Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 296/2016-T
Data da decisão: 2017-02-02  IRS  
Valor do pedido: € 29.996,07
Tema: IRS - ilegitimidade processual; sociedades de profissionais; transparência fiscal; retenção na fonte; substituição tributária
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Decisão Arbitral

 

I – Relatório

 

1. No dia 30 de Maio de 2016, A…, Sociedade de Advogados, RL, com sede na Rua…, …, …, nº … …, Lisboa, pessoa colectiva nº…, veio, ao abrigo do disposto no artigo 10º do RJAT e dos artigos 132º e 99º e seguintes do CPPT e dos nºs 1 e 2 alínea d) do art. 95º da Lei Geral Tributária (LGT), requerer a constituição de tribunal arbitral para apreciação e declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa por erro na retenção na fonte apresentada contra actos de liquidação referentes a IRS dos anos de 2009 a 2011, pedindo o reembolso da importância de imposto pago em excesso, no montante de € 29.996,07, com acréscimo de juros indemnizatórios. Juntou, para além da procuração forense e comprovativo de pagamento de taxa inicial, 10 documentos.

2. No Pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro tendo sido por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

3. O tribunal arbitral ficou constituído em 5 de Agosto de 2016.

4. A Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) enviou, em 30 de Setembro de 2016, a sua Resposta assim como o processo administrativo (PA) arguindo excepção de ilegitimidade processual da Requerente, a que esta, notificada logo para exercer o contraditório, apenas respondeu em alegações.

5. Com assentimento tácito das Partes, foi dispensada a realização da reunião do art. 18º do RJAT, tendo sido marcado prazo para apresentação de alegações escritas sucessivas, e indicada a data de 5 de Fevereiro de 2017 para comunicação da decisão arbitral. As alegações vieram a ser apresentadas em 15 de Dezembro de 2016 e 11 de Janeiro de 2017, respectivamente. 

 

6. O Pedido de Pronúncia

No Pedido inicial, a Requerente sustenta, em síntese (da nossa responsabilidade):

-          Como sociedade constituída em 1 de Janeiro de 1997 para exercer actividade de prestação de serviços jurídicos, e sujeita ao regime de tributação de transparência fiscal em sede de IRC, imputou rendimentos aos seus sócios relativamente aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, de acordo com critérios definidos em assembleias gerais e efectuou as respectivas retenções na fonte.

-          Entregou as importâncias retidas nos cofres do Estado, nos termos do nº 1 do art.º 98º do CIRS, relativamente ao sócio B…, “residente” em 2009 e “não residente” em 2010 e 2011, com o que praticou um “erro consistente na retenção, entrega e apresentação de declaração de rendimentos pagos a residentes e não residentes”.

-          Nos anos de 2009, 2010 e 2011, foram submetidas, e pagas ao Estado, respectivamente, as guias nºs…, … e …, nos montantes de €8.000,00, €1.897,91 e €13.343,98, correspondentes a rendimentos de €39.591,65, €53.375,92 e € 27.016,72, também respectivamente.

-          O sócio B… apresentou nos anos de 2009 a 2010 as suas declarações de IRS e procedeu ao pagamento do imposto sem considerar a retenção que lhe havia sido efectuada, como residente e não residente, pela Requerente.

-          Assim, os valores mencionados incluídos em guias de retenção, no valor total de € 29.996,07, foram efectuados duplicadamente, porque tendo sido pagos atempadamente nos cofres do Estado não vieram a ser considerados nas declarações do sócio da Requerente - houve sujeição a dupla tributação por retenção na fonte e na liquidação de IRS.

-          Os factos descritos não foram tidos em consideração no indeferimento da reclamação graciosa apresentada, onde se considerou que “na modelo 30 (…) não consta qualquer referência a guias de pagamento e retenções na fonte efetuadas” e se decidiu que “a esfera patrimonial da reclamante não foi afectada: alegadamente reteve e entregou nos cofres do estado imposto que era devido nos termos legalmente previstos (…)”, não tendo em conta que o imposto pago não tinha subjacente qualquer obrigação tributária.

-          De acordo com o disposto nos artigos 132º, nºs 1 e 3, do CPPT e 98º, nº 4, do CIRS, o substituto pode, se não lhe for possível proceder ao desconto do imposto entregue a mais, impugnar, apresentando prévia reclamação no prazo de dois anos.

-          E o nº 4 do artigo 132º prevê que o mesmo regime se aplica ao substituído, “salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final”.

-          E de acordo com o artigo 204º, nº1, g), do CPPT, a oposição à execução pode ter como fundamento a duplicação de colecta, considerando-se que “haverá duplicação de colecta quando estando pago por inteiro o imposto relativamente” “ao mesmo facto e ao mesmo período de tempo” (art. 205º do CPPT). (sic)

-          Assim, para além de estarem reunidos os pressupostos para apresentação da reclamação graciosa sempre se verificaria no caso a duplicação de colecta prevista no nº 6 do artigo 78º da LGT, na medida em que ocorreu o pagamento em duplicado do imposto, por ter sido efectuada retenção na fonte ao sócio sem que este visse ser deduzida a importância na respectiva liquidação de IRS.

-          A Requerente procedeu à entrega a título de retenção na fonte dentro do prazo legal (art. 98º, nº 3 do CIRS) mas não existia obrigação legal de liquidar e pagar o imposto, porque as sociedades de advogados estão sujeitas obrigatoriamente ao regime de transparência fiscal, havendo lugar a imputação especial de rendimentos líquidos aos sócios nos termos do nº 1, 2 e 4 do artigo 20º do CIRS.

-          O sujeito passivo a que se reporta a retenção em crise, contribuinte nº …, B…, procedeu ao pagamento do imposto sem considerar os valores referentes à retenção na fonte, existindo imposto – por via da retenção efectuada – em excesso (e duplicado) no período de referência.

-          Ou seja, estando-se em presença de retenção na fonte declarada e paga pela Requerente e entrega de declaração do sócio sem considerar a retenção na fonte de rendimentos não sujeitos a retenção ou dela isentos, ocorre dupla tributação por retenção na fonte e liquidação de IRS submetida, pois a retenção havia sido reportada como efectuada a entidade não residente.

-          Tendo em conta a imputação da matéria colectável a título de transparência fiscal que constitui rendimento líquido de acordo com o artº. 20º do CIRS não haverá lugar a retenção na fonte de acordo com o art. 98º do CIRS.

-          Havendo lugar a restituição de imposto entregue em excesso e a juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43º da LGT e 61º do CPPT.

-          Face ao exposto, o tribunal deve ordenar a anulação do acto de liquidação controvertido, bem como da respectiva demonstração de liquidação de juros e de acerto de contas, bem como condenar a AT a pagar juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 24.º n.º 1, alínea b, e nº 5, do RJAT, 100º e 43º, nº 1, da LGT.

 

  7. A Resposta

  A Requerida responde, em síntese (da nossa responsabilidade):

  Por Excepção

-              A Requerente, sociedade de profissionais enquadrada no regime de transparência fiscal (art. 6º do CIRC), está obrigada anualmente a imputar aos sócios a matéria colectável determinada nos termos do CIRC, ainda que não tenha havido distribuição de lucros, de acordo com o estipulado no acto constitutivo da sociedade e os sócios devem, na qualidade de sujeitos passivos de IRS, declarar a parte do rendimento que lhes é imputável, preenchendo o anexo D da respectiva declaração modelo 3 de IRS.

