Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 259/2016-T
Data da decisão: 2016-11-21  IMT  
Valor do pedido: € 16.150,38
Tema: IMT- Aquisição de Imóvel – Insolvência – Artigo270.º n.º 1 alínea c) e nr.º 2 do CIRE
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DECISÃO ARBITRAL

 

PARTES

 

Requerentes: A…, NF…, casado com B…, NF…, com domicílio na Rua …, … Lote/moradia …, … –… …-....

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

 

I.                   RELATÓRIO

 

a)      Em 09-05-2016, os Requerentes entregaram no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

O PEDIDO

 

b)      Os Requerentes pedem a anulação da liquidação adicional de IMT constante do DUC …, com data de 29.03.2016, no valor de 16 150,38 euros, resultante do facto tributário que consiste na aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano, sito em…, Rua do…, …, Lote/moradia…, … –… …-..., inscrito na matriz sob o artigo …, freguesia e concelho de ....

c)      E tendo pago o IMT acima indicado em 29.03.2016, pedem a condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios contados até à data da sua devolução.

 

A CAUSA DE PEDIR

 

d)     Os Requerentes invocam o vício de violação de lei por eventual erro de direito da AT uma vez que entendem que a aquisição do imóvel em causa, por escritura pública de 17/10/2012, beneficia da isenção de IMT prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 270º do CIRE ou, subsidiariamente, no nº 2 da mesma disposição legal.

e)      Pela razão de que a aquisição constituiu um acto praticado no âmbito da liquidação da massa insolvente de “C…– Sociedade de Construção Civil Lda.” NIPC…, sociedade de que eram credores, ou seja, “um acto de cessão de bens a um credor” ou “um acto de venda de um bem que fazia parte integrante da massa insolvente, com vista a satisfazer o seu crédito … praticado no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

f)       O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 23-05-2016.

g)      Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 29-06-2016. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

h)      O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 14-07-2016, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

i)        Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 14-07-2016 que aqui se dá por reproduzida.

j)        Logo em 14-07-2016 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 29.09.2016. Juntou ainda o PA composto por 1 ficheiro digitalizado com 21 folhas e 21 laudas escritas.

k)      Não foi produzida a prova testemunhal e o depoimento de parte indicados pelos Requerentes, uma vez que a própria AT referiu que “não existem factos controvertidos”.

l)        Não se realizou a reunião de partes do artigo 18º do RJAT porque a Requerida concordou com a sua dispensa e os Requerentes pretendiam nesse acto produzir a prova testemunhal e por depoimento de parte o que se julgou desnecessário face ao referido na alínea anterior.

m)    As partes produziram alegações escritas em 24.10.2016 e em 04.11.2016, respectivamente os Requerentes e a Requerida, mantendo na essência o que já haviam referido em sede de pedido e de resposta.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

n)      Legitimidade, capacidade e representação – As partes gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária, são partes legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

o)      Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos do inciso j) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes. Igualmente quanto à tramitação processual subsequente o TAS seguiu o que resulta da posição expressa ou tácita das partes como se escreve na alínea l) supra.

p)      Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto dos Requerentes terem sido notificados pelo ofício … datado de 29.02.2016 da liquidação adicional de IMT e o presente pedido de pronúncia ter dado entrada no CAAD em 19-05-2016.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DOS REQUERENTES

 

q)      Os Requerentes alegam que interpuseram contra “C…– Sociedade de Construção Civil Lda.” NIPC…, uma acção de condenação (e depois uma providência cautelar de arresto) com base em incumprimento de contrato de promessa de compra e venda que tinha por objecto o imóvel referido em b) deste Relatório, reclamando 399 475,70 euros.

r)       Mas que posteriormente foi declarada a insolvência de “C…– Sociedade de Construção Civil Lda.” NIPC…, tendo aí reclamado o seu crédito que lhe foi reconhecido no montante de 416 617,95 euros.

s)       Pelo que, face ao referido nas duas alíneas anteriores se consideram ser credores da massa insolvente de “C…– Sociedade de Construção Civil Lda.” NIPC … .

t)       Enquanto credores da massa insolvente de “C…– Sociedade de construção Civil Lda.” NIPC…, adquiriram em 17.10.2012 o imóvel referido em b) deste Relatório que fazia parte da massa insolvente, razão pela qual entendem que “… a compra e venda objecto da presente impugnação ocorreu no decurso da liquidação da massa insolvente, constituindo uma transmissão a um credor, razão pela qual, quer por força do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 270º do CIRE, quer por força do disposto no nº 2 do artigo 270º do CIRE, a mesma não podia deixar de ser considerada como isenta do pagamento de IMT”.

u)      Que foi o que aconteceu, tendo, inclusive, a declaração de Modelo 1 do IMT e a obtenção do DUC à taxa zero, sido obtidos no Serviço de Finanças, pelos serviços do Notário que realizou a escritura, a título de gestão de negócios, não tendo tido qualquer acção material directa nesse processo.

