Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 215/2016-T
Data da decisão: 2016-11-03  Selo  
Valor do pedido: € 175.823,81
Tema: IS - Verba 28 TGIS - terrenos para construção competência do tribunal arbitral.
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Acordam os Árbitros José Baeta de Queiroz (Árbitro Presidente), Carla Castelo Trindade e Fernando Araújo (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, na seguinte

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

Em 8 de Abril de 2016, a sociedade A…, S.A., com sede na Rua…, …, …, …-… …, com o NIPC … (doravante Requerente) apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria tributária, aprovado pelo Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo, relativo ao ano de 2013, no valor global de € 175.823,81 (cento e setenta e cinco mil, oitocentos e vinte e três euros e oitenta e um cêntimo), efectuado ao abrigo da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

Com efeito, não se conformando com a liquidação de Imposto do Selo acima referida, a Requerente solicitou a constituição deste tribunal arbitral formulando, um pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo relativo ao ano de 2013, com fundamento em:

a)             Falta de notificação do acto de liquidação e falta de fundamentação de facto e de direito, bem como falta de notificação para o exercício de audição prévia;

b)             Vício de violação de lei na medida em que se trata de um terreno para construção não abrangido pelo âmbito da Verba 28 da TGIS; e

c)             Inconstitucionalidade do disposto na Verba 28 da TGIS por violação do princípio da igualdade e proibição de retroactividade da lei fiscal;

Com a petição juntou 12 documentos.

Como a Requerente optou pela não designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro José Baeta de Queiroz, a Dra. Carla Castelo Trindade e o Prof. Doutor Fernando Araújo, que comunicaram a aceitação do encargo no devido prazo.

As partes foram notificadas dessa designação, não tendo sido apresentado qualquer pedido de recusa da designação como árbitro dos que compõem este tribunal.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 e no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 22 de Junho de 2016.

Em 6 de Setembro de 2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”) apresentou resposta na qual defendeu a manutenção do acto de liquidação de Imposto do Selo pelo facto de a sua aplicação consubstanciar uma correcta interpretação do disposto na Verba 28 da TGIS.

Atendendo a que, no caso, não se verificava nenhuma das finalidades que legalmente estão cometidas à reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e, tendo em conta a posição tomada pelas partes nos articulados, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º alínea c) e 19.º do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição de actos inúteis, dispensou-se a realização desta reunião tendo as partes sido notificadas para, querendo, apresentar alegações.

As partes não apresentaram alegações.

II. SANEAMENTO

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

Não foram invocadas, nem se verificam, quaisquer excepções que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa.

O processo não enferma de nulidades.

A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.

As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e são legítimas.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

III. DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada. Tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Ora, atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental e ao Processo Administrativo juntos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente é a única proprietária de um prédio situado nos …, em …, com a área total de 34.683,20 m2, inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho de …, distrito de ..., sob o artigo…;
  2. O referido prédio encontra-se descrito na caderneta predial urbana como terreno para construção;
  3. O terreno para construção foi avaliado em 2013, tendo sido apurado um valor patrimonial tributário de € 17.582.380,88 (dezassete milhões, quinhentos e oitenta e dois mil e trezentos e oitenta euros e oitenta e oito cêntimos), resultante da actualização do VPT por aplicação do factor de actualização;
  4. Em 07.01.2009, foi autorizada, pela Câmara Municipal de … a construção no terreno, de edifício e piscina, numa área de implantação de 7.782,00 m2 (cf. Alvará n.º …/09, junto como Doc. 5 ao pedido de pronúncia arbitral), com um prazo de conclusão de 18 meses;
  5. A avaliação do VPT do terreno teve por pressuposto que a construção a erigir seria afecta a habitação, tendo-se atendido à área total de construção autorizada e à utilização a ser dada à construção;
  6. Em 30.08.2010 a então titular da licença de construção (sociedade B…, S.A.) requereu à Câmara Municipal de … o aumento para o dobro de todos os prazos para execução das obras licenciadas no âmbito do processo de construção, ao abrigo do regime excepcional de extensão de prazos previsto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março (cfr. Doc. 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  7. Por despacho datado de 10.09.2010 foi deferido o pedido de extensão do prazo para conclusão da obra (cfr. Documentos juntos à Reclamação Graciosa);
  8. Apesar da prorrogação dos prazos para a sua execução, a obra licenciada não foi ainda concluída, encontrando-se, presentemente, suspensa;
  9. Consequentemente, não foi ainda emitida qualquer licença de utilização para o prédio dos autos;
  10. Em 17.03.2014, foi emitida a liquidação de Imposto do Selo n.º 2013…, referente ao ano de 2013, efectuado ao abrigo da Verba 28 da TGIS, no montante total de € 175.823,81 (cento e setenta e cinco mil, oitocentos e vinte e três euros e oitenta e um cêntimos);
  11. A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento da primeira prestação do acto de liquidação de Imposto do Selo, através da nota de cobrança n.º 2014…, no valor de € 58.607,95 (cinquenta e oito mil, seiscentos e sete euros e noventa e cinco cêntimos), com data limite de pagamento de 30.04.2014;
  12. A Requerente foi também notificada para proceder ao pagamento da segunda prestação do acto de liquidação de Imposto do Selo, através da nota de cobrança n.º 2014…, no valor de € 58.607,93 (cinquenta e oito mil, seiscentos e sete euros e noventa e três cêntimos), com data limite de pagamento de 31.07.2014 (cfr. Docs. 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral);
  13. Mediante a falta de pagamento da primeira prestação, contra a Requerente foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …2014…;
  14. A Requerente foi ainda notificada para proceder ao pagamento da terceira prestação do acto de liquidação de Imposto do Selo, através da nota de cobrança n.º 2014…, no valor de € 58.607,93 (cinquenta e oito mil, seiscentos e sete euros e noventa e três cêntimos), com data limite de pagamento de 31.11.2014 (cfr. Doc. 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  15. Em 07.08.2014 a Requerente apresentou reclamação graciosa, no Serviço de Finanças de …;
  16. Em 24.06.2015, o Serviço de Finanças de … procedeu à remessa do processo de reclamação graciosa para a Direcção de Finanças de ..., nos termos do artigo 73.º do CPPT, por ser este o órgão competente para a sua instrução;
  17. Em 17.08.2015 a Requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa apresentada;
  18. Em 18.08.2015 a Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
  19. Em 12.01.2016, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto.

 

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispões o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.

IV. DA MATÉRIA DE DIREITO

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente tribunal arbitral consiste em apreciar a legalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2013.

Tendo a Requerente imputado diversos vícios aos actos tributários impugnados, há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do artigo 124.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º, nº 1, alínea a) do RJAT[1].

A procedência de qualquer dos vícios invocados pela Requerente conduzirá à anulação dos actos tributários. Analisar-se-á em primeiro lugar o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos já que é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do acto, o que não sucede com a anulação decorrente dos demais vícios.

Vício de violação de lei

A questão aqui em causa consiste em determinar se se verificou um vício de violação de lei com a aplicação da norma de incidência de Imposto do Selo ao terreno para construção supra identificado e do qual a Requerente é proprietária.

Contudo, tendo a verba 28.1 da TGIS sido objecto de uma alteração substancial com a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2014 (aprovado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), importa, antes de mais, determinar a lei aplicável ao caso concreto.

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, alterou o artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), aditando à Tabela Geral deste imposto (TGIS) a verba 28, da qual passou a constar que o Imposto do Selo incidia também sobre a:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional- 1%;

28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

Deste modo, com a entrada em vigor da verba 28.1, os prédios com afectação habitacional de valor patrimonial tributário (VPT) igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) passaram a estar sujeitos a Imposto do Selo, à taxa de 1%.

Por conseguinte, na redacção inicial da verba 28.1, esta norma de incidência abrangia apenas os prédios urbanos com afectação habitacional de VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, e não os terrenos para construção de igual valor.

Dito de outro modo, na redacção inicial da verba 28.1, os terrenos para construção urbana, quer tivessem ou não VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, estavam afastados de tributação.

No entanto, com a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2014, através da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, a verba 28.1 passou a estabelecer que o Imposto do Selo incide:

 “28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção, cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”

Assim, no que diz respeito aos “terrenos para construção” aqui em causa, é fundamental ter em conta esta evolução legislativa, na medida em que, insista-se, até à entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2014 o legislador apenas previa na norma de incidência de Imposto do Selo os prédios urbanos com afectação habitacional. Com a nova redacção da verba 28.1, após a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2014, o legislador passou a prever expressamente a tributação de terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” (destacado nosso).

No que respeita à aplicação da lei tributária no tempo, o artigo 12.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT) impõe que “as normal tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor”, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos”.

