Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 229/2016-T
Data da decisão: 2016-12-13  IMT  
Valor do pedido: € 17.413,00
Tema: IMT – Isenção - Artigo 270.º CIRE
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.       Relatório

 

A…, residente na Rua …, …, …, Cascais, contribuinte fiscal número … (doravante, a “Requerente”), requereu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 17 de abril de 2016, a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Transmissão Onerosa de Imóveis ("IMT"), no valor de €17.413,00 (dezassete mil quatrocentos e treze euros).

 

A Requerente optou por não designar árbitro.

 

O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 18 de abril de 2016 e automaticamente notificado à AT na mesma data.

 

A Signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, tendo comunicado a aceitação do encargo, no prazo legal, de acordo com o artigo 4.º do Código Deontológico do CAAD.

 

As Partes foram notificadas da designação da Signatária, em 14 de junho de 2016, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) do RJAT, não se tendo oposto à mesma.

 

O tribunal arbitral singular ficou, assim, regularmente constituído em 29 de junho de 2016, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 11.º do RJAT.

 

A AT foi notificada do despacho arbitral de 6 de julho 2016, para apresentar resposta no prazo de 30 (trinta) dias.

 

A AT apresentou a sua resposta em 26 de setembro de 2016.

 

Por despacho arbitral de 2 de novembro de 2016, o Tribunal Arbitral determinou a notificação da Requerente para se pronunciar sobre as exceções invocadas pela Requerida na sua Resposta. Determinou também a junção aos autos do processo administrativo. Mais considerou, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, alíneas c) e e) do RJAT, dispensável a reunião do artigo 18.º do RJAT e a audição das testemunhas indicadas.

 

A Requerida apresentou, na mesma data, um processo administrativo, embora não respeitante à Requerente. Voltou a enviar o processo administrativo correto em 6 de dezembro de 2016. A Requerente apresentou, em 10 de novembro, resposta às exceções invocadas. Em 18 de novembro, a Requerente apresentou alegações escritas. A Requerida apresentou as suas alegações escritas em 28 de novembro.

 

A Requerente juntou ao processo requerimento a solicitar o desentranhamento das alegações apresentadas pela Requerida, por considerar serem as mesmas extemporâneas. Por despacho arbitral de 9 de dezembro, o Tribunal Arbitral considerou que as regras previstas para as notificações efetivadas através de transmissão eletrónica de dados constam do artigo 248.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do RJAT, em face da manifesta ausência de normas reguladoras da matéria neste último diploma. O artigo 248.º do CPC é aplicável à notificação dos atos praticados no âmbito das ações arbitrais. Assim, a notificação do despacho arbitral de 2 de novembro presume-se realizada no dia 7, 1.º dia útil após o 3.º dia. O prazo começou a contar em 8 de novembro, terminando assim em 27. Não sendo este dia útil, transfere-se o prazo para dia 28 de novembro, data em que a Requerida apresentou as respetivas alegações. Considerou, assim, não proceder o pedido da Requerente.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

II.      Pedido da Requerente

 

A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral de acordo com a fundamentação que sucintamente se indica:

 

1.             A Requerente foi citada em processo de execução fiscal para cobrança coerciva de liquidação de IMT no valor de €17.383,46.

 

2.             A Requerente prestou uma garantia no âmbito daquele processo para suspender a respetiva cobrança coerciva.

 

3.             A liquidação de IMT subjacente é ilegal por não ter sido considerada a realização da compra no âmbito de um processo de insolvência.

 

4.             A liquidação em apreço nunca foi notificada à Requerente nem pode esta exercer o seu direito de audição prévia.

 

5.             Em 7.2.2001 a Requerente prometeu adquirir a fração autónoma C do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … e inscrito na respetiva matriz sob o artigo … à sociedade B…, Lda.

 

6.             Aquela sociedade incumpriu o contrato-promessa e a Requerente intentou ação declarativa de condenação, na qual reclamou a resolução do contrato e o pagamento do sinal em dobro, ou seja, €593.569,48.

 

7.             A fração autónoma objeto do contrato-promessa foi ainda objeto de arresto por parte da Requerente.

 

8.             Em 22.9.2008 a B…, Lda. foi declarada insolvente, tendo a Requerente reclamado o seu crédito de €593.569,48, o qual foi reconhecido e aceite pelo Administrador da Insolvência.