-              Segundo o disposto nos artigos 71º e 101º do CIRS, a sociedade de profissionais está obrigada a efectuar retenção na fonte de IRS relativamente aos lucros e aos adiantamentos por conta de lucros, constituindo essas entregas deduções nos rendimentos pagos ou colocados à disposição do titular pelo substituto tributário (art. 34º da LGT) e, apesar de a prestação tributária ser exigida ao substituto tributário (art. 20º da LGT), este só pode impugnar a retenção na fonte em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido.

-              A Requerente não entregou imposto ao Estado em montante superior ao retido pois ela própria alega que o imposto entregue é no montante do imposto retido.

-              Do peticionado resulta que a Requerente terá deduzido aos rendimentos pagos a B…, com o NIF…, importâncias a título de retenção na fonte de imposto, com referência aos anos de 2009, 2010 e 2011, e o referido sócio terá omitido as referidas importâncias nas declarações de IRS modelo 3 entregues em seu nome para aqueles anos de imposto.

-              Independentemente da prova, é forçoso concluir que a questão em discussão nos autos não tem por objecto o erro na entrega de imposto superior ao retido, para efeitos do nº 1 do art. 132º do CPPT, mas o alegado erro na retenção na fonte efectuada sobre os rendimentos pagos, com enquadramento no nº 4 do art. 132º do CPPT, que dispõe, sob a epígrafe “impugnação em caso de retenção na fonte”, no nº 1, que o substituto tributário só pode impugnar a retenção na fonte “em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido” quando o imposto entregue a mais não possa já ser “descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano do pagamento indevido”.

-             O substituído tributário poderá impugnar a retenção na fonte que lhe tenha sido efectuada em montante superior ao legalmente devido, salvo quando “a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final”.

-              O substituto só é lesado, tendo por isso interesse na restituição do imposto, quando o erro consiste na entrega ao Estado de imposto que não reteve ao substituído nem era legalmente exigível que retivesse, o que não é o caso dos autos.

-             Quanto ao imposto efectivamente retido, o interesse em agir cabe ao substituído tributário, lesado com a dedução ao seu rendimento de imposto em montante superior ao legalmente devido, que poderá impugnar nos termos do nº 4 do mesmo normativo legal.

-             No caso dos autos, considerando o que vem alegado, embora não provado, não houve erro na entrega de imposto superior ao retido, susceptível de lesar a esfera jurídica do substituto tributário, mas antes a retenção na fonte de imposto omitido na declaração mod. 3 de IRS entregue a final, o que consubstancia um erro susceptível de lesar a esfera jurídica do substituído tributário, cabendo a este a legitimidade para impugnar a retenção que lhe tiver sido efectuada, conforme art. 132º do CPPT.

-             E o substituído tributário apenas tem legitimidade para impugnar a retenção efectuada nos casos em que a retenção na fonte tem carácter definitivo, quando tem a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final é a liquidação anual de IRS que deverá ser impugnada se a mesma, por erro da AT ou do contribuinte, não contemplar o imposto retido.

-              A situação jurídico- tributária em causa nos autos, referente a IRS, anos de 2009, 2010 e 2011, é a situação do sócio B…, titular daqueles rendimentos – o que a AT nem pode aqui discutir devido ao dever de sigilo fiscal - e não a situação da Requerente. 

-             De acordo com o disposto no art. 132º do CPPT, verifica-se excepção da ilegitimidade processual da Requerente, o que implica a absolvição da AT da instância.

 Por impugnação

-          Nas situações de erro na retenção sofrida, impugnável pelo substituído, apenas a retenção na fonte que tiver a natureza definitiva ou liberatória é susceptível de impugnação, pois quando a retenção tem a natureza de pagamento por conta devido a final o objecto da impugnação já não é a retenção sofrida mas o acto de liquidação do IRS devido a final.

-          Quando o nº 4 do art. 132º refere “salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final” está a deslocar o objecto da sua impugnação da retenção efectuada para o apuramento do imposto devido a final, depois de apurada a sua situação jurídico-tributária em sede, no caso dos autos, de IRS de 2009, 2010 e 2011.

-          Não se alcança a utilidade de chamar à colação a alínea g) do nº 1 do art. 204º e art. 205º do CPPT sobre duplicação de colecta, porque não se trata de uma oposição à execução em que a AT exige relativamente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo imposto que já foi pago por inteiro - no caso dos autos foi o próprio contribuinte, no caso o referido sócio, quem alegadamente omitiu nas declarações de IRS entregues aquelas importâncias de imposto.

-          Inexiste qualquer direito da Requerente a uma eventual restituição do imposto peticionado porque o montante invocado como entregue em excesso apenas seria susceptível de restituição ao contribuinte que suportou o imposto, ou seja, ao substituído tributário que sofreu a retenção,

-          Quanto à matéria de facto, os documentos apresentados não permitem o controlo da titularidade dos rendimentos obtidos e respectiva tributação em sede de IRS: as actas das assembleias gerais fixam critérios que não têm assento no título constitutivo nem em decisões da assembleia geral anteriores à obtenção do rendimento; as IES referem importâncias de rendimentos imputados ao sócio B… mas nem nestas nem nas declarações modelo 30 constam quaisquer importâncias retidas na fonte de imposto sobre esses rendimentos; não é possível perceber nos valores indicados nas guias de retenção na fonte, respeitantes a rendimentos auferidos por não residentes e residentes em território português, se reflectem parte ou a totalidade das alegadas retenções efectuadas ao sócio; as guias nº … e nº … referem remunerações de membros de órgãos estatutários de pessoas colectivas e quanto aos períodos, correspondem a 2010/04 (…), 2010/11 (…), 2011/11 (…) e 2012/11 (…), não existindo coerência entre estes períodos de imposto e as datas das actas referentes à distribuição de resultados; os recibos emitidos e juntos aos autos pela Requerente apenas referem levantamentos por conta de lucros de 2009 e 2011 e não são totalmente coerentes com as datas apostas nas guias de pagamento, não indicando o NIF do sujeito passivo a que respeitam nem o artigo legal ao abrigo do qual é efectuada a retenção de IRS.

-          Quanto ao rendimento declarado pelo sócio nas suas declarações de rendimentos modelo 3 de IRS daqueles anos, e respectivas liquidações, válidas e em vigor, veja-se que as declarações de IRS em nome do sócio, juntas como documento nº 9, não provam quais as últimas declarações entregues e respectivas liquidações em vigor, matéria que respeita ao sujeito passivo que não é parte nos autos, estando a AT, por conseguinte, impedida de exercer o seu contraditório relativamente aos mesmos sob pena de violação do sigilo fiscal.

