Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 227/2016-T
Data da decisão: 2016-10-11  Selo  
Valor do pedido: € 28.269,24
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS – Terrenos para construção
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Decisão Arbitral

 

I.       RELATÓRIO

 

1.1.       A…, titular do número de identificação fiscal…, residente na … –…– …, no … (…-…), que se encontra na competência geográfica do Serviço de Finanças do …, notificado da decisão de indeferimento, proferida por despacho de 7.12.2015 da Exma. Senhora Diretora de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais, a qual recaiu sobre o recurso hierárquico n.º …2013…, apresentado contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de Imposto do Selo (IS), de 7.11.2012, referente à propriedade, na proporção de ½, do prédio acima identificado, emitida na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, no montante total de € 9.193,25, bem como da decisão de indeferimento, proferida por despacho de 7.12.2015 da Exma. Senhora Diretora de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais, a qual recaiu sobre o recurso hierárquico n.º …2013…, apresentado contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de Imposto do Selo (IS), de 21.03.2013, referente à propriedade, na proporção de ½, do prédio sito na extinta freguesia de … (atual União das freguesias de … e …), concelho do …, inscrito na matriz predial sob o n.º … (correspondente ao extinto artigo …) da mesma freguesia, do ano de 2012, no montante total de € 19.075,99, veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, 10.º, n.º 1, alínea a), in fine, e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR com vista à declaração de ilegalidade das referidas liquidações, bem como das aludidas decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos.

 

1.2.       O pedido de pronúncia arbitral visa a anulação das decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos identificados supra, nos quais se peticionou a declaração de ilegalidade das liquidações de IS de 7.11.2012 e de 21.03.2013, respetivamente nos montantes de € 9.193,25 e de € 19.075,99, referentes à propriedade, na proporção de ½ cada, sobre o prédio urbano, composto por um lote de terreno para construção, sito na extinta freguesia de … (atual União das freguesias de … e … -…), concelho do…, inscrito na matriz predial sob o n.º … (correspondente ao extinto artigo…) daquela freguesia, a primeira emitida na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e a segunda respeitante ao ano de 2012, com fundamento no disposto na alínea a) do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

1.3.       É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

 

1.4.       O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 28-04-2016.

 

1.4.    Dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, foi o signatário designado como árbitro, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Em 15 de junho de 2016 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

1.6.    Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 30 de junho de 2016.

 

1.7. No Requerimento Arbitral, por si oferecido, o Requerente invocou, em síntese, o seguinte:

 

a)      A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, veio sujeitar a IS, no que respeita a sujeitos passivos residentes, a propriedade, o usufruto ou o direito de superfície de prédios urbanos com “afetação habitacional”, cujo valor patrimonial tributário, determinado nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00;

b)      No que concerne à incidência subjetiva do imposto bem como ao facto tributário, determina o n.º 4 do artigo 2.º do Código do IS, na redação conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que “Nas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, são sujeitos passivos do imposto os referidos no artigo 8.º do CIMI”, ou seja, são sujeitos passivos de IS os proprietários dos prédios em 31 de dezembro do ano a que o imposto respeitar (cf. artigo 8.º, n.º 1 do Código do IMI);

c)      Atento o disposto nos artigos 23.º, n.º 7, 44.º, n.º 5 e 46.º, n.º 5, todos do Código do IS, na redação conferida pela identificada lei, o IS é liquidado anualmente em relação a cada prédio urbano de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 e pago nos prazos, termos e condições do Código do IMI, ou seja, em duas ou três prestações, dependendo do valor da coleta, ao longo do ano seguinte ao qual respeita, devendo ser remetido ao sujeito passivo pelos serviços da administração tributária até ao fim do mês anterior ao do pagamento (cf. artigos 119.º, n.º 1, e 120.º, n.º 1, ambos do Código do IMI, na redação conferida pela Lei do Orçamento do Estado para 2013, aprovado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro);

d)     Para o ano de 2012, a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, previu, a título de disposição transitória, que: i) o facto tributário ocorreria em 31 de outubro de 2012; ii) o sujeito passivo seria o proprietário do prédio urbano em 31 de outubro de 2012; e que iii) a administração tributária liquidaria o imposto até final do mês de novembro de 2012, devendo o mesmo ser pago até 20 de dezembro daquele ano (cf. artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro);

