Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 624/2019-T
Data da decisão: 2020-09-11  IVA  
Valor do pedido: € 197.002,06
Tema: IVA 2015, 2016, 2017 e 2018 – Fundamentação das liquidações adicionais.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros José Poças Falcão, árbitro-presidente, Nuno Maldonado Sousa e Henrique Nogueira Nunes, árbitros vogais, designados para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

1. Relatório

A..., S.A., pessoa coletiva e contribuinte n.º..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... Lisboa, (doravante designada como “Requerente”) veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

O pedido da Requerente tem como objeto os atos de liquidação adicional de IVA e correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios que seguidamente se identificam., peticionando concretamente a anulação dos atos de liquidação adicional de IVA“ referentes aos meses de março, agosto e dezembro de 2015; julho e dezembro de 2016; fevereiro, março e novembro de 2017 e setembro de 2018, e, bem assim, dos correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios”. De acordo com a enumeração que consta do pedido de pronúncia arbitral, os atos são os seguintes:

 

Para fundamentar a sua pretensão a Requerente alega que dos atos de liquidação que impugna não resulta suficiente a necessária fundamentação, nem de facto, nem de direito, em desrespeito com a previsão das normas do artigo 77.º, n.º 2 da LGT . Acrescenta que com essa falta de indicação dos fundamentos das liquidações, não é possibilitado o conhecimento do itinerário cognoscitivo que lhes subjaz, estando, por isso, inquinados de vício de forma, nos termos do disposto no artigo 268.º, n.º 3 da CRP . Acrescenta que os atos de liquidação referentes aos anos de 2016 a 2018 nem sequer têm relação direta com o próprio relatório de inspeção tributaria que lhe foi notificado, pelo que a Requerente desconhece, em absoluto, a motivação subjacente à sua emissão.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. Os signatários comunicaram a aceitação do encargo do exercício das funções de árbitro no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 13-12-2019.

Em 16-03-2019 foi apresentado requerimento pela Requerente e sobre ele incidiu despacho de 18-03-2020, para que a Requerida se pronunciasse sobre ele, o que ocorreu em 18-05-2020, com expressa alegação de o prazo para a sua resposta se encontrar suspenso, justificação que foi aceite por despacho de 19-05-2020. Pelo menos entre 16-03-2020 e 18-05-2020 a tramitação do processo não pode seguir o seu curso, mesmo através de meios eletrónicos, havendo que tirar as devidas ilações das normas da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de março, em especial as que constam do seu artigo 7.º, n.º 1 e n.º 3.

                É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante AT) que apresentou Resposta em que defendeu a validade das liquidações impugnadas. Sustenta a sua posição no incumprimento pela Requerente das normas de procedimento relativas à regularização de créditos de IVA resultantes de anulação ou de retificação de faturas.

Por despacho de 10-02-2020 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, que vieram a ser apresentadas pela Requerente em 24-02-2020 e pela Requerida em 03-03-2020. Ambas reafirmaram os argumentos que trouxeram nos articulados.

 

2. Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevância para a decisão:

A.           A Requerente emitiu em 18-03-2015 a fatura n.º 3/2015 que dirigiu à Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, correspondente ao adiantamento pelo serviço de "Construção ...” no montante de € 1.235.322,08. [PPA, 84.º: doc. 7]

B.            Em 06-04-2015 a Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural informou por email a Requerente, da redução do adiantamento a que se refere a fatura identificada na alínea anterior em 50 %, de que o valor do adiantamento era de 501.756,95 € e solicitou a emissão de nota de crédito daquele valor sobre a fatura n.º 3/2015. [PPA, 85.º: doc. 8]

C.            Em 07-04-2015, pelas 09:24:40, a Requerente procedeu à emissão da nota de crédito n.º 17/2015 no montante de 501.756,95 €, que acrescido de IVA no montante de € 115.404,10 resulta no total de € 617.161,05, por referência à data de 31 de março de 2015 [PPA, 86.º: docs. 9 e 10].

D.           Em 20-04-2015 a Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural enviou aviso de pagamento à Requerente com indicação da ordem de transferência eletrónica interbancária para crédito da sua conta pelo valor de € 617.161,05, correspondente à liquidação da fatura n.º 3/2015 e da nota de crédito n.º 17/2015 [PPA, 87.º e 88.º: doc. 11].

E.            Em 30-11-2015 a ora Requerente emitiu a fatura FA 2015/365, no montante de € 108.176,46, correspondente aos serviços de "empreitada de reabilitação da célula de lamas não estabilizadas da etar ..." prestados à Agência Portuguesa do Ambiente, LP. [PPA, 94.º: doc. 12].

F.            A Requerente emitiu em 3 de dezembro de 2015 a nota de crédito RFA 2015/18 à Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., e nela referenciou “motivo: 07 – Erro no valor”, no montante de € 87.948,29, que acrescido de IVA no valor de € 20.228,11 resulta no total de € 108.176,40. [PPA, 95.º: doc. 13].

G.           Em 03-12-2015 a Requerente emitiu a fatura FA 2015/366, no montante de € 108.163,42, correspondente aos serviços de "empreitada de construção e instalação de equipamentos" prestados à B..., S.A.. [PPA, 103.º: doc. 14].

H.           a Requerente emitiu em 3 de dezembro de 2015 a nota de crédito RFA 2015/19 à B..., S.A., e nela referenciou “motivo: 07 – Erro no valor”, no total de € 108.163,42, que inclui IVA no valor de € 20.225,68. [PPA, 104.º: doc. 15].

I.             Em 03-12-2015 a ora Requerente emitiu a fatura FA 2015/367, no montante de € 65.528,58, correspondente aos serviços de "Empreitada de reabilitação da célula de Iamas não estabilizadas da etar  ..." prestados à Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. [PPA, 111.º: doc. 16].

J.             A Requerente emitiu em 31 de dezembro de 2015 a nota de crédito RFA 2015/22 à Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., e nela referenciou “motivo: 07 – Erro no valor”, no montante de € 53.275,27, que acrescido de IVA no valor de € 12.253,31 resulta no total de € 65.528,58. [PPA, 112.º: doc. 17].