-          Ainda que houvesse lugar a restituição de imposto, não haveria lugar a juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43º da LGT porque não é imputável à AT a alegada entrega de imposto em montante superior ao legalmente devido, verificando-se que a entrega de imposto retido e a entrega das declarações modelo 3 de IRS referentes aos anos de 2009 a 2011, são imputáveis aos sujeitos passivos

-          Nestes casos, apenas há direito a juros indemnizatórios pelo retardamento da decisão quanto à restituição pretendida a partir de um ano após o requerimento de reclamação graciosa (art. 43º, nº 3, c) da LGT).

 

8. Alegações

Nas alegações juntas, as Partes defenderam, em síntese (da nossa responsabilidade):

8.1. A Requerente

-          Por estar sujeita ao regime de tributação de transparência fiscal em sede de IRC (ART. 6º CIRC), e face aos critérios definidos em assembleias gerais quanto aos rendimentos apurados e matéria colectável imputada aos sócios em 2009, 2010 e 2011 - que são da categoria B apenas segundo uma ficção jurídica, na verdade são rendimento excluído de retenção de acordo com a parte final da al. h) do n.º 1 do artigo 6.º do CIRS - não assistia à Requerente a obrigação legal de liquidar o montante de imposto a título de retenção na fonte nos termos do disposto nos números 1, 2 e 4 do artigo 20.º e n.º 3 do artigo 98.º do Código do IRS, e de entregar essas quantias nos termos dos artigos 99.º a 101º, do mesmo Código, por referência ao período de 2009 a 2011.

-          O seu sócio, contribuinte nº…, B…, para efeitos fiscais “residente” em território português em 2009 e “não residente” em 2010 e 2011, não deduziu os valores referentes à retenções na fonte nas suas declarações, verificando-se assim pagamento duplicado (excesso), no período em referência.

-          A Requerente tem óbvio conhecimento destes factos pela ligação directa que aquele tem com a sociedade da qual foi sócio maioritário, pelo que tem plena legitimidade para solicitar a restituição do imposto objecto das retenções em causa.

-          A retenção derivou de erro quanto à interpretação do regime de transparência fiscal, culminando em retenção de IRS superior ao devido (em excesso) incidente sobre rendimentos imputados no âmbito daquele regime de transparência.

-          A duplicação de liquidações dos anos 2009, 2010 e 2011 não é afastada pelos erros apontados no preenchimento do Anexo G e do Mod. 30 e a Requerida deveria ter verificado eventuais contradições ou erros no preenchimento das declarações podendo requerer que os mesmos fossem justificados ou corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art.º 78 da LGT, em relação a todos os tributos, o que até à data não aconteceu. 

-          No pedido de pronúncia e na reclamação graciosa, a Requerente pretendeu obter, de acordo com o art.º 132.º do CPPT, a devolução do IRS indevidamente retido e não deduzido (via modelo 3) pelo beneficiário dos rendimentos, com fundamento no facto de não ser possível através do mecanismo da compensação do imposto entregue a mais nas entregas seguintes da mesma natureza.

-          É inegável a existência de dupla tributação económica respeitante aos mesmos exercícios, incidindo sobre o mesmo período, os mesmos rendimentos e sobre os mesmos valores, (i) por retenção na fonte e na (ii) liquidação de IRS submetida e não deduzida pelo sócio.

-          A Requerente sofreu um efectivo prejuízo patrimonial, por conta do benefício efectivo do Estado pois tal quantia sempre poderia ser afecta à vida da sociedade e não em benefício ilegítimo do Estado (que inclusivamente procedeu a uma liquidação oficiosa) como a Requerida parece não querer reconhecer pedindo agora a restituição da importância de € 29.996,07 e de juros de acordo com os artigos 43 da LGT e do artigo 61.º do C.P.P.T

 

8.2. A Requerida

-          Não tendo a Requerente entregue imposto em montante superior ao retido, não é aplicável ao caso o nº 1 do art. 132º do CPPT, porque não se verifica lesão do substituto tributário por erro na entrega ao Estado de imposto que não reteve ao substituído nem era legalmente exigível que retivesse.

-          E no caso de aplicação do nº 4 do mesmo artigo, apenas o substituído tributário, B…, teria legitimidade para a acção na qualidade de sujeito passivo que sofreu a retenção sobre os seus rendimentos do imposto entregue ao Estado, impugnando as liquidações de IRS de 2009, 2010 e 2011.

-          Nesse caso, poderia invocar a retenção na fonte efectuada em montante superior ao legalmente devido mas não quando “a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final”, ou seja, quando a retenção efectuada apresenta caracter definitivo.

-          Resulta dos autos que a retenção na fonte de imposto foi omitida na declaração mod. 3 de IRS entregue a final pelo sócio mas a Requerente não tem legitimidade para discutir a situação jurídico-tributária de um terceiro, nem a AT pode discutir a questão de mérito que vem colocada sob pena de violar o seu dever de sigilo fiscal quanto à situação jurídico-tributária de um terceiro que não é parte nos autos.

-          Assim como a Requerente não tem legitimidade processual para pedir em momento posterior, e a título subsidiário (ponto 33 das alegações), a apreciação das liquidações de IRS de 2009, 2010 e 2011 em nome de B… . 

-          Os documentos apresentados (actas nº 15, nº 16 e a acta avulsa de dissolução e liquidação, posteriores aos exercícios em causa) não fornecem critérios prévios que permitam controlar a titularidade dos rendimentos obtidos e respectiva tributação em sede de IRS, face ao disposto no nº 3 do art. 6º do CIRC.

-          Nem as declarações entregues pela Requerente, anuais de informação empresarial simplificada (IES), anexo G (referindo rendimentos imputados ao sócio em causa), nem as declarações modelo 30 (referindo rendimentos pagos ou colocados à disposição de sujeitos passivos não residentes) referem qualquer retenção na fonte de imposto que tenha sido efectuada sobre os seus rendimentos.

-          Quanto às guias de retenção na fonte - as guias nº … e nº…, respeitantes a rendimentos auferidos por não residentes, e as guias nº … e nº…, respeitantes a rendimentos auferidos por residentes em território português – verifica-se a impossibilidade de confirmar se, parte ou a totalidade das alegadas retenções efectuadas ao sócio, estão reflectidas nos valores indicados.

-          A natureza do rendimento indicado nas guias nº … e nº…, rubrica 208 - remunerações de membros de órgãos estatutários de pessoas colectivas - não corresponde à natureza do rendimento em causa nos autos.

-          Quanto aos períodos indicados nas guias sob análise, correspondem a 2010/04 (…), 2010/11 (…), 2011/11 (…) e 2012/11 (…), não existindo coerência entre estes períodos de imposto e as datas das actas referentes à distribuição de resultados.  

-          E os recibos emitidos e juntos aos autos pela Requerente apenas referem levantamentos por conta de lucros de 2009 e 2011 e não são totalmente coerentes com as datas apostas nas guias de pagamento, além de não indicarem o NIF do sujeito passivo a que respeitam nem o artigo legal ao abrigo do qual é efectuada a retenção de IRS.

-          Quanto ao rendimento declarado pelo sócio, não existe prova de que as declarações de rendimentos modelo 3 de IRS (documento nº 9) sejam as últimas declarações entregues e que as liquidações sejam as que estão em vigor.

