Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 647/2019-T
Data da decisão: 2020-10-30  IRC  
Valor do pedido: € 23.484,39
Tema: IRC- Caducidade do direito de liquidação; artigo 45º nºs 1 e 5 da LGT.
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SUMÁRIO:

I-O artigo 45º, nº 1 da LGT estabelece que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.

II. Todavia o nº 5 do mesmo normativo consigna que “sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o nº 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

III. Como decorre do próprio texto legal, ao exigir-se que o direito a liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, para aplicação do alargamento do prazo previsto no artigo 45º, é necessário, desde logo, que se prove que o direito de liquidação se baseia em factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal.

 

DECISÃO ARBITRAL

I-RELATÓRIO

1. A..., S.A., contribuinte fiscal nº ... com sede na ..., nº-..., ...-... ..., em nome de B...,LDA., (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo) apresentou em 2019-09-30, pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º,  5º, nº 2 alínea a), 6º, nº 1 e 10º, nºs 1 e 2, todos do Decreto Lei nº 10/2011, de  20 de Janeiro (doravante designado por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa nº...2019..., e consequente anulação do acto de liquidação de IRC, respectivos juros compensatórios, e demonstração de acerto de contas, relativamente ao ano de 2012, de onde resultou um valor a pagar  22.638,40 € a que corresponde a nota de liquidação nº 2018..., de 2018-09-17.

 

2. O pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificado à Requerida em 2019-10-01.

 

3.Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previsto, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

4. Em 2019-11-20, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados do artigo 11º, alíneas a) e b) na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2019-12-20, de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2019-12-20, a Requerida em 2020-01-31, apresentou a sua resposta, tendo procedido na mesma data à junção do processo administrativo.

 

7. Por despacho proferido em 2020-02-04, foi a Requerente convidada a pronunciar-se sobre o seu interesse na manutenção da inquirição de testemunhas, tendo vindo em 2020-02-12,a pronunciar-se em sentido positivo, quanto ao interesse na produção de prova testemunhal, restrito às testemunhas não prescindidas, tendo procedido à indicação da matéria sobre a qual pretendia tais depoimentos com referência ao pedido de pronúncia arbitral.

 

8. Através do despacho arbitral de 2020-02-13, foi designada o dia 13 de Março de 2020, para a inquirição de testemunhas.

 

9. A Requerente em 2020-03-09 submeteu a este tribunal arbitral, requerimento solicitando adiamento da data supra indicada, por motivo de riscos de propagação do vírus Covid-19, pedido esse deferido nessa mesma data.

 

10. Por despacho proferido em 2020-06-29 foram as partes notificadas para se pronunciarem quanto à forma e meios pretendidos para a audição das testemunhas.

 

11. Em 2020-07-10 nas instalações do CAAD no Porto, sitas à Rua do Bolhão, 85- 1 º Piso, procedeu-se, a uma reunião com o objectivo de proceder-se à inquirição das testemunhas tendo sido ditado para a acta, pela Requerente, requerimento do seguinte teor:

“Tendo em conta a existência do processo nº 681/2019 no qual as partes e os factos são idênticos aos do presente processo, bem assim as liquidações derivem da mesma inspeção, requer-se por economia processual o aproveitamento da prova testemunhal (uma vez que as testemunhas também são as mesmas) do identificado processo nos presentes autos.”

 

12. Não se tendo verificado qualquer oposição por parte do representante da AT, foi proferido despachado no sentido de deferimento do requerido.(cfr. acta de inquirição de testemunhas por videoconferência).

 

13. O tribunal arbitral singular no contexto da diligência supra referida, proferiu ainda despacho no seguinte sentido “Após a incorporação nos presentes autos do depoimento das testemunhas ouvida e a ainda a ouvir no processo nº 681/2019-T, disporão as partes de 15 dias para apresentação sucessiva das suas alegações escritas. Oportunamente se dará cumprimento ao disposto no artigo 18º, nº 2, do RJAT, relativamente à data limite para a prolação e notificação às partes de decisão arbitral final.”

 

14. Em 2020-09-24, a Requerente procedeu à junção aos autos das suas alegações escritas, sendo que a AT não apresentou alegações.

 

15. Pelas razões constantes do despacho de 2020-10-05, foi, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 21º do RJAT, prorrogado o prazo para a prolação e notificação da decisão, indicando-se para tanto e como data limite o dia vinte de Novembro de dois mil e vinte.

