Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 209/2016-T
Data da decisão: 2016-12-16  IRC  
Valor do pedido: € 19.312,28
Tema: IRC – Art. 23.º Custos fiscais – Encargos com juros
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Requerente: A…, SA

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

                                                                                           

 

Decisão Arbitral

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

A)    As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

1. A…, SA, pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua …, nº …/... …-… …, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, nº1, alínea a), artigo 3º, nº1, artigo 6º, nº1 e artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, doravante designado por “RJAT”, para impugnação da liquidação adicional de IRC nº 2015…, relativa ao exercício de 2011, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “AT”. A Requerente pretende a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC e respetiva liquidação de juros, referentes ao ano de 2011, com a consequente anulação.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 05-04-2016 e posteriormente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a ora signatária, em 02-06-2016, como árbitro a integrar o tribunal arbitral singular. De imediato, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros indicados, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 20-06-2016. Em 25-06-2016 foi proferido despacho arbitral e notificada a AT para apresentar a sua contestação no prazo legal.

 

3. A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu em 14-09-2016, contestou o pedido arbitral, defendendo que o mesmo seja julgado improcedente, nos termos e com os fundamentos constantes da Resposta, junta aos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

Não foram invocadas exceções nem requerida prova testemunhal e as questões a decidir pelo tribunal são exclusivamente de direito. Em 26-10-2016, foi proferido despacho arbitral a dispensar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT e fixado prazo para as partes apresentarem, querendo, alegações escritas apresentação de alegações escritas. Foi ainda fixado prazo para prolação da decisão até 15 de dezembro de 2016, posteriormente prorrogado até 19 de dezembro.

 

As partes não apresentaram alegações.

 A Requerente efetuou o pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

B) PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS:

 

4. O tribunal arbitral foi regularmente constituído. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). O processo, não enferma de nulidades que impeçam o conhecimento do mérito da causa.

 

Cumpre apreciar e decidir do mérito do pedido.

 

 

II. Matéria de facto

 

 A) Factos provados

 

5. Com base nos elementos que constam do processo, junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a apreciação do mérito da causa:

 

a) A Requerente A…, SA é uma sociedade anónima. Com sede na Rua …, …/…, em …, e está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …;

 

b) O seu objeto de atividade destina-se ao design, produção e distribuição de todo o tipo de mangueiras hidráulicas e industriais, conexões, correias de transmissão e outros componentes hidráulicos e industriais e está enquadrado, para efeitos de IVA, no regime normal com periodicidade mensal, registado com o CAE…;

 

c) A Requerente iniciou a sua atividade em 17/05/1977 e desenvolve a sua atividade em diversos países do mundo, fruto da sua internacionalização, integrando o grupo B…, conjuntamente com as sociedades C…, D…, E…, F…, G…, H…, I…, J…, K…; L…, M… e N…, sociedades locais, totalmente autónomas, criadas em cada um destes países de acordo com o respetivo ordenamento jurídico;

 

d) Na contabilidade da Requerente apresentava, no exercício de 2011, saldos de conta corrente de clientes, resultantes das vendas efetuadas, com diferentes prazos de pagamento e tempos médios efetivos de recebimento distintos;

 

e) Entre os seus clientes com maior volume de negócios destacam-se algumas das sociedades do grupo B…, sediadas em territórios estrangeiros, como a C…, entre outras;

 

f) Por Ordem de Serviço nº O12014…, foi ordenada uma ação inspetiva em nome da Requerente, para o período de 2011, com o fundamento de controlo das obrigações declarativas de sujeitos passivos que efetuaram transferências transfronteiriças, para destinos com regime de tributação privilegiada;

 

g) No período em causa (2011) a Requerente efetuou diversas transferências de valor superior a 12.500,00 para Hong Kong, que a Requerente confirmou e justificou perante a Inspeção Tributária, que concluiu tratar-se exclusivamente de pagamentos de fornecimentos de bens à sociedade, não tendo detetado qualquer divergência, como consta do Relatório de Inspeção junto aos autos, que se dá por reproduzido;

 

h) A ação inspetiva iniciou-se em 2015-06-30, com âmbito parcial, na esfera de IRC, o qual passou a geral, por ofício de 2015/…/…, nos termos do disposto na alínea a), do artigo 15º do RCPITA;

 

i) Em 2015/10/16 foram concluídos os atos inspetivos;

 

j) Por Ofício nº …/…, de 26-10-2015, foi a Requerente notificada do projeto de Relatório da Inspeção Tributária (RIT), e do prazo para exercer o direito de audição, nos termos do disposto no artigo 60º do RCPIT;

 

k) A Requerente exerceu o seu direito de audição, como consta de documento anexo ao presente pedido arbitral, que se dá por reproduzido;

 

l) O RIT final manteve todas as conclusões vertidas no projeto de Relatório;

 

m) Do procedimento inspetivo resultaram as seguintes correções desfavoráveis à Requerente:

            i) Correção no valor de €31.371,94, referente a um lapso de contabilização em duplicado de uma fatura, no valor de €7.000,00, e o restante referente a ofertas a Clientes, não devidamente documentadas e/ou consideradas em duplicado;

            ii) Correção no valor de €63.808,61, traduzida na desconsideração fiscal deste gasto, que a AT considerou como sendo de financiamento suportado pela Requerente.