-          A pretensão da Requerente deve ser julgada totalmente improcedente, por falta de prova do alegado, com a consequente absolvição da AT do pedido e, ainda que este fosse considerado procedente, apenas poderia haver lugar a juros indemnizatórios pelo retardamento da decisão, a partir de um ano após o requerimento de reclamação graciosa em apreço quanto à restituição pretendida (alínea c) do nº 3 do art. 43º da LGT). 

 

9. Objecto do pedido – questões a decidir

O Pedido da Requerente, sociedade de advogados, tem por objecto o reembolso de importâncias retidas na fonte nos exercícios de 2009 a 2011 invocando que o sócio que sofreu a retenção daqueles montantes não os deduziu nas respectivas declarações de IRS. A decisão requerida implica a análise dos factos apurados e a interpretação das normas respeitantes ao funcionamento das sociedades em regime de transparência fiscal, designadamente os artigos 6º do CIRC e 20º do CIRS.

 

É invocada a aplicabilidade do conceito de duplicação de colecta (artigos 204º do CPPT e 78º da LGT). No caso de procedência do pedido haverá que decidir ainda sobre a existência de direito a juros indemnizatórios. 

 

Como questão prévia, é suscitada pela Requerida a excepção da falta de legitimidade da Requerente face ao disposto no art. 132º do CPPT. A apreciação desta questão encontra-se porém, neste caso, intimamente ligada à análise do objecto do pedido, pelo que a decisão será, na prática, conjunta. 

 

10. Saneamento

Quanto à questão da competência, o tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária encontrando-se verificada a condição prevista no artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, para apreciação da pretensão da Requerente referente a ilegalidade de actos de retenção na fonte.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.

A questão, suscitada pela Requerida, da legitimidade processual da Requerente será analisada depois da fixação dos factos.

O processo não padece de qualquer nulidade.

Decidindo,

 

II Fundamentação

 

11. Factos provados

11.1. A Requerente, sociedade de advogados com a designação “A…, Sociedade de Advogados, RL”, com NIF…, procedeu, relativamente aos exercícios de 2009 a 2011, a imputação de rendimentos aos seus sócios, de acordo com critérios definidos em Actas de assembleia geral (artigo 2º do Pedido e Docs. nºs 5, 6 e 7 juntos com o Pedido).

11.2. De acordo com as referidas actas, os sócios, B… e C…, representantes da totalidade do capital social da Requerente, tomaram as seguintes deliberações relativamente ao apuramento de rendimentos e imputação de resultados:

11.2.1. Em 3 de Março de 2010, foi aprovado o resultado líquido do exercício de 2009, no montante de € 64.341,31 e lucro tributável de € 65.275,48, e decidida a distribuição e imputação aos sócios na proporção de 60,659% e 39,35%, tendo em conta o empenhamento e volume da facturação de contribuição de cada um dos sócios, o que deu € 39.591,65 para o sócio B… e € 25.683,83 para a sócia C…;

11.2.2. Em 31 de Março de 2011, foi aprovado o resultado líquido do exercício de 2010, no montante de € 87.717,71 e lucro tributável de € 88.959,87, e decidida a distribuição e imputação aos sócios na proporção de 60% e 40%, tendo em conta o empenhamento e volume da facturação de contribuição de cada um dos sócios, o que deu € 53.375,90 para o sócio B… e € 35.583,95 para a sócia C…;

11.2.3. Em 25 de Julho de 2011, os sócios deliberaram dissolver a sociedade com efeitos imediatos, a partir do dia 31 desse mês de Julho, procedendo-se a balanço especial para o feito pelo TOC e liquidação do património social e divisão pelos sócios após aprovação das contas de liquidação. 

11.3. Nos exercícios em causa, a Requerente declarou nos anexos G (quadro 034) de IRC, como montantes apurados de matéria colectável da entidade com o NIF … e rendimentos imputados aos sócios: 

- Anexo referente a 2009, entregue em 15/07/2010 - matéria colectável de € 65.275,48, com imputação ao NIF … de € 39.591,65 e ao NIF … de € 25.683,83;

- Anexo referente a 2010, entregue em 19/07/2011 – matéria colectável de € 88.959,87 e imputação ao NIF … de € 53.375,90 e ao NIF … de € 35.583,95;

- Anexo referente a 2011 - matéria colectável de € 45.027,86, com imputação ao NIF…, de € 27.016,72 e ao NIF … de € 18.011,14.

11.4. A Requerente junta aos autos documentos comprovativos de pagamentos de retenções na fonte com os nºs…, …, … e …[1], referentes respectivamente a períodos de Abril de 2010, Novembro de 2010, Novembro de 2011 e Novembro de 2012, nos montantes, também respectivamente, de € 9.723,10 (€40,00 de rendimentos de trabalho dependente e € 9.683,10 de rendimentos IRS empresariais e profissionais), €2.073,25 (€80/ rendimentos de trabalho dependente €1993,25/rendimentos IRS empresariais e profissionais); €13.343,98 (retenção referente a remunerações de membros de órgãos estatutários de pessoas colectivas - paga a não residente) e €6.754,18 (referente a remunerações de membros de órgãos estatutários de pessoas colectivas) (Documento nº 8 junto com o Pedido).

11.5. A Requerente junta documentos referidos como recibos de pagamentos ao sócio Dr. B…, identificado com nº fiscal de contribuinte e contendo os seguintes dados: (tudo incluído no documento nº 8 junto com o Pedido).

11.5.1. Com data de 16 de Abril de 2010, no montante de € 32.000,00, descrito como levantamento de lucro da sociedade obtido em 2009 (montante líquido de €24.000,00, com retenção de IRS à taxa de 25%, de €8.000,00);

11.5.2. Com data de 16 de Dezembro de 2010, no montante de € 7.591,65, descrito como levantamento de lucro da sociedade obtido em 2009 (montante líquido de €5.693,74,00, com retenção de IRS, à taxa 25%, de €1.879,91;

11.5.3. Com data de 15 de Novembro de 2012, no montante de €27.016,72, descrito como levantamento de lucro da sociedade obtido em 2011 (montante líquido de €20.262,54, com retenção de IRS, à taxa 25%, de €6.754,18).

11.6. A Requerente juntou aos autos cópia de declarações modelo 3 de IRS relativas aos exercícios de 2010 e 2011, entregues em 4 de Dezembro de 2013, como 1ª declaração do ano, por B…, com o NIF…, e indicação de “não residente”- a declaração referente a 2010 contém menção ao pagamento de rendimento de trabalho dependente de € 27.720,00 pagos por entidade com NIF…, com retenção na fonte de € 6.930,00, e de rendimentos no montante de € 53.375,92 obtidos em regime de transparência fiscal, pagos por entidade com NIF; a declaração referente a 2011 contém menção ao pagamento do montante de € 7.920,00 a título de rendimento de trabalho dependente com retenção na fonte de €1.980,00, pago pela entidade com NIF…, e de rendimentos obtidos em regime de transparência fiscal, nos montantes de €27.016,72 e €22.509,74, pagos, respectivamente, por entidades com os NIF e … Documento nº 9 junto com o Pedido e fls. 21 e 22 do PA).