K.            Em 30 de setembro de 2015 a Requerente emitiu a fatura FA 318/2015, no montante de € 1.560,17, correspondente aos serviços de "valores de vossa conta, referente a consumo de gasóleo efetuado pela vossa empresa, conforme anexos " prestados ao cliente C..., Lda. . [PPA, 118.º: doc. 18].

L.            A Requerente emitiu em 23-10-2015 a nota de crédito RFA 35/2015 à C..., Lda, e nela referenciou “anulação integral da fatura”, no montante de € 1.268,43, que acrescido de IVA no valor de € 291,74 resulta no total de € 1.580,17. [PPA, 112.º: doc. 19].

M.          A emissão da nota de crédito RFA 35/2015 foi comunicada ao cliente C..., Lda., mediante envio da nota de crédito emitida, bem como da fatura anulada, tendo o cliente assinado e carimbado a referida nota de crédito [PPA, 119.º: doc. 19].

N.           Em cumprimento da Ordem de Serviço com n.º OI012018..., datada de 2 de fevereiro de 2018 e com despacho de 07-02-2018, a Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção interna de âmbito parcial, que incidiu sobre o ano de 2015 e teve como motivo o controlo, no âmbito do acompanhamento permanente, dos elementos declarados pelo sujeito passivo [PPA, 46.º: doc. 3, pp. 1 e 5].

O.           No RIT  para além do mais consta que [Doc. 3 do PPA: p. 10]:

P.            No mesmo capítulo do RIT, para além do mais, consta que, relativamente à situação relatada de existirem notas de crédito sem prova que o seu destinatário tomou delas conhecimento [Doc. 3 do PPA: p. 11]:

Q.            

R.            No âmbito do exercício do direito de audição relativamente ao projeto de redação do RIT, a Requerente prestou declarações relativamente à matéria da alínea anterior e juntou documentos e a AT concluiu não ser de fazer as correções relativamente às notas de crédito n.ºs 07/2015, 15/2015 e 23/2015. [Doc. 3 do PPA: pp. 19-24].

S.            Ainda no capítulo 3.2. do RIT, para além do mais, relativamente à situação relatada de existirem regularizações de IVA sobre adiantamentos feitas seguindo determinado procedimento, consta o seguinte [Doc. 3 do PPA: p. 12]:

T.            Também no mesmo capítulo do RIT, para além do mais, consta a identificação das faturas a que se reporta a alínea anterior, nos seguintes termos: [Doc. 3 do PPA: pp. 12-13]:

U.           Ainda no mesmo capítulo do RIT, para além do mais, a propósito do tema a que se reporta a alínea anterior, consta que: [Doc. 3 do PPA: p. 13]:

V.           Noutro capítulo do RIT, para além do mais, consta que: [Doc. 3 do PPA: p. 15]:

W.          No âmbito do exercício do direito de audição relativamente ao projeto de redação do RIT, a Requerente prestou declarações relativamente à matéria da alínea anterior e juntou documentos e, para além do mais, a AT concluiu nos seguintes termos: [Doc. 3 do PPA: pp. 24-25].

X.            Nas “conclusões” do RIT consta que: [Doc. 3 do PPA: pp. 25-26]

Y.            Através do ofício ... de 29-05-2019 a AT notificou a Requerente das correções resultantes da ação de inspeção, enviando, como parte da notificação o relatório/conclusões respetivo, do qual fez parte despacho de 24-05-2019 da Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, por subdelegação do Diretor de Finanças Adjunto, de concordância com o parecer da chefe de equipa que também consta deste documento, com o seguinte teor [PA, parte1, pp.25-27]:

Concordo com o parecer da Chefe de Equipa, e com o relatório da acção inspectiva, em anexo.

Dos fundamentos deles constantes resulta que se encontram verificados os pressupostos legais e de facto para, mantendo-se a avaliação directa da matéria colectável e do imposto, proceder às correções técnicas propostas, nos termos do artigo 78.º no 5 do CIVA, conjugado com os artigos 81.º a 84.º da LGT.

Proceda-se à tramitação do Documento de Correcção (DC), por forma adequada à liquidação e cobrança do imposto em falta nele quantificado.

Remetam - se os autos de notícia (2) ao Serviço de Finanças de Lisboa 11 - 3344. Notifique-se o sujeito passivo, com remessa de cópia do relatório.

Z.            No RIT consta o parecer da chefe de equipa onde, para além do mais, se pode ler [PA, parte1, p. 27]:

(…)

A análise efetuada aos elementos disponíveis relativos ao contribuinte supra identificado, nomeadamente a refletida nas declarações entregues, complementada com esclarecimentos adicionais solicitados à empresa, permitiram detetar irregularidades que se traduziram em correções de natureza meramente aritmética em sede de IVA, que se encontram descritas e quantificadas nos capítulos 3 e 9 do relatório, consubstanciadas na não aceitação da regularização a favor da empresa do Iva relativo a diversas situações, que dada a sua natureza e/ou data de ocorrência, não se enquadram no disposto no artigo 78.º n.º 5 do CIVA, pelo que se corrigiu o montante de 177 165,51 €.

(…)

 

AA.        A Administração Tributária emitiu demonstrações de acerto de contas que enviou à Requerente, relativamente aos períodos seguintes, que resultaram nos valores indicados [PPA, 49.º: doc. 2]:

Período de referência    Saldo     Sentido do saldo

Março de 2015  115.404,10 €      A pagar

Julho de 2015    10530,89 €          A pagar

Agosto de 2015 94,44 € A pagar

Dezembro de 2015          24.050,17 €        A pagar

Dezembro de 2015          3.096,87 €          A pagar

01-12-2015 a 31-12-2016              73,04 € A pagar

Setembro de 2018           5.635,94 €          A pagar

 

BB.         A AT efetuou as seguintes liquidações de IVA, com valor a pagar, onde indica os seguintes dados:

Fundamentação              Número liquidação         Período Data liquidação Valor a pagar

Liquidação efetuada com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária        2019 ... 201503  2019-06-08     115.404,10 €