 

n) O RIT propôs as seguintes correções meramente aritméticas evidenciadas no quadro e na Nota de Fixação da matéria coletável em sede de IRC de 2011, a seguir transcritas:

 

“CONCLUSÕES DA AÇÃO INSPETIVA

 

III.1       Correções Técnicas — Matéria Coletável de IRC — Fatura duplicada    -    €7.000,00

III.1       Correções Técnicas — Matéria Coletável de IRC — Ofertas a clientes  -   €24.371,94

III.2       Correções Técnicas — Matéria Coletável de IRC – Juros                           -  €63.808,81

                                                            TOTAL                                                                    - €95.180,55

 

 

 

Nota de Fixação de IRC:

 

2 - Apuramento da Matéria Coletável:”

Lucro Tributável Declarado no Exercício…………………………………… € 838.610,81

Correções Meramente Aritméticas……………………………………………  € 95.180,55

Lucro Tributável Corrigido……………………………………………………….. € 933.791,36

 

Matéria Coletável ……………………………………………………………………………… € 933. 791,36

 

o) O objeto do presente processo arbitral respeita, apenas, à correção mencionada em k), (ii), no valor de €63.808,61 (ponto III.2 Quadro síntese das conclusões da ação inspetiva supra);

 

p) O valor desta correção corresponde aos custos com juros pagos por empréstimos contraídos junto de diversas entidades bancárias, para suprir as necessidades de tesouraria da Requerente, que a Inspeção desconsiderou para efeitos de determinação da matéria coletável em sede de IRC - 2011;

 

q) No seguimento das correções apuradas, foi emitida a Demonstração de acerto de contas e respetiva liquidação de IRC e juros, aqui impugnadas.

 

 

B) Factos não provados

 

6. Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que se considerem por não provados.

 

C) Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

7. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos aos autos pela Requerente e junto aos autos, admitidos pela Requerida, pelo que não subsistem factos controvertidos. Não há divergência entre as partes quanto aos factos mencionados nos autos, mas sim, exclusivamente, quanto à questão de direito subjacente à liquidação impugnada. Deve assinalar-se que a matéria de facto sobre a qual o Tribunal tem o dever de pronúncia não é toda a que foi alegada e provada, mas tão só e apenas a considerada relevante ou com interesse ou relevância para a decisão (Cfr artigos 591º, 592º, 596º e 607º, do CPC e 123º-2, do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29º, do RJAT).

 

 

III - Matéria de direito

 

 

8. Resulta dos autos, como se constata pela síntese da matéria de facto enunciada e do Relatório, que Requerente e Requerida divergem apenas quanto à questão de saber se deve ser ou não admitido à Requerente o direito à dedução dos custos suportados com juros de empréstimos bancários, para suprir necessidades de tesouraria, relevados na contabilidade. Estes custos foram desconsiderados pela AT, em sede de IRC, com os argumentos constantes do RIT que se encontra junto aos autos como documento nº 5 anexo ao PA e que aqui se dá por reproduzido. Em síntese, a inspeção concluiu que os referidos custos financeiros decorrentes dos empréstimos contraídos pela Requerente, se destinaram ao financiamento das empresas do grupo, sediadas em territórios estrangeiros. A requerida (AT) ratificou a decisão proposta pela inspeção e, em conformidade, promoveu a respetiva correção e emitiu a liquidação de IRC impugnada nos autos.

 

9. Do ponto de vista da AT não assiste à Requerente o direito á dedução dos valores suportados com juros dos empréstimos bancários contraídos, dado que entende que estes custos só ocorreram por força da Requerente conceder períodos de pagamento muito alargados às empresas do grupo sediadas no exterior. Ainda que, como sobressai da análise do Relatório e da Resposta que a AT juntou a estes autos, as empresas em causa sejam sociedades locais, com personalidade jurídica própria, autónomas e sujeitas às regras vigentes nos respetivos países e nem todas apresentem saldos de conta corrente no exercício em causa.

Assim, a questão de direito em análise é a de saber se assiste razão à AT quando no Relatório que fundamentou a liquidação adicional de IRC aqui impugnada, concluiu que:

“ (…) o s.p. financiou a título gratuito as sociedades C…, D…, F… e N…, sendo certo que o s.p. necessitou de fazer face às necessidades de tesouraria inerentes.”

Na ótica da AT os encargos financeiros suportados com os empréstimos contraídos pela Requerente no período em causa (2011) estão relacionados com a obtenção de crédito com vista ao financiamento das empresas do grupo pelo que, apesar do poder de gestão atribuído às empresas, o s.p. possa assumir os compromissos em função do grupo, tal situação terá de ser relevada contabilisticamente, mas desconsiderada para efeitos de determinação do lucro fiscal.

 

Vejamos, pois, se a interpretação que a AT fez é ou não conforme aos preceitos legais aplicáveis contidos no CIRC, mormente, resultantes do disposto no artigo 23º do CIRC.

 

 

10. No caso concreto, a questão a decidir centra-se em saber se a liquidação adicional de IRC, resultante das correções ao lucro tributável efetuados, em consequência da desconsideração como custo fiscal dos custos financeiros com empréstimos, no montante de €63.808,61. Assim, a questão a decidir é a de saber se à luz do disposto no artigo 23º do CIRC, os custos suportados com os empréstimos contraídos pela empresa num determinado exercício económico, para suprir necessidades de tesouraria, são ou não dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC.

