Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 297/2016-T
Data da decisão: 2017-01-10  IVA  
Valor do pedido: € 82.020,30
Tema: IVA – Direito à dedução segundo o método da afetação real por parte de um sujeito passivo misto.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros Conselheira Fernanda Maças (Árbitro Presidente), Dr. Fernando de Jesus Amado dos Santos e Drª. Filipa Barros, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 31 de Maio de 2016, A…, Unipessoal, S.A. EM, pessoa coletiva n.º…, com sede Rua da…, n.º…, …, …-… …, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º n.º 3 alínea a), 6.º n.º 2, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT).
  2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto mediato, segundo a Requerente, a declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA n.º … no valor de € 50.422,93, n.º … no valor de € 6.742,51 e n.º … no valor de €12.788,18, bem como as referentes aos respetivos juros compensatórios n.º … no valor de € 1.866,72, n.º…, no valor de €1.052,20 e … no valor de €8.377,11, referentes ao ano de 2011, que perfazem um total a pagar de €81.249,65.

2.1.Por seu turno, o objeto imediato do pedido é a decisão de indeferimento da reclamação graciosa de tais liquidações.

  1. No dia 01-08-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
  2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  3. Em 20-07-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
  4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 01-08-2016.
  5. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que os atos de liquidação se baseiam numa incorreta interpretação e aplicação da alínea a), do n.º1 do artigo 23.º do Código do IVA (doravante CIVA), porquanto, em suma:

                                       i.     A Requerente é uma empresa pública municipal, em processo de liquidação, que por força de contratos de concessão celebrados com o seu sócio único, o Município da…, assumiu a prestação de determinados serviços públicos, bem como a exploração de algumas atividades económicas que anteriormente eram realizadas pelo Município da … .

                                    ii.     A Requerente é um sujeito passivo que pratica simultaneamente operações tributadas em IVA, que conferem direito à dedução, operações isentas que não conferem direito à dedução do imposto incorrido a montante e operações não tributadas, consideradas fora do conceito de atividade económica, para efeitos de IVA.

                                  iii.     Por conseguinte, a Requerente qualifica-se como um sujeito passivo misto de IVA. 

                                   iv.     Neste sentido, e para efeitos do cálculo do IVA dedutível seguiu o método da afetação real desdobrando a contabilização da sua atividade em sete centros de custos, a saber: (i) parque habitacional; (ii) piscinas municipais e zonas balneares; (iii) central de camionagem; (iv) parque desportivo; (v) mercado municipal; (vi) Centro de Interpretação da…; e (vii) custos gerais.

                                     v.     Ora, a AT colocou em causa o procedimento levado a cabo pela Requerente que passou pela dedução da totalidade do IVA suportado nas aquisições dos inputs que considerou imputáveis a cada um desses centros de custo, com exceção do parque habitacional onde não houve lugar a qualquer dedução por as rendas se encontrarem isentas de IVA.

                                   vi.     Segundo o entendimento da AT, sendo praticadas atividades não económicas nos centros de custo piscinas municipais e zonas balneares (o acesso gratuito às praias pelos banhistas), central de camionagem (utilização da central pelos passageiros no embarque e desembarque) e parque desportivo (utilização gratuita dos campos de futebol por coletividades desportivas) não podem beneficiar do direito à dedução a generalidade dos custos ali concentrados, desde logo, porque não foram, no entender da AT, adotados critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito. 

                                vii.     Ora, partindo destes pressupostos que no âmbito dos referidos centros de custo são realizadas simultaneamente atividades económicas e atividades não económicas, a AT preconizou erradamente uma correção do direito à dedução do IVA da Requerente baseada na aplicação do método do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA

                              viii.     Com efeito, segundo alega a Requerente, a questão da impossibilidade de aplicação do método do pro rata previsto no artigo 173.º da Diretiva IVA a operações que estejam fora do campo de incidência do IVA, como seriam as operações gratuitas, encontra-se devidamente esclarecida pela doutrina nacional e confirmada pela jurisprudência do TJUE, cujas sentenças, ao interpretarem conceitos presentes na Diretiva IVA, se impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais, incluindo ao Tribunal Arbitral.

                                   ix.     Alerta ainda que se por mera hipótese fosse considerada legítima a utilização de um pro rata global, a distorção seria significativa, ficando prejudicado o direito à dedução integral dos inputs afetos a centros de custos cuja atividade é totalmente tributada, como aliás resulta do Relatório de Inspeção, que não colocou em causa os inputs afetos aos centros de custo “Mercado Municipal”, “Centro de Interpretação da…” e “Custos Comuns”.

                                     x.     Efetivamente, ao serem incluídos no denominador o montante total das subvenções não tributadas - as quais se relacionam ou com serviços públicos prestados a título gratuito ou com a aquisição de bens de equipamentos afetos à respetiva atividade – a AT, no entender da Requerente, viola o disposto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, provocando uma redução significativa do IVA dedutível, contrária ao princípio da proporcionalidade. 

                                   xi.     Nestes termos, a Requerente considera que tais liquidações são manifestamente ilegais devendo, sem mais, ser anuladas, por se basearem no método de dedução do pro rata global, o qual além de provocar significativas distorções na tributação, se afigura inaplicável considerando o tipo de operações realizadas que incluem atividades económicas para efeitos de IVA e atividades fora do campo deste imposto, designadamente operações gratuitas.

                                xii.     Acresce, segundo a Requerente, que o Relatório de Inspeção peca por falta (e não apenas insuficiência) de fundamentação das correções que deram origem às liquidações impugnadas, o que determinaria, necessariamente, a anulação total das referidas liquidações adicionais.

                              xiii.     Neste âmbito, refere que em anexo ao Relatório de Inspeção consta uma listagem de faturas que segundo o cabeçalho de tal anexo constitui “exemplificação de faturas registadas na contabilidade com utilização mista e operações não decorrentes de uma atividade económica” sendo feita mera remissão para esta listagem sem alegação das razões pelas quais se entende que tais inputs são utilizados em operações que não constituem uma atividade económica ou usados simultaneamente em operações económicas e não económicas sendo, portanto, impossível entender o sentido das correções.

                               xiv.     Ora, o contribuinte não pode ser colocado em posição de se defender relativamente a irregularidades que lhe são imputadas sem conhecer os motivos subjacentes às mesmas, pois tal seria contrário à de presunção legal de veracidade dos dados que constam da contabilidade dos contribuintes.

                                 xv.     Finalmente, a título subsidiário a Requerente invoca a caducidade do direito à liquidação por violação do âmbito temporal da inspeção, relativa ao exercício de 2011.

