Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 284/2016-T
Data da decisão: 2016-12-02  IRC  
Valor do pedido: € 239.095,38
Tema: IRC – Taxas de amortização aplicáveis a aerogeradores
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Acórdão Arbitral

 

I – Relatório

 

1.      A contribuinte sociedade "A…, S.A.", com o NIPC … (doravante "Requerente"), apresentou, no dia 23 de Maio de 2016, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida").

2.      A Requerente vem pedir a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade dos actos de liquidação adicional (e correspondentes demonstrações de acerto de contas e demonstrações de liquidação de juros) do IRC nº 2015…, respeitante ao exercício de 2011, nº 2015…, respeitante ao exercício de 2012, nº 2015…, respeitante ao exercício de 2013, e nº 2015…, respeitante ao exercício de 2014, com montantes respectivamente de €65.137,65, €61.518,55, €59.284,95 e €52.745,61, acrescido do montante pago por emissão de garantias bancárias destinadas a suster as execuções fiscais entretanto instauradas. Arrolou quatro testemunhas.

3.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 6 de Junho de 2016.

4.      Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 20 de Julho de 2016.

5.      O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 4 de Agosto de 2016; foi-o regularmente e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1, do RJAT (com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

6.      Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 17º do RJAT, foi a AT notificada, em 7 de Agosto de 2016, para apresentar resposta.

7.      A AT apresentou a sua Resposta em 30 de Setembro de 2016, acompanhada de cópia do Processo Administrativo.

8.      Nessa resposta a AT alega, em síntese, a total improcedência do pedido da Requerente, e opondo-se à produção de prova testemunhal (também arrolando, contudo, à cautela, uma testemunha).

9.      O Despacho Arbitral de 3 de Outubro de 2016 dispensou a realização da reunião a que alude o art. 18º do RJAT, facultando às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas e fixando, para termo do prazo de prolação da decisão final, 30 dias após a apresentação de alegações pela Requerida, ou o termo do prazo de apresentação dessas alegações.

10.  As partes não apresentaram alegações escritas.

11.  O processo não enferma de nulidades e não subsistem mais questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

12.  A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.

13.  As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos dos arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

II – Fundamentação: a matéria de facto

 

II.A. Factos que se consideram provados e com relevância para a decisão

 

1)       A Requerente é uma sociedade anónima cuja actividade principal é a produção de energia eólica (CAE: …) para venda à D… S.A..

2)       A Requerente é proprietária do Parque Eólico da …, no Concelho de …, compreendendo um total de 5 aerogeradores.

3)       A Requerente celebrou, em Abril de 2006, na qualidade de adquirente / dono da obra ("PURCHASER"), com a empresa "C…, S.A.", esta na qualidade de fornecedora / empreiteira ("CONTRACTOR"), um contrato para a instalação de 5 aerogeradores no Parque Eólico, do qual consta, no seu ponto 1.3 ("General Information") que "The CONTRACTOR will design, manufacture build and assemble the WIND FARM for a operating period (design life) of at least twenty (20) years. [§] The CONTRACTOR will follow the latest Portuguese and international (IEC and ISO) regulations […]" (Anexo 7 do Relatório da IT).

4)       O Standard Internacional IEC …-1, de Agosto de 2005, aplicável por força do contrato, refere na sua p. 22 que há 3 classes de turbinas e estabelece que "The design lifetime for wind turbine classes I to III shall be at least 20 years" (Anexo 6 do Relatório da IT).

5)       No Estudo Técnico "Período de Vida Útil Esperada" de Equipamentos de Conversão de Energia Eólica elaborado pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia em Dezembro de 2013, e junto aos autos tanto pela Requerente (Doc. nº 13 anexo à p.i.) como pela Requerida (Doc. nº 1 anexo à sua resposta), lê-se que "A metodologia desenvolvida pelo LNEG permitiu concluir que o período de vida útil máxima de uma turbina eólica se situa entre os 20 e os 25 anos" (p. 3), "o período de vida útil esperado para as turbinas eólicas (cerca de 20 anos)" (p. 6), "Na sua maioria, as análises económicas e ambientais dos projectos do sector eólico desenvolvem os estudos com base na vida expectável dos equipamentos, i.e. 20 anos" (p. 10); e, no caso específico de Portugal (pp. 17-20), "este valor de redução corresponde a um período de vida útil máxima entre os 20 e os 25 anos" (p. 20).

6)       Em Setembro e Outubro de 2015 a Requerente foi objecto de uma acção de inspecção tributária, tendo a acção inspectiva incidido sobre os exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014.

7)       A acção inspectiva de âmbito geral, realizada pela Direcção de Finanças de Lisboa, foi determinada pelas ordens de serviço n.ºs OI2014…, OI2015…, OI2015… e OI2015…, e assentou no facto de, em exercícios anteriores, terem sido detectadas irregularidades em matéria de práticas de amortização / reintegração dos bens de equipamento.

8)       Dessa acção inspectiva resultou a proposta de realização de correcções à matéria tributável, nos valores respectivamente de €210.295,37, €210.715,97, €210.715,97 e €210.715,97, diferenças entre as depreciações praticadas e contabilizadas pela requerente considerando um período de vida útil de 15 anos (à taxa anual de 6,67%) e as depreciações aceites fiscalmente considerando-se um período de vida útil dos equipamentos de 20 anos (à taxa anual de 5%).

9)       Essa proposta assentou na dupla circunstância de: a) se constatar que a Requerente estar a praticar uma taxa de depreciação superior à aceite pela Requerida (ou seja, assente num período de vida útil de 15 anos e não de 20 anos); b) se ter detectado que em 2011 tinham sido contabilizadas despesas imputáveis ao exercício de 2008.

10)   No primeiro caso, tratava-se da circunstância de o equipamento não ter taxas de depreciação especificadas na tabela anexa ao Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro, subsumindo-se ao código "… – Não especificadas" e aplicando-se-lhes o regime previsto no art. 5º, 3 do Decreto Regulamentar nº 25/2009 e no art. 31º, 2 do CIRC.

11)   No segundo caso, tratava-se de violação do princípio da especialização dos exercícios, estabelecido no art. 18º, 1 e 2 do CIRC.

12)   Quanto às taxas de amortização, a Requerida obteve informação de entidades independentes que apontam para um valor de vida útil estimado para os aerogeradores de 20 anos, pelo que rejeitou a depreciação praticada, à taxa de 6,67%, por uma depreciação aceite, à taxa de 5%.

13)   O cálculo do valor a corrigir foi efectuado do seguinte modo:

Exercícios

Taxa 6,67%

Taxa 5%

Correcção

2011

€841.181,51

€630.886,14

€215.295,37

2012

€841.602,11

€630.886,14

€210.715,97

2013

€841.602,11

€630.886,14

€210.715,97

2014

€841.602,11

€630.886,14

€210.715,97

 

14)   Foram as seguintes as alterações à matéria colectável (MC):

Exercícios

MC declarada

MC alterada

2011

€786.074,98

€1.001.370,35

2012

€1.026.153,89

€1,236.869,86

2013

€1.098.651,90

€1.309.367,87

2014

€1.258.066,76

€1.468.782,73

 

15)   A Requerente foi notificada do projecto de Relatório de Inspecção a 12 de Novembro de 2015, sendo notificada para exercer o direito de audição.