Liquidação efetuada nos termos do artigo 87.º do CIVA, em resultado do processamento da declaração corretiva, enviada por um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica         2019 ... 201508  2019-06-08     94,44 €

Liquidação efetuada com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária        2019 ... 201512  2019-06-08     24.050,17 €

Liquidação efetuada nos termos do artigo 87.º do CIVA, em resultado do processamento da declaração corretiva, enviada por um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica         2019 ... 201612  2019-06-13     635,94 €

Liquidação efetuada nos termos do artigo 87.º do CIVA, em resultado do processamento da declaração corretiva, enviada por um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica         2019 ... 201703  2019-06-13     1.486,86 €

 

CC.         A AT efetuou as seguintes liquidações de IVA, com valor a reembolsar, onde indica em todas elas como fundamentação “O valor a reembolsar, relativo ao período a que respeitam as operações, foi apurado tendo por base os valores declarados e os registados na sua conta corrente “, bem como os seguintes dados:

Número liquidação         Período Data liquidação Valor a reembolsar

2019 ... 201607  2019-06-12          239.469,11 €

2019 ... 201702  2019-06-13          19.920,65 €

2019 ... 201711  2019-06-18          87.594,30 €

2019 ... 201809  2019-06-19          44.346,06 €

 

DD.        A AT efetuou as seguintes liquidações de juros de IVA onde indica, os seguintes dados, com a fundamentação “juros calculados nos termos do art.º 96.º do CIVA e dos art.º 35.º e 44.º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou por se ter verificado atraso ou insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte.” :

 

Número liquidação         Período Data liquidação Valor a pagar

2019 ... 201503  2019-06-08          18.338,18 €

2019 ... 201512  2019-06-08          3.096,87 €

2019 ... 201612  2019-06-13          73,04 €

2019 ... 201703  2019-06-13          152,78 €

 

EE.          A Requerente não promoveu o pagamento das liquidações no prazo de pagamento voluntário.[PPA,52.º].

FF.          A Requerente foi citada, através de citação datada de 13 de agosto de 2019, para o processo de execução fiscal n.º ...2019...e apensos, de onde consta, na identificação da dívida em cobrança coerciva que esta se refere ao imposto IVA, referente aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, no valor de € 197.002,06, a juros de mora no valor de 215,54 e a custas no montante de € 1.252,04, perfazendo o total a pagar a quantia de € 198.469,64. [PPA, 53.º: doc. 5].

 

3.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

O julgamento da matéria de facto assentou exclusivamente na prova documental trazida aos autos pela Requerente e pela que consta do processo administrativo pedido pelo Tribunal. A prova documental foi apreciada à luz da experiência do Tribunal e da posição que a Requerida tomou a propósito de cada alegação de facto produzida pela Requerente no seu PPA.

Das alegações de factos trazidos pela Requerente, não se encontravam documentalmente justificadas as que seguidamente se discriminam. Apesar da Requerente indicar a numeração dos documentos em que constaria a prova, isso não aconteceu. Note-se que a numeração dos documentos e a sua referenciação não têm plena correspondência, o que é fácil de constatar face à referenciação para o documento n.º 20 (ut. 119.º e 120.º), quando apenas foram juntos documentos numerados até 19 (veja-se a junção de 24-09-2019).

A Requerente não provou a seguinte matéria que alegou:

             A emissão da fatura FA 2015/365 e da nota de crédito RFA 2015/18 foi comunicada à Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., mediante envio pelo correio de todas as vias da nota de crédito emitida, bem como da fatura anulada. A alegação consta do artigo 96.º do PPA , A Requerente indica para prova os documentos n.ºs. 13 e 14 que são exatamente a nota de crédito RFA 2015/18 e a fatura FA 2015/366, que são de todo inábeis para prova da efetiva comunicação da emissão dos documentos por via postal. Não foi possível localizar nos autos aviso de receção ou meio de prova equivalente que atestasse o envio e sobretudo a receção dos documentos citados.

             A emissão da fatura FA 2015/366 e da nota de crédito RFA 2015/19 foi comunicada à B..., S.A, mediante envio pelo correio de todas as vias da nota de crédito emitida, bem como da fatura.  A alegação consta do artigo 107.º do PPA, A Requerente indica para prova os documentos n.ºs. 15 e 16 que são exatamente a nota de crédito RFA 2015/19 e a fatura FA 2015/367, que são de todo inábeis para prova da efetiva comunicação da emissão dos documentos por via postal. Não foi possível localizar nos autos aviso de receção ou meio de prova equivalente que atestasse o envio e sobretudo a receção dos documentos citados.

             A emissão da nota de crédito RFA 2015/22 foi comunicada à Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., mediante envio pelo correio de todas as vias da nota de crédito emitida, bem como da fatura FA 2015/367. A alegação consta do artigo 114.º do PPA. A Requerente indica para prova os documentos n.ºs. 17 e 18 que são exatamente a nota de crédito RFA 2015/22 e a fatura FA 2015/318, que são de todo inábeis para prova da efetiva comunicação da emissão dos documentos por via postal. Não foi possível localizar nos autos aviso de receção ou meio de prova equivalente que atestasse o envio e sobretudo a receção dos documentos citados.

             Que não tenha existido adesão ou concordância do autor do ato, como alega em 29.º do PPA, designadamente da Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, por subdelegação do Diretor de Finanças Adjunto, pois a concordância consta expressa no próprio RIT, como se assentou em (X) .

 

3. Matéria de direito

 

Veja-se em primeiro lugar qual é o objeto do litígio e quais são os vícios imputados pela Requerente aos atos tributários cuja anulação peticiona.

Embora a Requerente identifique perfeitamente quais são os atos que pretende sindicar e fá-lo no cabeçalho do PPA, no quadro constante do respetivo artigo 1.º e no próprio pedido que formula no final, inclui entre esses, quatro atos que liquidam reembolsos de IVA a seu favor, com o fundamento declarado pela AT de “O valor a reembolsar, relativo ao período a que respeitam as operações, foi apurado tendo por base os valores declarados e os registados na sua conta corrente“ (supra, (Z)). Nada parece obstar a que o faça.