 

9.             No âmbito do processo de liquidação da sociedade, a Requerente adquiriu o imóvel que havia prometido comprar, para compensação do crédito reclamado.

 

10.         A notária que outorgou a escritura pública de compra e venda emitiu as competentes guias de IMT e Imposto do Selo, liquidadas a zero, por se tratar de aquisição no âmbito de insolvência.

 

11.         Todos os intervenientes consideraram que a compra e venda em questão estava isenta de IMT, pelo que foi com surpresa que a Requerente conheceu esta liquidação adicional.

 

12.         De facto, ao contrário do entendimento da AT, a aquisição do imóvel estava isenta de IMT por força do artigo 270.º do Código da Insolvência e recuperação de Empresas (CIRE).

 

13.         Ainda que a AT possa considerar que a redação da norma não é clara, deverá sempre considerar que na interpretação da lei não deve apenas atender-se ao elemento literal ou gramatical.

 

14.         Sendo certo que mesmo atentando apenas ao elemento literal, sempre teria a Requerente direito à isenção de que beneficiou.

 

15.         A questão central quanto ao âmbito de aplicação do artigo 270.º do CIRE é saber se é aplicável, ou não, a isenção de IMT a vendas isoladas de ativos da insolvente. Ora, tratando-se o caso de uma cessão de bem a um credor, realizada no âmbito dos atos de liquidação da massa insolvente e plano de pagamentos, não sendo por isso uma venda isolada e integrada nos atos de liquidação, não pode deixar de beneficiar da referida isenção.

 

16.         Tal como refere o artigo 270.º n.º1 alínea c) do CIRE, estamos perante uma venda que decorre da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores, pelo que isenta de IMT.

 

17.         Também o n.º2 do artigo 270.º CIRE isenta de IMT os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

18.         A transmissão foi realizada pela massa insolvente, no âmbito dos atos de liquidação.

 

19.         A jurisprudência corrobora claramente tal entendimento.

 

20.         Pede assim que o Tribunal Arbitral i) declare a nulidade do título executivo por falta de notificação da Requerente para exercício do direito de audição ou da própria liquidação, ii) a anulação da liquidação adicional de IMT e respetivos juros, iii) a extinção da cobrança coerciva do imposto.

 

 

III.    Resposta da Requerida

 

A Requerida apresentou a sua Resposta, que fundamenta nos termos seguintes:

 

Por exceção:

 

A.      Incompetência material do Tribunal Arbitral para anular e declarar a extinção do processo executivo

 

1.              

2.              

3.              

4.              

5.              

6.              

7.              

8.              

9.              

10.              

11.              

12.              

13.              

14.              

15.              

16.              

17.              

18.              

19.              

20.              

1.             Decorre do pedido e da causa de pedir deduzidos pela Requerente a extinção do processo de execução fiscal.

 

2.             Atento o disposto no artigo 2.º n.º1 alínea a) do RJAT, conjugado com a Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março, a apreciação da matéria relativa ao processo executivo não se encontra abrangida no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral.

 

3.             A incompetência do tribunal arbitral constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso que determina a absolvição da instância.

 

B.      Incompetência material absoluta do tribunal Arbitral para reconhecer o direito à atribuição de benefícios fiscais previstos no CIRE

 

4.             Das disposições supra referidas resulta também que não está abrangido pelo âmbito de competência do tribunal arbitral o conhecimento de matéria relativa ao reconhecimento de isenções tributárias.

 

5.             O Tribunal Arbitral apenas tem competência para se pronunciar sobre a legalidade dos atos de liquidação impugnados.

 

6.             A incompetência do tribunal arbitral constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso.

 

Por impugnação:

 

7.             A liquidação impugnada foi notificada à Requerente por carta registada com AR para a morada constante dos registos da AT em 20.11.2016, não tendo sido aquela notificação sido levantada pela Requerente nos CTT.

 

8.             Em 11.12.2015 foi repetida a notificação, tendo sido novamente deixado aviso e não levantado nos CTT.

 

9.             O artigo 39.º do CPPT estabelece que em caso de não levantamento da carta a notificação se presume realizada no 3.º dia posterior ao do registo.

