Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 266/2016-T
Data da decisão: 2016-12-22  IUC  
Valor do pedido: € 21.948,31
Tema: IUC – Incidência subjetiva
Versão em PDF


 

 

Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

1. A…– INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A. pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua …, Lote …, em Lisboa,  requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra o ato de indeferimento tácito de reclamação graciosa e, consequentemente, contra os atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) relativos aos anos de 2009 a 2012 e aos veículos automóveis identificados pelo respetivo número de matrícula em lista e documentos anexos ao pedido (Doc.2), cuja anulação solicita. Como consequência da referida anulação, requer a condenação da Administração Tributária ao reembolso da importância que considera indevidamente paga, no montante global de € 21 948,31, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais. A Requerente peticiona, ainda, a condenação da Requerida no pagamento das despesas da presente lide.

 

2. Como fundamento do pedido, apresentado em 12-05-2016, alega a Requerente, em síntese, que, tendo oportunamente apresentado reclamação graciosa contra as liquidações de IUC em causa não foi a mesma objeto de decisão no prazo legal, presumindo-se, assim, tacitamente indeferida, para efeitos de interposição do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

3. Como fundamento da referida reclamação e do presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente invoca o facto de não ser o sujeito passivo da obrigação de IUC referente aos períodos de tributação e veículos a que respeitam as liquidações questionadas.

 

4. De acordo com o alegado pela Requerente, os referidos veículos, embora se encontrassem registados em seu nome à data a que se reportam os factos tributários a que respeitam aquelas liquidações, já não eram sua propriedade por terem sido objeto de venda a terceiros ou entregues aos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação financeira ou de aluguer de longa duração com opção de compra.

 

5. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e, em conformidade, pela absolvição da entidade requerida.

 

6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Sr. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 24-05-2016.

 

7. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 08-07-2016.

8. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

9. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 25-07-2016.

 

10. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

11. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

12. Não ocorrem quaisquer nulidades tendo, porém, sido, pela Requerida, invocada exceção quanto à tempestividade da reclamação graciosa para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

 

13. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas partes, designadamente do processo administrativo, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

 

 

II. Matéria de facto

 

14. Com relevância para a apreciação da exceção suscitada pela Requerida que, a proceder, obstará ao conhecimento do mérito do pedido, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base na prova documental junta aos autos, se consideram provados:

 

14.1. A Requerente é uma instituição financeira que, no âmbito do seu objeto social, pratica todas as operações e as prestações de todos os serviços permitidos aos bancos, com exceção da receção de depósitos;

 

14.2. No âmbito da sua atividade, celebra com os seus clientes contratos de aluguer de longa duração (ALD), aluguer de curta duração (renting) e contratos de locação financeira (leasing) de viaturas automóveis.

 

14.3. Para o efeito, a ora Requerente adquire viaturas novas aos respetivos importadores nacionais, cuja propriedade, no termo dos referidos contratos, é objeto de transmissão para os correspondentes locatários ou para terceiros.

 

14.4. Relativamente aos veículos, que identifica pelo respetivo número de matrícula, e aos períodos de tributação de 2009 a 2012, a Requerente efetuou o pagamento voluntário do imposto, utilizando, para o efeito, as notas de cobrança disponibilizadas pela AT através do respetivo portal.

 

14.5. Todavia, reagiu contra os referidos atos de liquidação através de reclamação graciosa em que, no essencial, alega não ser o sujeito passivo da obrigação de imposto porquanto, à data da ocorrência do respetivo facto gerador, dado que os veículos a que aqueles respeitam terem sido já objeto de transmissão para terceiros ou se encontrarem cedidos aos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação financeira, aluguer de longa duração ou locação operacional, estes com promessa de compra e venda.

 

14.6. A reclamação graciosa, conforme decorre dos elementos que integram o presente processo, designadamente do processo administrativo junto, dirigida contra a 339 atos de liquidação de IUC relativos aos períodos e veículos acima referidos, foi apresentada em 12-10-2015.

 

14.7. Decorreram mais de 4 meses, sem que a referida reclamação graciosa fosse objeto de decisão pelo órgão competente, pelo que a mesma se presume tacitamente indeferida.

 

15. No que respeita à invocada exceção de intempestividade, não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III. Da exceção de intempestividade

 

16. Considera a Requerente que o presente pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, contado o prazo para a sua interposição do termo do prazo legal para decisão da reclamação graciosa supra referida.

 

17. Contra tal entendimento se pronuncia a Requerida, invocando a exceção de intempestividade do presente pedido nos seguintes termos:

 

“9.º

Considera a Requerente que o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, contado o respectivo prazo de dedução do considerado indeferimento tácito da reclamação graciosa nº …2015… .