O objeto do litígio é assim constituído pela validade dos atos tributários seguintes, cuja prática ficou assente supra em (Y), (Z) e (AA):

 

Para sustentar o seu pedido de anulação a Requerente alega vícios que afetam todos atos em geral e também vícios específicos de determinados atos. Havendo vícios específicos há necessidade de apreciar os atos em causa isoladamente, ou em grupos homogéneos, o que se fará seguidamente.

Como vícios que afetam todos atos em geral, a Requerente menciona:

i.             que resultando os atos impugnados de ação de inspeção tributária, a admissão da fundamentação por remissão para as conclusões do RIT pressupõe a adesão ou concordância com essas conclusões pela entidade competente, o que, afirma, “não sucedeu no caso em apreço” (PPA, 29.º), violando a norma do artigo 63.º, n.º 1 do RCPITA ;

ii.            que “não resulta suficiente a necessária fundamentação, nem de facto, nem de direito” pois, na sua tese, “nos atos de liquidação notificados não são explicitados os fundamentos que determinaram a sua emissão” (PPA, 11.º e 12.º), o que é violador da lei, designadamente das normas do artigo 77.º, n.º 2 da LGT e do artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa. Afirma ainda (PPA, 22.º) que nos atos impugnados “não existe qualquer referência a uma eventual remissão, explícita, para um concreto documento externo”.

 

3.1 A falta de fundamentação

Recordemos a redação das normas que mais diretamente disciplinam as questões suscitadas:

RCPITA

Artigo 63.º - Fundamentação da decisão

1 - Os actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório.

(…)

 

LGT

Artigo 77.º - Fundamentação e eficácia

1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

(…)

 

3.1.1. A falta de fundamentação por remissão para as conclusões do RIT

 A Requerente sustenta (PPA, 29.º) que resultando os atos impugnados de ação de inspeção tributária, a admissão da fundamentação por remissão para as conclusões do RIT pressupõe a adesão ou concordância com essas conclusões pela entidade competente, o que, afirma, “não sucedeu no caso em apreço” violando a norma do artigo 63.º, n.º 1 do RCPITA.

Como se alcança da matéria assente em X), a afirmação da Requerente não tem sustentação factual pois por ofício de 29-05-2019 a AT notificou a Requerente das correções resultantes da ação de inspeção e enviou também, como parte da notificação, o relatório/conclusões respetivo, do qual fez parte despacho de 24-05-2019 da Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, por subdelegação do Diretor de Finanças Adjunto, de concordância com o parecer da chefe de equipa, que também consta deste documento. O despacho de concordância está documentado no Processo Administrativo, que faz parte dos autos e cujo conteúdo não sofreu qualquer impugnação. A tentativa de prova da inexistência de despacho de confirmação, não pode convencer o Tribunal, pois a cópia do RIT junta pela Requerente, como documento n.º 3 é manifestamente incompleta pois a sua primeira página ostenta o algarismo “8”. Se essa fosse a via da documentação que efetivamente recebeu, cabia-lhe alegá-lo inequivocamente e era também seu encargo prová-lo. Não fez nenhuma das duas ações.

Por ausência de suporte factual, improcede na totalidade a alegação da Requerente da falta de fundamentação por ausência de despacho de concordância, que foi efetivamente proferido e comunicado à Requerente.

 

3.1.2. A falta de fundamentação por inexistência, incompletude ou ininteligibilidade da fundamentação

 

Crê-se que coexistem 4 situações distintas, no que concerne à fundamentação:

i.             As liquidações que resultam da ação inspetiva, referenciada nas notas de liquidação como “liquidação efetuada com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária”.

ii.            As liquidações que têm como fundamentação constante das notas de liquidação “Liquidação efetuada nos termos do artigo 87.º do CIVA, em resultado do processamento da declaração corretiva, enviada por um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica”.

iii.           As liquidações de juros de IVA onde nas notas de liquidação se indica a fundamentação “juros calculados nos termos do art.º 96.º do CIVA i dos art.º 35.º e 44.º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou por se ter verificado atraso ou insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte.”

iv.           As liquidações de IVA, com valor a reembolsar, onde é indicado, em todas elas, como fundamentação “O valor a reembolsar, relativo ao período a que respeitam as operações, foi apurado tendo por base os valores declarados e os registados na sua conta corrente “

 

Vejamos cada situação.

 

3.1.2.1. As liquidações que resultam da ação inspetiva

Estas liquidações encontram-se, de algum modo, fundamentadas no RIT. Importará ver, em cada caso concreto, se a fundamentação é capaz para justificar o ato em questão, juntamente com a apreciação da sua legalidade estrita.

 

3.1.2.2. As liquidações de IVA, com valor a reembolsar

A AT efetuou as seguintes liquidações de IVA, com valor a reembolsar, onde indica em todas elas como fundamentação “O valor a reembolsar, relativo ao período a que respeitam as operações, foi apurado tendo por base os valores declarados e os registados na sua conta corrente “.

As liquidações que se incluem nesta secção foram assentes em BB) e são as seguintes:

Número liquidação         Período Data liquidação Valor a reembolsar

2019...  201607  2019-06-12          239.469,11 €

2019...  201702  2019-06-13          19.920,65 €

2019...  201711  2019-06-18          87.594,30 €

2019...  201809  2019-06-19          44.346,06 €

 

A Requerente expressa claramente que os atos tributários em causa são inválidos por falta de fundamentação. Refere-se genericamente a esse vício em 11.º do seu Requerimento Inicial e reporta-se expressamente a estas liquidações, dos anos 2016, 2017 e 2018, em 38.º e em 50.º da citada peça.

Por seu turno, a este propósito a AT refere apenas que as liquidações de períodos posteriores a 2015 são o reflexo na “conta corrente de imposto” das correções que resultam do RIT (21.º  e 22.º da Resposta da AT).