 

10.         Foi, portanto, a liquidação devidamente notificada.

 

11.         A Requerente alega que uma vez que a transmissão do imóvel ocorreu no decurso da liquidação da massa insolvente, constituindo uma transmissão a um credor, razão pela qual, quer por força do disposto na c) do n° 1 do art° 270° do CIRE, a mesma está isenta de IMT.

11.

12.         Contudo, resulta da escritura junta aos autos que em virtude da aquisição a Requerente desiste da reclamação de créditos.

 

13.         Ou seja, a Requerente quando adquiriu o imóvel já não detinha a qualidade de credora da insolvente, donde não se verificam cumpridos no caso em apreço os requisitos legais previstos na c) do n.º 1 do art.º 270.º do CIRE.

 

14.         Alega ainda a Requerente que, por constituir um ato de venda de um bem no âmbito da liquidação da massa insolvente, a transmissão do referido imóvel estaria sempre abrangida pela isenção de pagamento de IMT prevista no n° 2, do art° 270° do CIRE.

14.

15.         Ora, a Requerida encontra-se vinculada na sua atuação, quer ao princípio da legalidade, quer às orientações internas emanada pela AT nomeadamente à informação vinculativa no Processo 2009… – IVE n.º…, com despacho concordante, de 24/03/2009, da Sra. Subdirectora-Geral dos Impostos da Área do Património.

 

16.         O qual estabelece que a aplicação dos benefícios fiscais do art. 270.º n.º 2, do C.I.R.E. depende de os bens imóveis transmitidos se integrarem na universalidade da empresa ou estabelecimento vendidos, permutados ou cedidos no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da empresa insolvente.

 

17.         A Requerente não adquiriu a empresa nem o estabelecimento nem teve a referida aquisição teve em vista a manutenção da atividade empresarial.

 

18.         Deve atender-se à literalidade da norma que prevê que só os atos de “venda”, de “permuta” ou de “cessão” de empresas ou dos seus estabelecimentos é que aí estão contemplados.

 

19.         A venda de imóveis da empresa, isoladamente, não está, assim, abrangida pela isenção disposta no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE, estando por consequência, sujeita a IMT nos termos gerais.

 

20.    O legislador quanto à situação em causa apenas pretendeu manter a isenção no caso da transmissão da universalidade de bens associados ao exercício da atividade económica da empresa.

 

21.    A liquidação adicional de IMT ora impugnada assenta numa correta interpretação e aplicação da referida norma de isenção, não podendo colher nenhum dos argumentos, nem podendo proceder nenhum dos vícios aduzidos pela Requerente à liquidação impugnada.

 

22.    Uma vez que não se verifica qualquer ilegalidade do ato de liquidação nem fundamento legal que sustente a pretensão da Requerente improcede em consequência o pedido de inexigibilidade das quantias devidas.

 

IV.    Questões a decidir

 

Considerando os factos e a matéria de direito constantes do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e a resposta da Requerida, a questão controvertida a decidir pelo Tribunal Arbitral é de saber se a liquidação de IMT em crise foi ou não corretamente emitida considerando a aquisição do prédio em questão a uma entidade insolvente, nos termos do disposto no artigo 270.º do CIRE.

 

Antes, no entanto, de tal apreciação, e por força do disposto no artigo 29.º n.º1 alíneas a) e e) do RJAT, 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 608.º n.º1, do CPC, o Tribunal Arbitral apreciará as exceções invocadas pela AT:

 

1.             Conhecer da incompetência material do Tribunal Arbitral para anular e declarar a extinção do processo executivo;

 

2.             Conhecer da incompetência material absoluta do Tribunal Arbitral para reconhecer o direito à atribuição de benefícios fiscais previstos no CIRE.

 

V.      Matéria de Facto

 

Com relevância para a apreciação do pedido da Requerente, são os seguintes os factos que se dão por provados, com base nos documentos juntos ao processo:

 

1.             A Requerente foi citada em processo de execução fiscal para cobrança coerciva de liquidação de IMT no valor de €17.383,46.

 

2.             A Requerente prestou uma garantia no âmbito daquele processo para suspender a respetiva cobrança coerciva.

 

3.             Em 7.2.2001 a Requerente prometeu adquirir a fração autónoma C do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … e inscrito na respetiva matriz sob o artigo … à sociedade B…, Lda.