Deste modo, tal como decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 09.04.2014, no âmbito do processo n.º 1870/13 (disponível em http://www.dgsi.pt/):

“Esta alteração –a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de (…) 2013), como a que está em causa nos presentes autos.” [sublinhado nosso].

Ora, no caso sub judice discute-se a (i)legalidade do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano 2013, pelo que, em face do exposto, dúvidas não restam de que a lei aplicável ao caso concreto é a constante da redacção inicial da verba 28.1 da TGIS, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

Da (in)existência de pressupostos de facto e de direito para aplicação da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS.

Tal como supra referido, a questão ora em causa consiste em determinar se se verificou um vício de violação de lei, com a aplicação da norma de incidência de Imposto do Selo, ao terreno para construção supra identificado, do qual a Requerente é proprietária.

Em concreto, importa aferir se os terrenos para construção de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, cuja edificação esteja autorizada para fins habitacionais, estão ou não sujeitos a Imposto do Selo, em face da redacção originária da verba 28.1, a qual previa, unicamente, a sujeição de “prédios com afectação habitacional”.

Assim, a resposta à questão colocada passará pela concretização do conceito de “prédio com afectação habitacional”.

Dos artigos 2.º a 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) constam as definições de “prédio” e das várias espécies de prédios previstas. Vejamos então as disposições relevantes para a solução do caso que ora nos ocupa:

“Artigo 2.º - Conceito de prédio

1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 – Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

Artigo 4.º - Prédios urbanos

Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

Artigo 5.º - Prédios mistos

1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2 – Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.

Artigo 6.º - Espécies de prédios urbanos

1 – Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

[sublinhados nossos]

Como bem se pode notar, o CIMI não recorre, na classificação que faz dos prédios urbanos, ao conceito de “prédio com afectação habitacional”. Aliás, tal conceito não foi definido pelo legislador, nem no CIMI nem em qualquer outro diploma legislativo.

Assim, revela-se necessária uma interpretação do conceito, seguindo-se as normas, tributárias e gerais sobre a interpretação das leis, desde logo o artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) e o artigo 9.º do Código Civil (CC):

“Artigo 11.º - Interpretação (LGT)

1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica”.

“Artigo 9.º - Interpretação da lei

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Ora, a respeito do conceito de “afectação habitacional”, entende a Requerente que “o terreno para construção não é um prédio afecto à habitação, pois a afectação habitacional pressupõe uma abordagem funcional e um terreno para construção não é em si mesmo um prédio habitável” (cf. artigo 25.º do pedido de pronúncia arbitral), em especial por não ter sido ainda emitida qualquer licença de utilização (cf. artigos 20.º a 22.º do pedido de pronúncia arbitral).

Por seu turno, a Requerida defende que “a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora o valor do imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação”.

A Requerida desenvolve, assim, um extenso raciocínio que, na sua opinião, lhe permite enquadrar os terrenos para construção no conceito de prédio com afectação habitacional, suportando-se, em especial, no disposto no artigo 45.º do Código do IMI, concluindo que “a determinação do VPT dos terrenos para construção tem como pressuposto a determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas,

Na concretização do conceito de “prédio com afectação habitacional”, seguimos de perto a decisão proferida no âmbito do processo n.º 42/2013-T (disponível em www.caad.org.pt). Assim,

A expressão «afectação habitacional» não parece poder ter outro sentido que não o de utilização habitacional, ou seja, prédios urbanos que tenham uma efectiva utilização para fins habitacionais, seja porque para tal estão licenciados, seja porque têm esse destino normal.

E não podemos confundir uma «afectação habitacional» que implica uma efectiva afectação de um prédio urbano a esse fim, com a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma «afectação habitacional».

Os terrenos para construção, não estando edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios com afectação habitacional, uma vez que, por um lado, não possuem licença de utilização para habitação, e, por outro lado, não são habitáveis (porque pura e simplesmente não estão edificados).

Pelo que não se nos afigura bastante para ser enquadrável na norma de incidência objectiva em apreço que exista a expectativa de um prédio urbano vir a ter uma afectação habitacional, ou de ter a potencialidade de vir a ter uma afectação habitacional.” (sublinhado nosso)

Com efeito, o conceito de afectação habitacional tem de ser reconduzido a algo que seja passível de ser habitado.

Deste modo, no que em concreto respeita aos terrenos para construção, o que encontramos é uma mera expectativa de os mesmos, após edificação, virem a ter uma afectação habitacional. Por conseguinte, só após a concretização dessa afectação – i.e. só após a edificação do prédio que se destine à habitação – poderemos considerar que aquele prédio urbano está enquadrado no âmbito da Verba 28 da TGIS.