16)   Do referido Relatório consta, para além do mais, o seguinte:

“O equipamento básico, cujas depreciações estão a ser praticadas à taxa constante do código "…" da tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, corresponde aos cinco aerogeradores instalados no Parque Eólico da …, referidos no ponto 1.3.1.2 do Projeto de Relatório,

A tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, não prevê a depreciação deste tipo de equipamento. Assim, estão classificados como “…- Não especificadas". O SP aplicou a taxa de amortização de 6,67%, considerando como período de vida útil dos aerogeradores, 15 anos.

Nos termos do nºs 1 e 3 do artigo 31° do CIRC e do nº 3 do artigo 5° do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 setembro, "Relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no nº 1 (artigo 5º), taxas de depreciação ou amortização são aceites as que pela Direção-Geral dos impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período utilidade esperada".

"As taxas de depreciação para os parques eólicos não se encontravam previstas nas tabelas anexas ao Dec. Reg. Nº 25/2009, de 14 de Setembro, até à entrada em vigor da Lei n° 82-D/2014, de 31 de dezembro. As taxas das tabelas eram as mesmas do revogado Dec. Reg. No 2/90, de 12 de janeiro, e naquela altura (1990), ainda não se produzia energia eléctrica para comercialização com base nesta nova tecnologia.

Assim, a Autoridade Tributária aceitou as que considerou razoáveis, com base no n° 3 do artº 5° do Dec. Reg. Nº 25/2009", conforme informação nº 922/2015 (Parecer), da Direção de Serviços do RC/Divisão de Conceção, cfr. (Anexo V)

O fornecedor dos aerogeradores, a C…, considera que o tempo de vida útil estimado destes bens é, no mínimo de 20 (vinte) anos, de acordo com o ((Ponto 1.3 General information - “o contratante deverá fabricar, construir e montar o parque eólico para um funcionamento (vida útil) de pelo menos 20 anos”, inscrito nas Descrições Funcionais do Parque Eólico de …), cfr. (Anexo VI). Quando questionado o sujeito passivo, quanto à razão de depreciar o referido equipamento, considerando o período de vida útil de 15 anos e não o definido pelo próprio fornecedor, de 20 anos, informou-nos o mesmo que a proximidade do parque eólico do mar aumenta o nível de degradação dos aerogeradores, pelo que considerou razoável estimar um período de vida útil de 15 (quinze).

No entanto, a norma IEC …-1, emitida pela internacional Electrotechnical Commission aplicável a este setor de atividade, que ora se junta, cf. (Anexo VI), também prevê um período de vida útil de 20 (vinte) anos para os aerogeradores, não considerando como elemento relevante a proximidade do parque eólico do mar.

II.1.3 - Depreciações - Despesa de desmantelamento do parque

Como referido no ponto II.3.5.3 o sujeito passivo releva, nos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014 através da rubrica de depreciações e amortizações o gasto das despesas com o desmantelamento do parque eólico registado na conta 642 - Gastos de depreciação e de amortização/Ativos fixos tangíveis, no valor anual de € 63.836,32. (Anos 2013/2014) e € 63.836,34 (Anos 2011/2012)

Porém, porque os gastos com o desmantelamento não constituem uma componente do custo de aquisição dos equipamentos, de acordo com o disposto no art.º 2° do D.R. 25/2009. Não pode o gasto com as depreciações/amortizações das mesmas, nos referidos valores ser aceite fiscalmente, razão pela qual procedeu o sujeito passivo ao seu acréscimo ao resultado contabilístico ao Q07 (campo 721), nos diversos anos.

II.1.4 - Conclusão - Valor das Depreciações e Amortizações a corrigir

Face ao exposto, propõe-se a correção do valor das depreciações registadas como gasto em cada um dos exercícios em análise, resultante da diferença entre as depreciações praticadas e contabilizadas pela empresa considerando o período de vida útil de 15 anos, e o valor das depreciações que, nos termos legais, pode ser aceite fiscalmente considerando-se o período de vida útil do bem, de 20 anos, conforme cálculos que se seguem:

17)   A Requerente exerceu o seu direito de audição, por escrito, em 30 de Novembro de 2015.

18)   Em Dezembro de 2015 a Requerente foi notificada da Nota de Liquidação nº 2015…, da Demonstração de Acerto de Contas nº 2015… e da Demonstração de Liquidação de Juros nº 2015…, e da Nota de Liquidação nº 2015…, da Demonstração de Acerto de Contas nº 2015.. e da Demonstração de Liquidação de Juros nº 2015…, relativos respectivamente aos exercícios de 2011 e 2012.

19)   Em Janeiro de 2016 a Requerente foi notificada da Nota de Liquidação nº 2015…, da Demonstração de Acerto de Contas nº 2016… e da Demonstração de Liquidação de Juros nº 2016..., e da Nota de Liquidação nº 2015…, da Demonstração de Acerto de Contas nº 2016… e da Demonstração de Liquidação de Juros nº 2016…, relativos respectivamente aos exercícios de 2013 e 2014.

20)   Para efeitos de suspender a cobrança judicial (em sede de execução fiscal que correm termos sob os nºs …2016…, …2016…, …2016… e …2016…) das liquidações em causa, a ora Requerente contratou quatro garantias bancárias junto do Banco D…, as quais implicaram pagamento inicial do valor total de € 409.62 (€ 112, 81+ €107,48 + € 90,31 + €99,02).

21)   De acordo com uma periodicidade trimestral, a Requerente liquida à sociedade E…, S L (que por ser quem detém a totalidade do capital da ora impugnante, foi quem contratou as garantias junto do banco D… em nome da executada) pela manutenção dessas garantias a quantia de €409,62.

22)   A ora Requerente já pagou, por força das garantias que prestou, a quantia de € 409,62.

 

II.B. Factos que se consideram não provados

 

Com base nos elementos documentais disponibilizados nos autos e consensualmente aceites pelas partes, verifica-se que, com interesse para a decisão da causa, nada ficou por provar.

 

III – Fundamentação: a matéria de Direito

 

III.A. Posição da Requerente

 

a)      A Requerente começa por alegar que a entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2015, da Lei nº 82-D/2014, de 31 de Dezembro, que passou a prever, numa alteração ao Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro, taxas de depreciação e amortização para equipamentos de energia eólica, e as fixou em 8%, provaria que o legislador teria reconhecido, correspondentemente, que o período mínimo de vida útil desses equipamentos seria de 12 anos e seis meses – e não de 20 anos, e nem sequer de 15 anos.

b)      A Requerente coloca em dúvida o modo como foi obtida a informação sobre vida útil dos equipamentos junto do fornecedor dos mesmos, e contesta, como obsoleta e descontextualizada, a norma IEC …-1, que converge para a indicação do prazo de 20 anos.

c)      Além disso, refere que a norma IEC …-1 não era, na sua generalidade e na sua base "standard", aplicável às circunstâncias específicas do parque eólico explorado pela Requerente, e que a norma refere uma mera expectativa de ocorrência de "condições ideais".

d)      Além disso, sugere que a mesma norma IEC…-1 escamoteia o carácter heterogéneo dos componentes dos aerogeradores, com diversos prazos de vida útil e por isso diversas condições de rentabilidade – sustentando que é "habitual" que os equipamentos comecem a ser substituídos ao final de 12 anos de funcionamento, ao mesmo tempo que refere que há perdas de rendimento / eficiência de 6% ao fim de 10 anos, com perdas de 3% por cada período subsequente de 10 anos, a acrescer a factores de obsolescência que chegam a proporcionar ganhos de 50% na substituição de geradores mais antigos.

