Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 210/2016-T
Data da decisão: 2016-11-30  ISV  
Valor do pedido: € 2.440,38
Tema: ISV - Liquidação do Imposto Sobre Veículos
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Decisão Arbitral

 

 

 

1. - RELATÓRIO

 

1.1. - A…, LDA contribuinte n.º…, com sede em Lugar …, n.º … a …, …, …-… -…, requerente no procedimento tributário acima e à margem referenciado (doravante Requerente), veio, invocando o disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n. º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de tribunal arbitral, tendo em vista:

- A declaração de anulação da liquidação do Imposto Sobre Veículos, com as respectivas consequências legais, (de ora em diante designado por ISV), no valor de € 2.440,38, a que se refere o Registo de Liquidação n.º … de 02-02-2016, da Delegação Aduaneira da …, efectuada na sequência do despacho de 21-01-2016, proferido pela Sra. Chefe da referida Delegação Aduaneira.

1.2. - Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 6.º e na alínea a) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário, em 02-06-2016, como árbitro singular António Correia Valente, que comunicou a aceitação do encargo.

- Em 02-06-2016 foram as Partes notificadas dessa designação, nos termos conjugados do disposto no art.º 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e nos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.

- Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 20/06/2016.

- No dia 09 de Novembro de 2016 realizou-se a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, da qual foi lavrada acta, que se encontra junta aos autos, tendo-se também procedido à inquirição das testemunhas B… e C…, arroladas pela Requerida.

A Requerente não compareceu à referida reunião, nem a testemunha por si arrolada, tendo o processo prosseguido em conformidade com o disposto no art.º 19.º do RJAT.

1.3. - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

- Que deu entrada, na Delegação Aduaneira da …, de um processo de regularização fiscal de um veículo automóvel de sua propriedade, com a matrícula …-… -…, a coberto da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) 2015/…, de 13-04-2015.

- Que procedeu, então, à junção de diversos documentos, designadamente do certificado de conformidade; do certificado de matrícula; da factura comercial; do documento referente à inspecção do veículo e do documento relativo à homologação nacional emitida pelo IMTT.

- Que a Delegação Aduaneira da …, face aos referidos documentos, apresentados e juntos à Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) 2015/…, de 13-04-2015, procedeu à classificação do veículo em causa como ligeiro de passageiros, com 5 lugares, procedendo à liquidação do ISV e à correspondente cobrança, no montante de € 1.448,60.

- Que a Delegação Aduaneira da … procedeu, posteriormente, à revisão do acto tributário proferido e à consequente liquidação adicional, por considerar que a classificação do veículo em causa, como ligeiro de passageiros, com 5 lugares, estava errada, passando a tributar o mesmo em 100% da tabela B.

- Que a referida tributação, resultante da revisão do acto tributário, teve como fundamento o certificado de matrícula do país de origem do veículo em questão, no qual o mesmo é classificado como ligeiro de mercadorias - derivado de ligeiro de passageiros.

- Que o veículo em questão entrou em território nacional acompanhado do respectivo certificado de conformidade, com a classificação de ligeiro de passageiros com 5 lugares, classificação que foi confirmada quer, aquando da inspecção do veículo, quer aquando da sua homologação por parte do IMTT.

- Que o mencionado veículo foi devidamente registado na Conservatória do Registo Automóvel, como ligeiro de passageiros com 5 lugares.

- Que a Administração Tributária e Aduaneira, face aos documentos que foram apresentados para efeitos da regularização fiscal do veículo automóvel em causa, particularmente do certificado de conformidade, que determina as características do veículo, procedeu a uma errada liquidação adicional do ISV.

1.4. - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), procedeu, em 05-09-2016, à junção do Processo Administrativo e apresentou resposta, na qual afirma, em suma, o seguinte:

- Que a Requerente, em 13-04-2015, apresentou na Delegação Aduaneira da … uma Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), que obteve o n.º 2015/…, para introdução no consumo do veículo usado da marca …, com os n.ºs W… e …, respectivamente de quadro e de motor, tendo sido declarado, nos campos da DAV reservados para o efeito, que se tratava de um veículo ligeiro de passageiros com a lotação de 5 lugares.

- Que o veículo em questão foi adquirido em França, em 12-03-2015, e transportado para Portugal, via camião, como consta do Documento de Transporte Internacional (CMR) e da factura apresentados.

- Que a Requerente procedeu quer, à apresentação do Certificado de Conformidade do veículo em referência, emitido pela …, onde vem indicado que o mesmo tem a lotação de 5 lugares, quer do Certificado de Matrícula do Veículo, emitido em França, onde, nos campos adequados, vem indicado que o veículo tem a lotação de 2 lugares e que se trata de um veículo derivado de ligeiro de passageiros, quer do Certificado de Aprovação em Inspecção Técnica para Matrícula (MOD. 112 do IMTT), emitido pela empresa D…, SA no qual consta, designadamente, que o veículo foi aprovado e que se trata de um veículo ligeiro de passageiros, com a lotação de 5 lugares.

- Que, em 13-04-2015, foi apresentado um requerimento, na Delegação Aduaneira da…, solicitando a aplicação do método de avaliação do imposto, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 11.º do Código do ISV, tendo o ISV sido liquidado de acordo com os elementos exarados na DAV, como se o veículo se inserisse na classificação fiscal de ligeiros de passageiros.