                               xvi.     A este respeito, argumenta que a inspeção teve origem na existência de um saldo credor de IVA, constituído entre os exercícios de 2010 a 2013, que foi objeto de pedido de reembolso na declaração de encerramento da atividade.

                            xvii.     Nos termos do referido Relatório de Inspeção foram propostas correções no valor de € 50.422,93 respeitando ao seguinte “reporte corrigido de 2010 (47.529,90) + IVA corrigido 2011 03T (2.893,73)” esclarecendo a AT no ponto 7, III.2 o seguinte: “De referir que os cálculos decorrentes do exercício económico de 2010 apenas produzem efeitos na redução do crédito de imposto apurado, porquanto o imposto em falta só poderá ser recuperado tendo em conta a caducidade do direito à liquidação previsto no art.º 45.º da LGT”. 

                          xviii.     Ora, segundo defende a Requerente a argumentação da AT é inaceitável pois o instituto da caducidade não se refere apenas ao direito de proceder a liquidações adicionais, mas também se destina a impedir correções relativas ao cálculo de imposto feito pelo sujeito passivo no que toca ao valor do crédito de IVA a reportar para os exercícios seguintes. Conclui pedindo a declaração de ilegalidade das correções relativas ao exercício de 2010, repercutidas no exercício de 2011, na medida em que ao aumentarem o valor de imposto devido naquele ano, têm como efeito a diminuição de crédito de imposto relativo ao ano de 2011.    

  1. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta invocando o seguinte:
  1. A posição defendida no Relatório de Inspeção e aqui reiterada baseia-se no entendimento de que a Requerente, sendo um sujeito passivo misto, que utiliza o método de afetação real, limitou-se a criar centros de custos diversos onde agregou atividades por tipologias, para daí operar uma imputação de custos exercendo integralmente o direito à dedução nuns casos e não exercendo de todo esse direito noutros (no caso dos inputs afetos ao centro de custos dos Parque Habitacional).   
  2. Assim, a Requerida considera que não é possível aplicar o método da afetação real na medida em que inexistem critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização dos bens e serviços que atribuem direito à dedução.
  3. Esclarece a Requerida que a modulação do direito à dedução no caso dos autos implicará que parte do imposto não é dedutível e outra parte só o será na percentagem de 0,099, já que foi suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista, afirmando que tal percentagem não foi calculada nos termos do n.º 4 do art.º 23.º do Código do IVA, mas por recurso a critérios objetivos.
  4. A Requerida impugna igualmente a alegada ausência de fundamentação do ato tributário, salientando que o artigo 77.º da LGT permite que a fundamentação consista numa mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem procedimentos prévios como será o caso dos relatórios de inspeção tributária.
  5. Por conseguinte, entende que foram remetidos à Requerente elementos bastantes, desde logo, no âmbito do exercício do direito de audição, com a notificação do projeto de relatório de inspeção, e subsequente adesão à fundamentação e conclusões de tal relatório, de tal forma que foi possível à Requerente conhecer perfeitamente o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato e, posteriormente, atacá-lo cabalmente no seu requerimento de pronúncia arbitral, que de outra forma não teria sido apresentado.
  6. Sem conceder, refere ainda que. a admitir-se a notificação em crise sem ter sido acompanhada da fundamentação do ato, tratar-se-ia de uma notificação irregular, face à qual podia e devia a Requerente ter requerido nova notificação com a fundamentação e outros requisitos eventualmente omitidos, ao abrigo do artigo 37.º do CPPT, e não o tendo feito, deverá concluir-se pela improcedência deste fundamento e pela legalidade dos atos de liquidação e respetiva notificação.
  7. Por último, a AT impugna a caducidade do direito à liquidação alegada pela Requerente, lembrando que ao abrigo do artigo 45.º n.º 3 da LGT, “em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito”, não havendo suporte jurídico para considerar que a AT está limitada pelo prazo de caducidade do direito à dedução a apreciar os pressupostos da existência de crédito de imposto reportado sucessivamente.            
  8. Conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
  9. . ens parte do transmitente, rificaço Estado menbro m que                                     e 1
  1. A 16-10-2016 atendendo a que, no caso, não se verificava qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, e tendo em conta a posição tomada pelas partes, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º alínea c), 19.º e 29.º n.º 2 do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo as partes sido notificadas para apresentação de alegações escritas sucessivas no prazo de 15 dias. Mais foi estabelecida a data de 1 de Fevereiro de 2017 para prolação da sentença arbitral.

10.As partes optaram por não exercer a faculdade de produzir alegações orais e escritas.

11.O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

12.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

13.O processo não enferma de nulidades.

 

Tudo visto, cumpre proferir decisão.

 

II- MATÉRIA DE FACTO

 

A.1-Factos dados como provados:

     

Os factos essenciais provados são os seguintes: 

1-      A Requerente é uma empresa pública municipal, que cessou a sua atividade em 31-12-2015, estando, presentemente, em processo de liquidação;

2-      A Requerente encontra-se coletada pela atividade principal de “Administração Pública” – atividades de cultura, desporto recreativas, ambiente, habitação e outras atividades sociais, exceto segurança social (CAE…);

3-      No âmbito do exercício da sua atividade a Requerente … – assumindo a prestação de determinados serviços públicos e a exploração de algumas atividades económicas, que anteriormente eram realizadas por aquele;

4-      As atividades desenvolvidas incluem a criação, gestão e exploração de espaços e equipamentos desportivos de lazer e turismo e zonas balneares, bem como a organização de eventos e atividades nestes espaços e equipamentos;

5-      Adicionalmente a Requerente compra e vende imóveis que tivesse por necessários à prossecução dos fins estatutários, nomeadamente no âmbito de projetos de habitação social enquadrados numa política de potenciação e aproveitamento de sinergias comunitárias, nacionais e regionais, de forma a assegurar a execução de programas habitacionais;

6-      A Requerente preenchia os requisitos para ser considerada sujeito passivo misto, porquanto exercia simultaneamente atividades tributadas, atividades tributadas ainda que isentas e atividades não tributadas para efeitos de IVA;

7-      Em sede de IVA, a Requerente encontrava-se registada como sujeito passivo misto, declarando proceder à dedução de imposto segundo o método de afetação real, enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA;

8-      A Requerente procede ao apuramento de valores de IVA a deduzir com base em seis centros de custos, autonomizados na sua contabilidade e identificados nos seguintes termos:

a)      Parque Habitacional;

b)      Piscinas Municipais de Zonas Balneares;

c)      Central de Camionagem;

d)      Parque Desportivo;

e)      Mercado Municipal;

f)       Centro de Interpretação da… .  