e)      Todos esses argumentos concorreriam, segundo a Requerente, para a demonstração de que a vida útil média dos aerogeradores é inferior a 20 anos, correspondendo ao "reconhecimento" que dessa circunstância teria ficado plasmado no disposto na Lei nº 82-D/2014, de 31 de Dezembro, que no seu entender teria restabelecido a "razoabilidade" nesta matéria.

f)       Além disso, argumenta a Requerente que o que está em causa é somente a vida útil dos equipamentos, sendo, portanto, irrelevante a ponderação gobal do projecto que esses equipamentos servem – e que, no seu entender, teria dominado o cálculo da AT, na medida em que este se teria baseado mais em considerações puramente "técnicas ou tecnológicas", desligando-se de "condições de uso efectivo" por parte da Requerente, o que ela mesma entende constituir requisito de "razoabilidade".

g)      Por outro lado, além de invocar a jurisprudência do CAAD, a Requerente entende que os cálculos da AT levariam a valores inaceitáveis se se lhes aplicasse a conjugação dos arts. 5º e 19º do Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12 de Janeiro, da qual resulta que foram aplicadas taxas máximas.

h)      A Requerente insiste, de seguida, que o cálculo contabilístico de que fez depender a depreciação declarada foi a mais adequada à ponderação do "efectivo desgaste" dos equipamentos. E esclarece que essa ponderação resultou da convergência de 3 factores:

1-      Por ser de 15 anos o período pelo qual está garantido o pagamento da tarifa de energia produzida a partir de fontes renováveis (nos termos do Decreto-Lei nº 225/2007, de 31 de Maio, e sucessivas alterações);

2-      Pelo facto de aos aerogeradores explorados pela Requerente estarem expostos a desgaste muito superior ao habitual;

3-      Pelo facto de os aerogeradores serem máquinas complexas, em relação às quais não existem estudos fiáveis quanto à sua durabilidade estrutural.

i)       A Requerente enfatiza que foi a existência de um preço garantido pelo prazo de 15 anos que foi determinante no seu cálculo do retorno financeiro do investimento e, consequentemente, no seu cálculo da amortização dos equipamentos – sustentando até que nenhum operador do sector programou os seus investimentos para lá dessa meta temporal, e adiante conclui que a "vida útil" é sinónimo de "proveito" e "rentabilidade".

j)       Quanto à alegada violação do princípio da especialização, a Requerente esclarece que uma prestação devida em 2008 só foi paga em 2011 por ter decorrido, entre ambas as datas, um litígio judicial – não resultando, portanto, de omissão voluntária ou intencional, não havendo motivo imputável à Requerente, não havendo intenção de transferência de resultados entre exercícios nem de causar prejuízo ao Estado.

k)      Finalmente, a Requerente pretende ser ressarcida das garantias bancárias que, num valor total de €409,62 (a renovar trimestralmente), teve que contratar para suspender a cobrança judicial das liquidações ora em causa (processos n.os …2016…, …2016…, …2016… e …2016…).

 

III.B. Posição da Requerida

 

a)      Na sua Resposta, a Requerida sustenta as conclusões a que chegara já o Relatório Final da acção inspectiva, e nomeadamente que a taxa de amortização aplicada pela Requerente não pode ser considerada razoável, tendo em conta o período de utilidade esperada dos activos em causa.

b)      Invocando o regime legal aplicável, a Requerida entende, ao invés, que, tendo desenvolvido todas as diligências exigíveis para apurar de forma objectiva qual o período de utilidade esperada, obteve de diversas fontes independentes e credíveis a referência convergente ao valor de 20 anos de vida útil para os aerogeradores – sendo que foi desse valor que resultou a aplicação de nova taxa de amortização e a correcção à matéria colectável em sede de IRC.

c)      Com base nisso, entende a Requerida que exerceu regularmente o poder discricionário que lhe era conferido, à data, pelo art. 5º, 3 do Decreto Regulamentar nº 25/2009, em conjugação com o art. 31º, 2 do CIRC.

d)      Da leitura dos dois preceitos a Requerida enfatiza que neles se aponta para um único critério de ponderação para a fixação da taxa de amortização ou depreciação que, uma vez aceite pela AT, passa a ser a taxa em vigor: a ponderação do "período de vida útil esperada" dos bens do activo depreciável ou amortizável.

e)      Esses artigos não autorizam, pois, sublinha a Requerida, que se lance mão de uma multiplicidade de critérios, separada ou conjuntamente, como, no seu entender, pretende fazê-lo a Requerente. Neles, observa, não surgem expressões como "designadamente" ou "nomeadamente" que autorizem a adição de outros critérios, como aquele de "vida útil económica esperada" de que a Requerente lança mão, num aparente esforço de fazer coincidir a "vida útil esperada" dos equipamentos (um critério objectivo) com o prazo de determinado projecto económico (um critério subjectivo).

f)       A Requerida refere que o seu esforço de aferição objectiva não se limitou à consulta do contrato celebrado entre a Requerente e a fornecedora dos aerogeradores ou da norma IEC em vigor à data do contrato, como ainda se alargou a diversas empresas que fabricam e comercializam aerogeradores, que todas corroboraram o prazo de 20 anos para a "vida útil esperada" (o "lifetime cycle") desses equipamentos, e ainda a estudos académicos nacionais e internacionais, que cita.

g)      Desse esforço de aferição objectiva do que seja o "período de vida útil esperada" dos aerogeradores aduz a Requerida o argumento de que não cometeu qualquer erro flagrante ou grosseiro que pudesse perturbar o exercício legítimo do poder discricionário que, à data dos factos, lhe era conferido pela conjugação do art. 5º, 3 do Decreto Regulamentar nº 25/2009 com o art. 31º, 2 do CIRC – e que, portanto, não tem cabimento a impugnação contenciosa de tal exercício da uma discricionariedade técnica.

h)      A Requerida afasta ainda como irrelevante a invocação do subsequente regime da "Fiscalidade Verde", seja porque não se lhe pode dar alcance retroactivo seja porque não se pode questionar, por essa via, a legalidade com que em cada momento se conferiu à Administração poderes discricionários.

i)       Relativamente à questão da violação do princípio da especialização dos exercícios, a Requerida sublinha o facto de a acção judicial que opôs a Requerente ao Conselho Directivo de Baldios de … ter nascido do incumprimento contratual da própria Requerente, em 2008.

j)       A ser assim, a Requerida invoca a aplicação do art. 18º, 1 e 2 do CIRC, arguindo que os rendimentos ou gastos de 2008 só poderiam ser considerados imputáveis a 2011 se em 2008 fossem imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos – o que não era o caso, dada a situação de incumprimento contratual em que a Requerente se colocou em 2008.

 

III.C. Questões a decidir

 

A questão que se coloca primacialmente a decidir prende-se com a legalidade, ou não, da correcção operada pela AT, em que se fundam as correcções operadas nas liquidações impugnadas, e que a Requerente contesta, sendo que, “Em matéria de direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito (art. 664.º do CPC).”[1].

 

III.C.1 – Do mérito da causa

 

Conforme decorre dos factos dados como provados, a AT desconsiderou a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 15 anos, aplicada pela Requerente, porquanto entendeu que 20 anos seria, no seu juízo, o prazo razoável para o efeito.

A decisão da AT assenta no nº 2 do artigo 31º do CIRC e no n.º 3 do artigo 5° do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, que dispõem, respectivamente:

-          “Relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.”;

-          “Relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no n.º 1, taxas de depreciação ou amortização são aceites as que pela Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.”

A questão que se coloca a dirimir nos presentes autos foi já objecto de apreciação noutros processos arbitrais tributários, conforme indicado pelas partes, tendo, de um modo geral, as decisões proferidas ido no sentido de se substituírem ao juízo efectuado pela AT, considerando razoável o prazo inferior utilizado pelos contribuintes.