- Que a posteriori foi detectado que o veículo em referência havia sido declarado como ligeiro de passageiro de 5 lugares, liquidando-se o ISV em conformidade com tal classificação fiscal, quando o seu certificado de matrícula francês se referia a um veículo derivado de ligeiro de passageiros, com a lotação de 2 lugares, o que o incluía na classificação de ligeiro de mercadorias-derivado de ligeiro de passageiros, com tributação, de acordo com a alínea a) do n.º 2 do art.º 7.º do Código do ISV, em 100% da tabela B do CISV. (cfr. art.º 12.º da Resposta)

- Que a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia, relativamente à revisão do acto de tributário, tendo-se, em 05-02-2016, procedido à sua notificação para pagamento das importâncias liquidadas no valor de € 2.519,27, sendo € 2.440,38 respeitante ao ISV e € 78,89 a juros compensatórios.

- Que o conteúdo do Certificado de Inspecção, no que respeita aos elementos de identificação do veículo, não corresponde à verdade dos factos, na medida em que não observam os elementos que efectivamente constam do Certificado de Matrícula francês. (cfr. art.º 22.º da Resposta)

- Que o Certificado de Inspecção Técnica para Matrícula deve conter, no quadro relativo à inspecção do veículo, designado por “Certificado de Matrícula”, todos os elementos que, exactamente, constam do Certificado de Matrícula do veículo. (cfr. art.º 22.º da Resposta)

- Que a homologação e classificação dos veículos pelo IMT. IT não é vinculativa para efeitos fiscais, salientando que, quer a Directiva 2007/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Setembro, quer a legislação interna que a transpôs para a ordem interna têm objectivos totalmente alheios à tributação dos veículos. (cfr. art.º 31.º e 33.º da Resposta)

- Que o Certificado de Conformidade - CE é um documento instituído a nível comunitário destinado a ser emitido pelo fabricante para certificar que um determinado veículo de uma série de um modelo homologado está conforme com todos os actos regulamentares aquando da sua produção, acrescentando que, face ao que, no seu art.º 18.º, dispõe a Directiva 2007/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Setembro, o fabricante, na sua qualidade de titular de um certificado de homologação CE de um veículo, deve entregar um certificado de conformidade a acompanhar cada veículo completo, incompleto ou completado, fabricado em conformidade com o modelo de veículo homologado.

- Que o Certificado de Conformidade tem sempre na sua base as características do veículo conforme a homologação CE, a qual não é vinculativa para efeitos de tributação, referindo também que o mencionado certificado atesta, apenas, que um certo veículo foi fabricado de acordo com as características técnicas constantes de uma determinada homologação concedida para um modelo de veículo.

- Que, não obstante a requerente ter declarado o veículo para introdução no consumo como ligeiro de passageiros de 5 lugares, o certo é que o respectivo documento de identificação - certificado de matrícula - emitido em França, identificava o veículo como derivado de ligeiro de passageiros de 2 lugares, fazendo-o ficar enquadrado, para efeitos de ISV, na classificação de ligeiro de mercadorias de 2 lugares.

2. - QUESTÃO DECIDENDA

Face ao exposto nos números anteriores, relativamente às posições das partes e aos argumentos apresentados, a questão a decidir é a seguinte:

Conhecer da legalidade do acto tributário de liquidação registado sob o n.º…, de 02-02-2016, da Delegação Aduaneira da…, no montante de € 2.440,38, emitido na sequência do despacho de 21-01-2016, da Sra. Chefe da referida Delegação Aduaneira, relativo à liquidação adicional de ISV, relativamente ao veículo automóvel declarado para introdução no consumo, a coberto da DAV n.º 2015/…, de 13-04-2015.

3. - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

- O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º n.º 2 alínea a), 6.º n.º 1, 10.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 do RJAT;

- As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (Cfr. arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art.º 1.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março);

- O processo não enferma de vícios que o invalidem;

- Não subsistem incidentes que importe resolver, nem existem questões prévias sobre as quais o Tribunal se deva pronunciar.

Tendo em conta o processo administrativo tributário, cuja cópia foi junta ao processo pela AT, a prova documental junta aos autos e os depoimentos das testemunhas, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como se segue.

4. - FUNDAMENTOS DE FACTO

4.1. - FACTOS PROVADOS

Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá o presente tribunal por assente, face aos elementos existentes nos autos, os seguintes factos:

- A Requerente é uma empresa que se dedica à reparação e comércio de automóveis.

- A Requerente, no âmbito da sua actividade, adquiriu um veículo automóvel, em França, em 12-03-2015, tal como resulta da factura apresentada, transportado para Portugal via camião, como consta do Documento de Transporte Internacional (CMR).

- O referido veículo automóvel, inscrito no Certificado de Matrícula, emitido em França, com a matrícula …-…-…, de 10-10-2011, foi declarado para introdução no consumo, e regularização fiscal, na Delegação Aduaneira da …, com a matrícula …-… -…, a coberto da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) 2015/…, de 13-04-2015.

- Aquando da declaração de introdução no consumo do veículo, a Requerente procedeu à apresentação do certificado de conformidade; do certificado de matrícula; da factura comercial; do documento referente à inspecção do veículo e do documento relativo à homologação nacional emitida pelo IMTT.

- No Certificado de Conformidade do veículo em referência, emitido pela…, em 11-02-2015, vem indicado que o mesmo tem a lotação de 5 lugares; no Certificado de Matrícula do Veículo, emitido em França, vem, nos campos adequados, indicado que o veículo tem a lotação de 2 lugares e que se trata de um veículo derivado de ligeiro de passageiros; no Certificado de Aprovação em Inspecção Técnica para Matrícula (MOD. 112 do IMTT), emitido pela empresa D…, SA consta, designadamente, que o veículo foi aprovado e que se trata de um veículo ligeiro de passageiros, com a lotação de 5 lugares.

- A Delegação Aduaneira da …, face aos referidos documentos, apresentados e juntos à Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) 2015/…, procedeu à classificação do veículo em causa como ligeiro de passageiros, com 5 lugares, procedendo à liquidação do ISV e à correspondente cobrança, no montante de € 1.448,60.