Ressalta das notas de liquidação que o período de referência é sempre posterior a 2015, i.e., que o período de referência destas liquidações está para além da ação inspetiva, que foi restrita ao exercício de 2015. Embora se possa supor que os movimentos na mencionada conta corrente, possam resultar das correções resultantes do RIT, essa ideia não tem qualquer assento no RIT nem as notas de liquidação indiciam nesse sentido. Importa pois apurar se a referência constante das liquidações, é suficiente para preencher os requisitos da fundamentação.

Crê-se que o conceito de conta-corrente mais comum é o que se retira do artigo 344.º do Código Comercial, podendo afirmar-se que uma conta corrente é o registo sequencial dos movimentos de débito e crédito entre dois sujeitos, tendo em vista o apuramento do saldo das relações entre eles, de tal forma que não são as obrigações registadas que são exigíveis mas antes o respetivo saldo. É claro que as disposições do Código Comercial não regulam a relação tributária mas é seguro que o conceito de conta corrente tem génese nas operações comerciais.

A conta-corrente dos movimentos de IVA é um instrumento bem diferente e não é apenas um instrumento de gestão do contribuinte; é verdadeiramente um dispositivo criado pela lei para que cada sujeito passivo de IVA e a AT mantenham um registo organizado pelas mesmas linhas condutoras, necessariamente reflexo. Este instrumento tem atualmente quadro legal nas normas do Decreto Lei n.º 229/95, de 11 de Setembro, que harmoniza as disposições que regulamentam a cobrança e o pagamento dos reembolsos do IVA . Deste regime resulta que a conta corrente de IVA revela os créditos disponíveis e contém os reembolsos pagos, os reembolsos em fase de apreciação (artigo 2.º), e, a crédito, a diferença entre os valores remetidos para pagamento e o valor do imposto apurado com base nos valores indicados na declaração periódica correspondente, quando o pagamento efetuado for superior ao que resulta do apuramento (artigo 6.º. n.º 1). são ainda creditados na conta corrente do sujeito passivo créditos apurados em declarações periódicas enviadas depois do termo do prazo, créditos resultantes de declarações periódicas de substituição (artigo 8.º) e os pagamentos que não correspondam a qualquer valor autoliquidado (artigo 9.º).

A conta-corrente, na versão que dela tem a AT, é divulgada ao sujeito passivo pela DSCIVA, que emitirá trimestralmente, para os contribuintes do regime mensal, extratos relativos à sua situação tributária em termos de IVA (artigo 2.º).

Sendo, como é, a conta-corrente um instrumento previsto na lei, a ignorância da Requerente relativamente à existência só a si pode ser imputável, não sendo exigível, num instrumento tão comum, que a AT repita em cada liquidação, que a conta corrente é movimentada nos termos das normas do Decreto Lei n.º 229/95, de 11 de Setembro. É assim de aceitar, como base da fundamentação sumária, a qualificação do ato, sendo expresso que se trata de liquidação, que tem origem nos valores declarados e nos valores registados na conta corrente, com referência a concretos períodos de tributação, que também são expressamente indicados.

Também não parece oferecer dúvidas que as demonstrações das liquidações quantificam devidamente o ato, pela indicação do seu valor em euros e a forma da sua determinação, que foi através da conta corrente.

Já não parece tão seguro que a base legal para cada liquidação se encontre devidamente identificada. Vejamos este aspeto.

O CIVA regula a liquidação do imposto em várias normas e prevê que esta operação tenha lugar em várias circunstâncias, entre outras, a autoliquidação na declaração periódica (artigo 29.º, n.1-c), a liquidação do imposto a favor do Estado ou de juros compensatórios por iniciativa dos serviços da AT (artigo 28.º, n.º 1), a liquidação adicional de diferenças que resultem da retificação das declarações dos sujeitos passivos pela AT, quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos (artigo 87.º, n.º 1), a liquidação oficiosa do imposto por falta da apresentação da declaração periódica (artigo 88.º, n.º 1) ou a liquidação oficiosa pelo chefe do serviço de finanças no regime dos retalhistas (artigo 89.º, n.º 1).

Por sua vez a regulamentação da cobrança e do pagamento dos reembolsos do IVA, constante do referido Decreto-Lei n.º 229/95, prevê que o crédito de imposto seja utilizado para compensação (artigo 6.º, n.º 1 e n.º 2-b, artigo 7.º, artigo 9.º e artigo 14.º, n.º 4) ou para utilização em períodos de imposto seguintes (artigo 8.º) mas não prevê nem regula a liquidação de valores a reembolsar, tendo por base os valores registados na conta corrente. Aliás, o pagamento dos reembolsos do IVA é efetuado pelo IGCP por ordem da Direção de Serviços de Reembolsos da Autoridade Tributária e Aduaneira, através de transferência bancária sem que essa ordem, que é um ato tributário, tenha, na nomenclatura da lei, a qualificação de liquidação (artigo 15.º, n.º 1).

Neste complexo de situações em que pode ocorrer a liquidação, a fundamentação não pode deixar de identificar qual é a concreta norma jurídica que habilita a AT a efetuar a liquidação, tanto mais que o regime regra indica que esta tarefa cabe ao sujeito passivo (artigo 29.º, n.º 1-c do CIVA) e não à AT.

Não pode deixar de observar-se que nas liquidações que resultam em imposto a favor do Estado, consta referência a que estas têm origem em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária, remetendo-se implicitamente para o RIT onde se enumeram as normas aplicáveis. Neste mesmo sentido podem também ver-se as liquidações de juros, que referem expressamente que “os juros são calculados nos termos do art.º 96.º do CIVA e dos art.ºs 35.º a 44,º da Lei Geral Tributária”.

Sem a identificação da fundamentação jurídica para estas liquidações, não é possível perceber claramente qual o percurso intelectivo feito pela AT, para a levar a liquidar as quantias enumeradas, para serem reembolsadas à Requerente.

Procede, pois, a impugnação da Requerente relativamente às liquidações efetuadas pela AT e identificadas em BB).