 

16. Em 2010-10-23 a Requerente juntou aos autos cópia de decisão arbitral a que corresponde o processo nº 681/2019-T, prolatado sob a égide do CAAD.

 

17. A Requerente fundamenta seu pedido em duas diferentes vertentes, invocando por um lado  a “II caducidade do direito de liquidação”  e  por outro lado, “III” Erro nos pressupostos de facto” .

 

18. Relativamente ao segmento “erro nos pressuposto de facto” os argumentos da Requerente, em brevíssima síntese, e para o que aqui importa, têm a ver com a sua discordância quanto à indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, de gastos incorridos com a contabilização de uma factura emitida pela sociedade “C..., Lda.”, bem assim quanto a “gastos com a aquisição de gasóleo” e “gastos contabilizados na conta 625112”,

 

19.Pugnando, em suma, pela indispensabilidade de tais custos “para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.”.

 

20.No que toca ao segmento “caducidade do direito à liquidação” – matéria que infra se densificará pugna a Requerente pela sua verificação.

 

21.Formula ainda a Requerente pedido de juros indemnizatórios, e a devolução da quantia paga.

 

22.A AT, com base no relatório da inspecção tributária, pugna pela não consideração dos gastos incorridos com a referida factura, aceitando parte dos relativos com a aquisição de gasóleo a granel, por parte da Requerente e com outros “gastos contabilizados na conta 625112.

 

23. O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

 

24.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT.

 

25. Não foram suscitadas excepções de que deva conhecer-se.

 

26. O processo não enferma de nulidades.

 

27. Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

 

A.1.Factos dados como provados

 

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como provados e assentes os seguintes factos:

1.A Requerente foi notificada da liquidação, demonstração da liquidação de IRC e respectivo acerto de contas, relativo ao exercício de 2012, com o número 2018..., no valor de 22.638,40 €;

2. As liquidações tiveram origem do procedimento inspetivo levado a cabo pela Equipa EQ6330 da Divisão II do Serviços de Inspecção Tributária de Finanças do Porto, credenciado pela Ordem de Serviço nº 0I 2017..., iniciada em 2017-04-03 e com conclusão em 2018-08-23, que incidiu sobre o exercício de 2012, relativamente à sociedade “B..., LDA.” com o NIPC nº..., incorporada em operação de fusão na Requerente;

3. De acordo com o Relatório de Inspecção Tributária a ordem de serviço em causa foi emitida pelo facto de no decurso do procedimento inspectivo, credenciada pelo despacho externo nº DI2016..., a esta empresa, se ter verificado que em 2012 emitiu uma fatura no montante de 62.400,00 € para a ”D..., Ldt”, empresa sediada em Malta e contabilizado no mesmo período, uma fatura emitida pela “C..., Lda”, no montante de 52.014,20 €., Ambas as faturas têm  data do mesmo mês, os pagamentos e recebimentos foram em datas aproximadas e todas estas empresas têm o mesmo sócio, E... (cfr. ponto II.2.1. do Relatório),

4.Em 25 de Fevereiro de 2019 a Requerente apresentou no Serviço de Finanças de ..., reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IRC, a que veio a caber o nº  ...2019...,

5. Reclamação graciosa essa, indeferida por despacho notificado à Requerente em 01 de Julho de 2020;

6. A Requerente em 2018-10-24 procedeu ao pagamento da quantia de 22.638,40 €;

7. Em 2019-09-30, a Requerente apresentou junto do CAAD pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

8.Com data de 23 de Outubro de 2020, a Requerente procedeu à junção aos presentes autos de cópia da decisão proferida no âmbito do processo nº 681/2019-T, prolatado sob a égide do CAAD.

 

 A.2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

 A.3. Fundamentação da matéria de facto dado como provada e não provada.

 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT, e artigo 670º, nº 3 do CPC, ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em  função da sua relevância  jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPCivil ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formando a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr, artigo 670º, nº 3 do Código de Processo Civil, na  redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho).

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida na lei (vg., força probatória dos documentos autênticos (cfr., artigo 371º, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental e testemunhal produzidas (esta última objecto de aproveitamento da produzida no âmbito do processo 681/2019-T) e PA anexo consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

- a caducidade do direito de liquidação

 

Impor-se-á em primeiro lugar, decidir a questão da caducidade da liquidação objecto dos presentes autos, porquanto o seu provimento preclude a análise das demais.