- A liquidação do ISV, no montante de € 1.448,60, foi efectuada em 13-04-2015, sob o registo de liquidação n.º…, na sequência do requerimento apresentado, nessa mesma data, pela Requerente, na Delegação Aduaneira da …, solicitando a aplicação do método de avaliação do imposto, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 11.º do Código do ISV, tendo o ISV sido liquidado de acordo com os elementos exarados na DAV, onde o veículo vem inserido na classificação fiscal de ligeiros de passageiros.

- A Delegação Aduaneira da … procedeu, posteriormente, à revisão do acto tributário proferido e à consequente liquidação adicional, por considerar que a classificação do veículo em causa, como ligeiro de passageiros, com 5 lugares, estava errada, passando a tributar o mesmo em 100% da tabela B.

- A liquidação adicional do imposto, resultante da revisão do acto tributário, foi objecto do registo de liquidação n.º -…, de 02-02-2016, no montante de € 2.440,38, teve como fundamento as orientações administrativas remetidas à Alfândega de …/Delegação Aduaneira da …, por intermédio do Ofício Circulado n.º 35.049, de 23-07-2015, da DSIECIV-AT, bem como o certificado de matrícula do veículo em questão, emitido em França, onde consta que o mesmo tem a lotação de 2 lugares e vem classificado como ligeiro de mercadorias - derivado de ligeiro de passageiros.

- O veículo em questão entrou em território nacional acompanhado do respectivo certificado de conformidade, com a classificação de ligeiro de passageiros com 5 lugares, classificação que foi confirmada quer, aquando da inspecção do veículo, quer aquando da sua homologação por parte do IMTT.

- O mencionado veículo, tal como consta do processo de atribuição de matrícula, recebido do IMT.IP, em 18-11-2016, foi considerado como sendo da categoria de ligeiro, do tipo passageiros e com lotação de 5 lugares.

4.2. - FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.

4.3. - FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A fundamentação da matéria de facto baseou-se nos documentos juntos aos autos, relativamente a cada um dos factos, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada e nos depoimentos das testemunhas.

- As testemunhas mostraram ter conhecimento dos factos sobre que depuseram e não se verificou qualquer facto que justifique suspeitas sobre a sua isenção.

5. - FUNDAMENTOS DE DIREITO

5.1. - A matéria de facto está fixada, tal como consta do n.º 4 supra, importando, agora, determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, tendo em vista a questão decidenda identificada no n.º 2 supra, ou seja, conhecer da legalidade do acto tributário de liquidação registado sob o n.º…, de 02-02-2016, da Delegação Aduaneira da …, no montante de € 2.440,38, emitido na sequência do despacho de 21-01-2016, da Sra. Chefe da referida Delegação Aduaneira, referente à liquidação adicional de ISV, relativamente ao veículo automóvel declarado para introdução no consumo, a coberto da DAV n.º 2015/…, de 13-04-2015.

Tudo visto, e tendo em conta, por um lado, as posições das partes em confronto, referenciadas nos pontos 1.3 e 1.4 supra, e considerando, por outro lado, que a questão a decidir é indissociável das características do veículo declaradas e validadas aquando da sua apresentação à Alfândega, tendo em vista a respectiva introdução no consumo, cumpre, neste quadro, apreciar e proferir decisão.

6. - DA REVISÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO

6.1 - A questão central que no presente processo importa, desde logo, dilucidar é a de saber se a revisão do acto de liquidação de ISV, registado sob o n.º…, de 13-04-2015, no montante de € 1.448,60, na Delegação Aduaneira da …, está em conformidade com o legalmente estabelecido.

Tal como decorre do n.º 1 do art.º artigo 78.º da LGT a revisão dos actos tributários pode ser efectuada por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços.

A propósito do referido erro imputável aos serviços deve notar-se que o mesmo, como é jurisprudência pacífica, compreende não só o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, reportando-se, assim, ao vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, ou de direito.

Vejamos, então, se no caso dos autos houve erro imputável aos serviços:

6.2 - Em 13-04-2015 foi processada, na Delegação Aduaneira da…, a declaração aduaneira de veículo (DAV) n.º 2015/…, relativa ao veículo automóvel, tal como identificado nos autos.

O veículo em causa foi declarado na referida DAV como sendo ligeiro de passageiros, com lotação de 5 lugares, tendo sido apresentados, para além da factura comercial, o Certificado de Matrícula, o Certificado de Conformidade, o Certificado de Aprovação em Inspeção Técnica para Matrícula e a Homologação Técnica emitida pelo IMT.IP, sob o n.º 2010… .

No quadro da regularização fiscal do referido veículo e da sua introdução no consumo importa conhecer as suas características, aquando da apresentação da respectiva DAV em 13-04-2015.

Note-se que a referida regularização fiscal foi concretizada na sequência de um requerimento apresentado pela Requerente, em 13-04-2015, na Delegação Aduaneira da …, solicitando a aplicação do método de avaliação previsto no n.º 3, do art.º 11.º do CISV, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto. Nesse quadro, foi efectivada a aplicação do referido método, de harmonia com os elementos legalmente exigidos para o efeito, nomeadamente a categoria e o tipo de veículo (ligeiro de passageiros, com lotação de 5 lugares), tendo-se, em conformidade, calculado o ISV a pagar no montante de € 1.448,60, como consta do documento, aduaneira e devidamente validado, junto aos autos a fls. 17 do PA.

A este propósito, não se pode deixar de ter em conta as características técnicas do veículo reconhecidas pelo IMT.IP, como respeitando a um veículo ligeiro de passageiros, com a lotação de 5 lugares, as quais, sendo coincidentes com as que foram declaradas para o veículo em causa, na altura do processamento da referida DAV e da aplicação do método para cálculo do ISV, ambas de 13-04-2015, não permitirão outro entendimento que não seja o do reconhecimento e aceitação aduaneira do veículo, enquanto tal, para efeitos fiscais.