Delimitada a questão a decidir, importa referir que o Tribunal não está obrigado a analisar todos os argumentos jurídicos invocados pelas partes nos seus articulados e/ou alegações, mas tão só e apenas deve analisar e decidir as questões propostas na causa de pedir e nos pedidos. Assim sendo, a questão essencial que cabe apreciar é a de saber se o endividamento contraído pela Requerente para fazer face às suas necessidades de tesouraria, foi ou não, exclusivamente, determinado pelas necessidades de financiamento às empresas do grupo ou se a sua necessidade foi determinada indistintamente pelas necessidades de financiamento da sua atividade comercial, por força dos prazos concedidos aos seus fornecedores em geral, entre os quais, se encontram as empresas do grupo sediadas no estrangeiro, com as quais a Requerente mantém relações comerciais.

Deriva da questão essencial em apreciação saber se o que está em causa verdadeiramente é o financiamento às empresas do grupo ou o financiamento da atividade económica da Requerida, por força dos créditos comerciais que tem sobre fornecedores a quem concede prazos de pagamento diversos e relativamente diferidos no tempo.

 

 11. Colocada a questão nestes termos, vejamos se a tese da Requerida, que a conduziu à desconsideração destes custos, está devidamente sustentada. Importa ter em conta que cabe à AT demonstrar que os empréstimos contraídos se destinaram exclusiva e concretamente ao financiamento das empresas do grupo sediadas no exterior. Esta conclusão vertida no Relatório da Inspeção Tributária (RIT), e que está na origem da liquidação impugnada, deve ser devidamente fundamentada, de facto e de direito, de modo a garantir a legalidade do ato praticado e aqui impugnado.

 Segundo as regras legais aplicáveis ao ónus da prova, cabe à AT demonstrar a factualidade em que sustenta a sua conclusão final e a consequente correção fiscal e liquidação adicional de imposto. Este princípio resulta consagrado na LGT, nos artigos 74º e 75º, que se referem, respetivamente, ao ónus da prova e à presunção de veracidade da declaração e outros elementos do contribuinte.

Resta, pois, decidir se o ato impugnado respeita ou não a lei, em concreto o regime de dedutibilidade dos custos ficais constante do artigo 23º do CIRC.

 

12. No caso concreto, a substância ou realidade evidenciada pela análise descrita no RIT, construída a partir da inspeção à contabilidade da Requerida, aponta para o financiamento obtido pela A… SA, junto de diversas instituições de crédito, que a IT descreve e analisa detalhadamente. É de salientar que não foram detetadas irregularidades ou inverdades pela inspeção. Os lapsos ou correções determinadas no ponto III.1 do relatório foram de reconhecidas e aceites pela Requerente.

Já quanto ao financiamento da empresa, não há dúvida que este teve como propósito suprir necessidades de tesouraria, como resulta do próprio RIT. O que a Requerida questiona é a sua necessidade e justificação, por considerar que a Requerente só teve necessidade de tais financiamentos porque concede prazos de pagamento aos seus clientes muito alargados, superiores ao que considera normal e ao que consta das faturas. Ora, ao seguir este raciocínio a AT está a “julgar” os critérios de gestão da Requerente, nomeadamente, no que toca à sua política prazos de pagamento concedido a clientes, a todos incluindo as empresas do grupo, o que legalmente não está habilitada a fazer.

 Importa referir que resulta da matéria de facto provada que a Requerente tem diversos créditos comerciais sobre fornecedores (externos ao grupo e a cinco empresas do grupo) aos quais concede prazos diferidos de pagamento, em muitos casos superiores a 90 dias. E, independentemente do prazo constante da fatura, também sucede, como é normal em qualquer atividade económica, o prazo efetivo de recebimento ir além do prazo fixado na fatura. Na verdade, nem todos os clientes cumprem com os prazos de pagamento fixados nas faturas, o que é um facto notório na vida económica.

   Acresce que, o exercício de 2011 correspondeu a um dos piores anos económicos de sempre, em Portugal e no mundo, pelo que não é de estranhar que as empresas para venderem os seus produtos tivessem de tolerar prazos de recebimento mais alargados. A tudo isto o RIT foi totalmente alheio, limitando-se a concluir que os empréstimos contraídos se destinaram ao financiamento gratuito de cinco empresas do grupo, embora sem demonstrar um nexo de causalidade direta e evidente entre os valores dos empréstimos contraídos e os valores dos créditos comerciais das referidas empresas do grupo.