 

- a posição das partes

 

1.A Requerente invoca no pedido de pronuncia arbitral a caducidade do direito à liquidação. aduzindo em síntese, e com relevo para o que aqui importa, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição):

 

2.” De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 45º da LGT “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro” (cfr. artigo 10 do pedido de pronúncia arbitral),

 

3.(…) “o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário… (cfr., artigo 11 do pedido de pronúncia arbitral),

 

4.” (…) o direito de a Administração Fiscal liquidar o IRC de 2012 terminou em 31/12/2016 (cfr., artigo 12 do pedido de pronúncia arbitral);

 

5.”A Requerente nunca foi notificada da liquidação adicional no período que a AT dispunha para o efeito” (cfr., artigo 13 do pedido de pronúncia arbitral);

 

6.” Pelo facto de não ter sido cumprida a notificação da liquidação adicional no prazo que a Administração Fiscal dispunha para o fazer, o seu direito de proceder à liquidação do IRC de 2012 está manifestamente caduco” (cfr. artigo 14 do pedido de pronúncia arbitral);

 

7.”No relatório final da ação inspectiva (…) a AT veio fazer referência ao artigo 4º, nº 5 da LGT, que dispõe que “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o nº 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano” (cfr., artigo 15 do pedido de pronúncia arbitral);

 

8. “Resulta do próprio nº 5 do artigo 45º da LGT que, para a aplicação do alargamento do prazo geral previsto no nº 1 do mesmo normativo, o direito à liquidação tem que respeitar a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal” (cfr., artigo 18 do pedido de pronúncia arbitral);

 

9. “(…) é necessário desde logo, que se prove que o direito de liquidação se baseia em factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal (cfr., artigo 19 do pedido de pronúncia arbitral);

 

10.”No relatório de inspeção, a AT não logrou alegar, muito menos, provar ou demonstrar que as correções aritméticas operadas (…) respeitam a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal” (cfr., artigo 20 do pedido de pronúncia arbitral);

 

11.”Os factos que estão subjacentes à liquidação adicional são diversos (…) reportam-se a desconsideração do custo de uma fatura emitida pela C..., Lda., à desconsideração de gastos com a aquisição de gasóleo, à desconsideração de gastos de deslocações, estadias e refeições” (cfr., artigo 23 do pedido de pronúncia arbitral);

 

12.”(…) teria de existir qualquer identidade dos factos objeto de investigação no Processo de Inquérito em causa com os factos em causa no procedimento inspetivo que deram origem à liquidação aqui em crise (cfr., artigo 26 do pedido de pronúncia arbitral);

 

13.(…) no caso aqui em crise, não é aplicável o alargamento do prazo de caducidade do direito de liquidação previsto no nº 5 do artigo 45º da LGT (cfr., artigo 33 do pedido de pronúncia arbitral);

 

14.”(….) o direito de liquidar o tributo se encontra manifestamente caduco” (cfr. artigo 34 do pedido de pronúncia arbitral);

 

15.”a caducidade do direito à liquidação, tanto do imposto como dos juros compensatórios, constitui um vício gerador de ilegalidade ao ato, na medida e que consubstancia a prática de ato tributário ferido de vício de violação da lei. (cfr. artigo 35 do pedido de pronúncia arbitral);

 

16.Em abono da sua tese a Requerente convoca ainda jurisprudência das instância e arbitral.

 

*******

 

17.A AT, por seu turno, em sede de resposta e no que concerne a este segmento (caducidade do direito de liquidação) veio dizer o seguinte (que igualmente se menciona maioritariamente por transcrição);

 

18. “A Requerente alega ter-se verificado a caducidade do direito de liquidação, uma vez que tratando a liquidação do IRS de 2012, não foi notificada da mesma até 31 de dezembro de 2016, tendo decorrido o prazo de 4 anos em face do disposto no artigo 45º, nº 1 da LGT. Mais refuta o alargamento do prazo de caducidade motivado pela instauração de inquérito criminal (Proc. nº.../2016.TIDPRT) nos termos do nº 5 do artigo 45º da LGT, uma vez que a administração tributária não alegou nem comprovou a identidade de factos entre os procedimentos inspetivo tributário e criminal, como estaria obrigada conforme o entendimento da nossa jurisprudência, vazando excertos de acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte e CAAD, (cfr. artigo 13 da resposta);