Por outro lado, os depoimentos das testemunhas permitem, nomeadamente, concluir estarmos perante um veículo ligeiro de passageiros, com lotação de 5 lugares, aquando da aceitação da respectiva DAV e da aplicação do método para cálculo do ISV, na justa medida em que o dito veículo foi, como tal, considerado pela Alfândega sem necessidade da sua verificação física, ou seja, os serviços aduaneiros entenderam dispensar a verificação física do veículo, validando, nesses termos, o seu desalfandegamento como veículo ligeiro de passageiros, com a lotação de cinco lugares.

Tal como o Documento Administrativo Único - DAU, suporte documental destinado, designadamente, a receber a informação necessária para a identificação e classificação pautal das mercadorias declaradas às Alfândegas (AT) para importação, também a Declaração Aduaneira de Veículos - DAV é destinada a receber os elementos de informação tidos como necessários para efeitos, nomeadamente, da admissão definitiva de veículos automóveis no território nacional, tendo em vista a sua tributação, no quadro da fiscalidade automóvel.

Entre os diversos “campos” integrantes da referida DAV, cabe notar o que aí se identifica com a letra A - Características do Veículo. Trata-se de um “campo” previsto para receber todos os elementos de informação capazes de identificar o veículo automóvel submetido a desalfandegamento, em ordem à sua introdução no consumo, sejam de natureza estritamente técnica, como são os relativos ao modelo do veículo, à sua cilindrada e homologação técnica, ou à emissão de CO2, sejam de pendor funcional e utilitarista, quais sejam os que se referem ao tipo de veículo ou ao n.º de lugares.

A propósito do desalfandegamento do veículo em questão, declarado a coberto da mencionada DAV, afigura-se pertinente ter em conta a aplicação, por analogia, das Regras gerais para interpretação da Nomenclatura Combinada, as quais, aliás, seriam aplicadas, caso o mesmo veículo tivesse sido submetido a importação.

A importação e a admissão, na medida em que configuram casos com clara afinidade, particularmente porque qualquer um deles visa o desalfandegamento de mercadorias, (no primeiro caso, importadas de um país ou território que não faz parte da Comunidade, no segundo, procedentes de Estados-membros da União Europeia), tendo em vista a sua introdução no consumo, afiguram-se capazes de, no respeitante à classificação das mercadorias, terem idêntica regulamentação.

É sabido que a classificação das mercadorias na Nomenclatura Pautal é regida por diversas regras, designadas por Regras gerais para interpretação da Nomenclatura Combinada, tal como estabelecidas no REGULAMENTO (CEE) N.º 2658/87 DO CONSELHO, de 23 de Julho de 1987, com a última alteração introduzida pelo REGULAMENTO DE EXECUÇÃO (UE) N.º 2016/936 DA COMISSÃO, de 08 de Junho de 2016. Entre as referidas regras cabe salientar a regra 2. a), quando determina que “Qualquer referência a um artigo em determinada posição abrange esse artigo mesmo incompleto ou inacabado, desde que apresente, no estado em que se encontra, as características essenciais do artigo completo ou acabado. […]”. São sobretudo razões de certeza e de segurança jurídicas que se visam assegurar, fixando-se a mercadoria, para efeitos do seu desalfandegamento, no estado em que é declarada à Alfândega.

Decorre das referidas regras que firmados os elementos caracterizadores de um determinado artigo/produto/mercadoria, aquando da sua submissão a desalfandegamento, como sendo os que, na realidade, permitem, de forma essencial, o seu reconhecimento e identificação, são esses os que importa, para todos os efeitos, considerar, ou seja, sendo coincidente o entendimento do declarante, concretizado nos elementos declarados na DAV, com o manifestado pelos serviços aduaneiros, por via do reconhecimento desses elementos, à data do referido desalfandegamento, o veículo automóvel em causa nos autos, tem de ser tido em conta, qua tale, para todos os efeitos, aduaneira e legalmente relevantes, nomeadamente os de natureza fiscal. Assim, poder-se-á questionar se a mercadoria/veículo em causa foi bem ou mal tributada, se o seu enquadramento num determinado regime fiscal, pautal ou outro, foi, ou não, o que legalmente era devido, se um determinado documento lhe confere, ou não, um determinado regime fiscal-aduaneiro, o que não se poderá é, a posteriori, considerar que a mercadoria/automóvel é afinal uma realidade diversa da que foi fixada no momento da sua declaração à Alfândega e como tal objecto de desalfandegamento.

Aqui chegados, importa sublinhar que a mercadoria declarada a coberto da DAV n º 2015/…, processada em 13-04-2015, na Delegação Aduaneira da…, e como tal validada pelos serviços, foi o veículo automóvel da marca …, modelo …, ligeiro de passageiros, com a lotação de cinco lugares, devendo ter-se em conta que a documentação então apresentada, designadamente o Certificado de Conformidade e o Certificado de Aprovação em Inspeção Técnica para Matrícula, estão em linha/sintonia com a realidade declarada, referenciando tratar-se de um veículo ligeiro de passageiros, com lotação de cinco lugares. Nestas circunstâncias, a liquidação do ISV, no montante de € 1.448,60, efectuada em 13-04-2015, sob o registo de liquidação n.º…, na sequência da aplicação do método de avaliação do imposto, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 11.º do Código do ISV, solicitado pela Requerente, não permite assacar aos serviços qualquer erro que tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante inferior ao legalmente devido, dado que a liquidação em causa de ISV não poderia ter sido efectuada de modo diferente daquele que foi, na altura em que foi emitida, o que coloca a liquidação adicional do imposto, processada sob o registo de liquidação n.º…, de 02/02/2016, da Delegação Aduaneira da …, no montante de € 2.440,38, num patamar de ofensa à ordem jurídica estabelecida.