Ressalvado o muito respeito por tais decisões, considera-se pertinente e acertada a crítica efectuada no voto de vencido proferido no processo arbitral n.º 593/2015T[2], onde se nota que:

“Note-se que, nos termos do art. 31.º, 2 do Código do IRC e do art. 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, essas taxas de amortização passaram a ser as aplicáveis "ex lege", na medida em que aqueles preceitos atribuíram à AT um poder discricionário de fixação das taxas – num quadro específico de "discricionariedade técnica", como melhor veremos adiante.

Isso basta para encerrar a questão especificamente suscitada pela omissão de taxas de amortização expressas para os equipamentos em causa: aqueles preceitos apontam o caminho para se resolver essa questão, e esse caminho foi o seguido. Passou a haver taxas de amortização definidas nos termos legais, e foram essas que foram aplicadas.

(...)

Esclareçamos agora o nosso entendimento, seja quanto à existência, no caso, de discricionariedade técnica "stricto sensu", seja quanto às respectivas implicações em matéria de insindicabilidade contenciosa das decisões tomadas, nesse âmbito, pela AT.

A discricionariedade administrativa é mais um poder-dever do que uma pura liberdade de escolha, visto que tudo se subordina à prossecução do interesse público concreto, ainda que quanto ao conteúdo, quanto ao objecto, ou quanto à forma da solução administrativa possa admitir-se uma multiplicidade de vias igualmente válidas – ou seja, que não colidam com qualquer outro princípio norteador da actividade administrativa.

Nos casos em que a lei quis atribuir discricionariedade, deixa de ser legítimo ao Tribunal encarregado de controlar a legalidade de um acto de administração entrar na definição de um conteúdo, um objecto ou uma forma como únicos compatíveis com o fim a prosseguir, para, em função deles, apreciar o acto em questão – o que na prática significaria admitir que o Tribunal se substituísse à Administração Pública no traçado dos elementos do acto por ela praticado, negando a própria existência da discricionariedade estabelecida na lei.

A margem de livre decisão administrativa constitui assim um limite funcional à jurisdição administrativa, na medida em que aquela margem se centra em esferas de mérito, de conveniência ou de oportunidade na reserva de competência, sem implicações na validade da conduta administrativa, situando-se por isso à margem da sindicabilidade contenciosa, que só poderá valer para a violação dos limites externos do poder discricionário (ainda que subsista a possibilidade de controlo de mérito pela via graciosa, esta compatível ainda com a autonomia pública administrativa).

Por outras palavras, na pura discricionariedade administrativa os Tribunais têm que limitar-se a verificar se os limites legais da discricionariedade, os limites positivos de competência, de finalidade, de imparcialidade e de proporcionalidade foram ou não respeitados – não podendo sindicar o que quer que tenha resultado da decisão administrativa tomada na observância daqueles limites.

(...)

Não podendo o Tribunal substituir-se à Administração na formulação de um juízo que caiba estritamente no mérito e na oportunidade da acção desta, a discricionariedade técnica está em princípio subtraída, também ela, à sindicabilidade do Tribunal, a menos que ostente erro grosseiro, manifesto, crasso.

Em sentido estrito, a discricionariedade técnica é aquela em que, estando em causa a solução de questões que exijam conhecimento científico especializado, a Administração é forçada a tomar decisões amparada em informações e estudos técnico-profissionais, ficando a Administração vinculada, pois, à manifestação conclusiva dos profissionais consultados, não podendo em suma adoptar solução diversa da indicada pelos especialistas – sendo que as decisões administrativas desta natureza só poderão ser impugnadas judicialmente ou administrativamente se faltar o apoio nessas informações técnicas corroboradas por especialistas na matéria, ou se a decisão divergir ostensivamente das conclusões contidas nessas informações e estudos.

Na discricionariedade técnica os pressupostos que integram a previsão da norma configuram conceitos técnicos reportados a factos apenas verificáveis ou valoráveis com base em conhecimentos e instrumentos próprios de ciências que não a ciência jurídica.

Está em causa, pois, uma actividade administrativa traduzida em juízos técnicos de existência, juízos técnicos valorativos ou juízos técnicos de probabilidade, pelos quais a lei confere à Administração um poder de valoração técnica, que, não implicando ponderação comparativa de interesses secundários, envolve valoração de factos e circunstâncias de carácter técnico.

Daí que a doutrina tenha por vezes, no século e meio de elaboração do conceito (que terá surgido em meados do século XIX), usado a expressão "discricionariedade imprópria" como género de que a "discricionariedade técnica" seria uma espécie, procurando com isso enfatizar a ausência de juízos de oportunidade e conveniência que sobrelevem aos juízos de carácter estritamente técnico (a "discricionariedade técnica" estaria irmanada com a "liberdade probatória" e com a "justiça burocrática" dentro dessa família de "discricionariedades impróprias").

(...)

Por outro lado, na discricionariedade técnica "stricto sensu" não cabe o juízo de valoração assente em conceitos jurídicos ou juridico-técnicos indeterminados, um juízo que nada tem a ver com a margem de livre apreciação e decisão que caracterizam o genuíno juízo de discricionariedade, antes se reconduz às regras próprias da interpretação jurídica em via de aplicação puramente subsuntiva e, portanto, passível de controlo jurisdicional.

Com a técnica do conceito jurídico indeterminado não há discricionariedade: a lei refere-se a uma esfera de realidade cujos limites não aparecem bem enunciados, mas que podem ser determinados no caso concreto, por via de interpretação, não se admitindo mais do que uma solução, mais do que uma "densificação" do conceito.

Na discricionariedade técnica "stricto sensu" cabe, sim, o juízo de valoração assente em conhecimentos e regras próprias da ciência ou da técnica não-jurídicas que estejam em causa, sendo certo que não cabe ao Tribunal controlar a boa ciência ou a boa técnica empregues pela entidade administrativa, por manifesta falta de competência nas matérias extrajurídicas para tanto necessária.

Trata-se de casos em que a apreciação pela Administração exige a utilização de critérios técnicos, e a solução de questões técnicas deve realizar-se conforme regras e conhecimentos próprios – e a lei não apenas o reconhece como o impõe a todos os operadores do Direito (e não somente à Administração, sua primeira destinatária).

Verificando-se discricionariedade técnica "stricto sensu", o controle jurisdicional terá, portanto, que cingir-se às zonas de vinculação adjacentes, ou seja, novamente, limitar-se à verificação do respeito, ou não, dos limites legais da discricionariedade, dos limites positivos que presidiram à atribuição legal do poder discricionário e correspondentes prerrogativas – podendo especificamente sindicar-se, nas fronteiras da "margem de livre apreciação", (1) um erro grosseiro ou manifesto de apreciação (2) um erro nos pressupostos de facto (3) um desvio de poder ou (4) a violação manifesta dos princípios gerais da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa fé como princípios conformadores da actividade administrativa.

Mais especificamente, se a lei comete à Administração o poder de especificar uma valoração não previamente fixada pela própria lei, não pode um Tribunal proceder à reponderação dos juízos efectuados pela Administração nesse âmbito, a não ser que esteja demonstrada a existência de erro grosseiro ou manifesto – nomeadamente a falta de apoio em informações e estudos técnico-profissionais corroborados por especialistas e reclamados pela densificação de conceitos extrajurídicos.

(...)