 

19. “(…) não sendo sempre conhecida a situação tributária nos seus exatos contornos, antes da investigação ou mesmo da própria decisão no processo penal, o legislador pretendeu salvaguardar a possibilidade de a liquidação pelos serviços ser realizada em momento posterior, atendendo ao princípio da verdade material que rege o sistema fiscal (cfr. artigo 15 da resposta);

 

20. “ Conforme exposto no RIT, a ordem de serviço OI2017... ao Sujeito Passivo B..., Lda. (doravante B...) NIPC..., foi emitida pelo facto de no decurso do procedimento inspectivo a esta empresa (iniciado em 30-11-2016 e terminado em 22-11-2016) credenciada pelo despacho externo º DI2016..., ao ano de 2012 se ter verificado que emitiu uma fatura no montante de 62.400,0 € para a “D..., Ltd”, empresa sediada em Malta e contabilizada no mesmo período, uma fatura emitida pela “C..., Lda”, no montante de 52.014,20 €.

Ambas as faturas têm data do mesmo mês, os pagamentos e recebimentos foram em datas aproximadas e todas estas empresas têm o mesmo sócio, E...” . (cfr. artigo 16 da resposta);  

 

21. “(...) segundo se alcança no relatório de inspeção, no início da ação de inspeção (3 de abril de 2017) foi o sujeito passivo notificado, na pessoa do sócio-gerente acima identificado, de que o prazo para conclusão do procedimento de inspeção se encontrava suspenso devido à instauração do processo de inquérito-crime nº .../2016...DPRT, nos termos do artigo 36º , nº 5 alínea c) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA)” (cfr. artigo 17 da resposta) ;

 

22. “Em 15-12-2016 foi instaurado processo de inquérito englobando a B... e outros sujeito passivos relacionados entre si quer por terem a mesma sede/instalações, quer por terem o mesmo sócio gerente E..., NIF:..., englobando os factos descritos no parágrafo anterior (cfr. artigo 18 da resposta);

 

23. “ Os atos de inspeção foram concluídos em 23-08-2018, com o envio da nota de diligência por correio registado e procedimento inspetivo terminado com o envio do relatório da inspeção tributária por correio registado” (cfr. artigo 20 da resposta);

 

24. (…) “ tendo sido instaurado em 2016 o processo de inquérito criminal sem que tivesse sido feita a liquidação do imposto em dívida, o legislador determina que se verifica a suspensão do prazo para conclusão do procedimento instaurado em 2017 “até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença” – artigo 35º nº 5 alínea c) do RCPITA.

Donde que, se suspenso o prazo para conclusão do procedimento de inspeção, por maioria de razão se verifica a suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidação do imposto que será exercido, a jusante e, como consequência do apuramento efetuado naquele procedimento. Assim acontece quanto a liquidação de imposto e a investigação criminal versem sobre os mesmo factos” (cfr. artigo 21 da resposta).

 

- o quadro normativo    

 

Dispõem os nºs 1, 4, e 5 do artigo 45º da Lei Geral Tributária (LGT) como segue:

 

“1.O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixe outro”,

 

“4. O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que  o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos  sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo  se conta a partir do inicio do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”

 

“5. Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o nº 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgada da sentença, acrescido de um ano”

 

O facto tributário nos presente autos consubstancia-se na liquidação adicional de IRC  referente ao exercício fiscal de 2012, cuja notificação à luz do referido nº 1 do artigo 45º da LGT  deveria ter ocorrido até 31 de Dezembro de 2016, ou seja nos quatro anos seguintes face à natureza de imposto periódico que é consensualmente conferida ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (CIRC), sendo que a notificação impugnada tem data de 2018-09-17.

 

Neste sentido e embora a título meramente exemplificativo convoca-se a doutrina que se extrai do aresto do Tribunal Administrativo Sul de 2019/01/31, proferido no âmbito do processo 2724/05.7BELSB:

“  No caso dos autos, estamos face a liquidação de I.R.C., tributo que é, unanimemente, considerado como um imposto periódico, pelo que o prazo de caducidade do direito à liquidação se conta a partir do termo do ano em se verificou o facto tributário (cfr, artº 45, nº 4 da L.G. Tributária).