6.3 - A liquidação emitida em 02-02-2016, efectuada sob o Registo de Liquidação n.º…, da Delegação Aduaneira da …, com o valor de € 2.440,38, no quadro da revisão do acto tributário de 13-04-2015, foi suportada nas orientações administrativas transmitidas às Alfândegas a coberto do Ofício Circulado n.º 35.049, de 23-07-2015, da Direção de Serviços dos Impostos Especiais de Consumo e do Imposto sobre Veículos (DSIECIV), da Autoridade Tributária e Aduaneira, que fixava o entendimento de que, para efeitos da classificação fiscal dos veículos e do cálculo do ISV devido, deveriam ser considerados os elementos constantes dos certificados de matrícula dos países de proveniência, ou seja, a base legal em que se fundou a liquidação adicional do ISV, relativamente ao veículo em causa no processo, com a matrícula …-… -…, radicou nas citadas orientações administrativas. Note-se que as referidas Orientações transmitem, também, outras Orientações Administrativas referentes a alguns procedimentos adoptados pelo IMT.IP, relacionados com a atribuição de matrículas nacionais aos veículos automóveis admitidos/importados.

Na sequência do referido Ofício que, como se notou, fixava o entendimento de que, para efeitos da classificação fiscal dos veículos, em ordem ao cálculo do ISV, deveriam os veículos automóveis ser declarados à Alfândega com as características que constam do registo/certificado de matrícula do país de proveniência, a Exma. Sr.ª Chefe da Delegação Aduaneira da … determinou - alguns meses (9) após a liquidação efectuada em 13-04-2015, sob o registo de liquidação n.º… e da cobrança do imposto liquidado - a liquidação da diferença do ISV e dos respectivos juros compensatórios, a contar da primeira liquidação, relativamente ao veículo identificado nos autos, conforme consta dos documentos juntos ao Processo, integrantes do PA, a fls 23 e segts.

A liquidação, cuja revisão está em causa neste processo, foi emitida em 13-04-2015, e as regras de Direito que, para esse efeito, se consideraram aplicáveis consubstanciaram-se nas orientações que foram difundidas às Alfândegas, em 23-07-2015, pela DSIECIV - AT, e chegaram ao conhecimento da Delegação da Alfândega da … em 18-08-2015. Decorre desta circunstância que as referidas Orientações não foram, aquando daquela liquidação, consideradas, nem o poderiam ter sido, face à sua inexistência à data da primeira liquidação que foi objecto de revisão, pelo que esta liquidação não enferma de qualquer erro imputável aos serviços.

Assim, não pode ser assacado aos Serviços Aduaneiros/Delegação Aduaneira da …- AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante inferior ao legalmente devido, uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu, na altura em que o fez.

Nestas circunstâncias, a AT não podia, como fez, lançar mão da revisão oficiosa do acto tributário consubstanciado na liquidação emitida sob o registo n.º…, datado de 13-04-2015, no montante de € 1.448,60, dado não estarmos perante um caso de “erro imputável aos serviços”, tal como se prevê no n.º 1 do art.º 78.º da LGT, já que o erro pressupunha o desconhecimento ou a não consideração de normas legais existentes e pertinentes à data da liquidação do ISV em 13-04-2015, o que, no caso, não se verificou, dado que, como atrás foi sublinhado, aquando de tal liquidação, as ditas orientações administrativas destinadas a sustentar a nova liquidação ainda não se conheciam, nem tais orientações configuravam, aliás, normas legais adequadas para o efeito.

O acto de liquidação adicional em causa estribou-se na informação proveniente do IMT.IP, que originou o entendimento sancionado, em 22-07-2015, pela Exma. Sra. Directora -Geral da Administração Tributária e Aduaneira, no sentido de que “Não são autorizadas transformações de veículos automóveis usados admitidos/importados em momento anterior à regularização fiscal em território nacional, pelo que, para feitos de classificação fiscal e do cálculo do ISV devido, os veículos automóveis devem ser declarados à Alfândega com as características que constam do registo/certificado de matrícula do país de proveniência, só podendo ser objecto de transformação, após atribuição de matrícula nacional”.

Neste quadro, o fundamento da revisão do primeiro acto de liquidação e da consequente emissão do acto tributário adicional radicou, como se explicita no ofício n.º…, de 17-12-2015, da Delegação Aduaneira da…, junto aos autos, na circunstância do ISV referente ao veículo com a matrícula …-… -… ter sido “ [.. ] calculado com base na homologação nacional que reflectiu os elementos constantes no Certificado de Conformidade do respectivo veículo - ligeiro de passageiros com 5 lugares. Posteriormente detectou-se ser essa classificação errada já que no Certificado de Matrícula francês, no campo S1, constam 2 lugares o que classifica o referido veículo como ligeiro de mercadorias - derivado de ligeiro de passageiros - a ser tributado em 100% da tabela B [   ]”.

Trata-se da introdução de critérios administrativos na liquidação do ISV, liquidação que, como é sabido, está sujeita ao princípio da legalidade. Estamos, assim, perante uma situação que se mostra carente de respaldo jurídico-fiscal, desde logo, face à inexistência de qualquer disposição legal que preveja e estatua que o ISV devido pelos veículos declarados à Alfândega, sujeitos ao regime de introdução, deve ser calculado em conformidade com os elementos constantes do certificado de matrícula do país de proveniência, referentes ao tipo de veículo e à sua lotação de passageiros, certificado que, diga-se, en passant, referenciando a data da primeira matrícula e estabelecendo a ligação entre a anterior matrícula emitida no país de proveniência e a nova matrícula emitida no plano nacional, tem, nomeadamente, uma particular função de carácter histórico.