11.7. A Requerente junta demonstrações de liquidações de IRS referentes ao contribuinte com NIF…, relativas aos exercícios de 2009, 2010 e 2011. São, respectivamente, as liquidações nºs 2013…, 2013… e 2013…, referentes a rendimentos globais de €79.183,30, €81.095,92 e €57.448,46, e com valores a pagar de €20.329,07, €14.682,03 e €13.130,62.

11.8. No sistema da Administração Tributária constam os seguintes dados referentes a retenções efectuadas pela Requerente (NIF…) a residente no estrangeiro: € 2.073,25 através de guia (€ 80,00 de trabalho dependente e € 1.993,25 de rendimentos empresarias e profissionais); € 13.343,98 através de guia , respeitante a remunerações de membros de órgãos estatutários de pessoas colectivas; € 6.754,18 através de guia nº, respeitante a remunerações de membros de órgãos estatutários de pessoas colectivas (PA, fls. 9, 10, 11).

11.9. Do sistema da AT constam dados de modelos 30, referindo rendimentos pagos a não residentes – nº…, em 12-11-2011, € 5627,43 de trabalho dependente pago a NIF … residente em Espanha com NIF … guia de pagamento nº…, entidade emitente NIF … (PA, fls. 23); nº…, em 15-07-2010, rendimento € 39.591,65, pago ao residente em Espanha NIF…; declaração…, em 19-7-2011, rendimento de € 53.375,92 pago ao residente em Espanha, NIF…; declaração…, em 18-07-2012, rendimento de € 25.016,72, pago ao residente em Espanha, NIF … (PA, fls. 35 a 37).

11.10. Em 4 de Junho de 2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa (nº …2015…) invocando “erro na entrega de imposto superior ao retido”, através das guias nºs…, …, … e…, nos anos de 2009, 2010 e 2011, por já não ser possível efectuar correcção do imposto pago a mais nas entregas seguintes do ano. Pedia que, a não ser possível, deveria ser convolada em pedido de revisão oficiosa porque não tendo o sócio deduzido as importâncias retidas na fonte teria havido pagamento de imposto em duplicado. (PA, fls. 24).

11.11. Em informação de 2 de Dezembro de 2015 foi proposto o indeferimento da reclamação graciosa, concluindo-se que “a reclamante não tem legitimidade da Requerente para peticionar a sua restituição (das importâncias objecto de retenção na fonte), com fundamento em que não foram reportadas pelo titular dos respectivos rendimentos e por isso não foram consideradas em sede de liquidação nos anos de 2009, 2010 e 2011”, porque “a esfera patrimonial da reclamante não foi afectada: alegadamente reteve e entregou nos cofres do Estado o imposto que era devido, nos termos legalmente previstos”, o que mereceu concordância superior sendo o projecto de decisão objecto de notificação à Requerente para audição prévia por ofícios da Direcção de Finanças de Lisboa, nº … de 7 de Dezembro de 2015 e nº…, 30 de Dezembro (2ª notificação) (PA, fls. 40 a 51).

11.12. A Requerente não respondeu em sede de audiência prévia, sendo emitido despacho definitivo de indeferimento em 19 de Fevereiro de 2016, notificado por ofício nº… da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 22-02-2016 e recebido em 1 de Março de 2016.

11.13. Em 30 de Maio de 2016 foi apresentado o presente Pedido de apreciação arbitral.

 

12. Factos não provados

Não ficou provado o montante exacto das retenções na fonte efectuadas pela Requerente ao seu sócio B… relativamente aos rendimentos auferidos nos anos de 2009, 2010 e 2011.

 

13. Fundamentação dos factos provados e não provados

A fixação da factualidade fez-se com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como na documentação junta aos autos, incluindo o processo administrativo junto pela Requerida, documentação que se dá aqui como reproduzida.

 

14. Aplicação do direito

14. 1. O enquadramento jurídico dos factos fixados

Antes da identificação das normas jurídicas relevantes para a decisão do caso, importa tirar algumas conclusões sobre a factualidade fixada.

A Sociedade de advogados requerente nos autos era composta por apenas dois sócios, tendo estes, relativamente aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, deliberado em assembleia geral acerca dos resultados líquidos de exercício e fixado os critérios de rendimentos aos sócios, tendo em conta o empenhamento e volume da facturação de contribuição de cada um.

A Requerente juntou aos autos, por um lado, referência a documentos de pagamentos feitos ao Estado de importâncias retidas na fonte ao longo dos anos de 2010 a 2012, por pagamentos identificados como trabalho dependente, rendimentos empresariais e profissionais e remunerações de membros de órgãos estatutários (relativos aos períodos de Abril 2010, Novembro de 2010 e Novembro de 2011, para pagamento respectivamente até 20-5-2010, 20/12/2010 e 20/12/2011) e, por outro lado, cópia de três documentos designados como “recibo” (datados de 16/04/2010, 16/12/2010 e 15/11/2012) referentes a pagamentos efectuados pela Requerente ao sócio B… (neles identificado pelo NIF…) onde se menciona dedução de importâncias retidas na fonte a título de IRS, identificando as importâncias pagas como “levantamento por conta do lucro da sociedade”. Terá pretendido comprovar a relação entre as guias de pagamento e os recibos referentes aos pagamentos ao sócio B… modo a demonstrar que tendo sido feitas, pela Requerente, deduções aos rendimentos pagos ao sócio este não veio a deduzi-los nas declarações de IRS dos anos de 2009, 2010 e 2011, como seria comprovado pela junção de cópia de declarações e de liquidações.

Contudo, da conjugação dos vários elementos em presença, resulta a dificuldade de conciliação dos documentos de pagamento com os recibos por não coincidência de importâncias e por falta de clareza e precisão dos respectivos conteúdos. Além da desconformidade na qualificação dos rendimentos.

Ou seja, não existe prova sobre a causa e quantidade dos descontos efectivamente efectuados ao sócio B… relativamente aos rendimentos que lhe foram pagos pela Requerente nos anos de 2009, 2010 e 2011, em causa nos autos.

 

Mas, independentemente deste aspecto – essencial para a análise pretendida pela Requerente - vejamos as questões de direito que se colocam. Constituindo a legitimidade uma questão logicamente prévia, está contudo, neste caso, dependente da própria análise do regime das sociedades transparentes.

 

14.2. O regime de transparência fiscal e as sociedades de profissionais

A coexistência de tributação das sociedades e das pessoas singulares inclui medidas de atenuação da dupla tributação económica. Há tipos de sociedades em que o elemento pessoal é tão dominante que pode justificar a tributação exclusivamente dos rendimentos obtidos pelos sócios através da utilização da forma societária.

 

No sistema fiscal português esta situação foi consagrada no artigo 6º (art.º 5º na redacção original) do Código do IRC sob epígrafe “transparência fiscal”, cujo nº1 dispõe: “É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direcção efectiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros: a) Sociedades civis não constituídas sob forma comercial; b) Sociedades de profissionais; c) Sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, directa ou indirectamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa colectiva de direito público.” [2](redacção vigente à data dos factos).