e)      No que concerne às taxas de imposto a aplicar a título transitório no ano de 2012, dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º daquela Lei que: “As taxas aplicáveis são as seguintes: i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %; ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %; iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.”;

f)       Na sequência da entrada em vigor da referida Lei, o Requerente foi notificado das liquidações de IS sub judice;

g)      O Requerente não se conforma com as liquidações em apreço pelas seguintes razões:

i)         prédio urbano em apreço está qualificado como terreno para construção, pelo que não se enquadra na categoria de prédio urbano com afetação habitacional previsto na verba 28.1 da TGIS, conjugado com o previsto na disposição transitória aplicável no que respeita à liquidação notificada em novembro de 2012 [cf. artigo 6.º, n.º 1, alínea f) da Lei n.º 55-A/2013, de 29 de outubro], não sendo a sua propriedade sujeita a IS;

ii)      O IS sobre a propriedade nos termos definidos na verba 28.1 da TGIS e, em

consequência as liquidações sub judice, é manifestamente violador dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, previstos nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP), razão pela qual se afigura inconstitucional;

iii)    O IS sobre a propriedade, nos termos definidos na verba 28.1 da TGIS, viola o princípio da progressividade previsto nos artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3, ambos da CRP, sendo, também por essa razão, inconstitucional;

iv)    A liquidação de IS de 21.03.2013, no montante de € 19.075,99, incorre em vício de duplicação de coleta, na medida em que a administração tributária procede à liquidação de um imposto já liquidado, através da liquidação de IS de 07.11.2012, no montante de € 9.193,25;

v)      A liquidação de IS de 07.11.2012, no montante de € € 9.193,25, incorre em vício de insuficiência de fundamentação equivalente a falta de fundamentação, uma vez que não contém a indicação do ano a que o imposto liquidado diz respeito, apenas constando do espaço referente ao ano a que o imposto se reporta a menção “Lei n.º 55-A/2012”;

h)      Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, deve o presente pedido de constituição de tribunal arbitral ser deferido e, em consequência, serem anuladas as liquidações de IS sub judice, assim como as decisões que recaíram sobre os recursos hierárquicos em crise.

 

1.8. A Requerida apresentou resposta, na qual apresentou defesa por impugnação, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:

 

a)      Conforme é sustentado nas Informações nºs I2015… e I2015…, ambas emitidas em 16.11.2015, da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissão Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais (DSIMT), os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afetação habitacional no âmbito das respetivas avaliações têm natureza jurídica de prédios com afetação habitacional, pelo que os atos de liquidação de Imposto do Selo objeto da presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos por consubstanciarem correta interpretação da lei aplicável;

b)      A alusão a prédios com afetação habitacional constante da verba 28 do CIS deverá ser entendida de forma ampla, abrangendo quer os prédios habitacionais edificados, quer os terrenos para construção, desde logo pela própria redação da norma e do conceito utilizado;

c)      O legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional”, expressão diferente e mais ampla cujo sentido há de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6º, nº1 do CIMI;

d)     A lei fiscal considera como elemento integrante para efeitos de avaliação dos terrenos para construção, o valor da área de implantação, a qual varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas com base no projeto de urbanização e construção;

e)      Não se poderá ignorar que o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, entre outros elementos, o número de lotes e indicação da área de localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previstos, nos termos da al. a) do art. 77º do Regime Jurídico Urbanização e Edificação (RJUE);

f)        O art. 77º do RJUE contém especificações obrigatórias para os alvarás de operação de loteamento ou obras de urbanização, bem como para as obras de construção;

g)      Os Planos Diretores Municipais estabelecem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas, integrando e articulando as orientações estabelecidas pelos instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional e regional;

h)      Assim, muito antes da efetiva edificação do prédio, será possível apurar e determinar a afetação do terreno para construção;

i)        A verba 28 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel;

j)        Trata-se de uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito;

k)      A diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do IS os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais;

l)        Assim, a tributação em sede de imposto do selo terá de obedecer ao critério da adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis

m)    Por todo o exposto, as liquidações em crise devem ser mantidas, não padecendo dos apontados erros nos pressupostos de facto e de direito.