Já se disse que a liquidação de ISV, no montante de € 1.448,60, objecto de revisão oficiosa, foi efectuada em 13-04-2015, na sequência da aplicação pelos Serviços da fórmula de cálculo do imposto, em conformidade com o disposto no n.º 3 do art.º 11.º do Código do ISV.

Já se disse também que em 02-02-2016, ou seja, passados 9 meses sobre o acto de liquidação proferido nas referidas circunstâncias, a Delegação Aduaneira da … procedeu à sua revisão, tendo emitido o Registo de Liquidação n.º…, com o valor de € 2.440,38, relativo ao ISV, acrescido de € 78,89 referente a JC, o que ocorreu em cumprimento das orientações transmitidas às Alfândegas em 23-07-2015 por intermédio do Ofício Circulado n.º 35.049, de 23-07-2015.

Os ofícios circulados, correspondem a um tipo de orientações administrativas, que, como refere Américo Fernando Brás Carlos, in Impostos - Teoria Geral, Almedina, Coimbra, Junho, 2006, pp. 191/192, revestem “[…] a natureza de instruções aos serviços sobre determinada matéria, sem prejuízo de lhes poder estar igualmente subjacente uma actividade interpretativa […].” Sobre as orientações administrativas, nota o referido autor, idem, que as mesmas não podem exceder as normas legais a que respeitam, sendo ilegais os actos praticados em seu cumprimento, “[…] na parte que exceda a lei […]”, acrescentado, citando Saldanha Sanches, ser incorrecto admitir que “a orientação administrativa vá preencher o espaço que a previsão legal não ocupou, concretizando as orientações fundamentais da norma”, dado que “esse papel de desenvolvimento da lei cabe aos regulamentos. Não às orientações administrativas".

No mesmo sentido podem, nomeadamente, ver-se Pedro Soares Martinez, in Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 109/110, e Nuno Sá Gomes, in Lições de Direito Fiscal (VOLUME II), Ciência e Técnica Fiscal, Julho-Setembro 1984 - n.ºs 307/309, pp. 74 e sgts.

As orientações administrativas, em causa nos autos, difundidas à Alfândega de Aveiro/Delegação Aduaneira da …, nos termos já mencionados, não se circunscrevendo ao quadro especificamente administrativo que lhes compete, ousaram a ocupação de um espaço reservado à previsão legal, o que não é compaginável com o princípio da legalidade, que tem um papel fundamental no domínio fiscal.

Com efeito, as implicações fiscais associadas à classificação fiscal dos veículos, no caso ao veículo com a matrícula …-… -…, particularmente ao nível das taxas do imposto, não toleram que, para efeitos fiscais, a sua classificação se concretize à luz de critérios fixados por via administrativa.

A identificação tipológica de um veículo (do veículo em causa nos autos) há-de, assim, alcançar-se por via da realidade reconhecida pelos Serviços Aduaneiros, aquando do seu desalfandegamento, nos termos legais que já atrás se mencionaram, conjugada com a realidade reconhecida e exarada na documentação relativa à inspecção do veículo para efeitos da atribuição da matrícula nacional, em conformidade com o legalmente estabelecido, pela entidade competente para o efeito. Ora, no caso dos autos, quer a AT - Delegação Aduaneira da …, enquanto entidade competente para o desalfandegamento do veículo, quer o IMT. IP, enquanto entidade nacional competente para a referida inspecção, reconheceram o veículo em causa como sendo da categoria de ligeiro, do tipo passageiros e com lotação de 5 lugares, não podendo, pois, o mesmo deixar de ser enquadrado na Tabela A, prevista no n.º 1, do art.º 7.º do CISV, como bem fez a Delegação Aduaneira da … quando, em 13-04-2015, procedeu à consequente liquidação do ISV sob o registo n.º…, no montante de € 1.448,60.

7 - DO INCIDENTE DE FALSIDADE

Sobre o incidente de falsidade suscitado pela Autoridade Tributária, deve notar-se que, como bem assinala a referida Autoridade, os Certificados emitidos por um Centro de Inspecções de Veículos Automóveis constituem documentos autênticos, que como se estabelece no n.º 1 do art.º 371.º do Código Civil fazem prova plena “ (…) dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (…)”, cuja força probatória plena, como dispõe o n.º 1 do art.º 372.º do referido Código, “só pode ser ilidida com base na sua falsidade”. (sublinhado nosso)

A mencionada arguição de falsidade, relativamente ao Certificado de Aprovação em Inspeção Técnica para Matrícula, referenciado nos autos, vem sustentada no pressuposto de que a entidade responsável pela inspeção, ao identificar no Certificado de Aprovação em Inspeção Técnica para Matrícula o veículo em questão, com a categoria de ligeiro, do tipo passageiros e com lotação de 5 lugares, quando tal informação não consta do Certificado de Matrícula emitido em França em 10/10/2011, está a faltar à verdade, introduzindo no dito documento elementos falsos, conferindo-lhe, assim, uma dimensão de falsidade.