Tendo em conta que se trata da liquidação relativa ano fiscal de 1999, o prazo inicia-se em 31/12/1999, tendo o seu termo final em 31/12/2003”

 

*****

Dispõe o nº 5 do artigo 45º da LGT, (reintroduzido pela Lei nº 60-A/205, de 30 de Dezembro)  que “sempre que  direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo de quatro anos (previsto no nº 1) é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.

 

Subjacente a este alargamento do prazo de caducidade está a salvaguarda da possibilidade de a AT vir a proceder à liquidação em prazo posterior ao geral de quatro na verificação do condicionalismo de factos apurados em inquérito criminal que estejam na base da liquidação.

 

“ O nº 5 destina-se a impedir o decurso do prazo de caducidade na pendência de processo criminal, por se entender que, encontrando-se a liquidação dependente de sentença a proferir no âmbito desse processo, tal liquidação não pode ficar prejudicada pela demora da decisão judicial. Para o efeito, alarga-se o prazo de caducidade até ao arquivamento do inquérito ou ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.”

(…)”este prazo de um ano subsequente ao arquivamento do inquérito ou trânsito em julgado do processo crime é, por vezes, designado de prazo técnico de efectuação da liquidação, ou seja, é o prazo que o legislador teve  como razoável para que a AT possa levar a cabo todas as diligências que esta acarreta” 

 

Pois bem.

 

O dissenso entre as partes, no que concerne a este segmento, radica no facto de a Requerente entender abusiva e ilegítima a aplicação in casu do disposto no nº 5 do artigo 45º da LGT, e a posição da AT, que subscreve a legitimidade de tal “alargamento” do prazo, pelas razões referidas supra.

 

Densificando;

 

Da doutrina que brota das instâncias, extrai-se o seguinte, no que concerne à interpretação que tem vindo a ser seguida, relativamente ao nº 5 do artigo 45º da LGT:

 

- Acórdão do STA de 11/11/2015 (relatado pelo Conselheiro Francisco Rothes, no âmbito do    processo0190/14):

 

“I-A contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45º, nº 5 da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos”

“O alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, previsto no nº 5 do artigo 45º da LGT, não exige que se apurem novos factos no processo-crime mas apenas que ocorra identidade de factos com base nos quais foi instaurado o processo-crime e aberto o procedimento de liquidação”.

 

No mesmo sentido, no âmbito da jurisprudência arbitral pode (entre outros) ver-se no processo nº 7/2016-T, que data venia, se subscreve, e que passamos a seguir:

 

“ (…)No entanto no nº 5 do artigo 45º da LGT, reintroduzido pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, estabelece-se que “sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o nº1 é  alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano.

Como resulta do próprio texto desta norma, ao exigir que o direito a liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, para aplicação do alargamento do prazo previsto neste artigo 45º,é necessário, desde logo, que se prove que o direito de liquidação se baseia em factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o que pressupõe o conhecimento dos factos concretos que foram alvo da investigação criminal.”

 

“Por outro lado, como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18-01-2012, processo 00670/08.1BEBRG, na esteira do acórdão do mesmo Tribunal de 22-04-2010, que cita, “para que se verifique esse alargamento do prazo de caducidade é imperioso que os factos tributários subjacentes à (s) liquidação (ões) em causa tenham sido objecto de uma investigação criminal “o que se compreende, pois não havendo a exigida identidade dos factos investigados no âmbito do processo penal e aqueles que constituem pressuposto da liquidação, não se vislumbra de que forma a pendência daquele processo possa afectar o exercício do direito de liquidação dos tributos”.

É necessário, assim, que haja uma relação entre a possibilidade de exercício do direito de liquidação e a pendência do processo de inquérito, de forma a poder afirmar-se que o direito de liquidação não podia ser exercido nos termos correctos sem conhecimento de factos apurados no inquérito.