 

4.             Aquela sociedade incumpriu o contrato-promessa e a Requerente intentou ação declarativa de condenação, na qual reclamou a resolução do contrato e o pagamento do sinal em dobro, ou seja, €593.569,48.

 

5.             A fração autónoma objeto do contrato-promessa foi ainda objeto de arresto por parte da Requerente.

 

6.             Em 22.9.2008 a B…, Lda. foi declarada insolvente, tendo a Requerente reclamado o seu crédito de €593.569,48, o qual foi reconhecido e aceite pelo Administrador da Insolvência.

 

7.             No âmbito do processo de liquidação da sociedade, a Requerente adquiriu, em 11 de julho de 2012, o imóvel que havia prometido comprar, para compensação do crédito reclamado.

 

8.             A notária que outorgou a escritura pública de compra e venda emitiu as competentes guias de IMT e Imposto do Selo, liquidadas a zero, por se tratar de aquisição no âmbito de insolvência.

 

9.             A Requerida enviou em 20.11.2015 notificação à Requerente, por carta registada com aviso de receção, para exercer o seu direito de audição prévia relativamente a liquidação adicional de IMT, aí se indicando que na ausência do exercício de tal direito, tal determinaria a definitividade da liquidação.

 

10.         Aquela notificação foi devolvida por não levantada pela Requerida junto dos CTT.

 

11.         A Requerida enviou em 11.12.2015 segunda notificação à Requerente, por carta registada com aviso de receção, para exercer o seu direito de audição prévia relativamente a liquidação adicional de IMT, aí se indicando que na ausência do exercício de tal direito, tal determinaria a definitividade da liquidação.

 

12.         Aquela notificação foi devolvida por não levantada pela Requerida junto dos CTT.

 

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta e não contestada pelas Partes.

 

Não existem, com relevância para o processo, outros factos que não se considerem provados.

 

VI.    Matéria de Direito

 

Afigura-se necessário, por força do disposto no artigo 29.º n.º1 alíneas a) e e) do RJAT, 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 608.º n.º1, do CPC, apreciar das exceções invocadas pela Requerida.

 

A.      Incompetência material do Tribunal Arbitral para anular e declarar a extinção do processo executivo

 

Tem razão a Requerida quando refere que o tribunal arbitral não tem competência no âmbito de processo de execução fiscal.

 

Tal é quanto decorre da alínea a) do n.º1 do artigo 2.º do RJAT, 4.º do RJAT e Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

A exceção de incompetência constitui exceção dilatória que determina a absolvição da instância nos termos do artigo 576.º e alínea a) do art.º 577.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Resta assim perceber se o processo deve findar na totalidade, relativamente a todos os pedidos, ou apenas na parte para a qual o Tribunal Arbitral é incompetente. Segue-se, para a solução de tal questão, o disposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de maio de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 5737/09.6TVLSB.L1-S1, que se cita, por facilidade de exposição:

 

“Assim sendo, a inadmissibilidade de coligação decorrente da incompetência do tribunal em razão da matéria para alguns dos pedidos cumulados poderá configurar:

 

- ou uma excepção dilatória, determinativa da absolvição da instância quanto a todos eles (por incompetência em razão da matéria quanto a alguns deles), pois o processo tal como foi apresentado (pluralidade de partes, cumulação de causas de pedir e de pedidos) não pode prosseguir;

 

- ou uma mera ineficácia do(s) pedidos(s) relativamente aos quais o tribunal é incompetente.

 

De comum a qualquer destas soluções possíveis é que a coligação tal como foi configurada pelo Autor não pode prosseguir.

 

Resta indagar qual das apontadas soluções deve ser adoptada.

Começaremos por referir, desde já, que a primeira não se apresenta conforme com os princípios que presidem à admissibilidade e suprimento da coligação.

 

Na verdade, uma coligação é, fundamentalmente, uma acumulação num único processo de acções que, apesar de conexas entre si, poderiam ser proposta separadamente perante o mesmo juiz, desde que qualquer das causas conexas não caiba na competência material de um outro juiz, diferente.

 

Funda-se numa razão de conveniência e de economia processual decorrente do princípio normativo básico de que podem, em regra propor-se unidas todas as causas que, se propostas em separado, são passíveis de se unirem (v.g., por via da apensação de processos).