9-       A Requerente suportou 100% do IVA relativo ao centro de custos “Parque Habitacional”;

10-  A Requerente deduziu 100% do IVA incorrido nas aquisições que considerou imputáveis a cada um dos restantes centros de custo;

11-  O método de dedução adotado pela Requerente – afetação real – teve por base o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA e o n.º 2 do mesmo artigo, conjugado com a circunstância de desenvolver simultaneamente atividades económicas e atividades não económicas; 

12-  A Requerente permaneceu em crédito de imposto de IVA por períodos sucessivos, ao longo dos exercícios de 2010 e 2013;

13-  Em razão do encerramento da atividade, a Requerente solicitou o reembolso do saldo credor de IVA existente na declaração periódica 2014 12T, o que desencadeou a necessidade de verificação por parte dos serviços de Inspeção Tributária dos pressupostos relativos à atribuição do referido reembolso;

14-  No quadro da aferição da legitimidade do reembolso foi aberto um procedimento inspetivo externo consubstanciado na OI 2015… de 6 de Maio de 2015, com início em 09 de Junho de 2015 e conclusão em 10 de Julho de 2015;

15-   Após a realização do referido procedimento de inspeção foram propostas correções, em sede de IVA, e liquidações adicionais de imposto relativas aos períodos 1103T, 1106T e 1109T, no valor de €69.953,62, bem como liquidações de juros compensatórios no valor de €11.296,03, num total de 81.249,65;

16-  A correção de IVA relativa ao período 1103T no valor total de €50.422,93, respeita à soma do reporte corrigido do crédito de imposto apurado em 2010 no valor de € 47.529,90 e o IVA corrigido de 2011 03T no valor de €2.893.73; 

17-  Das correções aritméticas resultou o indeferimento do pedido de reembolso de IVA solicitado referente à aplicação do método de afetação real pela Requerente, por se considerar que inexistiam critérios objetivos que permitissem determinar o grau de utilização dos bens e serviços que atribuem direito à dedução;       

18-  No relatório elaborado pela Divisão de Inspeção Tributária, em 10-07-2015, o qual se dá por integralmente reproduzido, consta, para além do mais, o seguinte:

11.Com relação à dedução do imposto suportado, o sujeito passivo utiliza como regra de distinção por centros de custo, suportando o IVA na totalidade no centro de custos do parque habitacional, mas deduzindo na totalidade os valores inerentes aos restantes centros de custos.

12.Salvo melhor opinião, o critério suportado para a dedução do imposto está fortemente impactado pela criação dos referidos centros de custo, o que não parece ser a melhor solução para o caso vertente.

13. De facto, o contribuinte parte do princípio de que, por haver em todos os centros de custo atividades que são sujeitas a IVA (à exceção do parque habitacional), a generalidade dos custos para todas as atividades ali concentradas beneficiam do direito à dedução.

14. Ignorando neste aspecto a distinção obrigatória entre atividades económicas e outras não decorrentes de atividades económicas, que obrigam nos termos do referido n.º 2 do mesmo artigo, a afetação real, com base em critérios objetivos, que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços (sublinhado nosso).

15. Na realidade, se analisada a constituição, por exemplo, dos centros de custos “Central de Camionagem” e “Parque Desportivo” podemos verificar que as particularidades das atividades ali desenvolvidas são de carácter social e lúdico, não se bastando a uma atividade comercial com a liquidação de imposto, como é o caso de um aluguer de um bar (na central de camionagem), para legitimar toda a dedução de imposto suportada nas aquisições de bens e serviços necessários à sua manutenção.

16. De igual modo, a liquidação de imposto pelo aluguer parcial de algumas horas de utilização do pavilhão municipal …, não será, certamente, capaz de legitimar a dedução de todo o IVA suportado na manutenção dos campos de futebol e polidesportivos do concelho.

17. Também no centro de custos “Piscinas e zonas balneares”, ocorre o mesmo cenário. Naquele centro de custos a dedução do imposto ocorre na globalidade, pese embora custos comuns devessem ser rateados. Como exemplo flagrante da utilização mista de serviços entre atividades tributadas e não tributadas está o pagamento de serviços de assistência às praias que acontece tanto no interior do complexo das piscinas como nas diversas praias do município. Na sua essência, a dedução proporcional do imposto suportado para a manutenção de vigilância nas praias, sendo um serviço público sem qualquer cobrança ao utilizador, não poderia ocorrer.

18. Em anexo, junta-se relação de diversos documentos onde se constata a situação descrita (anos 2010 e 2011). Cópias daqueles documentos e de outros documentos em idêntica circunstância, fazem parte integrante do processo de Evidência de Trabalho onde se demonstra a utilização mista de bens e serviços na atividade tributada da empresa e na atividade não tributada. (...).

19.Segundo as instruções transmitidas no Ofício Circulado 30.103, de 23-04-2008, a definição de taxas efetivas de utilização de bens de utilização mista, deverá ter por base critérios objetivos, determinando-se em consequência do grau, proporção ou intensidade de uso “... de cada bem ou serviço que decorrem de atividade económica sujeita a IVA e de operações que dela não decorrem, através de critérios objetivos”(...).

20. É nosso entendimento que a falta de discriminação de um critério definido pelo sujeito passivo em razão do conhecimento do negócio “...adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo à natureza das suas operações no contexto da atividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de atividade económica relevante” (ponto V3 do referido ofício circulado) determina que seja a AT a promover a referida definição, e consequentemente repartição proporcional para o efeito pretendido.

21. Tendo em conta a existência de subsídios camarários destinados a cobrir os custos operacionais das atividades sociais desenvolvidas por aquela entidade, optou-se por utilizar o rácio de direito à dedução com base na atribuição dos referidos subsídios, evidenciados contabilisticamente nas contas subdivisionárias da conta 75 – Subsídios à exploração. No limite os montantes recebidos da entidade camarária mais não são do que rendimentos capazes de suportar os custos efetivos das atividades desenvolvidas, repondo assim o orçamento necessário para fazer face aos gastos incorridos na manutenção daquelas atividades.

22. (...)

23. Neste sentido, aqueles montantes, por não se inserirem no campo das operações que conferem direito à dedução nos termos do artigo 20.º do Código do IVA, serão obrigatoriamente tidos em conta na determinação dos montantes a considerar dedutíveis para efeitos fiscais.