 

3.2 A legalidade estrita das liquidações efetuadas com base em correções baseadas no RIT relativamente ao regime do IVA e face à necessidade de fundamentação

As liquidações a apreciar neste capítulo foram assentes em AA) e são exatamente as seguintes:

Fundamentação              Número liquidação         Período Data liquidação Valor a pagar

Liquidação efetuada com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária        2019 ... 201503  2019-06-08     115.404,10 €

Liquidação efetuada nos termos do artigo 87.º do CIVA, em resultado do processamento da declaração corretiva, enviada por um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica         2019 ... 201508  2019-06-08     94,44 €

Liquidação efetuada com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária        2019 ... 201512  2019-06-08     24.050,17 €

Liquidação efetuada nos termos do artigo 87.º do CIVA, em resultado do processamento da declaração corretiva, enviada por um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica         2019 ... 201612  2019-06-13     635,94 €

Liquidação efetuada nos termos do artigo 87.º do CIVA, em resultado do processamento da declaração corretiva, enviada por um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica         2019 ... 201703  2019-06-13     1.486,86 €

 

É oportuno trazer a este documento o regime legal das regularizações e a disciplina das correções em matéria de IVA, constantes do CIVA, que são os parâmetros de aferição da legalidade destas liquidações. São as seguintes as normas com maior relevância (apenas se reproduz a parte relevante de cada artigo, para a solução dos autos):

 

Artigo 78.º - Regularizações

1 - As disposições dos artigos 36.º  e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a fatura, o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto venham a sofrer retificação por qualquer motivo.

2 - Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º , for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.

3 - Nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos.

4 - O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efectuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo, a dedução efectuada.

5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.

 (…)

 

Artigo 87.º - Rectificação das declarações e liquidações adicionais

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 90.º, a Direcção-Geral dos Impostos procede à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença.

2 - As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações podem resultar directamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua.

3 - As inexactidões ou omissões podem igualmente ser constatadas em visita de fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame dos seus elementos de escrita, bem como da verificação das existências físicas do estabelecimento.

(…)

 

3.2.1. Liquidação n.º 2019..., do período 201503, efetuada com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária, no valor a pagar de 115.404,10 €

 

Em A), B), C) e D) assentou-se que a Requerente emitiu em 18-03-2015 a fatura n.º 3/2015 que dirigiu à Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, correspondente ao adiantamento pelo serviço de "Construção...” no montante de € 1.235.322,08 e que em 06-04-2015 a referida Direção Geral informou por email a Requerente, da redução do adiantamento em 50 %, e que o valor do adiantamento era tão-só de 501.756,95 € e solicitou a emissão de nota de crédito daquele valor sobre a fatura n.º 3/2015 e em 07-04-2015, a Requerente emitiu nota de crédito n.º 17/2015 naquele montante de 501.756,95 €, que acrescido de IVA no montante de € 115.404,10 resulta no total de € 617.161,05. Em 20-04-2015 aquela Direção Geral enviou aviso de pagamento à Requerente com indicação da ordem de transferência eletrónica interbancária para crédito da sua conta pelo valor de € 617.161,05, correspondente à liquidação da fatura n.º 3/2015 e da nota de crédito n.º 17/2015.

A propósito desta liquidação, podem ler-se no RIT (pp. 24-26) os fundamentos para não aceitação da regularização e que em síntese são dúvidas quanto à autenticidade de documento apresentado pela Requerente, que contém afinal declarações, sob a forma escrita, de agente da Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e que devem ser interpretadas.

A Requerente invoca que os fundamentos da AT violam as normas relativas às regularizações, designadamente os requisitos relativos à prova do conhecimento da regularização por parte do adquirente (91.º PPA).

Sob esta matéria há que considerar as normas do CIVA, designadamente as que constam do artigo 78.º, n.º 2 e n.º 5, que regulam a retificação do imposto em caso de redução do valor tributável já liquidado, permitindo-a, embora com a exigência que a regularização seja feita quando o sujeito passivo tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação.

Na tese da Requerente a prova do conhecimento da retificação neste caso, em termos práticos, é o conhecimento da “nota de crédito”, e esta parece-lhe evidente face à menção da sua existência, pelo adquirente, em documento que este emitiu.

Não parece a este Tribunal que o seu raciocínio mereça crítica. As normas do CIVA não regulam a matéria da prova e por isso esta pode ser feita por qualquer método admitido em direito e desde logo no respeito pelas presunções fixadas pela lei, designadamente nas que constam da LGT, que no seu artigo 75.º, n.º 1 afirma que “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei”. Cabe consequentemente à AT elidir a presunção, podendo fazê-lo quando as declarações do contribuinte revelarem erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem a matéria tributável real do sujeito passivo. Ora é inquestionável que a Requerente tinha em seu poder documento que prova, a um normal observador, que o adquirente tomou conhecimento da regularização. Essa é a afirmação da Requerente e não se vê que haja fundada causa para que seja posta em causa.

A verdadeira questão é afinal outra. A declaração que a AT pretende ser duvidosa não é a da Requerente, é aquela que deve ser feita pelo adquirente, no sentido de que tomou conhecimento da regularização.

Está em causa o aviso de pagamento emitido em 20-04-2015 pela Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural que o enviou à Requerente. Como a situação não se identifica com a elisão da presunção mas antes com a distribuição do ónus da prova, era à AT que cabia provar que a declaração apresentada não era afinal autêntica, como regula o artigo 74.º, n.º 1 da LGT. Aliás, o princípio do inquisitório, aplicado na perspetiva da descoberta da verdade material, impunha-lhe que esclarecesse as suas dúvidas, como preveem as normas do artigo 58.º da LGT, tanto mais que se tratava de outra entidade da Administração Pública de que ela própria faz parte. Dir-se-á que a declaração foi emitida pelo mesmo ente jurídico, que é o Estado.

De todo o modo analisemos as menções da ordem de transferência eletrónica que se encontra a instruir o Requerimento Inicial da Requerente, como documento n.º 11. Recorde-se que se pretende avaliar se as declarações contidas neste documento servem de “prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação”, rectius, que tomou conhecimento da nota de crédito.

