funciona assim como uma garantia dos contribuintes, no ponto em que procura criar um quadro legal rigoroso, colocando os sujeitos passivos do imposto a coberto de uma interpretação administrativa variável e porventura menos publicitada (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 695/14). 

É nesse sentido de determinabilidade, que corresponde a uma acepção material do princípio da legalidade fiscal, assente na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos modeladores do tipo tributário, que poderá́ falar-se na tipicidade legal no plano fiscal. E a tipicidade não é aplicável apenas quando esteja em causa a incidência do imposto, mas também as regras que permitem a determinação da matéria colectável. 

Como é de concluir, a não dedutibilidade de juros relativos a contratos swap de taxas de juro do grupo fiscal C..., com referência ao exercício de 2017, quando não se encontrava previsto, a essa data, a sua inclusão como gastos de financiamento, para efeitos do disposto no artigo 67.º do CIRC, é ilegal por violação do disposto no n.º 12 desse artigo, na redação dada pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, então vigente. 

Em face desta ilegalidade, as autoliquidações respeitantes à derrama estadual e municipal de 2017 ficam também e, consequentemente, prejudicadas.

III.2.C. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios

 

A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributaria no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios. 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributaria, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há́ assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago. 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributaria e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito. 

No caso concreto, dúvidas não subsistem de que existe erro imputável aos serviços, na exata medida em que nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, “considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas».

Há́ assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT), a partir de um ano contado sobre a data de entrada do pedido de revisão oficiosa (artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT). 

 

   V.         DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

a)    Julgar procedente o pedido arbitral e anular a autoliquidação de IRC do grupo fiscal B..., supra identificada, quanto aos montantes de € 4.108.167,81 (IRC) de € 566.066,34 (derrama estadual) e de € 180.822,17 (derrama municipal) respetivamente, num total de € 4.855.056,32, com a sua consequente anulação nestas partes e neste total;

b)    Condenar a Autoridade Tributaria no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde (inclusive) 30 de junho de 2023, até à data do seu integral reembolso.

 VI.         VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 4.855.056,32, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VII.         CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 61.200,00, a pagar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de Junho de 2023.

 

Os Árbitros,

 

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

 

(David de Oliveira Silva Nunes Fernandes)

(com declaração de voto)

 

(Ana Catarina Guerra Rodrigues Breia)

 

 

 

Declaração de voto

 

            Voto vencido na medida em que, embora acompanhando o sentido da decisão prolatada relativamente à anulação dos atos tributários controvertidos e à condenação da Requerida no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, teria decidido pela procedência da exceção dilatória de incompetência material deste tribunal para anulação da autoliquidação nos concretos montantes de IRC, derrama estadual e derrama municipal.

 

            Em meu entender, o cerne da questão controvertida não radica na divisibilidade do ato tributário – tanto mais que o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo admiti-la, mesmo que a anulação parcial do ato conduza à «necessidade um ulterior accertamento por parte da AT» (cf. Acórdão do Supremo, datado de 08/06/2022, proferido no Proc. 01104/12.2BELRS) –, nem tão pouco no concreto comportamento das partes, por ação ou omissão, no contexto do procedimento tributário antecedente ou do processo arbitral propriamente dito. 

 

Da minha perspetiva, diferentemente, está em causa apurar a existência ou inexistência de norma habilitante – entenda-se, norma de competência – que permita ao tribunal arbitral pronunciar-se quanto a um pedido, ou parte dele, em face de uma causa de pedir. E a mesma terá, forçosamente, de ser decidida à luz do direito constituído, como resulta no disposto n.º 2 do artigo 2.º do RJAT. 

 

            A competência dos tribunais arbitrais radica no enunciado normativo vertido no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, compreendendo a) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e b) a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

 

Por outro lado, a vinculação dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do RJAT decorre da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, conforme aliás dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT. De acordo com o enunciado normativo plasmado no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, os serviços e organismos da Requerida estão vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais nas matérias abrangidas pelo supra mencionado n.º 1 do artigo 2.º do RJAT. De resto, em matérias compreendidas pelo âmbito de competência dos tribunais arbitrais, cabe à administração tributária dar cumprimento espontâneo às decisões proferidas no sentido da ilegalidade dos atos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, ou seja:

 

a)     Praticar o ato tributário legalmente devido em substituição do ato objeto da decisão arbitral;

b)    Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito;

c)     Rever os atos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os atos tributários objeto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente;

d)    Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar

 

As normas supra mencionadas operam assim, simultaneamente, como fundamento e como limite aos poderes de cognição e decisão dos tribunais arbitrais. Ora a questão de saber se o tribunal arbitral é, ou não, competente em razão da matéria afere-se em função do pedido, ou pedidos, e da causa de pedir, tal como concretamente apresentado pelo autor, sendo aliás de conhecimento oficioso e tendente à absolvição da instância (artigos 96.º, 97.º e 278.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT). 

Salvo melhor opinião, essa aferição de competência não deve ser influenciada pelo (i) teor das alegações ou impugnações das partes – ou pela falta de umas ou de outras –quanto aos factos subjacentes aos pedidos relativamente aos quais a aferição tem lugar, (ii) pela suficiência ou insuficiência de elementos probatórios carreados para os autos pelas partes, bem como (iii) pela maior ou menor complexidade do thema decidendum. De outro modo, aceitar-se-ia implicitamente a existência de uma norma de competência condicional, o que não tem respaldo nos enunciados normativos referidos, nem tão pouco em quaisquer elementos hermenêuticos de que pudesse lançar-se mão para efeitos de uma interpretação extensiva.