24. De notar que, havendo uma parte da atividade em que a entidade pratica efetivamente a afectação real (o parque habitacional) não serão tidos em linha de conta os subsídios atribuídos pelo IRNH destinados à comparticipação das rendas sociais dos bairros habitacionais geridos pela entidade “…”. Na realidade, uma assunção mais ampla de “subsídios não tributados”, determinaria uma menor proporção de imposto a deduzir, promovendo um duplo corte na capacidade dedutiva da entidade, dado que os gastos inerentes aos bairros sociais efetivamente não proporcionam qualquer dedução fiscal de imposto na esfera jurídica do contribuinte em causa.     

III.2 – Correções em IVA

1.      (...)

2.      Terá portanto a AT de efetuar o cálculo da percentagem de dedução, compatível com a atividade exercida pelo sujeito passivo.

3.      Pelo que se propõe aplicar a fórmula referenciada no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, ainda que de forma adaptada, tendo em conta a proposta de exclusão dos subsídios referentes à habitação social.

4.      (...)

5.      Pelo que a percentagem de dedução fiscal deverá conter, no numerador, o montante anual das operações sujeitas, enquanto que, no denominador, deverá figurar o montante das subvenções não tributadas;

6.      Os valores a considerar para efeitos de dedução serão de 0,099 para os exercícios económicos de 2010 e 2011 de acordo com a tabela abaixo:

(...).”

19-  A 29 de Janeiro de 2016, a Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €82.020,30, correspondente ao imposto constante das liquidações impugnadas, acrescido de juros e outros encargos;

20-  Dadas as liquidações adicionais emitidas pela AT, a 29 de Janeiro de 2016, a Requerente apresentou reclamação graciosa na qual contestou as correções propostas no relatório efetuado pelo Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de…, relativamente à utilização do método de pro rata para dedução do IVA incorrido nos seus inputs mistos, através do qual se apurou uma percentagem de dedução correspondente a 0,099;

21-  A 17 de Março de 2016 a Requerente foi notificada, pelo Ofício n.º…, emitido pela Direção de Finanças de…, do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada;

22-  Do Ofício de notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, consta a seguinte menção: “Relativamente à reclamação graciosa relacionada com o assunto em epígrafe, interposta pelo S.P. –A…, UNIPESSOAL S.A. E.M. NIPC:…, vimos por este meio levar ao V/ conhecimento que a mesma foi indeferida, conforme despacho inserto na informação destes Serviços que se junta cópia.

Da decisão poderá ser interposto recurso hierárquico no prazo de 30 dias, a contar da notificação, dirigido ao Exmo. Senhor Ministro da Finanças, conforme se encontra estipulado no n.º 2 do art.º 66.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) ou em alternativa apresentar impugnação judicial, no prazo de três meses, após a notificação, de acordo com o n.º 1 al. e) do art.º 102º daquela norma.

(...)” ; 

23-   A 31 de Maio de 2016, a Requerente deduziu o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. o requerimento eletrónico ao CAAD).

 

A.2- Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão do pedido principal, não há outros factos a considerar, provados ou não provados.

 

A.3- Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados, à luz do artigo 110.º n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III-DO DIREITO

 

A.1 - Da caducidade do direito à liquidação

 

Impõe-se, em primeiro lugar, decidir a questão da caducidade da liquidação relativamente à correção de IVA respeitante ao crédito de imposto apurado pela Requerente no exercício de 2010, no valor de €47. 529.20, porquanto o seu provimento preclude a análise das demais.

Conforme resulta do Relatório de Inspeção “as correções de IVA realizadas ao exercício económico de 2010 apenas produzem efeitos na redução do crédito de imposto apurado, porquanto ao imposto em falta não poderá ser recuperado tendo em conta a caducidade do direito à liquidação prevista no artigo 45.º da LGT.”

Acresce referir que o pedido de reembolso foi efetivado junto da declaração periódica de 2014 12T, em razão do encerramento da respetiva atividade, e tem origem em reportes sucessivos de IVA dedutível desde o período de 2010 09T.   

            Ora, prevê o artigo 45.º da LGT no seu n.º 1 que o direito a liquidar tributos caduca quando a liquidação não seja validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, acrescentando o n.º 4 que no tocante ao IVA este prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verifica a exigibilidade do imposto.

            O IVA assenta num mecanismo de crédito de imposto segundo o qual o imposto devido ao Estado se apura através da dedução do imposto suportado a montante pelo sujeito passivo ao imposto que este liquida a jusante. Neste sentido dispõe o n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA “o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8º, efetuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.”  

Assim, ao Estado será entregue a diferença entre o valor que incidiu sobre as operações ativas tributáveis (IVA liquidado nas vendas ou prestações de serviços) e as operações passivas tributáveis (IVA suportado nas compras). O mecanismo do crédito de imposto destina-se a assegurar a neutralidade do IVA, enquanto princípio estruturante, frequentemente invocado pela jurisprudência do TJUE, prevenindo uma tributação cumulativa e garantindo a tributação no consumidor final. 

            Nos termos do artigo 27.º do Código do IVA, quando se apure imposto a favor do Estado, este deve ser pago junto com a declaração periódica, por sua vez, refere o artigo 22.º que havendo imposto a favor do sujeito passivo, o excesso é deduzido no período declarativo seguinte, havendo lugar ao reporte desse excesso, conforme resulta dos n.ºs 4 e 5 do referido preceito legal:

 “4 - Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes.

5 - Se, passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a (euro) 250, este pode solicitar o seu reembolso.”

 

            Por conseguinte, tal como refere a Requerida citando Patrícia Noiret da Cunha, in Imposto sobre o Valor Acrescentado, anotado, Instituto Superior de Gestão,2004, pág. 332, “O sistema assemelha-se a uma conta-corrente entre a administração fiscal e o sujeito passivo do imposto, com as características de reporte para os períodos seguintes.