 

13. A factualidade vertida no RIT que serve de fundamento à liquidação impugnada, nomeadamente nos quadros 10 e 11, demonstram precisamente o contrário, pois os saldos de conta corrente das cinco empresas do grupo, acumulados ao longo do período, são totalmente distintos dos valores dos empréstimos contraídos, não resultando possível sequer estabelecer qualquer nexo de causalidade entre uma coisa e outra, que permitisse sustentar a conclusão do Relatório. O volume de financiamento obtido junto das entidades bancárias mencionadas no RIT evidencia que os fundos assim obtidos se destinaram ao financiamento da atividade económica da empresa, quer ao financiamento da tesouraria, permitindo liquidez suficiente para proporcionar condições de pagamento atrativas para os seus clientes, quer para outros fins ou encargos da empresa, desde encargos com pessoal, impostos, investimento, e outros, tudo pode ser financiado com os fundos da empresa obtidos junto da Banca. Não é possível estabelecer uma relação direta entre o financiamento obtido e os saldos de conta corrente das empresas do grupo, nem a AT desenvolveu qualquer esforço no sentido de o demonstrar, limitando-se a tecer uma conclusão.

Logo, é forçoso concluir que estamos perante financiamento da atividade económica da empresa.

 

14. Não obstante, é verdade que entre o total dos créditos comerciais da Requerente, resultantes de vendas realizadas, encontram-se alguns sobre cinco empresas do grupo B…, situadas em territórios estrangeiros, com as quais a A… tem relações comerciais regulares. Estamos, como reconhece a AT, perante créditos comerciais resultantes da atividade económica desenvolvida pela Requerente, eventualmente sujeitos a um tempo médio de recebimento mais alargado do que o concedido a outros clientes, mas idêntico ao que é concedido a alguns clientes, que não pertencem ao grupo, mas são de grande importância para a empresa.

Assim, a conclusão vertida no RIT sobre a questão do financiamento às empresas do grupo não é acompanhada pela demonstração, cabal e inequívoca, de que este financiamento fosse algo de estranho à atividade económica da empresa. Por outro lado, o saldo da conta corrente com clientes do grupo B…, ao longo do exercício, segundo os valores constantes do RIT (quadro 10), foi sempre muito superior aos montantes de empréstimos em curso. Só a título de exemplo, em dezembro de 2011 o saldo total de créditos sobre clientes do grupo B… era de €3.918.250,20, o ativo totalizava mais de €9.000.000,00 (nove milhões de euros) e o saldo total de empréstimos contraídos era de €1.700.000,00. Não se vê, pois, como pode sustentar-se a conclusão vertida no relatório e que levou à desconsideração dos custos fiscais resultantes do pagamento dos juros com empréstimos.

No RIT é possível descortinar os saldos de contas correntes entre a A… e algumas das empresas do Grupo situadas no Brasil, Peru, Chile, Meadle East e Colômbia, resultantes dos diferentes créditos comerciais decorrentes das transações celebradas entre estas empresas do grupo (cfr. Quadro 10 - página 15 do RIT – saldos mensais das contas correntes).

 No Quadro 11, constante na página 16 do RIT, são descritos os montantes de endividamento Bancário da A…, discriminando os montantes por meses e instituições bancárias. E, de imediato, sem outros considerandos, a inspeção conclui que: “foi então apurado que o s.p. financiou a título gratuito as sociedades C…, D…, E…, F… e N…, sendo certo que, o s. p. necessitou de recorrer ao endividamento bancário para fazer face às necessidades de tesouraria inerentes.”

Na verdade, da informação constante do RIT e, em concreto aos valores totais sintetizados nos dois Quadros supra referidos, podemos concluir que o total dos saldos de conta corrente com as cinco empresas do grupo em causa, são variáveis mensalmente, compreendidos entre 1.888.065,01 de Abril de 2011 e 3.918.250,20 em dezembro, com oscilações consideráveis de empresa para empresa e de mês para mês. Isto evidencia um típico saldo de conta corrente associado a transações comerciais entre as empresas mencionadas. Já do Quadro 11, referente aos empréstimos contraídos pela A…, concluímos que o seu valor total (com todas as instituições de crédito) oscila entre €972.543,74 correspondente ao mês de Abril, €1.998.107,02 em novembro e €1.700.000,00 em dezembro de 2011. Ora, apesar do valor em dívida pelas empresas B… em dezembro de 2011 ser bastante elevado (superior ao que se verificou em meses anteriores) o valor dos empréstimos na Banca até diminuiu face aos meses anteriores, o que indicia o contrário do que foi concluído pela AT.

A verdade é que o RIT não contém qualquer outra informação sobre estes números, o que torna impossível estabelecer qualquer nexo de causalidade entre os financiamentos obtidos e os saldos de conta corrente de clientes. É sabido que as necessidades de financiamento das empresas são diversas e os empréstimos contraídos pelas empresas se podem destinar a diversos fins, incluindo o pagamento de quaisquer responsabilidades da empresa, incluindo o pagamento de encargos sociais, impostos e outras. Não se percebe a conexão estabelecida pela Requerida entre os financiamentos obtidos e os saldos de conta corrente com as empresas do grupo. Como bem refere a Requerente, “se no Balanço final de 2011 o ativo totalizava mais de 9 milhões de euros, como pode afirmar-se que o endividamento bancário foi exclusivamente determinado pelas necessidades de financiamento das dívidas de clientes B…, sendo que estes créditos, em dezembro de 2011, não chegavam a 4 milhões de euros.” (vd. art. 55º do pedido arbitral).