v)      Isenção implicitamente reconhecida no DUC à taxa zero que entendem estar bem atribuída e “apenas e só porque não estavam dispostos a serem sujeitos à devassa e actuação coerciva que uma cobrança em processo executivo sempre acarreta, optaram por proceder ao pagamento daquele imposto, apesar de discordarem do entendimento da AT e da liquidação”.

w)    Terminam pugnando pela anulação da liquidação. Citam em favor do seu entendimento os acórdãos do STA de 30.05.2012 (processo 0949/11); de 17.12.2014 (processo 0185/13) e de 11.11.2015 (processo 0968/13) e decisões do CAAD nos processos 95/2015-T, 99/2015-T, 123/2015-T e 446/2015-T). Em sede de alegações invoca ainda os acórdãos do TCA Sul de 19.11.2015 (processo 08063/14) e a decisão arbitral CAAD de 14.07.2016 (Processo 664/2015).

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

x)      Dissentindo do ponto de vista do Requerente, a Requerida propugna por outra leitura dos normativos em causa, expressando textualmente o seguinte quanto ao tipo de benefício fiscal em causa:

Cumpre esclarecer que a isenção pretendida é uma isenção de reconhecimento automático e que a declaração modelo 1, prevista no nº 1 do artigo 19º do CIMT, deve ser entregue pelo contribuinte nos termos do disposto na al. d) do nº 8 do artigo 10º do mesmo diploma legal, como efectivamente aconteceu”.

A natureza automática do benefício fiscal consignado no artigo 270º do CIRE resulta do disposto no artigo 5º, nº 1, do EBF, que determina que são automáticos os benefícios fiscais que resultam directa e imediatamente da lei, e do facto de o legislador não fazer depender aquele benefício de qualquer acto de reconhecimento”.

y)      Discordando ainda do alegado pelos Requerentes (de que beneficiam da isenção prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 270º do CIRE) refere: “Entende-se que a alienação onerosa pelo administrador judicial da insolvência de um bem, que faz parte integrante da massa insolvente, ao ora Requerente que, em contrapartida e na qualidade de credor reclamante desiste da sua reclamação de crédito, deixando, a partir dessa data de ser credor da insolvente, não se enquadra na figura jurídica de cessão de bens”. “No caso dos autos, todavia, o acto sujeito a IMT é a transmissão onerosa do imóvel através de contrato de compra e venda pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”. “Por conseguinte, a situação dos autos não é susceptível de enquadramento na alínea c) do nº 1 do artigo 270º do CIRE”.

z)      Quanto à aplicação da norma isentiva do nº 2 do artigo 270º do CIRE refere: “Entende a AT, conforme veiculado pela instrução IMT 2014/01, da DSMIT, que a isenção prevista no nº 2 do artigo 270º do CIRE só abrange as transmissões onerosas de bens imóveis integrada na globalidade ou universalidade da empresa ou de um dos seus estabelecimentos, por ser esta circunstância que especificamente justifica a isenção e não a mera transmissão de imóveis que seja efectuada no âmbito do processo de insolvência da sociedade”.

Se o legislador pretendesse abranger todas as transmissões onerosas de imóveis, ainda que a sua transmissão não se integrasse na universalidade da empresa ou do estabelecimento, teria corrigido a redacção originária daquele normativo, o que optou por não fazer, aditando apenas, com a Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro, a referência ao “plano de recuperação”.

Assim, por comparação com o CPEREF, no âmbito do CIRE a isenção de IMT passa a abranger não só os actos praticados no âmbito do plano de recuperação da empresa mas também os planos de pagamento e a liquidação da massa insolvente, no entanto o objecto da transmissão isenta continua a ser a empresa ou o estabelecimento e não todos e quaisquer elementos do seu activo”.

Concluindo, a existir a intenção de alargar aquele benefício fiscal às aquisições de imóveis que não compreendessem a universalidade da empresa ou de um dos seus estabelecimentos, o legislador teria que se ter expressado de outro modo, não existindo no elemento literal da norma aquele mínimo de correspondência, a que aludem as regras gerais de interpretação que permita sustentar a tese propugnada pela Requerente”.

Na verdade, a razão extrafiscal que justifica a excepção à tributação introduzida com aquele benefício fiscal consiste no incentivo que se pretende dar à continuação das actividades económicas que dependem da alienação da empresa ou de um dos seus estabelecimentos enquanto universalidade”.

aa)   “A AT discorda da tese segundo a qual a interpretação literal da norma em causa nos autos viola a Constituição por não estar em conformidade com a autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo” “pois ainda que aquela autorização compreenda um âmbito mais extenso do que aquele que viria a ser adoptado pelo Governo na alteração introduzida no artigo 270º do CIRE, ainda assim não se afigura que uma alteração legislativa de âmbito mais restrito do que a autorização que lhe dá cobertura seja violadora daquela autorização caso esteja de harmonia com o seu sentido e alcance”.