No apuramento feito pela Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural emitida em 20-04-2015, consideram-se dois documentos a liquidar: (i) o documento com a referência 3/2015 de 18-03-2015, que titula uma obrigação de pagamento do adquirente de 1.234.322,08 €; (ii) o documento com a referência 17/2015 de 31-01-2015 no montante ilíquido de 617.161,05 €, que titula uma dedução a obrigação de pagamento.

 AT afirma que há incongruências entre o teor deste documento e outros elementos apresentados pela Requerente. Qual é afinal a conclusão da AT relativamente a este documento? Nenhuma, limitando-se a concluir que “não serve de comprovativo”, sem justificar juridicamente porque conclui desse modo. É inquestionável que o documento afirma que a Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural tomou conhecimento da retificação titulada pela nota de crédito n.º 17/2015. É tanto quanto basta para que o direito à retificação seja exercido pela Requerente.

Procede assim a impugnação da liquidação n.º 2019..., do período 201503, no valor a pagar de 115.404,10 €, que deve ser anulada.

 

3.2.2. Liquidação n.º 2019..., do período 201508, efetuada com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária, no valor a pagar de 94,44 €

No seu Requerimento inicial a Requerente não aponta a existência de nenhum vício específico relativamente a esta liquidação, nem sustenta a validade da nota de crédito que lhe é subjacente que, de acordo com o RIT (pp. 15 e 26) é a nota de crédito n.º 31/2015. A AT fundamenta a liquidação na falta de prova do conhecimento da retificação pelo adquirente, que não foi apresentada pela Requerente quando foi instada a fazê-lo.

Há assim que verificar se a fundamentação desta liquidação preenche os requisitos necessários, designadamente os de natureza geral que são fixados pelas normas do artigo 77.º da LGT e os de natureza específica, que a regra do artigo 87.º, n.º 1 do CIVA impõem.

O RIT fundamenta claramente quais os motivos para a correção, designadamente que a Requerente, apesar de ter sido notificada para o efeito, não exibiu comprovativos de que o adquirente tomou conhecimento da retificação e que nessas circunstâncias não deu cumprimento aos requisitos fixados pelo artigo 78.º, n.º 5 do CIVA (RIT, pp. 14-15). Mesmo quando foi notificado para o exercício do direito de audição prévio à decisão, a Requerente persistiu na sua conduta omissiva (RIT, p. 26).

A liquidação sub judicio encontra-se devidamente fundamentada do ponto de vista factual e devidamente adjetivada do ponto de vista jurídico.

Não merece crítica a liquidação n.º 2019..., do período 201508, no valor a pagar de 94,44 €, pelo que há que indeferir o pedido, nesta parte.

 

3.2.3. Liquidação n.º 2019..., do período 201512, efetuada com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária, no valor a pagar de 24.050,17 €

A técnica utilizada pela Requerente e pela Requerida nos articulados não ajudou o Tribunal na tarefa de bem interpretar a matéria de facto; o objeto da impugnação são as liquidações e ao invés de esses atos serem o fio condutor da impugnação, as partes optaram por organizar a sua exposição por referência aos documentos que servem de base às liquidações. Como as liquidações são periódicas, havia que conseguir sustentar as posições em confronto nessas liquidações e nem tanto nas faturas e notas de crédito. Serve este introito para afirmar que a liquidação agora em análise, não foi especificamente analisada pela Requerente nem a sua validade foi especialmente sustentada pela AT. Vejamos.

De acordo com o RIT o imposto relativo ao período 201512 deveria ser corrigido pelo valor de 61.375,23 € (p. 30), sustentado pela não aceitação das notas de crédito seguintes (pp. 27-28):

Nota de crédito Valor

NC 18/2015        20 228,11 €

NC 19/2015        28 893,81 €

NC 22/2015        12 253,31 €

Total      61 375,23 €

 

Ora, a liquidação deste período é afinal no valor de 24.050,17 €, por razões que não se encontram explicadas nos autos, nem pelas partes, nem por consulta do RIT. Parece evidente que se não se conseguem entender as razões para a liquidação. Nos termos em que foi feita, a liquidação não está devidamente fundamentada.

Como já se fez notar, a Requerente sustenta que “não resulta suficiente a necessária fundamentação, nem de facto, nem de direito” pois, na sua tese, “nos atos de liquidação notificados não são explicitados os fundamentos que determinaram a sua emissão” (PPA, 11.º e 12.º), o que é violador da lei, designadamente das normas do artigo 77.º, n.º 2 da LGT e do artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa. Afirma ainda (PPA, 22.º) que nos atos impugnados não existe qualquer referência a uma eventual remissão, explícita, para um concreto documento externo.

Apontado que foi com clareza pela Requerente qual é o vício que inquina o ato, é imperioso reconhecer que tem razão nesta liquidação. Não é possível seguir o raciocínio feito pela AT para praticar este ato, pois não é possível determinar que concretas retificações pretende afinal reverter e sem se conseguir fazer essa determinação, não se permite que a Requerente avalie a sua regularidade e que o Tribunal decida da sua justeza e validade.

Procede assim a impugnação da liquidação n.º 2019..., do período 201512, no valor a pagar de 24.050,17 €, que deve ser anulada.

 

 3.2.4. Liquidações n.º 2019..., do período 201612, no valor a pagar de 635,94 € e n.º 2019... do período 201703, no valor de 1.486,86 €.

Estas liquidações apresentam como fundamento a seguinte menção: “Liquidação efetuada nos termos do artigo 87.º do CIVA, em resultado do processamento da declaração corretiva, enviada por um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica”.

A Requerente apontou-lhes como vícios:

•             A falta de fundamentação, nos termos descritos na secção imediatamente anterior deste acórdão;

•             A incapacidade do RIT para fundamentar atos tributários de períodos subsequentes, como são os anos de 2016 e 2017 (PPA, 38.º e 50.º).

Na sua Resposta a AT endereçou a sua posição para o RIT, que por ser anterior ao período da liquidação não lhes faz qualquer referência. Aliás, mesmo abstraindo dos períodos de referência, não é possível encontrar qualquer nexo entre os valores das correções previstas no RIT e estas liquidações. Se elas estão relacionadas haveria que se perceber qual era essa relação e a AT não o explicou.