            Tanto o reporte como o reembolso, enquanto formas de materializar o exercício do direito à dedução, pressupõem um acerto de contas periódico entre o Estado e o contribuinte, cujo momento é incerto, conforme o volume de negócios do último o tipo de operações e a vicissitudes da atividade desenvolvida. Ora, a fixação de prazos de caducidade que se esgotassem em função das datas em que as operações tributáveis são praticadas traria ao IVA um elemento de insegurança totalmente contraditório com o objetivo a que a sua periodização serve, motivo que em grande parte explica a redação que o legislador deu ao artigo 45.º da LGT.[1]

            Assim, havendo uma correção por parte da AT, tanto pode ter por objeto o IVA liquidado pelo sujeito passivo nas operações ativas, como o IVA deduzido no âmbito do exercício da respetiva atividade, como se verificou no caso em apreço. Só quanto ao imposto liquidado pelo sujeito passivo nos seus outputs são aplicáveis as noções de facto gerador e exigibilidade com que o artigo 45.º da LGT constrói as regras de caducidade relativas aos impostos de obrigação única. Portanto, como refere Sérgio Vasques, “O IVA que o sujeito passivo incorra nos seus inputs, não é gerado na sua esfera nem lhe é exigível, constituído bem pelo contrário, um crédito que este pode mobilizar contra o estado exercendo o direito à dedução. A regra especial constante do artigo 45.º, n.º 4 da LGT, apelando à exigibilidade do imposto, não pode por isso aplicar-se aos casos em que a intervenção da administração tenha por objecto IVA dedutível, resulte este da realização de operações passivas, resulte ele de regularizações feitas nos termos da lei”.[2]

Decorre do preceituado no n.º 8 do artigo 22.º do Código do IVA, que os reembolsos são efetuados “quando devidos”, isto é, após a confirmação de que no período a que se refere o pedido de reembolso a dedução total de imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis. Para efetuar esta confirmação, a AT pode efetuar correções às declarações dos contribuintes, relativas ao período de tempo a que se reporta o reembolso, podendo também exigir-lhes documentos e informações adicionais, como decorre do preceituado no n.º 10 do mesmo artigo. 

            O artigo 45.º n.º 3 da LGT esclarece igualmente a questão ao dispor que no caso de ter sido efetuada qualquer “dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito”.  Note-se que a referência a dedução e crédito de imposto foi introduzida no n.º 3 do referido artigo por meio da Lei do Orçamento de Estado para 2005.[3] Evidentemente, até ao momento em que o sujeito passivo exerce o seu direito ao reembolso, a AT não toma conhecimento dos factos relevantes para poder iniciar a sua intervenção corretiva.

A jurisprudência do STA oferece-nos a melhor explicação desta linha de interpretação referindo o seguinte: “Para além de não haver suporte legal para aplicar o prazo de caducidade do direito de liquidação aos actos que apreciam pedidos de reembolso de IVA, por não serem actos que declaram uma obrigação tributária do contribuinte em relação à Administração Tributária, não se trata de uma situação idêntica, que justifique a aplicação analógica do referido art. 45.º. Na verdade, não valem em relação aos actos de recusa de reembolso as razões de segurança jurídica que justificam a limitação temporal da possibilidade de efectuar actos de liquidação, pois os actos de recusa, como actos negativos que são, não produzem nem declaram qualquer obrigação para o contribuinte.”[4]

Nestes termos, o prazo de caducidade de quatro anos tem início na data da entrega da declaração em que o direito é exercido, ainda que o direito porventura tenha origem em IVA dedutível apurado em momento anterior.

            Ora, conforme resulta do probatório, embora o direito à dedução se tivesse formado no exercício de 2010, a Requerente exerce o direito ao reembolso na declaração entregue para encerramento de atividade, não estando a AT limitada a observar o prazo de caducidade do direito à liquidação quando aprecia a existência dos pressupostos de reembolso de IVA.

            Por conseguinte, improcede o argumento da improcedência do pedido com base na caducidade, assistindo, quando a este argumento, razão à AT. 

 

A.2- Quanto ao erro de interpretação e aplicação do artigo 23.º, n.º 4, do IVA 

A.2.1-Sentido alcance das normas aplicáveis

 

1.Os princípios gerais subjacentes ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos do imposto estão previstos nos artigos 19.º, 20.º e 22.º os quais regulam as condições formais, a natureza das operações e condições temporais respetivamente, desse direito.

Quanto às condições formais, preconiza-se a autenticidade das operações e da respetiva documentação de suporte (cfr. art. 19.º, n.º1, alínea a), que refere:

 “ 1- Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

a)      O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;…

2 -    Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:

Quanto à natureza das operações tipifica o artigo 20.º, as operações que o sujeito passivo pratica para que possa usufruir desse direito, determinando o seu n.º1 alínea a) que:

“ 1 -    Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a)      Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;….”

Desta norma resulta claro, o princípio geral que apenas é possível exercer o direito à dedução do IVA suportado nas aquisições, quando estas contribuem para obter transmissões sujeitas a tributação, sem prejuízo de se atender ainda aos casos específicos nela enunciados.

Ou seja, com exceção das situações enunciadas no artigo 21.° do CIVA, todo o imposto suportado em bens e serviços adquiridos para o exercício de uma atividade económica referida na alínea a) do n°1 do artigo 2.° do CIVA, desde que respeite a transmissões de bens e a prestações de serviços que confiram direito a dedução nos termos do artigo 20.° do CIVA, incluindo as que, embora enquadradas no âmbito das atividades económicas referidas no artigo 2.° do CIVA, não sejam consideradas localizadas em território nacional por força das regras de localização constantes do artigo 6.° do CIVA sendo, todavia, qualificadas como operações que conferem direito a dedução pela alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° do CIVA.

Assim, confere direito à dedução integral do imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações que, integrando o conceito de atividade económica para efeitos do imposto, sejam tributadas, isentas com direito a dedução ou, ainda, não tributadas que conferem esse direito, nos termos da alínea b), II, do n.° 1 do artigo 20.° do CIVA.

            Caso o imposto seja suportado na aquisição de bens ou de serviços exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto, mas sem direito a dedução ou a operações que em sede de IVA não se insiram no exercício de atividades económicas, não é, admissível o exercício do direito à dedução.

 

2.O artigo 23.° aplica-se aos sujeitos passivos mistos, ou seja, àqueles que na sua atividade praticam simultaneamente operações tributáveis e operações não tributáveis no âmbito do IVA. Neste caso, o direito à dedução apresenta algumas especificidades, com vista à determinação do imposto dedutível relativo aos bens e/ou serviços de utilização mista ou seja, aos bens e/ou serviços utilizados conjuntamente em atividades que conferem o direito a dedução, em atividades que não conferem esse direito e ainda em atividades fora do campo do imposto.

Assim, tratando-se de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações com direito a dedução do imposto, apresentando uma relação direta e imediata com essas operações, o respetivo imposto é objeto de dedução integral, nos termos do artigo 20.° do CIVA.

   No que concerne a bens ou serviços exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto mas isentas sem direito a dedução ou a operações que, embora abrangidas pelo conceito de atividade económica, estejam fora das regras de incidência do imposto ou ainda de operações não decorrentes de uma atividade económica, o respetivo IVA suportado não pode ser objeto de dedução.