A autorização legislativa tem, justamente, a sua razão de existir no facto de o Governo estar autorizado a ponderar a oportunidade e a extensão das medidas legislativas que caibam no âmbito temporal e estejam em conformidade com o sentido e alcance daquela autorização, existindo um campo de conformação que, por aquela via, é delegado pela Assembleia da República no Governo”. “De outro modo não se vislumbra qual possa ser o sentido de uma autorização legislativa, sendo que, em última análise, o Governo pode optar por não legislar ao abrigo daquela autorização”.

bb)  Propugna pela improcedência do pedido, com a sua absolvição, considerando a inexistência de qualquer desconformidade com a lei, mantendo-se a liquidação na ordem jurídica.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Apreciar-se-á se a liquidação em causa padece de alguma ilegalidade que obste à sua manutenção na ordem jurídica.

 

Haverá que observar que o TAS só pode decidir segundo “o direito constituído” conforme nº 2 do artigo 2º do RJAT. Nesta linha de pensamento, terá que se ter em conta a existência de decisões judiciais do STA e do TCA Sul sobre a mesma questão de fundo, sob pena de se sujeitar esta decisão ao recurso do nº 2 do artigo 25º do RJAT.

 

III.             MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.

FUNDAMENTAÇÃO

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, de resto não contestados pelas partes, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação. Com efeito,

 

Muito embora a AT refira no artigo 33º da resposta “que se impugna todo o alegado pelo Requerente” não especificando, no entanto, qualquer facto que lhe mereça dissentimento, tal “impugnação” refere-se, naturalmente, apenas à construção jurídica, à leitura da lei, que os Requerentes aduzem no seu pedido, uma vez que contrapõe outra completamente divergente, como acima se deu nota.

 

Factos provados

 

1)                 Os Requerentes celebraram com a sociedade C…– Sociedade de Construção Civil, Lda., NIPC…, um contrato-promessa de compra e venda, em 26 de Outubro de 2001, através do qual aqueles prometeram comprar e a sociedade por sua vez, prometeu vender, a fracção “…” do … sito …– ..., identificado pelo artigo …º, da secção… , da freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... –…, sob o nº…, de que a sociedade era proprietária – artigo 7º do pedido de pronúncia e Documento 5 em anexo ao pedido de pronúncia.

2)                  A referida sociedade incumpriu o contrato-promessa de compra e venda o que levou os Requerentes a intentar uma acção declarativa de condenação, com base no aludido incumprimento contratual, contra a referida sociedade C…, tendo a mesma sido distribuída com o nº …/07….T… da 2ª Vara Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de …, em 13.08.2007, e tendo aí sido resolvido o contrato reclamando o pagamento do sinal em dobro, ou seja, a quantia de 399.475,70 euros – artigos 8º e 9º do pedido de pronúncia.

3)                 Em 23.04.2008, os Requerentes intentaram um procedimento cautelar de arresto que foi decretado, nos termos do qual foi apreendida a referida fracção conforme Processo …/07….T…-A da 2ª Vara Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de …), mas em 22.09.2006, foi decretada a insolvência da sociedade “C…– Sociedade de Construção Civil, Lda.” – artigos 10º e 11º do pedido de pronúncia e Documento nº 6 em anexo ao pedido de pronúncia.

4)                 No dia 09.09.2008, os Requerentes apresentaram reclamação de créditos junto do processo da insolvência, tendo reclamado um crédito no montante de 416.617,95 euros, tendo o mesmo sido reconhecido nos termos do Relatório elaborado pelo Administrador de Insolvência. – artigo 12º do pedido de pronúncia e Documento nº 7 em anexo ao pedido de pronúncia.

5)                 Por escritura pública outorgada a 17/10/2012, os Requerentes adquiriram a C…– Sociedade e Construção Civil, Lda. – em liquidação, com o NIPC…, o imóvel referido em 1, pelo preço de € 330.000,00, escritura que foi marcada pela Senhora Administradora de Insolvência que, por sua vez, contactou a Notária, cujos serviços, por gestão de negócios dos Requerentes, apresentaram o Modelo 1 do IMT onde se invocou a isenção do nº 2 do artigo 270º do CIRE e obtiveram o DUC de liquidação do IMT à taxa zero – artigos 5.1 e 5.2 da resposta da AT, artigos 24º e 25º do pedido de pronúncia e Documento nº 9 em anexo ao pedido de pronúncia.

6)                 No Modelo 1 do IMT (Quadro V Campo 48) consta o código 60 de benefício fiscal invocado e consta também textualmente no facto tributário identificado no DUC da seguinte forma: “Benefícios: 60 – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – transmissões integradas no âmbito da liquidação da massa insolvente (artigo 270º nº 2 do DL 53/04) 100% sobre a matéria colectável € 338 671,13” – conforme Documento nº 9 junto com o pedido de pronúncia.