A este propósito, ou seja, sobre a entidade competente para a realização da inspecção e sobre as verificações e observações, legalmente impostas, relativas aos procedimentos de inspecção, tendo em vista a atribuição de matrícula, deve notar-se, por um lado, que nos temos do disposto no n.º 1, do art.º 6 do Decreto-Lei n.º 144/2012, de 11 de Julho a inspecção em causa é da competência do IMT.IP, que pode recorrer para a sua realização a entidades gestoras de centros de inspecção, tal como se verificou no caso dos autos, face ao recurso, para esse efeito, à empresa D…, SA. Por outro lado, sobre as ditas verificações e observações, importa considerar que, face ao disposto no n.º 3 do art.º 5. º do citado Decreto-Lei e no seu anexo IV, as mesmas são, designadamente, reconduzidas aos elementos de informação relacionados com a identificação do veículo, tal como constam no n.º 2 do mencionado anexo IV, os quais coincidem com os previstos quer, no Certificado de Aprovação em Inspeção Técnica para Matrícula, quer no Certificado de Matrícula automóvel, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178-A/2005, de 28 de Outubro.

Como já se referiu, a AT suscita a falsidade do Certificado de Aprovação em Inspeção Técnica para Matrícula, suportada na contradição existente entre a informação constante do Certificado de Matrícula emitido em França em 10-10-2011 e a que vem inscrita no referido Certificado de Aprovação para Matrícula, relativamente ao veículo, como sendo ligeiro de passageiros com a lotação de 5 lugares. Trata-se de um entendimento alicerçado no pressuposto de que o Certificado de Aprovação em Inspeção Técnica para Matrícula, deve reproduzir integralmente os elementos que vêm exarados no Certificado de Matrícula emitido em França, o que, salvo o devido respeito, não encontra aconchego legal.

Diz a AT que o Certificado de Aprovação em Inspeção Técnica para Matrícula (Mod. 112 do IMT, IP) dispõe no seu verso de um quadro que é intitulado “Certificado de matrícula”, que é “composto pelos campos que correspondem aos do certificado de matrícula automóvel”. A sintonia e justaposição entre os elementos constantes de um e de outro documento, afigura-se, aliás, fazer todo o sentido, na medida em que os elementos referenciados no Certificado de Matrícula automóvel, deverão corresponder aos elementos particularmente contemplados pela inspeção, tal como vêm espelhados no Certificado de Aprovação em Inspeção Técnica para Matrícula, o que já não se dirá relativamente à concordância entre as informações exaradas no certificado de matrícula emitido em França e as que devem constar no Certificado de Matrícula automóvel, previsto no Decreto-Lei n.º 178-A/2005, de 28 de Outubro, cujo modelo foi aprovado pela Portaria n.º 1135-B/2005, de 31 de Outubro.

Com efeito, o que legalmente se estatui, no que aos procedimentos de inspeção diz respeito, face à primeira parte do estabelecido no n.º 3 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 144/2012, de 11 de julho, é que, por um lado, nas inspeções a veículos para atribuição de matrícula, identificam-se as respetivas características e a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares aplicáveis, sendo que, por outro lado, devem verificar-se, ainda, as suas condições de segurança, nos termos do anexo IV do referido diploma.

Como se retira do aludido anexo, a aprovação dos veículos para atribuição de matrícula, sendo comprovada através da emissão do respectivo certificado, está, fundamentalmente, centrada em duas categorias de elementos de informação, qualquer delas focada na sua observação visual: Uma, respeita à identificação do veículo, respeitando, designadamente, à marca, ao modelo, ao número de quadro, ao seu tipo e lotação, bem como à cilindrada e ao combustível; Outra, respeita, fundamentalmente, à verificação dos sistemas de segurança do veículo.

Trata-se, em qualquer das situações, de uma verificação que não se mostra baseada nas informações vertidas no Certificado de matrícula do veículo emitido no país de proveniência, no caso em França, mas que se baseia e firma na informação material e concretamente fundada nos elementos percepcionados pela entidade responsável pela inspecção do veículo para a atribuição de nova matrícula, o que se mostra ter ocorrido com o Certificado de Aprovação em Inspeção Técnica para Matrícula junto aos autos. A este propósito, deve notar-se que o processo (cópia) de atribuição da matrícula …-… -… ao veículo referenciado no processo, oportunamente solicitado ao IMT.IP e recebido em 18-11-2016, revela, na respectiva certificação de matrícula, tratar-se de um veículo da categoria de ligeiro, do tipo passageiros e com lotação de 5 lugares.

Os documentos de homologação e classificação do IMT, IP, como bem refere a Requerida, não vinculam a Administração Tributária para efeitos da classificação fiscal dos veículos. Tal circunstância não impede, todavia, que os Serviços Aduaneiros considerem os referidos documentos, no quadro da demais documentação, legalmente exigida, e da efectiva aceitação e reconhecimento do veículo declarado para desalfandegamento, como sendo da categoria de ligeiro, do tipo passageiros e com lotação de 5 lugares, tal como ocorreu na Delegação Aduaneira da … .

A propósito do certificado de matrícula estrangeiro, atrás referido, deve notar-se que o mesmo, sendo um dos documentos que, face ao disposto no n.º 2 do art.º 20.º da CISV, devem acompanhar a DAV, constitui fonte de informação da mencionada Declaração Aduaneira de Veículo. O “campoB da referida DAV é, com efeito, em grande medida, destinado a comportar as informações constantes do Certificado de Matrícula do veículo, emitido no país de proveniência, no caso, França, cabendo destacar, entre tais informações, as que particularmente respeitam à identificação do veículo, ou seja, à sua anterior matrícula e à data da primeira matrícula, elementos que são fundamentais, particularmente, para o histórico do veículo. A referida disposição legal estabelece, aliás, que a DAV deve ser acompanhada, designadamente do certificado de matrícula estrangeiro ou de documento equivalente, de factura comercial ou de declaração de venda no caso de aquisição a particular, do certificado de conformidade e do documento de transporte.