 

Contudo, assim não é, e vejamos porquê.

 

10.º

A reclamação graciosa, conforme decorre do processo administrativo junto, encontrando-se em fase de audição prévia, verificou, analisadas todas as liquidações reclamadas que se referem aos anos de 2009 a 2012, que tendo aquela reclamação sido apresentada em 12-10-2015 e a data de pagamento mais recente ser a de 26-10-2013, se encontra largamente ultrapassado o prazo de 120 dias (artigo 102º, nº 1 do CPPT, ex vi artigo 70º, nº 1 do mesmo Código).

 

11.º

Concluindo, por isso, no seu projecto de decisão, pela extemporaneidade parcial da reclamação graciosa.

 

12.º

Ora, não pode nunca o Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento, no caso tácito, de uma reclamação graciosa extemporânea.

 

 

 

13.º

De outro modo, estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de actos tributários relativamente aos quais findaram já os respectivos prazos de contestação.

 

14.º

Ou seja, não pode o requerente fundamentar a tempestividade do recurso ao tribunal arbitral com base na apresentação de uma petição de reclamação graciosa extemporânea.

 

15.º

Nem pode o tribunal deixar de apreciar a questão da tempestividade da reclamação graciosa, para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, que a AT contesta, nos termos dos documentos constantes do processo administrativo.

 

Vejamos:

 

16.º

O artigo 16.º do CIUC dispõe no seu n.º 1 que é da competência da Administração Fiscal a liquidação do imposto.

 

17.º

Embora o n.º 2 do mesmo artigo refira que a liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo, não estamos perante uma “autoliquidação” no verdadeiro sentido, uma vez que é a Administração Fiscal que efetua o apuramento do montante a pagar pelo sujeito passivo que se limita a imprimir a guia de pagamento do imposto devido, não fazendo qualquer operação de cálculo.

 

18.º

Assim, não estamos perante uma autoliquidação, limitando-se a Requerente a proceder ao pagamento dos valores apurados pela Administração Fiscal e correspondentes ao IUC a pagar.

 

19.º

Desta forma, a Requerente não podia lançar mão do procedimento previsto no artigo 131.º CPPT, por não estarmos perante uma autoliquidação, nem perante erro imputável aos serviços, mas sim perante uma liquidação de imposto.

 

20.º

Ora, se é uma liquidação de imposto, o prazo que a Requerente tinha para apresentar a reclamação graciosa é de 120 dias, após o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 68.º, 70.º e 102.º do CPPT.

 

21.º

A reclamação graciosa que a Requerente apresentou em 2015-10-12, abarcou os anos de 2009 a 2012.

 

 

 

22.º

O termo do prazo para pagamento voluntário mais recente e reportado às liquidações de IUC desse período temporal (2009 a 2012), ocorreu em 2013-10-26.

 

23.º

Assim, o prazo de 120 dias - que terminou em 2014-02-13-para a Requerente reclamar graciosamente dessas liquidações encontrava-se ultrapassado, sendo intempestiva a referida reclamação.

 

24.º

Daí decorre ser extemporâneo relativamente às liquidações de IUC, o pedido arbitral apresentado pela Requerente e agora em apreciação.

 

25.º

O n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, dispõe que o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:

“a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;

b) No prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos actos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 2.º, nos restantes casos.”

 

26.º

E os n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, sob a epigrafe “Impugnação judicial. Prazo de apresentação” dispõe que:

“1 - A impugnação será apresentada (…) a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente

notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a

qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos

nas alíneas anteriores.

2 - Em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de

15 dias após a notificação.”

 

27.º

Desta forma, tendo a reclamação graciosa sido apresentada quando já tinha sido ultrapassado o prazo, então o prazo que vigora para a impugnação, ora apresentada neste tribunal arbitral, são os 90 dias após a data do termo do prazo de pagamento voluntário do IUC.

 

28.º

Na situação em apreço, o pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado pela Requerente deu entrada em 2016-05-12.

 

29.º

Relativamente às liquidações de IUC, o termo do prazo de pagamento ocorreu em 9-10-2013, 10- 10-2013, 11-10-2013, 14-10-2013, 15-10-2013, 16-10-2013, 17-10-2013 e 26-10-2013.

 

30.º

É assim extemporâneo o pedido formulado pelo Requerente, uma vez que o mesmo deu entrada em 2016-05-12.

 

31.º

Assim, deve a A.T. ser absolvida do pedido.