7)                  No âmbito de um procedimento de controlo de isenções, os Requerentes foram notificados por ofício nº…, de 29/10/2015, do Serviço de Finanças de ... para exercerem, querendo, o seu direito de audição prévia sobre o projecto de liquidação de IMT por se entender que a aquisição não beneficia da referida isenção, referindo: “estamos perante uma transmissão onerosa de bens imóveis isoladamente da empresa ou do estabelecimento” e conclui “não está, assim, abrangida pela isenção” – artigo 5.3 da resposta e artigo 1º do pedido de pronúncia.

8)                 Os Requerentes exerceram o seu direito de audição e por ofício nº … de 29/02/2016 do Serviço de Finanças de ... …. foram notificados da decisão que concluiu não estarem reunidos os pressupostos da pretendida isenção, mantendo a liquidação ao abrigo dos nºs 1 e 4 do artigo 31º e 5º e do artigo 36º, ambos do CIMT – artigo 5.4 da resposta e artigos 2º e 4º do pedido de pronúncia.

9)                 Os Requerentes pagaram o IMT liquidado, no montante de € 16.150,38, em 29/03/2016, incluindo juros – artigo 5.5 da resposta da AT, artigo 6º do pedido de pronúncia e Documento nº 4 em anexo ao pedido de pronúncia.

10)             Em 09-05-2016, os Requerentes entregaram no CAAD o presente pedido de pronúncia – registo de entrada no SGP do pedido de pronúncia.

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR

 

 

O tipo de benefício fiscal aqui em causa. A Instrução IMT 2014/01 – Transmissões de Imóveis – artigos 269º e 270º do CIRE

 

De acordo com o teor do artigo 22º da douta resposta e do artigo 7º das alegações da AT, no fundo a posição da Requerida estriba-se na orientação interna que consta da Instrução IMT 2014/01 da DSIMT publicada no site da DGI.

 

Aí se refere quanto à “espécie do género” de benefícios fiscais:

 

“… as isenções constantes da alínea do artigo 269º e do nº 2 do artigo 270º do CIRE constituem benefícios fiscais automáticos, atenta a ausência, naqueles preceitos, de qualquer comando normativo exigindo a instauração de um procedimento administrativo prévio, necessário ao reconhecimento das referidas isenções”.

 

E na douta resposta refere a AT: “Cumpre esclarecer que a isenção pretendida é uma isenção de reconhecimento automático e que a declaração modelo 1, prevista no nº 1 do artigo 19º do CIMT, deve ser entregue pelo contribuinte nos termos do disposto na al. d) do nº 8 do artigo 10º do mesmo diploma legal, como efectivamente aconteceu”. E acrescenta: “A natureza automática do benefício fiscal consignado no artigo 270º do CIRE resulta do disposto no artigo 5º, nº 1, do EBF, que determina que são automáticos os benefícios fiscais que resultam directa e imediatamente da lei, e do facto de o legislador não fazer depender aquele benefício de qualquer acto de reconhecimento”. (sublinhado nosso).

 

De facto, a isenção fiscal de imposto do selo configura-se como sendo automática na acepção do EBF (artigo 5º), mas o mesmo não parece ocorrer com a isenção de IMT.

 

A isenção fiscal em causa, conferida na data da aquisição dos imóveis, é uma isenção textualmente de “reconhecimento automático” cuja verificação resultou de uma declaração ao serviço de finanças competente (alínea d) do nº 8 do artigo 10º e nºs 1 e 3 do artigo 19º, 20º, 21º e 22º do CIMT) que emitiu um DUC à taxa zero, reconhecendo implicitamente o benefício fiscal.

 

É isso mesmo, por outras palavras, que se refere na Instrução IMT 2014/01 da DSIMT: “… a verificação dos requisitos constantes do nº 2 do artigo 270º do CIRE para que possa operar a isenção de IMT … bem como a sua subsequente declaração, competirão, nos atermos da alínea d) do nº 8 do artigo 8º do CIT, ao serviço local de finanças onde for apresentada a declaração mencionada no nº 1 do artigo 19º do mesmo compêndio tributário”.

 

A liquidação do IMT à taxa zero, com reconhecimento implícito da isenção de IMT foi levada a efeito pela AT, após pedido do contribuinte através do Modelo 1 do IMT, apresentado, no caso, por gestão de negócios dos Requerentes.