 

Uma última nota, ainda, para salientar que os números apresentados no quadro 10 e os que constam do quadro 11 não permitem ao Tribunal estabelecer uma relação causal, evidente ou provável, entre os saldos de conta corrente com as empresas do grupo e o recurso a empréstimos bancários, dada a disparidade de valores, o que significa que poderão ter diversas justificações possíveis e distintas da que pretende a Inspeção. Nada é dito sobre qual a origem, a sua conexão com a realidade subjacente à atividade da empresa, quais as transações comerciais concretas celebradas entre a requerente e as empresas do grupo com saldos de conta corrente (de notar que, esta situação respeita apenas a algumas empresas do grupo), a que preços e com que prazos de pagamento ocorreram em concreto, caso a caso, de modo a poder extrair alguma conclusão fundamentada e válida dos números que apresenta nos Quadros respetivos. Não resulta do RIT que tenha sido realizada alguma análise das condições concretas em que tais transações possam ter ocorrido, apesar do disposto no artigo 63º do CIRC em matéria de preços de transferência. Não resulta evidenciada qualquer outra conexão que permita concluir que o endividamento da empresa A… teve origem, exclusivamente, no facto de existirem aqueles saldos de conta corrente com as empresas do grupo.

 

15. A Requerida, face à argumentação da Requerente em sede de direito de audição, tentou demonstrar que há um favorecimento das empresas do grupo em termos de prazo concedido para o pagamento das faturas. Mas a análise centra-se, essencialmente, no prazo constante no descritivo das faturas dos clientes em causa e não propriamente na análise do prazo efetivo de recebimento. A técnica de cálculo utilizada para a determinação do prazo médio de recebimento é confusa e não considera devidamente os períodos relevantes para cada um dos clientes em análise, os quais dependem, naturalmente, da sua dimensão, da importância relativa para a empresa requerente, do volume de negócios realizado, dado que todas estas condicionantes interferem nas condições negociais concretas de cada contrato e com o prazo de pagamento concedido a cada cliente.

Da análise que resulta da parte final do RIT, quanto a outros clientes com saldos de conta corrente (questão que apenas foi analisada por que a Requerente a suscitou em sede de direito de audição), é possível concluir que:

- muitos outros clientes não pertencentes ao grupo, beneficiavam de prazos diferidos para pagamento das faturas;

- os prazos são diferenciados de cliente para cliente em função do volume de vendas faturadas:

- entre as cinco empresas do grupo, encontramos prazos de pagamento diferenciados, sendo o mais generoso aplicado à C…, a qual é um dos maiores clientes, em termos absolutos, da empresa.

 

Mais uma vez não se vê como pode esta factualidade conduzir a AT à decisão vertida no RIT, que a conduziu à liquidação impugnada. Ao que acresce que, a lei não confere à AT o poder de se imiscuir na gestão do negócio das empresas, como resulta da conclusão final do RIT:

 “Não obstante estarmos perante créditos comerciais intra-grupo, está em causa o financiamento gratuito do s.p. às sociedades que fazem parte do Grupo B…, pelo facto de existir uma relação de grupo e de domínio total pela A…, consubstanciando-se em operações com sociedades com as quais está em situação de relações especiais e relativamente às quais tem uma política de cobrança mais favorável do que a praticada com os restantes clientes.

Assim, resulta da factualidade dada como provada que o s.p. contabilizou, no período de 2011, como gasto fiscal, os encargos financeiros com juros e imposto de selo, derivados da obtenção de financiamento bancário, cuja necessidade decorre do facto de não receber dentro dos prazos estipulados, os créditos que tem sobre as empresas do grupo, sendo o s.p. a suportar na Integra os referidos encargos, uma vez que não os debitou às sociedades beneficiárias.

A gestão de tesouraria do s.p. ficou assim prejudicada face à dilatação dos prazos de recebimento das faturas emitidas para as empresas do Grupo B… em contraponto com os prazos de pagamento e adiantamentos praticados com referência aos 2 principais fornecedores.

Ora, esta deficiente gestão de tesouraria do s.p., originou, como atrás foi relatado, a necessidade de recurso ao endividamento bancário, incorrendo em encargos financeiros, cuja indispensabilidade e conexão com a atividade do s.p. não se mostra devidamente comprovada à luz do previsto no artigo 23° do CIRC.

Em face do exposto, o total dos gastos identificados no quadro 8, num total de €63.808,61, não devem concorrer para a determinação do lucro tributável em sede de IRC.”

 

 

16. No plano da estrita legalidade a que está vinculada a atuação da AT, a questão de aferir sobre a admissibilidade ou não dos custos dedutíveis ao lucro tributável, prende-se com a questão da indispensabilidade dos custos para efeitos do disposto no artigo 23º, do CIRC, aferida pela conexão com a atividade normal do sujeito passivo do imposto. Estamos no âmbito da aplicação das regras de determinação da matéria coletável, estritamente vinculada à lei, pese embora o recurso ao conceito indeterminado de “indispensabilidade”.

Ora, dispõe o nº1, do artigo 23º do CIRC, (redação à data 2011), na parte que releva para a decisão da questão:

 

Artigo 23º

 

“1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação;

b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias;

c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso;

d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;

(…)”

 

Daqui resulta que, para que um determinado gasto de uma pessoa coletiva, possa ser deduzido em sede de IRC, é necessário que se verifiquem os dois pressupostos legais, a saber: a comprovação desse gasto e a indispensabilidade do mesmo para o exercício da atividade da pessoa coletiva.