 

32.º

A extemporaneidade constitui excepção peremptória, nos termos do art. 576.º do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente pelo art. 29.º do RJAT), que importa a absolvição da A.T. do pedido, uma vez que impede o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente.

 

18. Notificada da resposta da Administração Tributária (AT) e da exceção pela mesma invocada, a Requerente, relativamente a esta, veio exercer o seu direito ao contraditório, nos seguintes termos:

 

“ 5. Desde logo, importa deixar claro que a Reclamação Graciosa que antecedeu este pedido de pronúncia arbitral (PI) não foi alvo de despacho final de indeferimento expresso.

 

6. Com efeito, o presente pedido arbitral foi apresentado na sequência do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa - conforme resulta do teor do PI.

 

7. A Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da Reclamação Graciosa, e não da decisão final expressa de indeferimento da Reclamação Graciosa – a qual, tanto quanto se sabe, não chegou a ser proferida.

 

8. Sendo certo que a Requerente foi notificada daquele projecto de indeferimento apenas em 13.05.2016, para efeitos do exercício do direito de audição prévia, conforme comprovativo aqui junto como doc. 1.

 

9. Ora, em 13.05.2016 já o presente pedido pronúncia arbitral havia sido apresentado – foi apresentado em 12.05.2016, conforme resulta dos sinais deste processo arbitral.

 

10. Com efeito, à data já há muito que havia sido ultrapassado o prazo legal de 4 meses de que a AT dispunha para apreciar a reclamação graciosa (artigo 57º nº 1 da LGT),

 

11. Não podendo o contribuinte ficar indefinidamente à espera da resposta da AT, sendo certo que a AT está legalmente obrigada a apreciar, em devido tempo, todas as petições que lhe são dirigidas pelos contribuintes (artigo 56º nº 1 da LGT).

 

12. E a Reclamação Graciosa, como se disse, não teve uma decisão final de indeferimento expresso, fosse com base na sua alegada extemporaneidade, total ou parcial, fosse por qualquer outro motivo.

 

13. Pelo que, contrariamente ao entendimento da Requerida, este Tribunal Arbitral não está vinculado a apreciar a questão da tempestividade da Reclamação Graciosa, total ou parcial – uma vez que a mesma não chegou a ser oportuna e definitivamente suscitada pela AT.”

 

19. Expostas, por transcrição, as posições das Partes sobre a exceção de intempestividade invocada pela Requerida constata-se suscitarem-se duas questões que importa desde logo equacionar e resolver:

 

a) A da competência do tribunal para apreciar e pronunciar-se sobre a extemporaneidade da reclamação graciosa e sua projeção no que concerne à tempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral;

 

b) A de saber-se se o IUC é, ou não, um imposto que deva ser autoliquidado pelos respetivos sujeitos passivos.

 

20. Quanto à primeira questão, entende a Requerida que não “ pode o tribunal deixar de apreciar a questão da tempestividade da reclamação graciosa, para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral” expressando a Requerente entendimento no sentido de que “este Tribunal Arbitral não está vinculado a apreciar a questão da tempestividade da Reclamação Graciosa, total ou parcial – uma vez que a mesma não chegou a ser oportuna e definitivamente suscitada pela AT.”

 

21. A apreciação da tempestividade do pedido de pronúncia arbitral é, como não poderia deixar de ser, da competência do juiz árbitro. Não pode, pois, esta apreciação deixar de se centrar na tempestividade da apresentação de uma reclamação graciosa objeto de indeferimento silente quando é este o facto que determina o início da contagem do prazo para apresentação do referido pedido.

 

22. Neste sentido se acompanha a Requerida na conclusão de que não pode ser justificada a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento tácito de uma reclamação graciosa extemporânea, pois “De outro modo, estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de atos tributários relativamente aos quais findaram já os respetivos prazos de contestação.”

 

23. Sobre a competência do juiz para a apreciação da intempestividade da reclamação graciosa que serve de suporte legal à abertura de prazo para a impugnação judicial, se pronunciou já o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 02-07-2003.[i]

 

24. Reportando-se às pertinentes normas do Código de Processo Tributário (CPT), e preceitos correspondentes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicáveis ao processo arbitral por força do disposto no artigo 29.º do RJAT, conclui o referido aresto que:

 

“ ... a competência para a apreciação da eventual intempestividade da reclamação graciosa que serve de suporte legal à impugnação judicial, entretanto e com base na apresentação e não decisão em tempo oportuno e útil daquela, como que se transfere, por clara opção do legislador, para o juiz tributário de 1ª instância a quem cumpre decidir a impugnação judicial e a quem igualmente cumpre verificar, prévia e procedimentalmente, da verificação/ocorrência das necessárias condições de procedibilidade, onde se há-de incluir também a questão da tempestividade da reclamação graciosa que lhe serve de fundamento legal.”