 

Trata-se, pois, de um benefício fiscal dependente de reconhecimento (ainda que automático, ou seja, que funciona através automatismos informáticos) conforme a parte final do nº 1 do artigo 5º do EBF, reconhecimento este gerador de um acto administrativo conforme a primeira parte do nº 2 do artigo 5º do EBF e não de um benefício “automático” ou de “natureza automática”, acto administrativo este, em princípio só revogável nos termos do nº 4 do artigo 14º do EBF. Com efeito,

 

A declaração de Modelo 1 do IMT em que o contribuinte invoca o benefício, preenche os requisitos do requerimento a que se alude no nº 1 do artigo 65º do CPPT, correspondendo a acto administrativo silente o reconhecimento implícito do benefício fiscal quando a Administração Tributária, na sequência de um pedido de liquidação de IMT em que se invoca uma isenção, emite um DUC à taxa zero, que depois permite e outorga do instrumento de transmissão do bem imóvel.

 

Um acto administrativo para ser válido não carece de ser expresso, pode ser silente, como no caso se nos afigura que deve considerar-se.

 

A isenção de IMT a que nos reportamos não resulta, pois, directa e imediatamente da lei, posto que para funcionar está dependente, por força da lei (alínea d) do nº 8 do artigo 10º e nºs 1 e 3 do artigo 19º, 20º, 21º e 22º do CIMT), da apresentação do Modelo 1 do IMT em que o contribuinte a invocou e do facto da AT, apreciando implicitamente os requisitos do benefício fiscal, ter emitido o DUC a taxa zero (nº 1 do artigo 21º do CIMT).

 

Ou seja, nada impedia a AT de, caso não se verificassem os pressupostos da isenção, não emitir o DUC à taxa zero, não reconhecendo implicitamente o benefício fiscal impetrado, uma vez que lhe estão cometidas as funções de liquidação do IMT, verificando os pressupostos de factos interruptivos da tributação (no caso a isenção) que sejam invocados, face ao pedido constante do Modelo 1 do IMT, mesmo nos casos de isenção (nº 3 do artigo 19º do CIMT).

 

A AT nem invoca, na liquidação adicional de IMT, o nº 2 do artigo 31º do CIMT, única disposição que poderia justificar, após a emissão do DUC à taxa zero, que teria ocorrido “erro de facto e de direito” na liquidação, o que é contraditório com os factos aqui em causa:

  • Emissão do DUC à taxa zero (pressupondo uma liquidação com reconhecimento de isenção fiscal) face ao pedido do contribuinte;
  • Exigência dos juros compensatórios por algo para que o contribuinte apenas contribuiu com o pedido de concessão da isenção que lhe foi conferida.

 

As disposições legais aqui em causa

 

Por facilidade expositiva, transcrevem-se as principais disposições legais essenciais para, seguidamente, se apreciar o acto tributário à luz do vício invocado pelos Requerentes.

 

O artigo 270º do CIRE tem a seguinte redacção sob a epígrafe “Benefício relativo ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis”:

 

1. Estão isentas de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação:

a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;

b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;

c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.

2. Estão igualmente isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

 

O anterior Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (CPEREF) dispunha no artigo 121º, nº2, que foi substituído no novo CIRE pelo citado artigo 270º o seguinte:

 

2. Estão ainda isentas de imposto municipal da sisa as transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa, que decorram:

a) Da cedência a terceiros ou da alienação de participações representativas do capital da sociedade, previstas nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 88.º e no artigo 91.º, bem como nos nºs 1 e 2 do artigo 100.º;

b) Da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores, previstas nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 88.º e no artigo 93.º, bem como no n.º 1 do artigo 100.º;

c) Da autonomização jurídica de estabelecimentos comerciais ou industriais, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como dos arrendamentos a longo prazo, previstos, respectivamente, nas alíneas e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10º”.

 

Por seu turno o artigo 270º do CIRE foi aprovado pelo Governo ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, cujo nº 3 do artigo 9 tem a seguinte redacção:

 

«Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente:

a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;

b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;

c) As que decorram da cedência a terceiros ou da alienação de participações representativas do capital da sociedade, da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores, da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimentos ou elementos dos seus activos, bem como dos arrendamentos a longo prazo”.

 

O nº 2 do artigo 270º do CIRE deve ser interpretado conforme manda o artigo 11º, nº1, da Lei Geral Tributária (LGT): “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.

 

Sendo para o efeito de chamar à colação o artigo 10º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, segundo o qual: “As normas que estabeleçam benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva”.

 

São aplicáveis as normas e princípios interpretativos consagrados no artigo 9º do Código Civil:

 

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

 

A interpretação do nº 2 do artigo 270º do CIRE

 

A isenção invocada pelos Requerentes na declaração Modelo 1 do IMT foi a do nº 2 do artigo 270º do CIRE (código 60 dos benefícios fiscais conforme instruções de preenchimento então publicadas). Foi com base nesta invocação que o DUC de liquidação de IMT foi emitido à taxa zero. É apenas esta norma que aqui está em causa.