A desconsideração dos gastos suportados com a atividade e inscritos na contabilidade impõem à AT o ónus de provar os pressupostos de facto e de direito que, à luz da lei em vigor, lhe permitem essa desconsideração.

Como bem refere, a este propósito, António Moura Portugal “a dedutibilidade ou aceitação de custos contidos no balanço deixou de ser uma questão de facto e passa a ser uma questão de direito, com reflexos ao nível do ónus da prova, que deixa de caber ao contribuinte. (…) A solução legal de aceitação da contabilidade do sujeito passivo dota os registos do contribuinte de uma presunção de veracidade, no sentido de que se aceita que esta informação traduz uma situação fiel e verdadeira da situação patrimonial da empresa, transladando o ónus de prova da incongruência ou falsidade dessa informação como representação fiel para o Fisco.[1]

 

Segundo a jurisprudência dos Tribunais superiores, bem assim como a jurisprudência arbitral, o requisito da indispensabilidade dos gastos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, estabelecido pelo artigo 23.º do Código do IRC, deve ser aferido em função do seu contributo para a obtenção dos proveitos, ou seja, para a realização do objeto social da pessoa coletiva.

Assim, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a declarar, no que diz respeito ao sentido e funcionamento do requisito da indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais, que o requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado, de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário da pessoa coletiva em causa. [2]

 

Ainda de acordo com a jurisprudência do STA, vertida em numerosos Acórdãos, os custos indispensáveis equivalem, pois, a custos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, todos aqueles que apresentem uma relação causal com a obtenção dos proveitos da empresa. O custo “indispensável” equivale a todo o custo realizado para a obtenção dos proveitos. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.

Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa. No caso dos presentes autos, já vimos que os custos em questão apresentam uma relação causal e justificada com a atividade da empresa, porquanto se destinam a financiar a sua atividade e a AT não demonstrou que outro fosse o destino ou fim daqueles fundos. Não ficou demonstrado sequer um nexo de causalidade entre o recurso a empréstimos e os montantes das vendas realizadas às empresas do grupo, pelo facto de beneficiarem de prazos de pagamento diferidos, à semelhança do que sucede com outros clientes da empresa.

 

 

17. É este o entendimento que vem sendo seguido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo[3], que tem vindo a admitir que “a indispensabilidade entre custos e proveitos deve ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na actividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa”. Não se trata de “julgar” a boa ou má gestão desenvolvida na empresa, mas sim de, objetivamente, determinar se os custos realizados foram ou não realizados no interesse da empresa e do seu negócio.

 

Como se afirma, também, no Acórdão STA nº 164/12, de 4-9-2013, “podemos hoje considerar aceite pela doutrina e pela jurisprudência um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respectivas actividades”.

 

Ainda a este propósito, também o TCA Norte, por Acórdão de 14/3/2013, considera que a solução acolhida entre nós, aponta para que “esta exigência da indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora se encontrava «inicialmente associada a uma condição de “razoabilidade” (artigo 26° do CCI)» e que se é certo «que a “razoabilidade” está presente em algumas disposições do CIRC, de forma expressa (23º), … deixou de ser tolerável a sua utilização como fundamento para limitar quantitativamente os encargos incorridos pelos sujeitos passivos. (…) A indispensabilidade deve assim ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal, que se não deve imiscuir, muito menos valorar as decisões empresariais do contribuinte. Só esta concepção está de acordo com os princípios de liberdade de gestão empresarial e, ao mesmo tempo, respeita interesses específicos do direito fiscal (que estão na base da limitação expressa que é feita à dedutibilidade de certos encargos).” (sublinhados nossos)

 

Esta indispensabilidade para a obtenção do lucro ou manutenção da fonte produtora, pode ser direta ou indireta (mediata).

Como bem saliente António Moura Portugal, “a dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa”, e, esta indispensabilidade verifica-se “sempre que - por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas - as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”. [4]

 

Também Rui Duarte Morais sustenta que, o requisito da “indispensabilidade”, enquanto condição da aceitação do custo fiscal não pode ser referido à natureza do encargo, mas sim às circunstâncias em que o mesmo ocorreu. Assim, “se à assunção do encargo que origina o custo presidiu uma genuína motivação empresarial - o entendimento dos sócios e/ou gestores da sociedade, os únicos a quem cabe decidir do interesse social -, o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comercias, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável” [5].

 

18. No caso em apreço, estamos perante créditos de clientes, resultantes de vendas faturadas que geraram lucros para empresa. A AT não tem o poder de interferir na definição dos prazos de pagamento concedidos aos clientes e a necessária espera pelo pagamento, que tantas vezes ocorre muito para além do prazo constante da fatura, e que é um risco inerente à atividade de qualquer empresa. Por outro lado, na procura de incrementar as suas vendas, a empresa não pode deixar de proporcionar aos seus clientes condições que permitam a concretização das vendas, sob pena de por em risco a sua sobrevivência e de não angariar uma posição relevante no mercado, mormente num período de crise economia à escala global, com particular e dramática incidência em Portugal.