 

25. Nestes termos, considera-se situar-se no âmbito da competência material deste tribunal a apreciação da tempestividade da reclamação graciosa cujo indeferimento tácito determina o início da contagem do prazo para apresentação de pedido de pronúncia arbitral.

 

26. Porém, a apreciação, em concreto, da questão da tempestividade da reclamação graciosa depende, ainda, de se determinar um outro elemento, ou seja, o de saber-se se a liquidação do IUC é da competência da Administração Tributária, conforme pretende a Requerida ou se, diversamente, essa competência é atribuída ao próprio sujeito passivo (autoliquidação) conforme entendimento da Requerente.

 

27. Sustentando a sua posição nesta matéria, alega a Requerida que “ O artigo 16.º do CIUC dispõe no seu n.º 1 que é da competência da Administração Fiscal a liquidação do imposto” e “Embora o n.º 2 do mesmo artigo refira que a liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo, não estamos perante uma “autoliquidação” no verdadeiro sentido, uma vez que é a Administração Fiscal que efetua o apuramento do montante a pagar pelo sujeito passivo que se limita a imprimir a guia de pagamento do imposto devido, não fazendo qualquer operação de cálculo.”  Pelo que “...não estamos perante uma autoliquidação, limitando-se a Requerente a proceder ao pagamento dos valores apurados pela Administração Fiscal e correspondentes ao IUC a pagar.”

 

28. Discordando de tal entendimento, considera a Requerente, citando alguma doutrina e diversas decisões arbitrais, que “... contrariamente ao entendimento da Requerida/AT, estamos efetivamente perante autoliquidações de IUC. ... Com efeito, a Requerente foi ao Portal das Finanças/Internet, fez o download das respetivas notas para pagamento do IUC e procedeu ao pagamento do IUC – conforme resulta dos sinais dos presentes autos. ... Ou seja, foi a própria Requerente quem liquidou e pagou o IUC – tratando-se, pois, de casos de autoliquidação de IUC. ... Com efeito, a AT não chegou a emitir liquidações oficiosas de IUC à Requerente, fixando-lhe prazos para pagamento deste imposto.”

 

29. Não se acompanha, porém, o entendimento expresso pela Requerente. Esta matéria foi já objeto de apreciação em Decisão Arbitral de 05-08-2014, assumindo-se, então, a posição que a seguir se transcreve:

“47. A autoliquidação, efetuada pelo próprio sujeito passivo com base nos elementos que apura e declara à AT para efeitos de controlo, depende de previsão legal que, expressamente, lhe atribua tal competência.

 

48. Não é este o caso do IUC. Totalmente informatizado, o procedimento de liquidação deste tributo assenta na utilização, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, dos elementos constantes das bases de dados de veículos e da propriedade automóvel, como, de resto vem sendo claramente afirmado pela própria administração tributária.[ii]

 

49. Por regra, a liquidação deste tributo opera-se por recurso à internet, através do Portal das Finanças, nas condições de registo e acesso às declarações eletrónicas, sendo a utilização deste meio obrigatório para as pessoas coletivas, salvo nos casos em que, por carência de elementos, a liquidação não possa efetuar-se por via eletrónica. É o que se verifica, designadamente, nos casos em que o veículo não conste daquelas bases de dados, por se não encontrar matriculado em território português ou "sempre que exista erro ou omissão de veículo tributável na base de dados, que não permita ao sujeito passivo liquidar o imposto através da internet." (CIUC, art.º 16.º, n.ºs 2 e 3).

 

50. Excetuados os casos referidos no número anterior, e sempre que o sujeito passivo seja pessoa singular, o recurso à liquidação através do portal das finanças na internet pode ser afastado, podendo a liquidação ser solicitada pelo sujeito passivo em qualquer serviço de finanças, em atendimento ao público (CIUC, art. 16.º, . 3).

 

51. Tomando como referência os elementos constantes da base de dados, relativos à identificação do veículo e características relevantes para a definição objetiva da incidência tributária e aplicação da correspondente taxa bem como da incidência subjetiva, a liquidação é efetuada por meios informáticos, sendo de imediato emitido, pelos mesmos meios, o competente documento de cobrança, de que, além de outros elementos relevantes para o pagamento, consta a demonstração da respetiva liquidação (CIUC, art. 16.º, n.º 4).