 

E isso consta textualmente do Modelo 1 do IMT (Quadro V Campo 48) sendo que o código 60 do benefício constava então nas instruções de preenchimento publicadas pela AT e consta também textualmente no facto tributário identificado no DUC da seguinte forma: “Benefícios: 60 – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – transmissões integradas no âmbito da liquidação da massa insolvente (artigo 270º nº 2 do DL 53/04) 100% sobre a matéria colectável € 338 671,13”.

 

A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a aquisição em causa estava isentas de IMT ao abrigo do disposto no artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, o que passa por indagar se a referida isenção opera apenas relativamente às vendas, permutas ou cessão de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, como defende a AT, ou também relativamente a vendas, permutas ou cessão de imóveis (enquanto elementos do seu activo), desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, como sustentam os Requerentes.

 

Como resulta da matéria de facto provada, dúvidas não restam de que a aquisição aqui em causa foi levada a efeito no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

Reproduzimos o que se referiu a este propósito na decisão colectiva CAAD Processo nº 664/2016-T a propósito de uma situação idêntica à deste processo:

 

No âmbito dos tribunais judiciais a questão não é nova e tem vindo a ser tratada reiterada e uniformemente no Supremo Tribunal Administrativo conforme cita o Acórdão do STA de 01/20/2016  no processo nº 01350/15 (vide as seguintes decisões: 1 - de 17 de Dezembro de 2014, proferido no processo n.º 1085/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Janeiro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32240.pdf), págs. 4249 a 4252, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bdbf686acbd6970380257dc6005569fb; 2 - de 11 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 968/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8641778b75f387b380257efc005b1e99; 3 - de 18 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 575/15, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dfc2214b865a8eb680257f07003bc47d;  4 - de 18 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 1076/15, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6584532b3466938c80257f07004e7be1).

 

Este Acórdão, segue fundamentalmente o decidido no acórdão do STA de 30 de Maio de 2012, processo n.º 0949/11, para ele remetendo e procedendo à respectiva transcrição nos seguintes termos:

 

“Discorda do decidido a Fazenda Pública, alegando que os pressupostos para o preenchimento dos requisitos que determinam a obtenção do benefício de isenção, não foram preenchidos pelo adquirente, uma vez que não adquiriu a empresa ou estabelecimento desta e que o disposto no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, mesmo por via de uma interpretação extensiva, não contempla a venda pura e simples de elementos do activo da empresa.

Não fornece, porém, a recorrente razão alguma que abale a nossa convicção de que a sentença recorrida bem julgou ao adoptar a interpretação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE que vem sendo de forma pacífica e reiterada adoptada por este STA desde o Acórdão mencionado na sentença recorrida – cfr. para além dos acórdãos já citados no parecer do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA supra transcrito, os recentes Acórdãos de 11 de Novembro de 2015, recurso n.º 0968/13 e de 18 de Novembro de 2015, recursos n.ºs 0575/15 e 1067/15 –, não sendo o facto de a AT ter do preceito uma interpretação desconforme à jurisprudência do STA – que terá, inclusive, feito constar de recente informação 1/2014 da DSIMT e prestado à Ordem dos Notários (conforme alegações de recurso a fls. 67, verso e 68 dos autos) -, razão para postergar o entendimento que vem sendo adoptado e que aqui se reafirma, porquanto constitui o que melhor adequa o texto legal ao sentido e extensão da autorização legislativa ao abrigo da qual a norma foi emanada pelo Governo em matéria reservada à Assembleia da República e porque essa interpretação é a que melhor serve a teleologia do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE - «fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador», dando incentivos fiscais a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente e que serão vendidos em fase de liquidação – não havendo, a essa luz, razão para distinguir as situações em que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu activo e o seu passivo, das situações em que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, ou em que se estejam a vender bens imóveis que integravam o seu activo (cfr. o Acórdão do STA de 18 de Novembro último, recurso n.º 01067/15).

Conclui-se, pois, que nada há a censurar à sentença recorrida que bem julgou, estando o recurso da Fazenda Pública votado ao insucesso».

 

O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE é uma norma de natureza tributária que consagra um benefício fiscal.

 

Conforme já referido, à interpretação das normas tributárias são aplicáveis as regras e princípios gerais de interpretação das leis, designadamente o artigo 9.º do Código Civil (n.º 1 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária).

 

Consequentemente, para fixar o sentido do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, o intérprete tem de procurar “reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”. Vejamos então.

 

Quanto ao elemento literal, é de atender a que, quando o Legislador, no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, se refere aos “actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta”, pretende que as expressões “venda”, “permuta” e “cessão” digam, todas elas, respeito à empresa ou estabelecimento? Quererá o Legislador isentar de IMT apenas (i) os actos de venda da empresa ou de estabelecimentos desta, (ii) os actos de permuta da empresa ou de estabelecimentos desta e (iii) os actos de cessão da empresa ou de estabelecimentos desta?