Mesmo a concessão de prazos mais generosos a certos clientes, afigura-se normal em qualquer atividade, mormente em função da dimensão e importância relativa para a empresa. No caso das empresas do grupo B…, essa condição é compreensível à luz da dimensão do volume de negócios entre as empresas consideradas e na perspetiva de internacionalização do grupo, o que justifica o recurso a financiamento para manter o nível de vendas, conquistar mercados internacionais e realizar exportações de elevado valor para a empresa e para a economia nacional. Por outro lado, se a AT queria averiguar outras condicionantes dos negócios estabelecidos entre a Requerente e as empresas do grupo, então devia ter recorrido à aplicação do regime previsto no artigo 63º do CIRC, a fim de aferir se as transações efetuadas cumpriram ou não as regras impostas pelo regime dos preços de transferência. Se não o fez, certamente por entender que não tinha fundamento para tal, não pode usar a via do artigo 23º do CIRC, para desconsiderar os custos com o financiamento da atividade da empresa, a menos que provasse que a motivação do recurso a esses empréstimos era outra, nomeadamente o favorecimento dos sócios acionistas, de terceiros ou qualquer outro fim estranho à atividade da empresa.

Claramente isso não sucede no caso concreto, ainda que se admita que o financiamento tenha tido, entre outros fins, suprir dificuldades de tesouraria derivadas dos prazos alargados que a empresa concede aos seus clientes em geral e às empresas do grupo B…. Até porque, se optasse por não facultar esses prazos e não vendesse isso se traduziria num prejuízo para a empresa e para o Estado enquanto credor fiscal. Ao que acresce que o não recebimento dentro dos prazos constante da fatura não é um facto imputável ao credor, como aliás é do conhecimento geral.

 O que releva é que o interesse da empresa está bem evidenciado na factualidade descrita, não havendo qualquer fundamento para considerar que foram motivações estranhas ao interesse da sua atividade da empresa a determinar o recurso aos empréstimos para suprir necessidades de tesouraria.

 

19. Posto isto, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar proveitos ou não sejam de todo justificados como manutenção da fonte produtora.

Como bem se afirma no acórdão arbitral proferido no processo nº 314/2015 T, de 26-04-2016: “(…) o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora. (…)

Ou seja: sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efetivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.”

 

A própria letra da lei (n.º 1, do art. 23.º do CIRC) aponta nesse sentido, já que escolheu o tempo verbal futuro «forem», em vez de «foram». Ou seja, o legislador expressa uma perspetiva de possibilidade futura de obter proveitos, bem sabendo que a atividade económica contém em si mesma um risco natural, nomeadamente no que toca aos recebimentos e respetivo prazo em que estes possam vir a suceder.

 

Assim, este tribunal, em sintonia com a jurisprudência arbitral já consistente, à qual adere, entende que “são de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos, o que tem como corolário só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, à face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, isto é, quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar um proveito”. - Cfr. Acórdão arbitral de 15 de Junho de 2012, do CAAD, proferido no processo n.º 29/2012-T.

 

20. Retornando ao caso concreto, importa sublinhar, para o juízo de indispensabilidade dos custos de financiamento da tesouraria da Requerente, basta que exista uma relação de causalidade económica entre a assunção do custo (encargos financeiros derivados de empréstimos) e a realização no interesse da empresa Requerente (proporcionar mais vendas, facilitando prazos de pagamento mais longos). O interesse empresarial que se afere é o da própria empresa que deduz fiscalmente o custo, o mesmo é dizer que os custos previstos no artigo 23.º, do CIRC, têm de respeitar à própria sociedade.

Ora, no caso em apreço os referidos saldos de conta corrente têm origem nas transações (vendas e fornecimentos) ocorridos com os clientes da Requerente, entre os quais constam várias empresas do grupo B…, situadas fora de Portugal, as quais fazem parte do mesmo grupo, mas todas se encontram constituídas com total autonomia e são pessoas coletivas independentes, constituídas de acordo com as regras dos respetivos países onde foram fundadas. O que as une é o facto de pertencerem à mesma indústria, ao mesmo grupo económico e certamente partilharem interesses comercias, na produção e comercialização dos seus produtos o que justifica e legitima as transações comerciais entre si ocorridas. Quanto a tratar-se de créditos comerciais, não há qualquer dúvida, pois que é a própria Requerida que o admite, quando descreve os saldos das contas correntes e quando, mais adiante, se refere ao tempo médio de recebimento das respetivas faturas, depois de instado a fazer o contraditório com as alegações da Requerente em sede de audiência prévia.

 

21. Ao desconsiderar os custos com os financiamentos contraídos junto de entidades bancárias diversas, pela A… Portugal, com o argumento (frágil e inconsistente) destas necessidades de financiamento à tesouraria serem determinadas pelo facto de conceder um tempo alargado para o pagamento das respetivas faturas às empresas do grupo, a AT decidiu com manifesto erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes. A conclusão de que os empréstimos contraídos se destinaram ao financiamento das empresas do grupo não se encontra demonstrada e é totalmente alheia à própria factualidade resultante do RIT.