 

As sociedades de profissionais constituem o aspecto mais importante do regime de transparência fiscal. Segundo a alínea a) do nº 4 do artigo 6º do CIRC, na redacção vigente ao tempo da situação dos autos, sociedade de profissionais, “é a sociedade constituída para o exercício de uma actividade profissional especificamente prevista na lista de actividades a que alude o artigo 151º do Código do IRS, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa actividade”.[3]

Segundo esta definição o que releva é a actividade prosseguida e não a forma societária, podendo revestir qualquer forma jurídica, com ressalva de exigências resultantes de legislação atinente a certas actividades profissionais (como, p. ex. o caso da actividade de advogados).

 

14.3. Regras de tributação das sociedades profissionais

O regime de transparência fiscal pode ser considerado como uma forma de tributar os rendimentos que se formam dentro de uma sociedade, evitando que esta se torne sujeito passivo do IRC no que diz respeito à dívida fiscal embora o seja quanto a deveres de cooperação[4].

 

Assim, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 6º do CIRC a matéria colectável, determinada nos termos do mesmo Código “é imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC”, sendo tal imputação feita aos sócios nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades em causa ou, na falta de elementos, em partes iguais.

 

Quanto a este aspecto, nota Rui Duarte Morais que resulta da lei que os lucros são imputáveis de acordo com o que estiver consagrado no contrato de sociedade, ou, na falta de elementos (por exemplo contrato verbal, como no caso de sociedades civis não constituídas sob forma comercial), em partes iguais. [5]

 

A imputação dos rendimentos aos sócios é feita na categoria B (art. 20º, nº 2 do CIRS)[6] como rendimentos líquidos porque os custos foram considerados no apuramento do lucro tributável da sociedade, pelas regras do IRC.

 

Quanto ao pagamento do imposto, recaindo a obrigação sobre os sócios, haverá que distinguir vários aspectos. Por um lado, não há lugar a pagamentos por conta – tal como a sociedade não está sujeita a imposto não procede a “antecipação” de pagamento por crédito de uma dívida inexistente. Pagamentos por conta pagarão os sócios enquanto titulares de rendimentos da categoria B em resultado da imputação da respectiva parte de lucros da sociedade. O pagamento final será dos sócios em resultado do englobamento do rendimento auferido na matéria colectável do respectivo IRS[7].

 

E quanto a rendimentos pagos ou disponibilizados aos sócios?

Rui Duarte Morais distingue: «Aqui seguir-se-ão as regras gerais, ou seja, haverá lugar ou não a retenção na fonte consoante a natureza do rendimento em questão (p. ex. estarão sujeitos a retenção na fonte, tal como previsto para a categoria A, os rendimentos pagos pela sociedade aos sócios a título de salários). Porém, no que toca a distribuição de lucros (incluindo distribuições antecipadas, como seja o pagamento mensal de uma determinada quantia por conta dos lucros a que, presumivelmente, esse sócio terá direito no fim do exercício) não há lugar a qualquer retenção na fonte. O que se compreende, pois neste regime tudo se passa como se os titulares de tais lucros fossem originalmente os sócios, pelo que, para efeitos fiscais, não há uma qualquer “distribuição”» [8] (sublinhados nossos)

 

14.4. Qualificação da situação dos autos

Voltando à situação dos autos – uma sociedade de advogados com dois sócios que pretende reembolso de imposto com fundamento em erro na realização de retenções na fonte a um dos sócios e duplicação de colecta, verifica-se que, a Requerente não defendeu (pelo menos claramente)[9], nem na apresentação da reclamação graciosa ao abrigo do artigo 132º do CPPT, nem no Pedido de constituição de tribunal arbitral, que não pagou rendimentos sujeitos a retenção, explicando a razão por que não teria tido que reter imposto e em que consistiu a retenção em excesso.

O que conclui sempre, sim, é que houve excesso de pagamento de imposto porque o sócio não deduziu as importâncias já pagas através de retenção na fonte (art. 21º da reclamação e 25º do Pedido).

 

Em fase de alegações a Requerente parece alterar um pouco a argumentação realçando, quanto ao interesse que tem na acção, que estão em causa rendimentos não sujeitos a retenção na fonte por se tratar de rendimentos imputados aos sócios de acordo com deliberações em assembleia geral. Ou seja, como defendido no ponto 9 das alegações, uma vez que a parte final da al. h) do n.º 1 do artigo 6.º do CIRS expressamente exclui da categoria de rendimentos de capitais, os lucros e os adiantamentos por conta de lucros colocados à disposição dos sócios por entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal e que por força do artigo 19.º do CIRS o que constitui rendimento (categoria B) do sócio é o resultado da imputação efetuada nos termos do artigo 5.º do CIRC, as retiradas dos sócios por conta de lucros não estão sujeitas a retenção na fonte. (artigo 6.º n.º 1 al. h) e artigo 19.º do CIRS)”.  

 

Mas, sem dúvida, a sua argumentação para obter o reembolso da importância paga continua a ser a de que o sujeito passivo a que se reporta a retenção em crise, sócio B…, procedeu à submissão das suas declarações de IRS e ao pagamento dos impostos sem deduzir os valores referentes à retenções na fonte em que incorreu respeitante ao período de 2009, 2010 e 2011, por se tratar se sujeito passivo a quem é aplicável o regime de transparência fiscal, e por isso ocorre duplicação de colecta, devendo ter lugar a restituição à Requerente.

 

Ora vejamos: a sociedade de advogados Requerente, que afirma ter cessado actividade em 2011, pretende ser reembolsada de pagamento de importâncias entregues nos cofres do Estado a título de retenção na fonte, defendendo que se trata de importâncias retidas aquando de pagamentos efectuados a um sócio, nos exercícios de 2009, 2010 e 2011, em resultado da imputação de lucro da actividade da referida sociedade, de acordo com resoluções tomadas em assembleia geral de sócios quanto aos respectivos exercícios.

 

No ponto anterior, vimos que nos pagamentos efectuados pelas sociedades profissionais aos sócios haverá ou não lugar a retenção na fonte consoante a natureza do rendimento em questão – não há lugar a qualquer retenção na fonte no que toca a distribuição de lucros, incluindo pagamento de quantias por conta dos lucros, mas estão sujeitos a retenção na fonte, tal como previsto para a categoria A, os rendimentos pagos pela sociedade aos sócios a título de salários (e, acrescentaremos a título de remuneração de cargos sociais).

 

Vimos também no ponto acima, que os lucros são imputáveis de acordo com o que estiver consagrado no contrato de sociedade, ou, na falta de elementos, em partes iguais. Ainda que se possa admitir diferentes posições quanto ao valor a atribuir a decisões de distribuição tomadas em assembleia geral, sempre haveria que fazer adequada prova de que a participação nos lucros superior àquela a que estatutariamente teria direito não reveste, nos casos concretos, natureza diferente da de lucro, como remuneração de gerência, gratificação por trabalho extraordinário, ou outra.

 

Ora, dos autos não resulta qual a participação estipulada em contrato social quanto á imputação dos lucros da sociedade. Assim como não se encontra adequadamente comprovada a relação entre os pagamentos efectuados cujo reembolso é pretendido e as retenções feitas nos pagamentos ao sócio cujas declarações apresentadas, com datas de 2013, não incluíram deduções na fonte.