Pelo exposto, não obstante, daquele terreno para construção poder resultar, no futuro, um prédio com afectação habitacional, enquanto se mantiver a sua qualificação como terreno para construção, não pode ser incluído no campo de incidência da Verba 28 da TGIS, na redacção em vigor à data dos factos.

Por outro lado, a tese da Requerida de que os terrenos para construção deverão ser enquadrados enquanto prédios com afectação habitacional por força do disposto no artigo 45.º do CIMI, também não poderá proceder.

Ora, a Requerida alega que

«[n]o Capítulo relativo à determinação do VPT dos prédios urbanos – arts. 37º a 46º do CIMI –, é feita referência à noção de afectação do prédio urbano, resultando do art. 38º que o VPT dos prédios urbanos para habitação é determinado pela aplicação de uma fórmula que integra diversos factores, sendo um deles o coeficiente de afectação (Ca), previsto no art. 41º do mesmo Código.» e que

«No que aos terrenos para construção diz respeito, o VPT corresponde, nos termos do disposto no n.º1 do art. 45º do CIMI, ao “somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação”.»

Não sufragamos, porém, o entendimento da Requerida, de que a noção de afectação do prédio urbano resulta do disposto naqueles artigos. De facto, uma coisa é o legislador determinar que o VPT dos terrenos para construção é determinado de um determinado modo, outra é extrair das normas que fixam o cálculo do VPT, uma definição de afectação habitacional.

Pelo contrário, e em rigor, a concretização do conceito de afectação habitacional terá de ter prévia à determinação do VPT, na medida em que aquele conceito integra a própria previsão da norma.

Não se poderá, porém, descurar que o artigo 45.º do CIMI prevê a avaliação dos terrenos para construção, considerando como um dos seus elementos o destino autorizado ou possível, em função dos condicionalismos urbanísticos. No entanto, e tal como decidido no âmbito do processo n.º 42/2013-T,

«Mais uma vez estamos apenas no campo das potencialidades, das expectativas, e isso não é bastante para alterar a natureza do prédio, que continua a ser considerado como terreno para construção, nem para sustentar que o prédio em causa passa a ter uma «afectação habitacional» para efeitos da incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS.»

Assim, entende o presente tribunal que, à data dos factos, o conceito de prédio com afectação habitacional, na acepção da Verba 28 da TGIS, equivalia, em exclusivo, ao conceito de prédio urbano habitacional, definido no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do CIMI.

Pelo exposto, o prédio urbano em discussão nos autos, sendo um terreno para construção, não poderá ser abrangido pelo conceito de prédio com afectação habitacional, na acepção da Verba 28 da TGIS, na redacção em vigor à data do facto tributário, não se verificando, assim, qualquer fundamento legal para a sua incidência.

Em resumo, conclui-se, pois, que a liquidação de Imposto do Selo é ilegal, por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica sua anulação nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT e 2.º, alínea c) da LGT.

Procede, assim totalmente o pedido de pronúncia arbitral.

Falta de notificação e fundamentação e inconstitucionalidade do disposto na verba n.º 28 da TGIS

Tal como já anteriormente decidido em sede arbitral em sede do Processo n.º 91/2012-T: “A procedência integral dos vícios de violação de lei prejudica o conhecimento dos vícios de forma e procedimentais, como decorre da ordem do conhecimento de vícios prevista no n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”.

Na verdade, o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios só se justifica pela circunstância de a eventual procedência dos vícios de conhecimento prioritários tornar desnecessário o conhecimento dos restantes, pois, se fosse sempre necessário conhecer todos os vícios seria irrelevante a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, procedendo os vícios de violação de lei, fica prejudicado o conhecimento dos vícios de falta de notificação e fundamentação e do vício de inconstitucionalidade.

 

V. DECISÃO

Termos em que se decide neste tribunal arbitral:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Declarar a ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo n.º 2013…, referente ao ano de 2013, a que correspondem as notas de cobrança n.ºs 2014…, 2014 … e 2014…, com o valor global de € 175.823,81;

c) Anular a liquidação de Imposto do Selo acima referida;

VI. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 175.823,81, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do
n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 3 de Novembro de 2016

 

 

 

O Árbitro Presidente

 

(José Baeta Queiroz)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Carla Castelo Trindade)

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Fernando Araújo)

 

 

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)



[1] Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pág. 202.

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