 

A limitação decorrente da imperatividade da competência jurisdicional em razão da matéria funda-se em razões de interesse e ordem pública que prevalecem sobre as conveniências processuais decorrentes da conexão de causas justificativas da coligação.

 

 Facilmente se compreenderá, por isso, que um dos requisitos da acumulação de acções num único processo seja a competência do tribunal em razão da matéria para todas essas acções.

 

Para além da economia processual, uma das vantagens associadas à coligação é a prevenção de decisões contraditórias ou divergentes entre as várias acções (se intentadas em separado).

 

Se bem que o processo (com todas as acções acumuladas) seja instruído e julgado conjuntamente e decidido numa única decisão, é preciso ter em conta que as pretensões conservam a sua distinção e autonomia umas perante as outras. Sendo o processo único e os actos processuais os mesmos, a autonomia das acções (pretensões) implicará, entre outras, que a concorrência tanto dos pressupostos processuais como dos requisitos de fundo de cada acção, há-de examinar-se separadamente e que as acções conservam a sua autonomia para efeitos de actos de disposição processual (confissão, desistência, transacção) (cfr. Andrés de la Oliva Santos – Ignacio Diez-Picazo Gimenez, Derecho Procesal Civil, El proceso de declaracion, p. 170).

 

Sendo os pressupostos processuais verificados relativamente a cada uma das acções, a cumulação, no mesmo processo, de acções ou pretensões para as quais o tribunal seja materialmente competente com outras para as quais ele não o seja, deve ter como consequência que o processo continuará exclusivamente para julgamento das acções relativamente às quais o tribunal é competente, paralisando apenas e tão só as acções relativamente às quais falece a competência do tribunal.

 

Era esta a solução preconizada pelo Prof. Alberto dos Reis; segundo este:

 

“…a circunstância de se cumularem pedidos com infracção dos requisitos relativos a forma do processo e à competência do tribunal dá em resultado ficar sem efeito um ou alguns dos pedidos. Qual ou quais?

 

Naturalmente aquele ou aqueles a respeito dos quais a forma do processo empregada é imprópria ou o tribunal é incompetente em razão da matéria ou da hierarquia. Se é a incompetência ou o erro de forma que faz cair o pedido, para que o efeito esteja em correlação com a causa tem necessariamente de admitir-se que o pedido posto fora de campo é precisamente aquele a que se não ajusta a forma de processo adoptada ou de que o tribunal não pode conhecer em razão da matéria ou da hierarquia” (Cfr. Comentário ao CPC, vol, III, p. 168).

 

No mesmo sentido, o Prof. Castro Mendes, confrontado com o problema da ilegalidade da coligação resultante de incompatibilidades processuais (incompetência do tribunal e erro a forma de processo) escreveu:

 

“Se (a ilegalidade da coligação) resultar de incompatibilidade processual, por violação do art. 31º nº1 (…) o que se verifica é – quanto a um ou aos dois pedidos – um vício de incompetência ou de erro na forma de processo. Assim, aqui a consequência será a absolvição da instância quanto àquele ou aqueles dos pedidos para que o tribunal for incompetente ou a forma de processo inadequada” (cfr. Direito processual Civil, vol. II, p. 274-275).

 

Igualmente o Prof. Lebre de Freitas:

 

“A separação das causas tem também lugar quando só quanto a alguns pedidos o tribunal é incompetente ou a forma de processo é inadequada, mantendo-se no tribunal da propositura a apreciação dos restantes” (cfr. Código de Processo Civil, vol 1º, 1999, p. 67).

 

Esta solução é a que se coaduna com a concepção da coligação como acumulação no mesmo processo de acções que poderiam ser intentadas separadamente; nesta hipótese – propositura separada de acções – o processo que findaria seria aquele em que fora formulado pedido para cuja apreciação o tribunal carecia de competência em razão da matéria; ora, não se descortinam razões para afastar esta regra na hipótese de coligação.

 

Tal como naquela, o processo instaurado separadamente ficava sem efeito (o mesmo é dizer, o Réu era absolvição da instância…), nesta hipótese, é o o pedido que fica sem efeito – sendo o Réu absolvido da respectiva instância quanto a ele.