 

E, para além de tudo isso, ainda se perguntará – mesmo que se tratasse de imputação de lucros, e que a Requerente não estivesse obrigada a reter na fonte as importâncias em causa, poderia pedir o seu reembolso?

É aqui que a questão substantiva – incidência de imposto – IRC e IRC – no caso de sociedades em regime de transparência fiscal, e a questão processual, existência de excepção por ilegitimidade, se imbricam.

 

Vejamos.

 

14.5. A impugnação em caso de retenção na fonte

Retenção na fonte ocorre quando são efectuadas entregas pecuniárias por dedução nos rendimentos pagos ou postos à disposição do titular pelo substituto tributário (artigo 34º da LGT).

 

Relativamente ao substituto, só existe direito de impugnação nos casos em que fez entrega de imposto em qualidade superior ao que reteve, como resulta dos próprios termos do nº 1 do artigo 132º do CPPT [10] . «Trata-se de uma regra especial sobre legitimidade que, por o ser, limita o reconhecimento genérico de legitimidade dos substitutos feito nos nºs 1 e 4 do art. 9º do CPPT. Na verdade a referência à possibilidade de impugnação nestes casos de imposto superior a retido tem como única utilidade a exclusão da possibilidade de impugnação pelo substituto nos outros casos. Se o substituto entregou aquilo que reteve ou menos do que reteve, ele não é afectado na sua esfera jurídica e, por isso, na perspectiva legislativa, não se justifica que se lhe reconheça o direito de impugnar. Se, eventualmente, a retenção foi excessiva, tendo sido retido mais do que era devido, ou se não devia sequer ter havido retenção, o lesado é o substituído, que ficou privado de receber as quantias retidas, e não o substituto. Por isso, mesmo que tenha sido retido a mais do que o devido, desde que o substituto não tenha feito entrega ao Estado de mais do que aquilo que reteve, não terá direito de impugnação.”[11] (sublinhado nosso).

 

De realçar que mesmo em relação aos casos em que o substituto entregou ao Estado mais do que aquilo que reteve o nº 2 do artigo 132º impõe que, se houver lugar a entregas em relação ao mesmo sujeito passivo e relativamente ao mesmo imposto, a entidade que fez entregas em montante superior deve descontar o imposto entregue a mais nas retenções subsequentes. E só no caso de não haver lugar a novas retenções na fonte, se admite que o substituto impugne judicialmente os actos, embora precedida de reclamação prévia (a não ser que se trate apenas de matéria de direito e a retenção tenha sido feita de acordo com orientações genéricas da AT), nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano (nºs 3 e 6 do artigo 132º e nº 3 do artigo 131º)[12].

 

Nos casos de substituição, qual então a intervenção do substituído? Segundo o nº 4 do artigo 132º do CPPT, o disposto no número anterior (ou seja, apresentação de reclamação graciosa prévia) aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efectuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.

 

Significa isto que no caso de não ser possível a correcção pelo substituto ou no caso de retenção excessiva sem entrega superior ao retido, se segue o mesmo tipo de procedimento (reclamação prévia para a administração de pronunciar), mas por parte do substituído.

 

A lei não prevê nada para o caso de a retenção ser feita por conta do pagamento a final, mas haverá lugar a englobamento de rendimentos a tributar com inclusão dos rendimentos pagos e das deduções já feitas através das entregas, havendo naturalmente lugar à impugnação do acto tributário respectivo[13]

 

14.6. O caso sub judice

Ora voltando ao caso dos autos, e tendo presente quer os factos provados quer o enquadramento acima tentado, verifica-se que a sociedade Requerente efectuou retenções entre 2009 e 2011 e que apenas com base nas declarações de IRS de um dos seus sócios relativas a esses períodos, datadas de 2013, vem alegar que as retenções efectuadas e respectivos pagamentos foram efectuados erroneamente.

 

Mas não invoca qualquer erro de entrega de montante superior a quantia retida. Antes diz que as quantias retidas foram entregues (os documentos apresentam montantes até superiores às que diz ter retido ao sócio em questão), defendendo (de forma confusa), anos depois das retenções, que não tinha obrigação de reter imposto aquando dos pagamentos feitos ao sócio, por se tratar de imputação de lucros. Nem sequer, como alega a Requerida, foi cometido um erro na retenção dos previstos no artigo 132º do CPPT. E mesmo que fosse, cada entrega deveria ter sido corrigida na entrega posterior. Neste caso, verifica-se que todas as retenções foram reclamadas apenas em 2014, mais de dois anos depois da maioria das retenções em causa...

 

Ora tratando-se de situação em que se pretende que o sócio B… não deveria ter sofrido retenções, então cabia a este ter reagido contra a situação. Como vimos acima, cabe ao substituído reagir no caso de retenções erradas não passíveis de correcção ou que assentaram em erro sobre os pressupostos. Se se defende que os rendimentos imputados aos sócios constituíram retiradas por conta de lucros e, por isso, não estavam sujeitos a retenção na fonte (artigo 6.º n.º 1 al. h) e artigo 19.º do CIRS)”, cabia ao sócio reagir invocando, eventualmente, o artigo 133º do CPPT, como referido acima[14].

 

Não merece também acolhimento a pretensão da Requerente, no final das suas alegações, de que, no caso de ser considerada parte ilegítima, “seja corrigida em sede de liquidação de IRS do sujeito passivo B…, contribuinte nº … relativo ao período de 2009, 2010 e 2011 sob pena de duplicação de coleta conforme pedido na reclamação graciosa”. Não se compreende qual a legitimidade da Requerente para agir em nome do sócio B… .

 

E, quanto ao argumento de duplicação de colecta, para além da referência ao artigo 204º ser descabida num caso em que não está em causa uma execução fiscal, sempre seria difícil identificar uma duplicação de colecta relativamente a uma retenção na fonte de IRS, que constitui importância paga por conta do imposto a pagar a final e o IRS determinado após englobamento de rendimentos sujeitos a tributação[15]. Ou seja, quanto à possibilidade de pedido de revisão de acto tributário no prazo de quatro anos com fundamento em duplicação de colecta (nº 4 do artigo 78º do CPPT), seria, quando muito invocável pelo sócio da Requerente. E relativamente ao acto posterior de liquidação, que não o primitivo de retenção.

 

Assim, e em resultado da análise empreendida dos factos e das normas aplicáveis, conclui-se pela improcedência do Pedido. A decisão que apreciou a reclamação graciosa não cometeu qualquer ilegalidade ao ter considerado que a Requerente não comprovou os montantes de retenção na fonte efectuados ao seu sócio B…, no período entre 2009 e 2011, nem reunia condições para pedir a restituição de montantes alegadamente retidos invocando pagamento de imposto em duplicado com o fundamento de falta de dedução nas declarações de rendimentos do sócio referentes ao mesmo período, das importâncias retidas pela Requerente.

 

Improcedendo o Pedido de declaração de ilegalidade, improcede também a pretensão de condenação em juros indemnizatórios[16].