Ora, este tribunal não consegue vislumbrar com que fundamento tal conexão poderá ser estabelecida. Nem de facto, nem de direito, encontramos justificação ou fundamento para tão original interpretação dos números que a própria Inspeção analisa, pois que se estas operações de financiamento fossem determinadas, exclusivamente, pela necessidade de conceder prazos mais alargados às empresas do grupo para pagamento das respetivas faturas, então os valores constantes dos Quadros 10 e 11 constantes do RIT seriam aproximados, coerentes com os créditos das empresas do grupo, de modo a revelar essa relação. Ora, manifestamente isso não resulta evidenciado.

A lei é clara e conduz a uma conclusão bem diferente da que é sustentada pela Requerida. Independentemente dos saldos de conta corrente com as empresas do grupo (algumas delas), do prazo médio de recebimento dos valores faturados a clientes (sejam do grupo ou não), a AT não demonstrou que os financiamentos obtidos pela Requerente junto das entidades bancárias, se destinaram a outro fim que não fosse conexo com a atividade desenvolvida pela Requerente. Isto porque, como reconhece a própria AT, os saldos de conta corrente com clientes resultam de créditos comerciais (vendas) de bens produzidos pela empresa Requerente. Logo a conexão com a atividade e a indispensabilidade dos custos resultam demonstrados.

 

22. Como já se explicou anteriormente, são de considerar indispensáveis as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos. Ora, certamente, não é por ser realizada uma transação comercial entre duas empresas do mesmo grupo que essa transação passa, sem mais, a ser desprovida da possibilidade de gerar proveitos. Isso conduziria, no limite, à defesa da inexistência de qualquer interesse económico legitimo na constituição de grupos económicos. De resto, nem sequer estão em causa essas transações mas sim um alegado endividamento para financiar as empresas do grupo, o que não resulta provado.

 

Certo é que, em momento algum se alega que as transações comerciais em causa, entre as empresas do grupo B… não geraram proveitos para a empresa A…. Ora, as necessidades de tesouraria supridas pelo recurso a empréstimos proporcionaram, entre outras, a possibilidade de oferecer boas condições de pagamento aos maiores clientes, de modo a permitir realizar estas e muitas outras vendas, assim como terão proporcionado o financiamento de muitas outras necessidades da empresa. Logo, tiveram como destino o financiamento da sua atividade.

Na verdade, quando refletimos sobre os financiamentos da empresa ora Requerente, o seu volume de faturação, os lucros gerados, os impostos pagos e os saldos de conta corrente evidenciados no RIT, não conseguimos estabelecer um nexo de causalidade entre os empréstimos para suprir necessidades de tesouraria e o intuito de financiamento indireto às cinco empresas do grupo aí mencionadas. Cabia à AT demonstrar esse nexo de causalidade, o que não sucedeu.

Não se vislumbra que tenha ocorrido qualquer financiamento (direto ou indireto) às empresas do grupo como vem alegado pela AT.

 

 

23. Em conclusão, não tendo ficado demonstrado que o recurso ao financiamento por parte da requerente tivesse outro fim que não suprir necessidades de tesouraria decorrentes da atividade normal da requerente, então conclui-se que se trata de operações normais e relacionadas com a atividade económica da requerente.

Assim, quer porque a desconsideração dos custos com financiamento da tesouraria da Requerente não se encontra devidamente fundamentada, nem demonstrada a condição invocada a propósito do alegado financiamento das empresas do grupo, as correções meramente aritméticas operadas e que geraram a correção à liquidação do IRC de 2011 afiguram-se ilegais por violação dos pressupostos de facto e de direito que, nos termos do disposto no artigo 23º do CIRC permitem a dedução dos custos indispensáveis á concretização da atividade económica da Requerente.

 

Sendo assim, forçoso é concluir que a liquidação impugnada é ilegal, por violação de lei, e consequente erro na qualificação e quantificação da matéria coletável em sede de IRC, pelo que se impõe a sua anulação com todas a as consequências legais.

 

 

V - Decisão

 

Nestes termos decide este Tribunal arbitral:

 

a)      Julgar procedente o pedido arbitral deduzido pela Requerente e declarar a ilegalidade do ato de liquidação impugnado e respetiva demonstração de juros;

 

b)      Em conformidade com esta decisão deverá ser anulada a liquidação impugnada, com as legais consequências, nomeadamente, deve ser efetuado o apuramento dos valores corretos, em sede de IRC do ano de 2011, após a consideração do valor da correção aritmética indevidamente processada, com o correspondente acerto de contas e devolvido à Requerente o valor apurado.

 

c) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

 

VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em €19.312,28 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 16 de dezembro de 2016   

Notifique-se.

 

O Tribunal Arbitral singular,

 

 

 

___________________________

(Maria do Rosário Anjos

 

 

 



[1] Moura Portugal, A. (2004) “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra Editora, pgs. 171 e ss.

[2] Neste sentido, vd. Acórdãos do STA de 15 de Junho de 2011 e de 29 de Março de 2006. No mesmo sentido, vd. Acórdão do TCA Sul de 16 de Outubro de 2014. Todos disponíveis in www.dgsi.pt.

[3] Neste sentido, vd. entre outros, Ac. STA de 30 de novembro de 2011, in www.dgsi.pt.

[4] Cfr. Moura Portugal, A., ob. cit., 113 e ss.

[5] Cfr. Duarte Morais, R. (2007) Apontamentos IRC, Almedina, Coimbra, pág. 87 e ss.