Mesmo que se pretenda recorrer à referência ao fundamento legal das liquidações, a nenhuma conclusão se consegue afinal chegar. O “artigo 87.º do CIVA”, sob a epígrafe “retificação das declarações e liquidações adicionais” contém múltiplas normas nos seus seis números e um pressuposto incontornável; a retificação das declarações dos sujeitos passivos só pode ser feita quando a AT considere, fundamentadamente que nas ditas declarações figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos. Esta exigência especial de fundamentação não foi cumprida por qualquer forma. A invocação desta norma afasta quaisquer dúvidas; para retificar a declaração do contribuinte a AT tem que fundamentar porque razão considera que o imposto declarado ou as deduções efetuadas têm diferenças desfavoráveis para o Estado. E bem se entende que assim seja pois estão em causa princípios gerais do sistema tributário, designadamente o princípio da veracidade das declarações, dados e apuramentos inscritos na contabilidade dos contribuintes. A lei, na defesa do interesse público, permite à AT que retifique esses registos mas só pode fazê-lo fundamentadamente. Note-se também que este regime prevê até várias situações diferentes que podem originar as retificações e liquidações adicionais, (i) quando as inexatidões resultem do seu conteúdo ou do confronto com outros elementos ou informações em poder da AT, como refere o n.º 2 do artigo; (ii) quando sejam constatadas em visita de fiscalização como prevê o n.º 3.

No caso concreto a AT não comunicou qual era a natureza da retificação, não indicou como a quantificou nem qual é a concreta norma que lhe confere essa prerrogativa.

As liquidações identificadas violam as normas do artigo 77.º, n.º 1 da LGT e do artigo 87.º, n.º 1 do CIVA, por falta de fundamentação e devem se anuladas. Procede nesta parte o pedido da Requerente.

 

3.3. As liquidações de juros de IVA

Como se assentou em CC) as liquidações de juros indicam claramente (i) o fundamento legal, designadamente que foram calculados nos termos do art.º 96.º do CIVA e dos art.º 35.º e 44.º da Lei Geral Tributária; (ii) o fundamento fáctico, designadamente  por ter sido retardada a liquidação do imposto ou por se ter verificado atraso ou insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte”; (iii) o termo inicial, designado por “período”, (iv) o termo final, designado por “data liquidação”; (v) e o valor dos juros designado por “valor a pagar”.

A propósito da fundamentação a norma do artigo 77.º da LGT estipula que a fundamentação pode ser efetuada de forma sumária, in casu, tratarem-se de juros motivados pelo retardamento na liquidação do imposto por facto imputável ao contribuinte e deve conter as disposições legais aplicáveis, na situação em causa o art.º 96.º do CIVA e os art.º 35.º e 44.º da Lei Geral Tributária, a qualificação, nas liquidações impugnadas tratavam-se de juros e a quantificação, concretamente através da indicação do seu montante.

Não se alcança a que falta de fundamentação se refere afinal a Requerente, no que concerne às liquidações de juros.

Há agora que ver se os fundamentos específicos de cada liquidação, sabendo-se que só podem proceder aquelas que tenham subjacente uma efetiva situação de retardamento da liquidação (96.º, n.º 1 do CIVA).

As liquidações de juros foram as seguintes, como está assente em CC):

Número liquidação         Período Data liquidação Valor a pagar

2019...  201503  2019-06-08          18.338,18 €

2019...  201512  2019-06-08          3.096,87 €

2019...  201612  2019-06-13          73,04 €

2019...  201703  2019-06-13          152,78 €

 

As liquidações dos períodos referenciados foram já apreciadas e concluiu-se pela sua ilegalidade e vão ser anuladas.

Não subsistindo as liquidações corretivas não podem subsistir as liquidações de juros calculadas sobre elas, por óbvia inexistência de fundamento de facto, pois não houve qualquer retardamento na liquidação.

Procede o pedido de anulação destas liquidações de juros, que são inválidas por violação da norma do artigo 96.º, n.º 1 do CIVA.

 

4. Decisão

Nos termos e pelos fundamentos aduzidos, decide este Tribunal Arbitral:

 

A.           Julgar improcedente o pedido de impugnação relativo à liquidação n.º 2019..., do período 201508, no valor a pagar de 94,44 € e, consequentemente, mantém na ordem jurídica essa liquidação;

B.            Julgar procedentes os pedidos de impugnação da Requerente relativamente às liquidações efetuadas pela AT seguidamente identificadas:

(i)          

Número liquidação         Período Data liquidação Valor a reembolsar

2019...  201607  2019-06-12          239.469,11 €

2019...  201702  2019-06-13          19.920,65 €

2019...  201711  2019-06-18          87.594,30 €

2019...  201809  2019-06-19          44.346,06 €

 

(ii)          liquidação n.º 2019..., do período 201503, no valor a pagar de 115.404,10 €;

(iii)         liquidação n.º 2019..., do período 201512, no valor a pagar de 24.050,17 €;

(iv)         liquidações n.º 2019..., do período 201612, no valor a pagar de 635,94 € e n.º 2019 ... do período 201703, no valor de 1.486,86;

(v)          liquidações de juros nºs 2019..., n.º 2019..., n.º 2019... e n.º 2019... .

C.            Anular as liquidações identificadas anteriormente, em B..

D.           Condenar ambas as partes nas custas, na importância total de 8.568,00 € (oito mil quinhentos e sessenta e oito euros) a suportar, tomando em conta os respetivos decaimentos, na proporção de 1% pela Requerente e 99%, pela Requerida

 

5. Valor do processo

                De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, de harmonia com o anteriormente definido e atendendo a que foi efetuado o complemento da respetiva taxa arbitral  (cfr despacho do Coletivo de 14-8-2020 e requerimento de 27-8-2020) fixa-se ao processo o valor de 554 662,50 € (quinhentos e cinquenta e quatro mil, seiscentos e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos).

 

Lisboa e CAAD, 11 de setembro de 2020

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão,

(árbitro-presidente)

 

Nuno Maldonado Sousa,

(árbitro vogal)

 

Henrique Nogueira Nunes,

(árbitro vogal)