 

3. Quanto aos métodos de determinação da dedução relativamente a bens ou serviços de utilização mista, segundo a alínea a) do n° 1 do artigo 23.° do CIVA, sempre que esteja em causa a determinação do IVA dedutível respeitante a bens ou serviços parcialmente afetos à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica, é obrigatório o recurso à afetação real dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens ou serviços nessas e nas restantes operações, conforme se prevê no n.º 2 do mesmo artigo.

Quanto aos bens ou serviços afetos à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica, parte das quais não conferem direito à dedução, a alínea b) do n.° 1 do mesmo artigo 23.° do CIVA estabelece que o imposto dedutível seja determinado mediante a utilização de uma percentagem de dedução (pro rata), apurada nos termos do n.° 4 do mesmo artigo, sem prejuízo de o sujeito passivo poder optar pela afetação real, nos termos do n.° 2.

No caso de utilização da afetação real, obrigatória ou facultativa, e ainda segundo o n° 2 do artigo 23.°, os critérios a que o sujeito passivo recorra para determinar o grau de afetação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.

As correções ou alterações referidas devem ser promovidas pelos competentes serviços de inspeção, quando, no exercício das respetivas competências detetem vantagens injustificadas no exercício do direito à dedução, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 23.º

 

4. Nos termos do n.º 4 do artigo 23.º, a percentagem de dedução apurada pelos sujeitos passivos nos termos da alínea b) do n.º 1 artigo 23.º resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.° 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes de uma atividade económica prevista na alínea a) do n°. 1 do artigo 2.º, bem como das subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.

A norma contida no n.º 4 do artigo 23.º é de aplicação exclusiva às operações decorrentes de uma atividade económica quando, em simultâneo com operações que conferem direito a dedução, os sujeitos passivos exercem também operações que não conferem esse direito e apuram o montante de imposto a deduzir mediante a aplicação de uma percentagem de dedução (pro rata), nos termos da alínea b) do n.º 1 do citado artigo.

            Assim, deve entender-se que, para efeitos do cálculo do pro rata de dedução, o montante anual a inscrever quer no numerador quer no denominador da fração, não inclui as operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica, pois estas são previamente sujeitas à afetação real, nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 23.º.

De igual modo, também não devem ser consideradas no numerador da fração todas aquelas operações que, embora decorrentes do exercício de uma atividade económica, não conferem o direito à dedução nos termos do n.° 1 do artigo 20.º. Entre estas assumem particular relevo as operações realizadas pelas pessoas coletivas públicas no âmbito dos seus poderes de autoridade, as quais, embora em grande parte subsumíveis no conceito de atividade económica para efeitos do IVA, são objeto da regra de não sujeição contida no n.° 2 do artigo 2.° do CIVA, salvo se a sua não sujeição provocar distorções de concorrência.

 

A.2.2- Aplicação ao caso em apreço

A questão central em apreço gira em torno de averiguar qual o método legalmente mais apropriado de cálculo do IVA, considerando a classificação e a caraterização da Requerente para efeitos de IVA como sujeito passivo misto. 

Em termos sintéticos, podemos dizer que a Requerente defende que a aplicação da afetação real, nos termos do artigo 23.º, n.º1, alínea a), e do n.º 2 do CIVA, é a metodologia que melhor se ajusta às suas circunstâncias e não a fórmula referenciada no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA (pro rata) aplicado pela AT.

Importa, assim, aferir da legalidade dos atos tributários de liquidação adicional que colocam em causa o direito à dedução de IVA incorrido pela Requerente por via da aplicação do método da afetação real a inputs de natureza mista.

A Requerente é uma empresa municipal que integra o setor empresarial local, revestindo a forma de sociedade anónima, tendo por objeto o desenvolvimento de atividades de interesse geral, que nalguns casos assumem cariz público-administrativo (habitação social, requalificação urbana e ambiental, promoção social), e noutros um cariz empresarial, explorando, gerindo e concessionando atividades em regime de mercado.

O método da afetação real tem por base a dedução do IVA consoante a efetiva utilização de bens ou serviços mistos, o que pressupõe a autonomização do IVA dedutível, no âmbito do IVA total suportado pelo sujeito passivo, através da afetação dos inputs a cada uma das atividades (atividades que conferem direito a dedução e atividades que não conferem esse direito), não necessariamente numa correspondência individualizada com determinado output, mas em qualquer caso, com outputs específicos agrupados por sectores, e tendo por base a utilização de critérios objetivos, nos termos previstos no artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA.

            Justamente porque o método da afetação real impõe maiores exigências na informação contabilística de suporte, mas também porque permite um maior nível de rigor quanto ao montante de IVA que o sujeito passivo tem direito a deduzir, entende a doutrina maioritária acompanhada pela jurisprudência dos tribunais superiores que seria desejável, que todos os sujeitos passivos optassem por esta via, sempre que possível, em detrimento do método do prorata. Este método, apesar da maior simplicidade aplicativa, não deixa de constituir uma forma de cálculo indiciário.[5]

O Código do IVA consigna que a dedução com recurso ao método da afetação real deverá ter por base critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito. A este respeito importa referir que o legislador nacional nunca especifica a técnica adequada à utilização do método da afetação real remetendo para a opção do sujeito passivo, o qual, regra geral, estará em melhores condições de decidir quanto à forma mais adequada de proceder à autonomização das suas atividades, à identificação dos custos que incorre e à repartição contabilística segundo as operações que pratica. No entanto, por via do Ofício-Circulado n.º 30103 de 23-04-2008, a AT oferece algumas pistas para uma melhor aplicação da afetação real, indicando a título exemplificativo, critérios objetivos assentes em pressupostos físicos como sejam a área ocupada, o número de elementos de pessoal afeto, a massa salarial, entre outros.

Neste sentido, não se pode falar de um método de repartição mais apropriado para a dedução de inputs mistos, até porque tal deverá assentar numa análise casuística. No entanto, qualquer que seja o método de custos seguido, a aplicação prática da afetação real pressupõe a existência de uma relação entre as aquisições de bens e serviços efetuadas pelo sujeito passivo e as operações ativas correspondentes.

Naturalmente, a referida ligação entre custos e proveitos deverá encontrar-se suportada em documentos comprovativos das operações ativas e passivas, bem como numa adequada segregação contabilística das atividades desenvolvidas. Deste modo, “imputando aos produtos tributados as despesas que com eles estão relacionadas, cria-se uma zona dentro da empresa (perspectiva real) onde se pode proceder à dedução integral do IVA que foi suportado”.[6]

            No caso em apreço, sendo a Requerente um sujeito passivo misto, e considerando o universo das operações desenvolvidas, aquela procedeu à identificação das respetivas áreas de negócio e, do ponto de vista contabilístico, constituiu centros de custos para cada uma das referidas áreas, procedendo ao registo contabilístico segregado das operações ativas e passivas consoante o setor a que respeitavam.