 

            A questão de saber se a competência dos tribunais arbitrais extravasa, ou não, o contencioso de mera anulação vem sendo objeto de diversas decisões arbitrais. Salienta-se, a este propósito, a decisão proferida no âmbito dos autos n.º 30/2015-T, da qual se transcreve o segmento infra:

 

            «Nos termos do previsto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, os tribunais arbitrais são, em matéria tributária, competentes para conhecer: “a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

 

O que significa que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD se limita à declaração de ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT, estando-se, assim, perante um mero contencioso de anulação de actos, estruturado segundo o modelo processual anterior à reforma do contencioso administrativo de 2002-2004, que continua a vigorar no contencioso tributário.

 

Confrontando o referido regime jurídico, aplicável em sede de competência em razão da matéria, com o pedido formulado pelo autor, apura-se que a primeira parte deste constante (correspondente ao seguinte segmento: “Nestes termos e nos demais que o Tribunal Arbitral doutamente suprira, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente por provado, pelo que devem as liquidações que dele são objeto ser declaradas ilegais, com fundamento em vício de violação de lei, nomeadamente do disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC e, por erro nos pressupostos de direito, sendo, consequentemente anuladas as ditas liquidações”), se enquadra na alínea a) da norma acima transcrita, pelo que o tribunal é competente, para dele conhecer.

 

Já não será assim, porém, no que diz respeito à segunda parte do mesmo pedido (correspondente ao seguinte segmento: “o que se reflete da seguinte forma, nos campos do quadro 7 das declarações de Modelo 22 corrigidas: a) quanto ao exercício de 2011: 1. No campo 705, onde se inscreveu o montante de € 2.376.976,48, deveria ter sido inscrito o valor de € 7.418.550,22; 2. No campo 737, onde se inscreveu o montante de € 1.068.325,26, deveria ter sido inscrito o valor de € 0,00. b) quanto ao exercício de 2012: 1. No campo 705, onde se inscreveu o montante de € 3.709.275,11, deveria ter sido inscrito o valor de € 7.418.550,22; 2. No campo 737, onde se inscreveu o montante de € 1.104.460,77, deveria ter sido inscrito o valor de € 0,00”).

 

A entender-se, como parece ser o sentido da Administração Tributária e Aduaneira, que a Requerente pede a condenação da Requerida nas correcções mencionadas, tal pedido não se enquadra em qualquer das alíneas do mencionado art. 2.º do RJAT, por ultrapassar o contencioso de mera anulação»

 

Em sentido idêntico se decidiu no âmbito dos autos n.º 587/2014-T, dos quais resulta o seguinte:

 

«(…) na falta de qualquer disposição legal que permita concluir em contrário, o âmbito do processo de impugnação judicial e dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos actos dos tipos referidos no artigo 2.º que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011, não podendo, designadamente, definir os termos em que devem ser executados julgados anulatórios que vierem a ser proferidos.

 

Na verdade, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, a competência para executar os julgados proferidos pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD cabe, em primeira linha à própria Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta...”.

 

Por outro lado, a haver discordância entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os sujeitos passivos sobre a forma de execução de julgados, são os tribunais tributários os competentes para a sua apreciação, já que não são atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências em processos de execução de julgados e os tribunais arbitrais dissolvem-se na sequência da decisão arbitral, como decorre do artigo 23.º do RJAT

 

 

            Enfatiza-se este último aspeto, relacionado com a tutela jurisdicional efetiva assegurada aos sujeitos passivos através da possibilidade de, em sede de execução de julgados, contestarem o conteúdo da execução da sentença arbitral, perante os tribunais tributários.

 

            Quanto à natureza da arbitragem tributária enquanto contencioso de mera anulação importará também atender ao argumentário vertido nos autos n.º 838/2019-T, nos quais se verteu o seguinte entendimento:

 

«Numa situação deste tipo, em contencioso de mera anulação, como é a arbitragem tributária, em que os poderes dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD se restringem à declaração de ilegalidade de actos (artigo 2.º, n.º 1 do RJAT), o Tribunal deve declarar a ilegalidade (ilegal aplicação do n.º 1 do artigo 43.º) que afecta todo o acto, pois nenhuma parte dele teve por base o n.º 2. Num contencioso deste tipo, não cabe ao Tribunal liquidar o imposto que deveria ser liquidado se fosse aplicada a norma legal em vez da ilegal, sendo essa tarefa que cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira, como, de resto, decorre do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT

 

 

 

O mesmo iter argumentativo foi ainda trilhado no âmbito dos autos n.º 147/2018-T, destacando-se o seguinte segmento:

 

«É certo que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de actos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, e dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira (circunscritos pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que os Tribunais Tributários em processo de impugnação judicial, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT.

 

Mas, na falta de qualquer disposição legal que permita concluir em contrário, o âmbito dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos actos dos tipos referidos no artigo 2.º, não podendo, designadamente, definir os termos em que devem ser executados julgados anulatórios que vierem a ser proferidos.

 

Essa competência, como decorre do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, pertence à Autoridade Tributária que, no entanto, deve executar a decisão nos exactos termos definidos na decisão arbitral. De referir que, em caso de litígio quanto aos termos da execução da decisão arbitral, podem os contribuintes recorrer para os tribunais tributários (note-se que, nos termos do artigo 23.º do RJAT, os tribunais arbitrais dissolvem-se na sequência da decisão arbitral) e, através do meio processual adequado, ver apreciada a sua pretensão.

 

            Finalmente, alude-se ainda à decisão proferida no âmbito dos auto n.º 750/2021-T, nos quais se decidiu em sentido semelhante (embora com uma fundamentação distinta, em alguns aspetos).

Saliento, porém, que a procedência exceção dilatória sob análise não seria impeditiva do conhecimento dos demais pedidos aduzidos pela Requerente, relativamente aos quais não se suscita dúvida quanto à competência do tribunal arbitral.

 

 



[1] Earnings before interest, taxes, depreciation and amortization.

[2] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.