Na verdade, numa interpretação teleológica, do referido artigo 45º, nº 5 da LGT que tenha  em mente, a par do interesse na cobrança de tributos, o interesse do contribuinte e público da segurança jurídica, ínsito no instituto da caducidade do direito de liquidação de tributos, e o princípio constitucional da necessidade na restrição de garantias dos contribuintes, não se pode entender que, pelo facto de ter sido instaurado um inquérito criminal para averiguar qualquer facto que possa gerar uma dívida tributária, o direito de liquidação relativamente a quaisquer factos ocorridos no mesmo ano se prolongue nos termos daquele artigo 45º, nº 5.

Com efeito, esta ponderação relativa dos interesses conflituante da segurança jurídica e da cobrança de tributos tem de conduzir forçosamente à conclusão de que só é aplicável o prazo alargado quando os factos que servem de base à liquidação são averiguados no inquérito criminal, isto é, quando não havia outra forma de a Autoridade Tributária e Aduaneira liquidar no prazo normal, salvaguardando todos os interesses em confronto.

Por outras palavras, o alargamento do prazo não pode ser entendido como um incompreensível benefício à Autoridade Tributária e Aduaneira ou incentivo para poder actuar com menos diligência do que é normalmente exigida na liquidação de tributos, mas sim como inconveniente para a segurança jurídica que só é tolerável quando o conhecimento dos factos averiguados no inquérito criminal seja necessário para efectuar a liquidação, em termos condizentes com a  realidade.”

 

Afigura-se pois, salvo melhor opinião, que deverá verificar-se uma identidade objectiva entre o facto tributário (liquidação do tributo) e o facto objecto de inquérito para se legitimar o alargamento do prazo de caducidade em apreço.

 

Face ao que vem de expor-se, sem necessidade de mais quaisquer outras considerações, e descendo ao caso concreto , “é manifesto que se não pode concluir que os factos apurados no inquérito criminal tenham sido necessários para correcto apuramento do imposto, desde logo, porque a AT não logrou alegar, muito menos, provar ou demonstrar que as correcções aritméticas operadas (entre as quais, resultam as liquidações em análise) respeitam a factos que vieram a ser apurados em inquérito criminal, mesmo que neste, esses factos não conduzam a uma acusação material”.

 

Concluindo-se, em consequência que à factualidade subjacente nos presentes autos não é de aplicar o alargamento do prazo de caducidade do direito de liquidação previsto no artigo 45º, nº 5 da LGT.

 

- questões de conhecimento prejudicado

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de caducidade do direito de liquidação, que assegura a efectiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que são imputados ao acto tributário em causa.

Com efeito, decorre do estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios no artigo124º do CPPT, que julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de apreciar os outros que lhe sejam imputados. Com efeito se se mostrasse necessário conhecer de todos os vícios seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.

 

III. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

A Requerente formula o pedido de restituição do valor de 22.638,40 € relativo ao IRC  indevidamente pago em 24/10/2018, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

De conformidade ao  disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária, a partir do termo do prazo para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo para execução espontânea das sentença dos tribunais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT, ex vi alínea a) do nº1 do artigo 29º do RJAT, que prevê:

Artigo 100º

Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo

A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do prazo da execução de decisão.

Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade”, para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não fazendo menção  a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competência, os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJTA em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O nº 5 do artigo 24º do RJAT ao afirmar que “é devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.

Os juros indemnizatórios têm uma reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter fica ilicitamente privado de certo quantos, durante um determinado período de tempo, visando coloca-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efectuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

 

Perante oque vem de expor-se, e face ao sentido decisório quanto ao mérito da causa, já sinalizado, decide este tribunal singular em condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a data dos pagamentos efectuados, até à sua integral devolução.

 

IV. DECISÃO

 

Face ao que vem de expor-se, decide o Tribunal Arbitral Singular em:

 

a.declarar a ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2019...,

b. declarar a ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC de 2012, nº 2018...,

c. julgar procedente o reembolso da quantia de 22.638,40 € paga pela Requerente, acrescida de juros indemnizatórios,

d. condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

 

V.VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade ao estatuído nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º-A) nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 23.484,39 € (vinte e três mil, quatrocentos e oitenta e quadro euros e trinta e nove cêntimos), considerando o valor da liquidação impugnada e os juros já vencidos.

 

VI.CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante de custas em 1.224.00 € (mil duzentos e vinte e quatro euros).

 

NOTIFIQUE-SE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.

 

[A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas em que manteve a ortografia original].

 

Trinta de Outubro de dois mil e vinte

 

O árbitro

(j. coutinho pires)