Estamos aqui muito próximos do âmbito no qual se tem desenvolvido, nos EUA, o tema da "discricionariedade técnica", lá muito centrado na delimitação da competência das agências reguladoras, seja para definir os limites de sua função normativa, seja para estabelecer os limites do correspondente controle jurisdicional.

Aí emergiu a técnica dos "standards", pela qual a lei se limita a estabelecer parâmetros, princípios, conceitos indeterminados, ficando para as agências a função de especificarem normas reguladoras, directrizes – regras especializadas e descentralizadas, assentes em conhecimentos técnicos inabarcáveis, na sua especificidade, seja pelo próprio legislador, seja pelo controle judicial.

Não pode um Tribunal sindicar aqueles juízos, insiste-se, por muito que eles divirjam do entendimento dos particulares ou do entendimento do próprio julgador – tendo um Tribunal que cingir-se às zonas de vinculação adjacentes, e quando muito demonstrar, através de outras informações técnico-profissionais corroboradas por especialistas, que as informações e estudos utilizados pela Administração em apoio dos seus juízos eram gritantemente falsos, caprichosos ou inadequados, ou que foram ostensivamente, grosseiramente, desconsiderados nos próprios juízos efectuados pela Administração para a pretendida densificação de conceitos extrajurídicos.

Insistamos que a mera divergência de juízos entre a Administração e os particulares, ou até entre a Administração e o Tribunal, não constitui prova de qualquer erro ou vício do acto impugnado que seja passível de sindicância contenciosa, e não legitima de modo algum que o Tribunal se substitua à Administração na formulação de um juízo que cabe estritamente no mérito e na oportunidade da acção desta.

E tanto assim é que, em casos de erro grosseiro em que possa concluir-se que a Administração exorbitou dos seus poderes e saiu abertamente do campo da discricionariedade técnica para entrar no da ilegalidade, a ponto de o Tribunal poder anular a decisão administrativa em causa, é pacífico que o Tribunal não pode nunca substituir a decisão administrativa anulada por outra que repute mais adequada – ou seja, não pode, sem violação do princípio constitucional da separação de poderes, avocar para si aquela discricionariedade técnica.

Não pode um Tribunal sindicar aqueles juízos, em suma, salvo nesses pressupostos estritos, salvo quando seja patente um erro crasso, palmar, ostensivo, traduzido em grave desajustamento da decisão à situação concreta e à prossecução do interesse público, em termos em que poderia ter-se por arbitrária a exclusão da sindicabilidade por meios não-técnicos – pois a não ser assim, sem todas estas salvaguardas, a discricionariedade técnica "stricto sensu" seria letra morta, tudo soçobrando em vinculação estrita, e a invocação de uma margem de livre apreciação e valoração técnica cometida à Administração passaria a ser uma bizarra ficção antijurídica.

(...)

Voltando ao caso, e resumindo.

Se aceitarmos que há um poder discricionário estabelecido a favor da AT, não podemos cair na tentação de proceder a uma "comparação de razoabilidades" entre períodos de depreciação, o proposto pela Requerente e o proposto pela AT: a lei vedou-o expressamente ao estabelecer um poder discricionário a favor da AT.

Assim, para rejeitar como "não razoável" um prazo proposto pela Requerente, bastou à AT desenvolver uma diligência no sentido de demonstrar que esse prazo não decorre do conceito de "vida útil esperada" que ela mesma, AT, perfilha. A AT fê-lo; e ao fazê-lo não violou ostensivamente, grosseiramente, quaisquer dos princípios gerais de direito a que está submetida.

Dada a discricionariedade técnica, não compete a nenhum Tribunal entrar no mérito substantivo da liquidação, e menos ainda a um tribunal arbitral, que deve cingir-se a questões de legalidade (art. 2.º do RJAT).

Pode este Tribunal, ou qualquer outro, achar que é mais razoável o prazo proposto pela Requerente, ou pode ao invés achar que é mais razoável o prazo proposto pela AT – mas essa avaliação é, e tem que ser, irrelevante no caso, porque, insiste-se, o estabelecimento por lei de um poder discricionário, como o que foi exercido, veda qualquer possibilidade de "comparação de razoabilidades" entre períodos de depreciação, como veda qualquer outro juízo de mérito.

O que restaria a este Tribunal, ou a qualquer outro Tribunal, seria sindicar as zonas de vinculação adjacentes ao exercício da referida discricionariedade técnica, demonstrando que a AT adoptou um procedimento gritantemente, grosseiramente, incorrecto, a ponto de não deixar dúvidas quanto a poder ferir de ilegalidade o exercício do poder discricionário – a ponto de permitir que, com base num juízo não-técnico, fosse evidente a anti-juridicidade dos resultados da actuação da AT.”

Subscreve-se, integralmente, tal entendimento, ou seja, o de que as normas em questão conferem à AT uma discricionariedade técnica, pelo que o Tribunal apenas poderá “sindicar as zonas de vinculação adjacentes ao exercício da referida discricionariedade técnica, demonstrando que a AT adoptou um procedimento gritantemente, grosseiramente, incorrecto, a ponto de não deixar dúvidas quanto a poder ferir de ilegalidade o exercício do poder discricionário – a ponto de permitir que, com base num juízo não-técnico, fosse evidente a anti-juridicidade dos resultados da actuação da AT.”.

Todavia, no caso, julga-se que é isso que acontece, ou seja, que o poder discricionário foi, face à lei incorrectamente exercido, o que se procurará demonstrar por duas vias.

Senão vejamos.

Embora, in casu, se esteja no campo da discricionariedade técnica, serão aplicáveis, directamente, as considerações tecidas no Acórdão do STA de 27-11-2013, proferido no processo 01159/09[3], a propósito da aplicação de conceitos indeterminados, entendendo-se que:

“Desse modo, deparando-se com conceitos indeterminados, cabe ao órgão decisor, desde logo, apreender-lhes o sentido e alcance através de operação interpretativa da norma em que se inserem, pois a lei há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a sua interpretação. Operação interpretativa que, sendo vinculada, também cabe ao tribunal sindicar.

Nessa medida, e como bem observa ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA (In “Conceitos Indeterminados no Direito Administrativo”, Almedina, 1994, p. 18 e 60.), os “conceitos jurídicos indeterminados" possuem peculiaridades no âmbito do Direito Administrativo, já que aí o juiz tem a função de fiscalizar se a administração deu a correta interpretação e aplicação a esses conceitos. A interpretação e aplicação de conceitos jurídicos indeterminados pela administração constitui, portanto, uma actividade estritamente vinculada à lei. Admitir qualquer margem de apreciação a favor da Administração «significaria alargar o campo da discricionariedade ao Tatbestand legal e com isso se estaria a aplicar um grave golpe nas garantias do cidadão que o Estado de Direito não admite».”

Ou seja: a norma que confere os poderes de discricionariedade técnica à AT, não deixa de ser uma norma jurídica, carente de, antes da aplicação (onde a discricionariedade é exercida), interpretação, interpretação esta que é, naturalmente, jurisdicionalmente sindicável.

Não se trata aqui, assim, transpor para o domínio da discricionariedade técnica, o especial dever de fundamentação que assiste à Administração quando aplica conceitos indeterminados, mas antes de afirmar tal como acontece com as normas que contêm estes, relativamente às normas que conferem aquela é necessário “apreender-lhes o sentido e alcance através de operação interpretativa da norma em que se inserem, pois a lei há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a sua interpretação. Operação interpretativa que, sendo vinculada, também cabe ao tribunal sindicar.”.