 

15. Decisão

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)      Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quer quanto à declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve por objecto as retenções na fonte no montante de € 29.996,07 (vinte e nove mil novecentos e noventa e seis euros e sete cêntimos), efectuadas pela Requerente entre 2009 e 2011 e constantes de documentos juntos aos autos, quer quanto à ilegalidade das próprias retenções. 

b)      Condenar a Requerente em custas.

 

16. Valor do processo

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 29.996,07 (vinte e nove mil novecentos e noventa e seis euros e sete cêntimos).

 

17.Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerente.

 

Lisboa, 2 de Fevereiro de 2017.

 

A Árbitro

 

 

(Maria Manuela Roseiro)

 



[1] Esta foi omitida no art. 5º do Pedido (por evidente lapso atendendo ao valor da causa) mas incluída na reclamação e reconhecida na Resposta da AT.

[2]Podendo constituir um regime adequado à tributação das sociedades de pessoas no seu conjunto, no caso português o legislador terá pretendido evitar o recurso a formas societárias apenas com a intenção de reduzir a carga fiscal, sendo por isso o seu âmbito de aplicação para as sociedades de profissionais, para as sociedades civis não constituídas sob forma comercial e para as sociedades de simples administração de bens cujo capital pertença a um grupo familiar (Saldanha Sanches, Manual de Direito fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, p. 294).

[3] A recente revisão do código alargou este conceito de sociedades profissionais (cf. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, 2014, 3ª edição, pp.207 e ss.). No caso das sociedades de advogados haverá sempre que ter em conta as especificidades que decorram de normas do Estatuto da respectiva Ordem.

[4] Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal cit., p. 297. Rui Duarte Morais considera um pouco redutora a visão de que as sociedades são apenas sujeito passivo de obrigações acessórias previstas no CIRC nomeadamente a de terem contabilidade organizada que servirá de base ao apuramento do respectivo lucro, realçando que são juridicamente titulares do rendimento tributável, considerando-as parte legítima e necessária em qualquer procedimento que digam respeito à quantificação de tal lucro, mesmo que para efeitos tributários. Assim, afasta-se da posição subscrita no Acórdão do STA de 3 de Janeiro de 2001, quanto a notificação de acto de fixação da matéria colectável (in “Sobre o IRS”, p. 212/213, nota 454). Posição diferente parece subscrever Saldanha Sanches (ob. cit. p. 297).

[5] E considera que resulta da lei que se a assembleia geral decidir atribuir a um sócio uma participação nos lucros superior àquela a que estatutariamente teria direito, tal valor não fica abrangido pelo regime de transparência fiscal por revestir uma natureza diferente da de lucro (remuneração de gerência, gratificação por trabalho extraordinário, etc.). Acrescenta, porém, que parecendo contraditório que numa sociedade em que avulte o contributo profissional de cada sócio, o direito aos lucros seja determinado em função da participação no capital e não pelo contributo pessoal de cada um para o êxito social nesse exercício, admite não lhe repugnar que ao menos nas sociedades que não revestem forma comercial, fosse aceite a repartição dos lucros pelos sócios, decidida, em cada ano, pela assembleia geral). (in Sobre o IRS, cit., p. 214, e nota 457).

[6]Art. 20º - 1- Constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no artigo 6.º do Código do IRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efectuada nos termos e condições dele constante ou, quando superior, as importâncias que, a título de adiantamento por conta de lucros, tenham sido pagas ou colocadas à disposição durante o ano em causa.  2 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respectivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B. 

[7] Cf. Circular nº8/90, ponto 6: “As referidas sociedades não têm de efectuar pagamentos por conta, obrigação que incumbe em sede de IRS aos respectivos sócios enquanto titulares de rendimentos da Categoria B.”

[8] Cf. Circular 8/90, ponto 8: “Devem ainda nos termos dos artigos 91.º e seguintes do CIRS as referidas entidades proceder a retenção na fonte do IRS relativamente aos rendimentos pagos ou postos à disposição dos seus sócios, com excepção dos relativos a lucros ou adiantamentos por conta de lucros efectuados nos termos do Código das Sociedades Comerciais, visto não revestirem, de acordo com o disposto na alínea h) do artigo 6.º daquele Código, a natureza de rendimentos de capitais. (sublinhados nossos).

[9] No artigo 10º da reclamação refere-se “tais rendimentos não sujeitos a retenção na fonte ou dela isentos” mas trata-se de frase intercalada em argumentação em que realça a existência de dupla tributação por não dedução na declaração de IRS da importância retida, sem qualquer referência ao tipo de rendimento em causa. Também o Pedido, no artigo 24º, menciona a falta de obrigação legal para liquidar e pagar imposto envolta na argumentação de imposto entregue em excesso e duplicação de colecta.

[10] “A retenção na fonte é susceptível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido”.

[11] Cf. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, áreas editora, 2011, II volume, p. 416. O Autor considera a solução sensata, realçando que “se se permitisse a impugnação pelo substituto, sem garantia de conhecimento pelo substituído, proporcionar-se- lhe-ia, no caso de êxito na impugnação, a disponibilidade das quantias indevidamente retidas sem qualquer garantia que as mesmas viessem a ser entregues ao substituído, que foi quem ficou delas indevidamente privado” (ibidem, o. 414 e 417).

[12]Questionando-se se este tipo de limitação é compatível com a garantia do direito à impugnação contenciosa dos actos administrativos (art. 268º, nº 4, da CRP), Jorge Lopes de Sousa, responde: “(…) nas situações referidas não houve qualquer actuação da administração tributária que produza efeitos lesivos para o contribuinte, nem se detecta qualquer acto administrativo, à face da definição dada pelo art. 120º do CPA, pelo que estará fora do âmbito da protecção daquela norma constitucional”. (ob. cit. p. 418).. 

[13] Jorge Lopes de Sousa sugere que, tratando-se de um acto potencialmente lesivo, a retenção excessiva pode ser impugnada pelo contribuinte ao abrigo do artigo 133º do CPPT, impugnação nos casos de pagamento por conta, previsão justificada pela ressalva da parte final do nº 4 do artigo 132º (CPPT anotado, II vol. 422). 

[14]Cabendo-lhe então efectuar prova do tipo de rendimentos (lucro e não remuneração de gerência ou gratificação por trabalho extraordinário) que lhe haviam sido pagos e das efectivas retenções e pagamentos realizados.

[15] De certo modo na duplicação de colecta verifica-se o contrário, quando tendo sido pago um imposto por inteiro, está a ser exigido da mesma pessoa ou de diferente pessoa um outro tributo de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo (cf. artigo 205º do CPPT).

[16] Que aliás neste caso não seriam devidos com base na imputação de erro à AT, sendo apenas exigíveis a partir do indeferimento da reclamação que, assim, constituiu erro de direito imputável aos serviços (cf. Acórdão do STA de 28 de Outubro de 2009, proc. 0601/09).Como refere Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, 6ª edição, I vol. P. 536), no caso de retenção na fonte (tal como no de pagamento por conta) “tanto a determinação da matéria colectável como a liquidação são levadas a cabo pelo próprio contribuinte ou por substituto, pelo que estará afastada, em regra, a possibilidade de existir erro imputável aos serviços da Administração Tributária, no momento em que são praticados os actos que determinam a quantia a pagar”.