 

1.10- Por despacho de 07 de setembro de 2016, atendendo a que não foram invocadas exceções e a que apenas há controvérsia sobre matéria de direito, este Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em aplicação dos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais. Mais decidiu que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas e definiu o dia 28 de outubro de 2016 como prazo limite para prolação da decisão arbitral. 

 

1.11- Nem a Requerente nem a Requerida apresentaram alegações finais.

 

***

 

 II.     SANEADOR

 

2.1.O presente pedido de constituição de tribunal arbitral é deduzido com cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IS, bem como das decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos, todos acima identificados.

 

2.2.Encontram-se verificados, no caso em apreço, os requisitos de que depende a cumulação dos pedidos acima identificados.

 

2.3.Efetivamente, estabelece o n.º 1 do artigo 3.º do RJAT que “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

 

2.4.O Requerente é comproprietário do terreno com referência ao qual foram emitidas as liquidações de IS em questão, pretendendo ver apreciada a questão da incidência sobre aquele do IS previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro.

 

2.5.Assim, a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito.

 

2.6.É, pois, inequívoca a identidade factual e está em causa a interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.

 

2.7.Pelo que se defere o requerimento de cumulação de pedidos apresentado pela Requerente.

 

2.8.Não foram invocadas exceções.

 

2.9.As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

2.10.        Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

***

 

III. MÉRITO

 

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1.     Factos provados

 

        Julgam-se provados os seguintes factos:

 

a)      O Requerente é comproprietário, na proporção de ½, do prédio urbano sito na extinta freguesia de … (atual União das freguesias de … e …), concelho do…, inscrito na matriz predial sob o n.º … (correspondente ao extinto artigo…), o qual é composto por um lote de terreno destinado à construção;

b)      Em virtude da aquisição, por doação, do aludido prédio, pelo Requerente, em 2009 foi efetuada a respetiva avaliação, na sequência da qual lhe foi atribuído o valor patrimonial tributário de € 3.677.300,00, posteriormente atualizado para € 3.815.198,75, e atualmente fixado em € 1.948.190,00, após avaliação realizada em 2015;

c)      O aludido prédio urbano não tem edificada qualquer construção até à presente data;

d)     O Requerente foi notificado das liquidações de IS melhor identificadas no introito, ascendendo a coleta de cada uma delas aos montantes de € 9.193,25 e de € 19.075,99, em resultado da aplicação das taxas de 0,5% e de 1% previstas, respetivamente, no artigo 6.º, n.º 1, alínea f), i) da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e na verba 28.1 – “Por prédio com afetação habitacional” – da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), anexa ao Código do Imposto do Selo (Código do IS), na redação conferida pela referida lei, materializadas, respetivamente, nos documentos de cobrança n.º 2012 … e n.º 2013 …, este para pagamento da primeira prestação;

e)      No caso da liquidação respeitante ao ano de 2012, no montante de € 19.075,99, sendo o seu pagamento faseado em 3 prestações de € 6.358,66, o Requerente foi igualmente notificado dos documentos de cobrança n.º 2013… e n.º 2013…, para pagamento das segunda e terceira prestações, respetivamente, conforme se refere na decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico n.º …2013…;

f)       Em face da notificação da liquidação emitida na sequência da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, acima identificada, e por com ela não se conformar o Requerente deduziu a respetiva reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n.º …2013…;

g)      Pelo ofício n.º…, de 22.05.2013, do Serviço de Finanças do…, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, após ter sido notificado, pelo ofício n.º…, de 22.04.2013, do respetivo projeto de decisão;

h)      Não se conformando com aquela decisão, o Requerente interpôs dela interpôs recurso hierárquico;

i)        Pelo ofício n.º…, de 13.01.2016, do Serviço de Finanças do …, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado;

j)        Em face da notificação da liquidação respeitante ao ano de 2012, supra melhor identificada, e por com ela não se conformar o Requerente deduziu a respetiva reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n.º …2013…;

k)      Pelo ofício n.º…, de 28.08.2013, do Serviço de Finanças do…, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, após ter sido notificado do respetivo projeto de decisão;

l)        Não se conformando com aquela decisão, o Requerente interpôs dela interpôs recurso hierárquico;

m)    Pelo ofício n.º…, de 13.01.2016, do Serviço de Finanças do…, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado;

 

§2 . Factos não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes em sede de facto e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

§1. Questões decidendas

Fixada a factualidade relevante, verifica-se estar em causa no presente processo exclusivamente matéria direito.