 

Ou, pelo contrário, a lei não estabelece qualquer relação entre as expressões “venda” e “permuta” e as expressões “empresa” e “estabelecimentos desta”? Quererá o Legislador que os actos de “venda” e de “permuta” a que alude o artigo 270.º, n.º 2 do CIRE se reportem às vendas e permutas de quaisquer imóveis e não apenas às vendas e permutas de empresas ou estabelecimentos?

 

Com efeito, se a “venda”, a “permuta” e a “cessão” se referissem, todas elas, à empresa ou a estabelecimentos desta, então o Legislador teria incorrido numa manifesta repetição, na medida em que, pelo menos, seria redundante utilizar na mesma frase as expressões “venda” e “cessão”.

 

A este respeito, recorde-se que, em sede de processo de insolvência, não podem ser praticados pela massa insolvente actos gratuitos por tal prejudicar os interesses patrimoniais dos credores).

 

Assim sendo, quando a lei fala em cessão da empresa ou do estabelecimento, está, por definição, a referir-se a uma transmissão onerosa de um direito (rectius, da titularidade da empresa ou do estabelecimento).

 

Acresce que, como é sabido, as regras da interpretação impõem que se encontre um sentido útil para as palavras do Legislador, presumindo-se, aliás, que o mesmo se soube exprimir adequadamente (artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil).

 

Pelo que se poderá retirar do texto da lei que a expressão “venda” tem determinado sentido útil, bem distinto da expressão “cessão”. Ambas as expressões aplicam-se a realidades distintas, deixando de existir qualquer redundância ou sobreposição.

 

 Elemento histórico — A origem da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE

 

O Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (doravante, “CPEREF”), diploma que antecedeu o CIRE, era norteado pelo princípio do primado da recuperação da empresa devedora, podendo ler-se no respectivo preâmbulo que “o presente diploma afirma, em termos categóricos, a prioridade do regime de recuperação sobre o processo de falência conducente à extinção definitiva da empresa devedora”. A falência só deveria ser decretada quando a empresa falida se mostrasse “economicamente inviável” ou não se considerasse possível “a sua recuperação financeira” (artigo 1.º, n.º 2, do CPEREF).

 

Pela Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, foi o Governo autorizado a legislar sobre a insolvência de pessoas singulares e colectivas, revogando o CPEREF. A nova lei deveria colocar a tónica na satisfação dos credores, fosse pela via da liquidação do património, fosse pela via de um plano de insolvência (artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 39/2003).

 

Em matéria de benefícios fiscais, o n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 39/2003 autorizava o Governo “a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: (…) as que decorram (…) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimentos ou elementos dos seus activos (…)”.

 

A Lei n.º 39/2003 — aparentemente mais generosa do que o CPEREF, precisamente por reputar a via de plano de insolvência e a via da liquidação da massa insolvente como alternativas válidas para assegurar a satisfação dos credores — não restringia a isenção de tributação às transmissões de imóveis que pudessem ter lugar num contexto de recuperação de empresa. Ao invés, essa isenção era estendida às transmissões que tivessem lugar num contexto de liquidação da empresa insolvente ou dos seus estabelecimentos, ou elementos dos seus activos.

 

Os benefícios fiscais previstos no CPEREF foram transpostos para o CIRE, com a importante diferença de que deixaram de se aplicar apenas no âmbito das providências de recuperação de empresas e passaram a aplicar-se também no âmbito da liquidação do activo, seguindo o disposto na lei de autorização legislativa - Lei n.º 39/2003.

 

Pelo que não se antevê qualquer fundamento para se defender que o benefício fiscal previsto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE apenas abrange a transmissão de imóveis em conjunto com a empresa ou com o estabelecimento de que fazem parte, quando o CPEREF admitia essa isenção à transmissão também de elementos do activo da empresa ou estabelecimento, e o novo regime pretende ser mais vantajoso nas possibilidades oferecidas para a recuperação de empresas insolventes. Elemento teleológico — a ratio da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.

 

O legislador reconhece que, no processo de insolvência, não é só a empresa insolvente que está em jogo. A solidez financeira e, no limite, a própria sobrevivência das empresas credoras também está em risco, porque a sua capacidade para acomodar os prejuízos decorrentes da insolvência do devedor está longe de ser ilimitada.

 

É a necessidade de minimizar a repercussão da insolvência do devedor sobre a situação patrimonial e financeira dos credores — evitando, no limite, situações de insolvência em cadeia — que leva o Legislador a eleger a satisfação dos credores como objectivo precípuo do processo de insolvência. Trata-se, no fundo, de proteger os agentes económicos saudáveis do contágio da doença, no interesse não só dos próprios agentes económicos como também da comunidade em geral.