Por outro lado, resultou provado que por via da referida imputação contabilística, a Requerente deduziu a totalidade do IVA que considerou imputável aos centros de custos afetos a atividades tributáveis (piscinas municipais e zonas balneares, central de camionagem, parque desportivo, mercado municipal e Centro de Interpretação da…) e não deduziu qualquer IVA incorrido na aquisição de bens ou serviços destinados ao parque habitacional, no qual são auferidos proveitos isentos.

            Neste quadro, na análise feita à atuação da Requerente, entendeu a AT pôr em causa a aplicação do método da afetação real por considerar que nos centros de custo central de camionagem e parque desportivo são desenvolvidas atividades de carácter social e lúdico “não se bastando a uma atividade comercial com liquidação de imposto” (ponto 15 do Relatório) e que nas piscinas e zonas balneares se verifica “uma flagrante utilização mista de serviços entre atividades tributadas e não tributadas” como no caso “do pagamento de serviços de assistência às praias que acontece tanto no interior das piscinas como nas diversas praias do município, sendo um serviço público sem cobrança ao utilizador tal não poderia ocorrer.” (ponto 17 do Relatório).

            A fundamentar a sua posição, que passa pela aplicação à Requerente de um pro rata global, a AT junta uma lista de faturas, as quais não mereceram tratamento individualizado, ou quantificação setorial, sendo, no entanto referido, em termos gerais, encontrarem-se conexionadas com uma “utilização mista e ou com operações não decorrentes de uma atividade económica”.

            Acresce que, apesar de se afirmar no Relatório de Inspeção que a criação de centros de custos “não parece ser a melhor solução para o caso vertente”, por alegada ausência de indicação de critérios objetivos a suportar a dedução do IVA, a Requerida não suporta as suas conclusões em critérios quantitativos ou materiais que permitam concluir por um tratamento diferenciado destes custos, do ponto de vista do IVA a deduzir.

            Perante o exposto, os argumentos aduzidos pela AT para pôr em causa a aplicação do método da afetação real e justificar a dedução do IVA com base num pro rata afiguram-se muito vagos e insuficientemente demonstrados, para se poder concluir com certeza se tais custos deveriam ser objeto de dedução integral ou de rateio.

Neste sentido, afiguram-se pertinentes as críticas apresentadas pela Requerente no que concerne à escassa alegação de factos para suportar as correções apresentadas e a utilização de um pro rata global de 0,099% que coloca em causa a possibilidade de dedução do IVA, mesmo em centros de custos cuja metodologia de dedução não foi colocada em crise pelo Relatório da Inspeção Tributária.  

            Se para a AT não se encontravam cumpridos os critérios objetivos na criação dos centros de custos apresentados pela Requerente e na segregação sectorial das respetivas operações, impendia sobre si o ónus de fundamentar a sua posição aduzindo razões económicas e contabilísticas adequadas à realidade do contribuinte, de modo a pôr em causa o tratamento fiscal adotado.[7]

            Sucede que, nos autos, aquele ónus não se encontra satisfeito, limitando-se a AT em termos de fundamentação a emitir juízos opinativos mal suportados, tais como quando se refere que “o critério para dedução do imposto está fortemente impactado pela criação dos referidos centros de custos, o que não parece ser a melhor solução(...); ou quando se diz que “Em anexo junta-se diversos documentos onde consta a situação descrita(...)” (nosso sublinhado).

Afigura-se, em nosso entender, não satisfazer as exigências legais a apresentação de uma lista de documentos, para assim, sem mais, se justificar uma correção com base no método do pro rata. Quando muito, tal lista serviria apenas para demonstrar – o que não foi feito - eventuais casos de dedução indevida de IVA ou, em alternativa, apresentar de forma fundamentada, um novo rácio de imputação nas áreas de negócio nas quais se considera errado o critério de imputação dos custos mistos. 

Ademais, resulta expressamente consagrado, no artigo 23.º n.º 1, alínea a), e n.º 2 do Código do IVA, que, nas situações em que os bens e serviços adquiridos são utilizados, simultaneamente, em operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito, a dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo: tratando-se de um bem ou serviço parcialmente utilizado na realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica, o IVA não dedutível deve ser determinado de acordo como o método da afetação real, devendo neste âmbito ser utilizados critérios objetivos adequados à situação concreta.

Por conseguinte, por força da alteração legislativa ao artigo 23.º do Código do IVA[8], no que se refere aos sujeitos passivos mistos, os bens e serviços parcialmente afetos à realização de operações não decorrentes de uma atividade económica, o imposto não dedutível, em resultado dessa afetação parcial é determinado obrigatoriamente pelo método de afetação real.

O disposto no Código do IVA encontra-se em linha com o disposto na Diretiva IVA e com a posição adotada pelo TJUE de forma particularmente relevante, para o caso em apreço, no Acórdão Securenta. [9] A este propósito TJUE foi chamado pronunciar-se sobre o critério de repartição adequado quando os inputs são simultaneamente afetos a uma atividade económica e a uma atividade não económica. O Tribunal salienta que “a Sexta Diretiva não contêm qualquer disposição relativa aos métodos ou aos critérios que os EstadosMembros devem utilizar na separação dos montantes de imposto a montante relativos à actividade económica dos relativos à actividade não económica.” No entanto, alerta que os Estados-Membros no exercício desse poder devem assegurar os objetivos prosseguidos pela Diretiva, não podendo contrariar o princípio da neutralidade fiscal sobre o qual repousa o sistema comum de IVA. Finalmente, o Tribunal conclui que face à jurisprudência anterior é possível concluir “dos acórdãos Sofitam, Floridienne e Berginvest, Cibo Participations e EDM que as operações que não entram no âmbito de aplicação da Sexta Directiva devem ser excluídas do cálculo do pro rata de dedução referido nos artigos 17.° e 19.° da Sexta Directiva.”[10](Nosso sublinhado)[11].

Assim, seguindo a referida jurisprudência, no que respeita aos métodos de dedução previstos no referido artigo 23.º do Código do IVA (pro rata e afetação real) quando os inputs são utilizados simultaneamente para operações tributadas ainda que isentas e operações não tributadas (atividades fora do campo de imposto) os sujeitos passivos devem proceder à imputação direta das despesas a montante a cada uma dessas atividades de forma a deduzir o IVA suportado nas operações que conferem direito à dedução.