 

O princípio normativo que subjaz a esta solução é, aliás, o mesmo que aflora nas hipóteses normativas expressamente previstas nos art.s 31º nº4 e 31º-A nº1 CPC.

 

Quer dizer: os obstáculos à coligação a que alude o art. 31º CPC são impedimentos à inclusão no processo das causas a que eles se referem; impedem apenas que certas causas sejam cumuladas no mesmo processo, mas não que outras, relativamente às quais, inexistam obstáculos, o sejam; logo, a absolvição da instância deverá atingir, não todo o processo (isto é, todas as acções ou causas cumuladas), mas apenas aquelas relativamente às quais se verificam os referidos obstáculos.”

Pelo exposto, julga-se procedente a absolvição da instância da Requerida quanto ao pedido de extinção do processo executivo, por incompetência do Tribunal Arbitral, prosseguindo os autos quanto ao pedido de apreciação da legalidade do ato de liquidação de IMT em apreço.

 

B.      Incompetência material absoluta do Tribunal Arbitral para reconhecer o direito à atribuição de benefícios fiscais previstos no CIRE

 

Dispõe o artigo 2.º n.º1 do RJAT que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

 

a.              A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; e

 

b.             a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

 

Ora, dúvidas não se colocam, no caso em apreço, que o que está a ser discutido é o ato de liquidação de IMT. Ou seja, um ato de liquidação de tributos.

 

Não existe, na verdade, qualquer ato administrativo de reconhecimento ou revogação de isenções ou outros benefícios fiscais que seja contestado – atos esses que estão fora da competência dos tribunais arbitrais. Não se apreciará um ato de reconhecimento de benefícios fiscais.

 

O cerne da questão a decidir é outro – é o de saber se a liquidação de IMT notificada à Requerente é ou não legal, em face da disposição legal constante do artigo 270.º do CIRE.

 

Assim, reitera-se, não se apreciará um qualquer ato de reconhecimento ou revogação de benefícios fiscais. Apreciar-se-á, sim, na esteira de tantos outros casos já decididos em tribunal arbitral, um ato de liquidação de imposto que pressupõe a interpretação de normas respeitantes a benefícios fiscais.

 

Este Tribunal Arbitral entende, consequentemente, ser competente para apreciar o pedido arbitral, não sendo procedente a exceção de incompetência invocada pela Requerida.

 

C.      Questão controvertida

 

Conforme referido, a questão controvertida a decidir pelo Tribunal Arbitral é de saber se a liquidação de IMT em crise foi ou não corretamente emitida considerando a aquisição do prédio em questão a uma entidade insolvente, nos termos do disposto no artigo 270.º do CIRE.

 

Dispunha o artigo 270.º do CIRE, na redação em vigor à data dos factos (a saber, julho de 2012, data da outorga da escritura de compra e venda), ou seja, na redação anterior à Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro: 

 

“1.    Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos:

a.             As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;

b.             As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;

c.              As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.

2.       Estão igualmente isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.”

 

Importa, portanto, proceder à interpretação da disposição indicada, a qual deverá ser sempre realizada nos termos do disposto nos artigos 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 9.º do Código Civil, para o qual aquele remete, o que se fará.

 

A questão em apreço foi já objeto de pronúncia por vários tribunais superiores, sendo hoje a sua interpretação relativamente assente na doutrina e jurisprudência.

 

De acordo com a Requerente, a aquisição do imóvel estaria isenta de IMT por força do artigo 270.º do CIRE. Em primeiro lugar, porque a isenção de IMT seria sempre aplicável a vendas isoladas de ativos da entidade insolvente, nos termos do n.º 2 do artigo 270.º. Em segundo lugar, e mesmo que assim não se considerasse, este caso sempre seria uma cessão de bem a um credor, realizada no âmbito dos atos de liquidação da massa insolvente e plano de pagamentos, não sendo por isso necessariamente uma venda isolada. A transmissão foi realizada pela massa insolvente, no âmbito dos atos de liquidação, ao abrigo do n.º1 da mesma disposição.