 

Assim sendo, por estar — sempre — em causa a maximização da satisfação dos credores, o benefício fiscal previsto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE deve aplicar-se indiferentemente a todas as transmissões onerosas de imóveis, quer as mesmas tenham lugar em conjunto ou em separado da empresa ou do estabelecimento que os aludidos imóveis integram.

 

Além de que compete ao intérprete presumir que o Legislador é coerente nas soluções que adopta para problemas semelhantes e que as mesmas obedecem a um pensamento unitário (19).

 

Ora, para além da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, este diploma consagra ainda outros benefícios fiscais aplicáveis às transmissões onerosas de imóveis que tenham lugar no âmbito do processo de insolvência. É, designadamente, o caso da isenção de imposto do selo prevista nas alíneas d) e e) do artigo 269.º do CIRE e da isenção de IMT prevista no n.º 1 do artigo 270.º do mesmo diploma.

 

Sucede que tanto a isenção de imposto do selo como a isenção de IMT prevista no n.º 1 do artigo 270.º do CIRE abrangem (incontestadamente) quer a transmissão de imóveis efectuada em conjunto com a empresa ou o estabelecimento de que fazem parte, quer a transmissão isolada de imóveis, em separado da empresa ou estabelecimento que integram.

 

Sendo assim, a interpretação segundo a qual a isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE só abrange a transmissão de imóveis quando efectuada em conjunto com a empresa ou estabelecimento de que fazem parte também não resiste ao teste da coerência ou harmonia do ordenamento jurídico.

 

Por isso, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de se ter pretendido abranger no âmbito de isenção do nº 2 do artigo 270º do CIRE, quer a transmissão de imóveis efectuada em conjunto com a empresa ou o estabelecimento de que fazem parte, quer a transmissão isolada de imóveis, em separado da empresa ou estabelecimento que integram.

 

Esta solução, sustentada e acompanhada amplamente por jurisprudência do STA e também mais recentemente do CAAD é a que que acompanhamos, devendo ser igualmente acolhida nos presentes autos, por consubstanciar uma correcta interpretação do direito, …”.

 

Pelo que só pode proceder o pedido de pronúncia arbitral.

 

Mesmo que assim não fosse, a amissão do DUC à taxa zero pela AT, consagra o reconhecimento implícito da isenção e é salvo melhor opinião, constitutivo de direitos, logo sujeito à disciplina da parte final do nº 4 do artigo 14º do EBF e do nº 1 do artigo 141º do CPA (velho) e do acórdão do STA de 15.05.2013 (processo 0566/12, em www.dgsi.pt). E dado que foi conferido através de um procedimento previsto genericamente na alínea d) do nº 1 do artigo 54º da LGT (primeira parte) deveria ser afastado pelo procedimento tributário inverso (de extinção do benefício) e autónomo, previsto na segunda parte desta norma, uma vez que, não existe coetaneidade procedimental entre a data do acto de liquidação adicional de IMT (em 29.10.2015) e a data da aplicação da norma isentiva (em 17.10.2012) por altura da verificação do facto tributário (a aquisição do bem imóvel).

 

Por outro lado, nem a AT invocou, para a liquidação adicional “erro de facto ou de direito” (nº 2 do artigo 31º do CIMT).

 

PEDIDO DE JUROS

 

 

Provou-se o seguinte: “Os Requerentes pagaram o IMT liquidado, no montante de € 16.150,38, em 29/03/2016, incluindo juros – artigo 5.5 da resposta da AT, artigo 6º do pedido de pronúncia e documento nº 4 em anexo ao pedido de pronúncia”.

 

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

Como resulta do teor literal desta norma, o direito a juros indemnizatórios depende de «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

No caso, os Requerentes suportaram € 16.150,38, pelo que a anulação da liquidação, para além do dever de reembolso, pode acarretar o pagamento de juros indemnizatórios, caso tenha ocorrido erro imputável aos serviços da AT na liquidação.

 

O nº 2 do artigo 43º da LGT refere que se considera haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

Foi o caso, os contribuintes pagaram a dívida liquidada no âmbito de uma notificação que lhes foi feita pela AT (o que é equivalente a uma orientação genérica da AT), em dissonância com as suas posições.

 

Consequentemente, os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, contados nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT desde a data em que efectuaram o pagamento em causa, até efectivo reembolso.

 

V. DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos:

 

  • Julga-se procedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IMT constante do DUC…, com data de 29.03.2016, no valor de 16 150,38 euros, resultante do facto tributário que consiste na aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano, sito em…, Rua …, …, Lote/moradia…, … –… …-..., inscrito na matriz sob o artigo …, freguesia e concelho de ..., uma vez que não está em consonância com a norma contida no nº 2 do artigo 270º do CIRE na leitura acima propugnada.
  • Julga-se procedente o pedido de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento do IMT e juros até à data da restituição.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 16 150,380 euros.

 

 

 

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 224,00 € segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 21 de Novembro de 2016

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.