Ora, sendo facto assente que a Requerente exerce atividades económicas e outras não decorrentes de atividades económicas, o imposto não dedutível, resultante dessa afetação parcial, deverá apurar-se segundo o método da afetação real, utilizando critérios objetivos adequados à realidade económica do sujeito passivo.

Em suma, a AT incorre em erro nos pressupostos de facto e de direito, porquanto, ao contrário da sua argumentação, não se afigura que os critérios adotados pela Requerente de separação das despesas por áreas ou setores de atividade não sejam objetivos. Por outro lado, também não foi feita a demonstração de que as despesas constantes da lista de documentos apresentados pela AT estejam em parte relacionadas com operações que não se enquadram no conceito de atividade económica. 

Nesta conformidade, entende-se que a AT poderia discordar dos critérios definidos pela Requerente para suportar a dedução dos custos mistos, assim como poderia impor condições especiais ou fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar comprovadamente que provoca ou poderia provocar distorções significativas na tributação, nos termos do artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA.

Não poderia, porém, a AT impor uma correção com base na aplicação de pro rata global, o que consubstancia uma ilegalidade das correções efetuadas e subsequentes liquidações, nos termos dos artigos 23.º n.ºs 1 e 2 do Código do IVA. Neste sentido, é clarificador o Ofício citado no Relatório de Inspeção n.º…, de 23 de Abril de 2008, segundo o qual para efeitos do cálculo do pro rata, “o montante anual a inscrever que no numerador quer no denominador da fracção, não inclui as operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica, dado estas estarem previamente sujeitas à afetação real”.

Assim sendo, assiste razão à Requerente quanto à ilegalidade, por erro nos seus pressupostos de facto e de direito, das liquidações adicionais em apreciação.    

Termos em que procede o pedido arbitral quanto à ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e, nesta sequência, devem ser anuladas as liquidações adicionais de IVA n.º … no valor de € 50.422,93, n.º … no valor de € 6.742,51 e n.º … no valor de €12.788,18, bem como as referentes aos respetivos juros compensatórios n.º … no valor de € 1.866,72, n.º…, no valor de €1.052,20 e…, no valor de 8.377,11€, relativas ao exercício de 2011.

 

B. Questões prejudicadas

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito, que assegura efetiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que são imputados ao ato tributário em causa.    

            Na verdade, decorre do estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124.º do CPPT, que julgado procedente um vício que obste à renovação do ato impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados. Se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse. 

 

C. Pagamento de juros indemnizatórios

 

Como resulta da factualidade dada como provada, a 29 de Janeiro de 2016, a Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €82.020,30, correspondente ao imposto constante das liquidações impugnadas, acrescido de juros e outros encargos.

A Requerente pede o reembolso das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal até integral reembolso.

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação do IVA em razão da aplicação de novos métodos de cálculo (aplicação de um pro rata Global), a Requerente não só viu inviabilizado o reembolso que havia solicitado como teve que pagar a importância liquidada indevidamente pela AT. Nesta medida, tem a Requerente direito a reembolso do imposto indevidamente pago, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado», o que deverá ser determinado em execução de julgados.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

A ilegalidade das liquidações é imputável à Administração Tributária, que indeferiu por sua iniciativa a reclamação graciosa.

Em termos normais a Requerente deveria ser reembolsada nos termos do artigo 22.º do CIVA, o que não veio a acontecer por responsabilidade da AT, pelo que, consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se acorda neste Tribunal Arbitral :

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e, nesta sequência,
  2. Anular as liquidações adicionais de IVA n.º … no valor de € 50.422,93, n.º … no valor de € 6.742,51 e n.º … no valor de €12.788,18, bem como as referentes aos respetivos juros compensatórios n.º … no valor de € 1.866,72, n.º…, no valor de €1.052,20 e …, no valor de 8.377,11€, relativas ao exercício de 2011;
  3. Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, a calcular sobre o montante de imposto indevidamente pago, às taxas legais aplicáveis, desde a data do pagamento até à data de processamento da respetiva nota de crédito.

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 82 020,30 (oitenta e dois mil e vinte euros e trinta cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2 754 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela requerida (cfr o artigo 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de Janeiro de 2017

 

                                       O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

                                                 Fernanda Maçãs

 

 

                                                     (Presidente)

                                 

                                    Dr. Fernando de Jesus Amado dos Santos

                                                         (vogal)

                                                 Drª. Filipa Barros

 

 

                                                          (vogal)

 



[1] Vide, neste sentido, Sérgio Vasques, Caducidade do Direito à Liquidação, in Cadernos de IVA 2016, Almedina.  

[2] Cf. Sérgio Vasques (Cadernos de IVA 2016).

[3] Lei n.º 55-B/2004, 30.12.2014.

[4] Cf. Acórdão do STA, processo n.º 0303/07, de 07/12/2007 e, no mesmo sentido, o Acórdão Arbitral n.º 48/2015-T .  

[5] Rui Manuel Pereira da Costa Bastos, O Direito à Dedução do IVA, O caso particular dos inputs de utilização mista, in Cadernos IDEFF, n.º 15.

[6] Neste sentido, veja-se Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, “Prorata revisitado: a actividade económica e dedução do IVA na jurisprudência do TJCE”, Ciência e Técnica Fiscal, 2006, n.º 417. 

[7] Também neste sentido, Acórdãos do CAAD, Processo n.º 70/2014, de 9 de Março de 2014 e Processo n.º 15/2015 de 20 de Outubro de 2015, entre outros. 

[8] Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 – Lei do OE para 2008.

[9] Acordão do TJUE de 13 de Março de 2008, Proc. C-437/06, (caso Securenta) em que se refere o seguinte: “A determinação dos métodos e dos critérios de repartição dos montantes do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante entre actividades económicas e actividades não económicas, na acepção da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, insere-se no poder de apreciação dos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade e a economia desta directiva e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflicta objectivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas actividades. Os Estados-Membros estão habilitados a aplicar, sendo caso disso, quer uma chave de repartição segundo a natureza do investimento, quer uma chave de repartição segundo a natureza da operação, quer ainda qualquer outra chave adequada, sem estarem obrigados a limitar-se a um único destes métodos.”

[10] Vide ponto 40.

[11] Esta posição foi posteriormente reiterada no Acórdão do TJUE de 6 de Setembro, Proc. C-496/11 (Caso Portugal Telecom).