 

Segundo a Requerida, a Requerente quando adquiriu o imóvel já não detinha a qualidade de credora da insolvente, donde não se verificam cumpridos no caso em apreço os requisitos legais previstos na c) do n.º 1 do art.º 270.º do CIRE. Mais, a aplicação dos benefícios fiscais do artigo 270.º n.º 2, do C.I.R.E. depende de os bens imóveis transmitidos se integrarem na universalidade da empresa ou estabelecimento vendidos, permutados ou cedidos no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da empresa insolvente. Não tendo a Requerente adquirido empresa ou estabelecimento, nem tendo a referida aquisição tido em vista a manutenção da atividade empresarial, então não pode ser aplicado o benefício. Deve atender-se à literalidade da norma que prevê que só os atos de “venda”, de “permuta” ou de “cessão” de empresas ou dos seus estabelecimentos é que aí estão contemplados. A venda de imóveis da empresa, isoladamente, não está, assim, abrangida pela isenção disposta no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE, estando por consequência, sujeita a IMT nos termos gerais.

 

Cumpre apreciar, recorrendo-se, por se concordar na íntegra, ao decidido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 19 de novembro de 2015, no âmbito do processo 08063/14, que se cita:

 

“deve fazer-se a exegese da norma constante do identificado artº.270, do C.I.R.E., aprovado pelo dec.lei 53/2004, de 18/3 (redacção anterior à Lei 66-B/2012, de 31/12).

 

Haverá, portanto, que decidir se a norma deve ser interpretada no sentido em que quer a venda, quer a permuta, quer a cessão, ainda que integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no espaço da liquidação da massa insolvente, para que sejam isentas de I.M.T. terão de ter por objecto necessário a empresa ou estabelecimento desta, conforme defende o recorrente, ou se, pelo contrário, estão compreendidos no âmbito da isenção de I.M.T. em causa, também e além do mais, as vendas de imóveis integrados no activo da empresa, desde que efectuadas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados em sede de liquidação da massa insolvente.

 

Recorde-se que o legislador consignou no nº.49, do preâmbulo do C.I.R.E., no que respeita aos benefícios fiscais, o seguinte: "mantêm-se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais", sendo certo que a alínea c), do nº.2, do artº.121, do CPEREF, isentava de imposto municipal de sisa as transmissões de bens imóveis integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa que decorram, designadamente, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa.

 

Por outro lado, o sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao Governo, ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE, fixado nos artºs.2, e seguintes da Lei 39/2003, de 22/8, no que se refere às isenções de imposto municipal de sisa (hoje IMT), dispunha no nº.3, do artº.9, daquela lei de autorização legislativa que: "Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: c) (…) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos (…)".

 

Deve, por isso, concluir-se que os elementos históricos de interpretação da norma sob exegese vão no sentido de a isenção de I.M.T. consagrada no artº.270, nº.2, do C.I.R.E., na redacção anterior à Lei 66-B/2012, de 31/12, abarcar também as vendas de elementos do activo da empresa insolvente, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no espaço da liquidação da massa insolvente (cfr. ac.S.T.A-2ª.Secção, 30/5/2012, rec.949/11; ac.S.T.A-2ª.Secção, 3/7/2013, rec.765/13; ac.S.T.A-2ª.Secção, 17/12/2014, rec.1085/13; Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Quid Juris, 2006, II volume, pág.257 e seg.).”

 

Como decorre do aresto citado, com cuja fundamentação se concorda, a isenção de IMT constante do artigo 270.º n.º2 do CIRE abrange as vendas isoladas de elementos do ativo da insolvente, como foi o caso.

 

O mesmo entende o Supremo Tribunal Administrativo, no seu acórdão de 18 de novembro de 2015, proferido no âmbito do processo 01067/15:

 

“Vejamos, pois, o regime legal aplicável.

 

Nos termos do nº 1 do artº 270º do CIRE estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação:

 

a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;

b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;

c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.

Por sua vez dispõe o nº 2 do mesmo preceito que «estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente».

 

A redacção deste número 2 não é clara, antes ambígua, dando causa a divergências interpretativas, nomeadamente como a que é suscitada nos presentes autos, ou seja saber se apenas beneficiam de isenção de IMT os actos de venda, permuta ou cessão que têm por objecto a empresa ou estabelecimentos desta, ou, tal como se decidiu em primeira instância, também podem considerar-se abrangidas pela isenção as vendas de elementos do activo das empresas, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

Este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou por várias vezes sobre a questão da interpretação deste normativo e no sentido propugnado pela decisão recorrida.