O referido certificado de matrícula estrangeiro, pode legalmente ser substituído por documento equivalente, não se prevendo o mesmo para o certificado de conformidade, o que faz todo o sentido, tendo em conta que, conforme estatuído no art.º 4.º do CISV, o imposto sobre os veículos tem a sua base tributável assente nos elementos constantes do referido certificado de conformidade, nomeadamente da cilindrada e do nível de emissão de dióxido de carbono, e não nos elementos constantes do Certificado de Matrícula estrangeiro.

Não está legalmente prevista a vinculação da entidade inspectiva aos elementos inscritos no Certificado de Matrícula emitido no país de proveniência do veículo. Tal norma, aliás, a existir iria reconhecer e conferir à dimensão formal dos elementos relativos ao veículo um valor superior à dimensão real desses elementos, afirmando, assim, o primado da verdade formal relativamente à verdade material, o que não se mostra compaginável com o princípio da verdade material que importa ter presente.

A inspecção é, por definição, uma acção de observação da realidade. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, Vol. II, p. 2119, a inspecção é a “observação detalhada de alguma coisa, com uma dada finalidade”. No caso dos autos, a coisa a observar detalhadamente foi o veículo automóvel com a matrícula …-… -…, estando a finalidade da inspecção associada quer, à identificação do veículo, quer à aprovação dos diversos sistemas de segurança que o integram. A inspecção para atribuição de nova matrícula, como resulta do estabelecido no ANEXO IV ao Decreto-Lei n.º 144/2012, de 11 de Julho, não se concretiza num “Certificado de Confirmação” de informações inscritas nos Certificados de Matrícula emitidos nos países de proveniência dos veículos, bem pelo contrário, respeita, como atrás se refere, à real e concreta constatação dos elementos destinados à identificação do veículo e à bondade dos sistemas que o integram.

A inspeção do veículo em causa no processo, para atribuição de nova matricula, teve, pois, como objetivos, por um lado, a identificação do tipo de veículo anteriormente matriculado e, por outro, a verificação das suas caraterísticas e a confirmação das condições de funcionamento e de segurança desse veículo, sendo isso que foi materializado no respectivo Certificado de Aprovação em Inspeção Técnica para Matrícula, não podendo, assim, o dito Certificado, face ao que deixa referido, ser tido como falso.

8 - CONCLUSÕES

Tendo em conta todo o exposto, dir-se-á, em jeito de conclusão, o seguinte:

8.1 - A inspeção do veículo em causa no processo, para atribuição de nova matricula, teve como objetivos, por um lado, a identificação do tipo de veículo anteriormente matriculado e, por outro, a verificação das suas caraterísticas e a confirmação das condições de funcionamento e de segurança desse veículo, sendo isso que, em conformidade com o legalmente estabelecido, foi materializado no respectivo Certificado de Aprovação em Inspeção Técnica para Matrícula, e está integralmente confirmado no processo (cópia) de atribuição da matrícula …-… -… recebido em 18-11-2016 do IMT.IP, não podendo o dito Certificado ser tido como falso.

8.2 - A Delegação Aduaneira da …, enquanto entidade competente para o desalfandegamento do veículo, bem como o IMT. IP, enquanto entidade nacional competente para a inspecção destinada à atribuição de matrícula, reconheceram o veículo em causa nos autos como sendo da categoria ligeiro, do tipo passageiros e com lotação de 5 lugares, não podendo, pois, o mesmo deixar de ser enquadrado na Tabela A prevista no n.º 1 do art.º 7.º do CISV, como bem fez a Delegação Aduaneira da … quando, em 13-04-2015, procedeu à consequente liquidação do ISV sob o registo n.º…, no montante de € 1.448,60.

8.3 - As orientações administrativas difundidas à Alfândega de …/Delegação Aduaneira da…, por intermédio do Ofício Circulado n.º 35.049, de 23-07-2015, da DSIECIV-AT, face às suas implicações fiscais associadas à classificação fiscal do veículo automóvel referenciado no processo com a matrícula …-…-…, particularmente ao nível das taxas do imposto, excederam o quadro especificamente administrativo que lhes competia, tornando ilegal o acto tributário de liquidação registado sob o n.º…, de 02-02-2016, no valor de € 2.440,38, da referida Delegação Aduaneira, praticado em seu cumprimento.

8.4 - A Requerida ao considerar que o veículo em causa nos autos deve ser fiscalmente classificado como ligeiro de mercadorias de 2 lugares, enquadrável na alínea a), do n.º 2, do art.º 7.º do CISV, faz uma errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, o que consubstancia um erro sobre os pressupostos de direito, constatando-se, por outro lado, que a liquidação adicional do ISV em questão nos autos, assentou numa matéria de facto, claramente divergente da concreta realidade, o que consubstancia um erro sobre os pressupostos de facto, verificando-se, assim, a prática de um acto tributário falho de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que determina a sua anulação, por violação de lei.

9 - DECISÃO

Destarte, atento a todo o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

9.1 - Julgar procedente, por provado, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de pronúncia arbitral no que concerne à anulação do acto de liquidação adicional de ISV registado sob o n.º…, de 02-02-2016, no valor de € 2.440,38, da Delegação Aduaneira da … .

9.2 - Anular, consequentemente, o acto de liquidação registado sob o n.º…, de 02-02-2016, no valor de € 2.440,38, emitido na Delegação Aduaneira da …, referente à liquidação adicional de ISV, relativo ao veículo com a matrícula …-… -…, com todas as consequências legais daí decorrentes.

9.3 - Condenar a AT a pagar as custas do presente processo.

VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC (ex-315.º, nº 2) e 97.º - A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.440,38.

CUSTAS

De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, in fine, no art.º 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa, fixa-se o montante das custas totais em € 612,00.

 

Notifique-se.

Lisboa, 30 de Novembro de 2016

O Árbitro

António Correia Valente

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex-138.º, n.º 5), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)