Dito de outro modo, a norma que confere poderes discricionários à Administração carece ela própria de interpretação, desde logo no sentido de determinar quais os concretos poderes que são conferidos – no fundo, qual a tarefa que o legislador pretende que seja confiada à discricionariedade da Administração, sendo que tal operação hermenêutica, como não pode deixar de ser, é jurisidicionalmente sindicável.

Assim, desde logo, e no caso, afigura-se que a interpretação que a AT fez das normas jurídicas em questão, acima indicadas, não é a correcta, tendo a AT determinado, erradamente, qual a tarefa que nos termos daquela, lhe cabia.

Com efeito, a AT, conforme resulta do relatório de inspecção acima transcrito, limita-se a indicar um valor, como o número de anos que entende razoável para a amortização dos equipamentos em causa.

Ora, salvo melhor opinião, não é esse o sentido das normas aplicadas.

Efectivamente, quer uma quer outra das normas, referem-se a situações em que, para um determinado elemento, não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, dispondo que, nesse caso, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis.

Ora, a utilização do plural não pode deixar de ser significativa, e o significado não deverá deixar de ser o de que à AT não cumpre fixar uma taxa de depreciação única como sendo a razoável, mas, antes, a de fixar um intervalo de taxas que sejam consideradas razoáveis.

Efectivamente, no labor hermenêutico a operar, não se pode deixar de notar que as normas em questão não prescrevem que a AT se substitua ao legislador na indicação de uma percentagem, análoga às fixadas na tabela que é omissa relativamente ao elemento a amortizar, mas na indicação das taxas de depreciação ou amortização que sejam razoáveis.

Ora, as taxas de depreciação ou amortização aceitáveis, no sistema vigente, estão compreendidas dentro de um intervalo decorrente entre o período mínimo e máximo de vida útil de um bem, tal como definido no artigo 3.º/2 do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro.

Daí que, estando em causa o suprimento de omissões da tabela anexa ao referido D.R., deverá a AT proceder nos mesmos termos, fixando, não uma taxa de amortização ou depreciação fixa, em função de um conceito de “vida útil esperada”, preenchido por um juízo de “valor médio de utilidade esperada”, mas tal como decorre do regime daquele mesmo D.R. e tabela anexa, um intervalo de taxas de depreciação ou amortização razoáveis, compreendido entre um período de vida mínima razoável e um período de vida máxima razoável (tendencialmente equivalente ao dobro do período de vida mínima)[4] tal como, para os elementos constantes da referida tabela, ocorre, sendo, precisamente, esse, o sentida da utilização do plural da palavra “taxa”, e respectivas concordâncias, nas normas dos artigos 31º/2 do CIRC e 5°/3 do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro.

De outro modo, ou seja, ao entender-se que a AT poderia, em cada caso concreto onde fosse chamada a pronunciar-se, fixar para um mesmo tipo de elemento do activo, uma a taxa de amortização concreta, e, consequentemente, um período de vida útil único, em função do que, nesse caso concreto, se lhe afigurasse razoável, cair-se-ia numa inaceitável falta de generalidade nas decisões da Administração, remetendo-se para um "casuísmo" que é precisamente o contrário daquilo que o sistema jurídico impõe que aconteça no preenchimento de lacunas legais através do exercício de poder discricionário.

Os valores da segurança e da justiça reclamam que, quando à Administração é legalmente cometido o poder discricionário de preencher lacunas da própria lei, a Administração deva agir no mesmo plano de abstracção e generalidade que presidem idealmente à fixação dos critérios legais, quando estes existem.

No caso das normas em apreço, quando a lei alude ao "são aceites", não pode, pois, deixar de referir-se à admissibilidade de um intervalo de taxas, que passam a vigorar para um universo de equipamentos omissos, tenham eles sido já, ou não, objecto de amortização ou depreciação, de liquidação de imposto ou de litígio com a própria Administração.

A Administração tem despertada ou não pela iniciativa declarativa de algum contribuinte, que tentar apurar, com imparcialidade, com generalidade, abstracção e congruência, as taxas que passam a ser as "aceites" para aquele caso e para todos os outros.

A não ser assim, as próprias garantias que, para os contribuintes, resultam da imparcialidade e da generalidade seriam colocadas em xeque: um contribuinte veria a sua taxa de 5% ser ou não aceite – mas quem lhe garantiria que outro contribuinte, com o mesmo tipo de equipamento mas não conseguiria ver "aceite" uma taxa de 7 ou 8%?

Por outro lado, apenas a fixação de um conjunto de taxas razoáveis, correspondentes ao intervalo de vida útil mínima e máxima de um elemento do activo omisso, fixado de um ponto de vista da generalidade e da abstracção, permite evitar que um contribuinte com equipamento análogo a outro a que a AT tivesse fixado uma determinada taxa precisa de depreciação ou amortização, mas que o utilizasse em circunstâncias diversas, influentes do respectivo período de vida útil, não fique irremediavelmente prejudicado, pelas circunstâncias valoradas pela AT, próprias do primeiro caso que apreciasse.

Deste modo, o entendimento ora sustentado, não só, julga-se, não vai contra os princípios da segurança, da igualdade e da generalidade jurídicas, nem contra o dever genérico de imparcialidade que impende sobre a Administração, como, pelo contrário, será imposto por eles.

Assim, apenas "aceites" taxas de depreciação correspondentes a um período de vida útil mínimo e máximo, pela AT, e passando as mesmas a vigorar para todos os casos similares, nos termos expressos do regime legal, fica preenchida a lacuna e a taxa em vigor deixa de ser a taxa "da AT" para ser a taxa da própria Lei. Só dessa forma, julga-se, se dá execução ao comando legal de fixar “taxas” (no plural) de amortização ou depreciação, não se concebendo como é que a fixação de uma taxa de depreciação única poderá corresponder à intenção legislativa, quando, justamente, não é esse o modus operandi do legislador ao tratar a mesma matéria, por um lado, e o comando legislativo é claro ao prescrever a aceitação de “taxas” razoáveis, por outro.

De resto, esta interpretação sempre seria imposta pelo princípio da igualdade, na medida em que justificação material alguma existe para que os contribuintes possam utilizar taxas de depreciação compreendidas entre o período mínimo e máximo de vida útil dos bens, no caso de os mesmos constarem da tabela anexa ao Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, e de apenas poderem utilizar uma taxa única (precisamente a considerada razoável pela AT), no caso de não constarem.

E, note-se, tal como no caso dos elementos integrantes da tabela anexa ao Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, não há qualquer dificuldade com o intervalo de taxas de amortização ou depreciação resultante da conjugação da tabela com o regime de tal decreto, nos casos omissos, de fixação pela AT do intervalo de taxas razoáveis admissíveis, não haverá. Efectivamente, o procedimento subsequentemente será precisamente o mesmo, ou seja, dentro do intervalo fixado, seja pela conjugação do regime do DR e respectiva tabela anexa, seja pela AT, o contribuinte escolherá a taxa mais adequada à sua situação concreta, sem que haja, numa como noutra situação, quaisquer melindres, casuísmo ou arbítrio, ou, para quem assim não entenda, havendo os mesmos em ambas as situações.

Daí que, ao indicar, nos termos dos artigos 31º/2 do CIRC e 5.º/3 do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, uma única taxa de amortização, correspondente a um período de vida útil fixo, a AT incorreu em errada aplicação daqueles normativos e, consequentemente, a um errado exercício do poder de discricionariedade técnica que eles lhe deferem.