 

52. Em situações normais, como, eventualmente, será o caso das que se evidenciam no presente processo, é ao sujeito passivo que cabe a iniciativa de provocar a liquidação, através da internet, nos moldes acima referidos ou junto de qualquer serviço de finanças, se tal possibilidade se não mostrar viável em consequência de erro ou omissão da base de dados ou sempre que a utilização daquele meio não seja obrigatória.

 

53. A referência à circunstância de a liquidação ser feita pelo próprio sujeito passivo através da internet não implica que se esteja perante uma situação em que a liquidação do tributo em causa - apuramento do montante de imposto devido em função dos elementos relevantes para a respetiva quantificação - seja deferida ao sujeito passivo. O que se passa é que as operações de liquidação são efetuadas por meios informáticos, geridos pela Administração Tributária e Aduaneira, não sendo permitido ao sujeito passivo alterar minimamente qualquer dos elementos que para elas relevam.

 

54. É o que, claramente, resulta do texto da lei: em caso de erro ou omissão na base de dados, o sujeito passivo terá de solicitar a liquidação junto de qualquer serviço de finanças (CIUC, art. 16.º, n.º 3, al. c).

 

55. Porém, a opção do legislador pela utilização intensiva de meios informáticos no procedimento de liquidação deste tributo, recorrendo à utilização de bases de dados relativas à matrícula e registo de propriedade dos veículos a ele sujeitos, e à via eletrónica facultada aos sujeitos passivo como meio de cumprimento da obrigação, não deixaria de suscitar algumas dúvidas quanto à competência funcional para efetuar a liquidação, designadamente, no tocante às garantias dos contribuintes.

 

56. Esta questão foi, desde logo, lapidarmente resolvida no n.º 1 do artigo 16.º do CIUC, que, perentoriamente, estabelece, que "A competência para a liquidação é da Autoridade Tributária e Aduaneira".  E, para afastar quaisquer dúvidas que pudessem subsistir, a referida norma viria, ainda, a ser objeto de clarificação, através da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, no sentido de que, " para todos os efeitos legais, se considera o ato tributário praticado no serviço de finanças da residência ou sede do sujeito passivo."

 

30. Não se vendo razão para modificar o entendimento então assim expresso, não pode deixar de concluir-se que, no presente caso, não podia a Requerente interpor reclamação graciosa contra as liquidações em causa ao abrigo da norma do artigo 131.º do CPPT por forma a beneficiar do prazo aí previsto para a reclamação de autoliquidação.

 

31. Conforme alega a Requerida, o prazo para deduzir Reclamação Graciosa dos atos de liquidação de IUC é de 120 dias após o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 68.º, 70.º e 102.º, do CPPT.

 

32. No presente caso, verifica-se que a reclamação graciosa que a Requerente apresentou em 12-10-2015 compreende liquidações de IUC respeitantes aos anos de 2009 a 2012, sendo que o termo do prazo para pagamento voluntário mais recente do imposto a que se referem essas liquidações ocorreu em 26-10-2013.

 

33. Assim, conforme alega a Requerida, “o prazo de 120 dias – que terminou em 2014-02-13 - para a Requerente reclamar graciosamente dessas liquidações encontrava-se ultrapassado, sendo intempestiva a referida reclamação” sendo, pois, “extemporâneo o pedido formulado pelo Requerente, uma vez que o mesmo deu entrada em 2016.05-12”

 

34. Conclui, pois, a Requerida no sentido de que “deve ser julgada procedente, por provada, a exceção invocada nos termos do disposto no artigo 577.º-e, do CPC, na redação dada pela Lei.º 41/2013, DE 26 DE Junho, a qual dá lugar à absolvição da instância nos termos do artigo 278.º/1-d), do mesmo diploma legal.”

 

V. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar procedente a exceção deduzida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e em consequência, absolver a Requerida da instância;

 

b) Julgar, em consequência, prejudicado o conhecimento da questão de mérito.

 

 

Valor do processo: € 21 948,31

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 224,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 22 de Dezembro de 2016,

 

O árbitro, Álvaro Caneira.

 

 

 



[i]  Cf. Proc. 16/03, de que foi relator o Conselheiro Alfredo Madureira

[ii] Conforme informação vinculativa, disponibilizada no site da AT, homologada por Despacho da Subdiretora Geral da Área dos Impostos sobre o Património, de 18.4.2011: " A DGCI apenas liquida o IUC relativamente aos veículos que integrem a incidência objetiva do imposto, de acordo com os elementos fornecidos pelo IRN, IP (respetivas Conservatórias do Registo Automóvel) e pelo IMTT (ex-DGV), que constituem a base de dados do IUC".