 

Como ficou dito no Acórdão 949/11 de 30.05.2012, «o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, cuja redacção não é clara no que respeita ao âmbito da isenção de IMT aí consignada, deve ser interpretado em conformidade com a alínea c) do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, pois que entre dois sentidos da lei, ambos com apoio - pelo menos mínimo - na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vicie de inconstitucionalidade. (…)Como tal, deve entender-se estarem isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

Também nos acórdãos desta Secção de 17 de Dezembro de 2014, recursos 1085/13 e de 11 de Novembro de 2015, recurso 968/13 Ainda não publicado na base de dados da www.dgsi.pt., proferidos em casos similares ao dos presentes autos, se sublinhou que a aquisição de um imóvel, alegadamente, até o único bem que integrava a massa insolvente, na venda realizada no processo de insolvência na fase de liquidação da massa insolvente, não pode, pois, deixar de estar isento do IMT, ao abrigo do disposto no nº 2 do artº 270º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

 

Concordamos com esta jurisprudência cuja fundamentação jurídica tem plena aplicação também no caso vertente.

 

Com efeito a questão suscitada é, sobretudo, uma questão de interpretação da lei fiscal, havendo que fazer apelo à ratio legis e tendo sempre presente que a captação do sentido de uma norma não pode fazer-se de uma forma isolada.

 

Ora, como se evidenciou no já referido acórdão 1085/13, haverá que ter em conta o fim que o legislador pretende alcançar com a concessão de tal isenção, - «fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador», dando incentivos fiscais a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente e que serão vendidos em fase de liquidação.

 

Não havendo que diferenciar, para tal fim, as situações em que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu activo e o seu passivo, das situações em que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, ou em que se estejam a vender bens imóveis que integravam o seu activo.

 

O objectivo que preside à teleologia da norma será igualmente prosseguido quando a aquisição tem por objecto elementos do activo da empresa, não se tomando necessário que o objecto seja a empresa ou estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência.

Por isso mesmo não procede também a argumentação da recorrente quando invoca o exemplo da isenção de Imposto de Selo a que alude o artº 269º al. e) do CIRE.

 

Não há qualquer razão válida para proceder a uma interpretação mais restritiva no que se refere à isenção de IMT prevista no artº 270º, nº 2 do CIRE.

 

Acresce que, como também se deixou dito no supra citado Acórdão 949/11, o nº 3 do artº 9º da Lei de autorização legislativa nº 39/2003, dispunha, no que se refere às isenções de Sisa (hoje IMT) que: «Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: c) (…) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos (…)».

 

Ora, embora o argumento literal também pudesse apontar para uma solução diversa, «uma interpretação conforme à CRP impõe que se considere que a isenção em causa se aplica também às vendas e permutas dos elementos do activo de empresas enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, uma vez que é para essa solução que aponta a lei de autorização legislativa que autorizou o Governo a legislar sobre esta matéria, pelo que uma interpretação diversa seria inconstitucional, uma vez que, nesse caso, teria o Governo legislado em desrespeito pelo “sentido e extensão” da autorização legislativa.»

 

Daí que se conclua, reiterando tal jurisprudência, que a isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art.º 270.º do CIRE aplica-se, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também vendas e permutas de imóveis (enquanto elementos do seu activo), desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.”

 

 

Perante a fundamentação supra, que se cita e com a qual se concorda na íntegra, o Tribunal Arbitral considera que a isenção de IMT constante do artigo 270.º n.º2 do CIRE, na redação em vigor na data dos factos, abarca as vendas isoladas de elementos do ativo da insolvente.

 

Nestes termos, e sem necessidade de mais, é ilegal a liquidação de IMT em apreço, por emitida em violação do disposto no artigo 270.º n.º2 do CIRE.

 

VII.   Decisão

 

Com base nos fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte em que se requer a anulação da liquidação adicional de IMT, no valor de €17.413,00 (dezassete mil quatrocentos e treze euros), e respetivos juros, anulando-se a liquidação impugnada.

 

Valor do processo: €17.413,00 (dezassete mil quatrocentos e treze euros)

 

Custas: Ao abrigo do disposto no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas em €1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 13 de dezembro de 2016

 

O árbitro

 

 

Ana Pedrosa Augusto