Estando-se aqui a sindicar uma ilegalidade prévia ao exercício do poder discricionário que as normas em questão deferem à AT, naturalmente que não se está a entrar na matéria da substância do exercício de tal poder, não se discutindo, portanto, o acerto técnico da solução a que chegou, na medida em que o que se conclui é que a solução a que chegou não era aquela que os comandos normativos que lhe conferem o poder discricionário prescreviam que produzisse.

 

*

 

Não se fica por aqui, todavia, a incorrecta intervenção da AT no caso dos autos. Com efeito, a situação em causa não é uma em que um contribuinte, confrontado com a ausência de um bem na tabela anexa ao Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, solicita à AT a indicação de taxas de depreciação ou amortização que considere razoáveis.

Antes, no caso, a Requerente, nos termos legais, apresentou a sua declaração fiscal[5], possuindo a sua contabilidade devidamente organizada, e a AT pretendeu proceder, e procedeu, a correcções àquela, sendo um caso em que “É à AT que cabe a obrigação da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável)”[6].

Ou seja, confrontada com a declaração da Requerente, à AT, cumpria, em primeira linha, demonstrar que aquela estava errada, decorrendo tal ónus não das normas dos nºs 2 do artigo 31º do CIRC e 3 do artigo 5° do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, mas do artigo 74.º/1 da LGT, conjugado com o artigo 75.º/1 da mesma Lei[7].

Ora, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, demonstrar que a taxa de depreciação utilizada pela Requerente, correspondente a um período de vida útil de 15 anos, estava incorrecta – i.e. não era “razoável” – não é o mesmo que demonstrar que a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 20 anos, é correcta – i.e. “razoável”, que foi o que a AT fez.

Dito de outro modo, a circunstância de a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 20 anos, ser razoável, nada diz sobre a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 15 anos, ser, ou não, razoável[8].

Assim, sendo, como se referiu, ónus da AT demonstrar a verificação dos pressupostos da legalidade da sua actuação, e fazendo parte de tais pressupostos a incorrecção do declarado pela Requerente, conclui-se que a AT não demostrou cabalmente tais pressupostos, já que, em lugar de demonstrar que a taxa de depreciação ou amortização subjacente ao declarado pela Requerente não era razoável, limitou-se a demonstrar que a taxa de depreciação ou amortização correspondente a um período de vida útil de 20 anos era razoável, de onde não decorre, de forma nem necessária nem directa, que a taxa de depreciação ou amortização correspondente a um período de vida útil de 15 anos, utilizada pela Requerente, não era razoável.

 Desta forma, não tendo demonstrado a AT a legalidade da sua intervenção correctiva, deverá, também por esta via, a mesma ser considerada ilegal.

 

***

 

A Requerente peticiona também o reconhecimento do direito a indemnização por custos sofridos com a garantia prestada.

A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da alínea b) do art. 24.º do RJAT.

No mesmo preceito “o legislador deixou claro que os efeitos aí previstos são “sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário”. Considera-se a este propósito que o legislador aqui se está a referir a todos os efeitos que decorram do CPPT, para o sujeito passivo, e que são aplicáveis após a consolidação na ordem jurídica de uma determinada situação jurídico-fiscal, decorrente de uma decisão definitiva seja ela graciosa ou judicial.[9]

Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização por garantia indevida, conforme resulta do art. 171.º do CPPT.

Como se referiu na decisão proferida no Processo nº 28/2013-T[10]:

“é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”

Conclui-se, assim, que este tribunal é competente para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

No caso em apreço, é manifesto que o erro que padecem os actos de liquidação é imputável à Entidade Requerida pois as liquidações foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Tem, por isso, a Requerente direito a indemnização pela garantia prestada, com referência ao valor cuja anulação foi determinada e não se encontra ainda pago, no valor de € 409,62, acrescido do que entretanto venha ainda a demonstrar-se suportado, se necessário em execução de sentença.

           

IV. Decisão

 

Em face de tudo quanto antecede, decide-se julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

 

a) Anular os actos de liquidação adicional (e correspondentes demonstrações de acerto de contas e demonstrações de liquidação de juros) do IRC nº 2015…, respeitante ao exercício de 2011, nº 2015…, respeitante ao exercício de 2012, nº 2015…, respeitante ao exercício de 2013, e nº 2015…, respeitante ao exercício de 2014, com montantes respectivamente de €65.137,65, €61.518,55, €59.284,95 e €52.745,61;

 

b) Condenar a Requerida no pagamento de indemnização por garantia indevida, no valor de € 409,62, acrescido do que, entretanto, venha ainda a demonstrar-se suportado, se necessário em execução de sentença;

 

c) Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em €239.095,38, nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

 

Custas a cargo da Requerida, dado que o presente pedido foi julgado totalmente procedente, no montante de €4.284,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Lisboa, 02 de Dezembro de 2016

 

Os Árbitros

 

 

 

 

 

José Pedro Carvalho

(Presidente)

 

 

 

 

Fernando Araújo

(Vencido, nos termos do voto em anexo)

 

 

 

 

 

 

 

André Sousa Tavares

 

 

 

 

Voto de Vencido

 

SUMÁRIO

 

1. O caminho legal para a fixação das taxas de amortização

2. A aferição objectiva e não subjectiva

3. A irrelevância de regimes legais supervenientes

4. Da discricionariedade administrativa à discricionariedade técnica

5. A discricionariedade técnica

6. A discricionariedade técnica "stricto sensu"

7. A inimpugnabilidade das regras técnicas

8. O princípio da igualdade e o dever de imparcialidade

9. O caso concreto

10. Conclusão

 

1. O CAMINHO LEGAL PARA A FIXAÇÃO DAS TAXAS DE AMORTIZAÇÃO

 

Dado que o art. 31º, 2 do Código do IRC e o art. 5º do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro, estabeleciam que, para as taxas de amortização não fixadas, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) aceitará as que forem "consideradas razoáveis, tendo em conta o período de vida útil esperada daqueles elementos", a AT contactou os fornecedores do equipamento em causa, e outras fontes, normativas, convencionais e periciais nestas áreas técnicas e científicas, que informaram que os períodos de amortização relevantes eram de 20 anos para os aerogeradores – e não de 15 anos para esses equipamentos, como tinha indicado a Requerente.

A AT agiu de acordo com aquilo que aqueles preceitos lhe impunham.

Com efeito, da conjugação do art. 31º, 2 do Código do IRC e do art. 5º do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro, não resulta uma multiplicidade de critérios que esteja ao alcance da AT escolher, mas somente um: o da aplicação de taxas que a AT considere razoáveis tendo em conta o período de utilidade esperada.

A AT socorreu-se de informação técnica e científica independente para chegar à determinação da razoabilidade no caso; e, nos termos do art. 31º, 2 do Código do IRC e do art. 5º do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro, rejeitou o período de amortização de 15 anos que tinha sido utilizado, adoptando antes o período de amortização de 20 anos, daí resultando uma taxa de amortização de 5%, diversa da taxa de 6,67% que tinha sido aplicada pela Requerente.

Note-se que, nos termos do art. 31º, 2 do Código do IRC e do art. 5º do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro, essa taxa de amortização passou a ser a aplicável "ex lege", na medida em que aqueles preceitos atribuíram à AT um poder discricionário de fixação das taxas – num quadro específico de "discricionariedade técnica", como melhor veremos adiante.

Isso basta para encerrar a questão especificamente suscitada pela omissão de taxas de amortização expressas para os equipamentos em causa: aqueles preceitos apontam o caminho para se resolver essa questão, e esse caminho foi o seguido. Passou a haver taxas de amortização definidas nos termos legais, e foram essas que foram aplicadas.