Cumpre ao Tribunal apreciar, a título principal, a legalidade dos atos de liquidação do imposto de selo em crise e, consequentemente, a legalidade das decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos identificadas supra.

A título incidental, e caso tal se revele necessário para a decisão do mérito da causa, este Tribunal deverá também apreciar a constitucionalidade da norma contida na Verba 28.1 da TGIS.

 

 

§2. Aplicação do direito ao caso sub judice

O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que entrou em vigor no dia 30 de outubro seguinte, aditou uma verba à TGIS então em vigor, com a seguinte redação:

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

•    28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

•    28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»

Posteriormente, o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, introduziu uma nova redação à verba 28 da TGIS, que passou a incluir os terrenos para construção, nos seguintes termos:

«28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %».

A alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, apenas entrou em vigor no dia 01.01.2014, não sendo aplicável aos períodos de tributação a que dizem respeito as liquidações que são objeto do presente pedido de pronúncia arbitral (2012 e 2013).

Ora, o Código do Imposto do Selo (CIS) e a respetiva Tabela Geral, na redação introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, não esclarece qual o sentido da expressão “prédio com afetação habitacional”.

O art. 67.º, n.º 2 do CIS, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, prevê que «[à]s matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI».

O legislador, no n.º 1 do art. 2.º do CIMI, adota o seguinte conceito de prédio:

«Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial».

O n.º 1 do art. 6.º do CIMI enuncia as diversas espécies de prédios urbanos, em função da respetiva afetação: habitacionais; comerciais, industriais ou para serviços; terrenos para construção; outros.

Decorre da classificação adotada pelo legislador no art. 6.º do CIMI a distinção entre (i) prédios edificados, os quais podem ser afetos a habitação, comércio, indústria ou serviços, sendo esta afetação aferida em função do licenciamento respetivo ou, na falta de licença, do destino normal do imóvel (art. 6.º, n.º 2, do CIMI) e (ii) terrenos para construção, de acordo com a definição constante do n.º 3 do art. 6.º do CIMI.

Assim, subscreve-se a fundamentação expressa pelo STA no seu Acórdão de 23/04/2014, no proc. 0271/14, quando afirma que «[n]ão tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional».

No mesmo sentido, este Tribunal acolhe o entendimento, expresso no citado Acórdão do STA, segundo o qual «[o] facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI)».

Uma interpretação como a adotada pela Requerida, segundo a qual um terreno para construção está abrangido pela expressão “prédio com afetação habitacional” não tem um mínimo de correspondência na letra da lei, levando a uma solução jurídica que configura uma verdadeira aplicação analógica da norma contida no art. 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo (CIS) e da Verba 28.1 da TGIS, em desconformidade com a lei (art. 11.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária), com o princípio da tipicidade da lei fiscal, ínsito no princípio da legalidade tributária (art. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. i), da Constituição da República Portuguesa) e com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos.

Sendo possível interpretar a verba 28.1 da TGIS em conformidade com a Constituição, é, contudo, de afastar o julgamento da inconstitucionalidade da norma nela contida.

Neste caso, uma interpretação conforme com a Constituição implica a não sujeição a Imposto do Selo, por aplicação da Verba 28.1 da TGIS, do terreno para construção identificado nos autos, relativamente aos anos de 2012 e 2013.

Face ao exposto, dispensa-se a apreciação dos vícios de duplicação da coleta e de insuficiência de fundamentação, alegados pela Requerente.

 

IV. DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, anular as liquidações de imposto do selo sub judice e anular as decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos em crise.

 

V. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa--se ao processo o valor de € 28.269,24.

 

VI.  CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 11 de outubro de 2016

 

 

O Árbitro

 

 

 (Paulo Nogueira da Costa)