 

2. A AFERIÇÃO OBJECTIVA E NÃO SUBJECTIVA

 

Note-se ainda que esse caminho é o da aferição objectiva das taxas de amortização, e não o caminho da aferição subjectiva, como pretendeu a Requerente, seja quando alegou que o "período de utilidade esperada" seria o período dos lucros gerados pelo regime de tarifa subsidiada pelo período de 15 anos, previsto no Decreto-Lei nº 189/88, de 27 de Maio, e na verba 20 do Anexo II ao Decreto-Lei nº 33-A/2005, de 16 de Fevereiro; seja quando, no seio da acção inspectiva, alegou que a proximidade do oceano determinaria uma degradação acelerada dos equipamentos

Uma "taxa" subjectivamente calculada com o objectivo específico e assumido de coincidir com um período de tarifa subsidiada não é uma verdadeira taxa de amortização de um equipamento, é um mero expediente contabilístico que visa assegurar uma espécie de "encontro de contas" findo esse período.

Uma "taxa" subjectivamente calculada ao arrepio de todas as normas científicas e técnicas disponíveis e assente numa localização geográfica que foi incorporada já na aferição objectiva da durabilidade dos equipamentos, e continua a remeter para o período de 20 anos – mesmo nas "offshore wind farms", e nas "floating turbines" das "deep water offshore wind farms", que não estão perto do oceano mas sim em pleno oceano – não é uma taxa atendível, a menos que se queira fazer tábua-rasa da ciência e da perícia tecnológica em favor de declarações circunstanciais dos contribuintes, dando o flanco ao surgimento do arbítrio em futuras decisões tomadas, insiste-se, em oposição a todas as informações técnico-profissionais disponíveis (senão mesmo em desprezo por essas informações, com dúvidas lançadas sobre a respectiva fiabilidade…).

 

3. A IRRELEVÂNCIA DE REGIMES LEGAIS SUPERVENIENTES

 

Note-se também, por outro lado, que a superveniência de um outro regime legal no qual a omissão normativa originária deixou de existir – nomeadamente o regime de "Fiscalidade Verde" (Lei nº 82-D/2014, de 31 de Dezembro) que permite amortizações em prazos como o adoptado pela Requerente, ao estabelecer prazos de vida útil a estes equipamentos com duração mínima de 12,5 anos e máxima de 25 anos – não tem nem pode ter qualquer relevância para o caso, já que aqui vigorava, à data dos factos, um poder discricionário que foi regularmente exercido pela AT, dele resultando a fixação de taxas de amortização que eram as legalmente aplicáveis, naquela data, aos equipamentos em causa.

Admitamos que, se a sucessão de regimes legais pudesse servir de base adicional, e excepcional, para a impugnação de uma decisão tomada no exercício de um poder discricionário, então não só todas as decisões da Administração assim tomadas ficariam fragilizadas porque sujeitas a um estatuto precário, ao menos dentro dos prazos de caducidade (ou até, por absurdo, teriam tais decisões que ter-se por "não-razoáveis" pela única circunstância de não incorporarem um juízo de prognose quanto a possíveis regimes futuros dentro de um prazo de caducidade); mas os próprios critérios legais que tivessem sido preenchidos pelo exercício de um poder discricionário da Administração ficariam criticamente expostos à sucessão de regimes, numa infindável cascata de retroactividades.

 

4. DA DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA À DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA

 

Esclareçamos agora o nosso entendimento, seja quanto à existência, no caso, de discricionariedade técnica "stricto sensu", seja quanto às respectivas implicações em matéria de insindicabilidade contenciosa das decisões tomadas, nesse âmbito, pela AT.

A discricionariedade administrativa é mais um poder-dever do que uma pura liberdade de escolha, visto que tudo se subordina à prossecução do interesse público concreto, ainda que quanto ao conteúdo, quanto ao objecto, ou quanto à forma da solução administrativa possa admitir-se uma multiplicidade de vias igualmente válidas – ou seja, que não colidam com qualquer outro princípio norteador da actividade administrativa.

Nos casos em que a lei quis atribuir discricionariedade, deixa de ser legítimo ao Tribunal encarregado de controlar a legalidade de um acto de administração entrar na definição de um conteúdo, um objecto ou uma forma como únicos compatíveis com o fim a prosseguir, para, em função deles, apreciar o acto em questão – o que na prática significaria admitir que o Tribunal se substituísse à Administração Pública no traçado dos elementos do acto por ela praticado, negando a própria existência da discricionariedade estabelecida na lei.

A margem de livre decisão administrativa constitui assim um limite funcional à jurisdição administrativa, na medida em que aquela margem se centra em esferas de mérito, de conveniência ou de oportunidade na reserva de competência, sem implicações na validade da conduta administrativa, situando-se por isso à margem da sindicabilidade contenciosa, que só poderá valer para a violação dos limites externos do poder discricionário (ainda que subsista a possibilidade de controlo de mérito pela via graciosa, esta compatível ainda com a autonomia pública administrativa).

Por outras palavras, na pura discricionariedade administrativa os Tribunais têm que limitar-se a verificar se os limites legais da discricionariedade, os limites positivos de competência, de finalidade, de imparcialidade e de proporcionalidade foram ou não respeitados – não podendo sindicar o que quer que tenha resultado da decisão administrativa tomada na observância daqueles limites.

 

5. A DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA

 

Não podendo o Tribunal substituir-se à Administração na formulação de um juízo que caiba estritamente no mérito e na oportunidade da acção desta, a discricionariedade técnica está em princípio subtraída, também ela, à sindicabilidade do Tribunal, a menos que ostente erro grosseiro, manifesto, crasso.

Em sentido estrito, a discricionariedade técnica é aquela em que, estando em causa a solução de questões que exijam conhecimento científico especializado, a Administração é forçada a tomar decisões amparada em informações e estudos técnico-profissionais, ficando a Administração vinculada, pois, à manifestação conclusiva dos profissionais consultados, não podendo em suma adoptar solução diversa da indicada pelos especialistas – sendo que as decisões administrativas desta natureza só poderão ser impugnadas judicialmente ou administrativamente se faltar o apoio nessas informações técnicas corroboradas por especialistas na matéria, ou se a decisão divergir ostensivamente das conclusões contidas nessas informações e estudos.

Na discricionariedade técnica os pressupostos que integram a previsão da norma configuram conceitos técnicos reportados a factos apenas verificáveis ou valoráveis com base em conhecimentos e instrumentos próprios de ciências que não a ciência jurídica.

Está em causa, pois, uma actividade administrativa traduzida em juízos técnicos de existência, juízos técnicos valorativos ou juízos técnicos de probabilidade, pelos quais a lei confere à Administração um poder de valoração técnica, que, não implicando ponderação comparativa de interesses secundários, envolve valoração de factos e circunstâncias de carácter técnico.

Daí que a doutrina tenha por vezes, no século e meio de elaboração do conceito (que terá surgido em meados do século XIX), usado a expressão "discricionariedade imprópria" como género de que a "discricionariedade técnica" seria uma espécie, procurando com isso enfatizar a ausência de juízos de oportunidade e conveniência que sobrelevem aos juízos de carácter estritamente técnico (a "discricionariedade técnica" estaria irmanada com a "liberdade probatória" e com a "justiça burocrática" dentro dessa família de "discricionariedades impróprias").

 

6. A DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA "STRICTO SENSU"

 

Por outro lado, na discricionariedade técnica "stricto sensu" não cabe o juízo de valoração assente em conceitos jurídicos ou juridico-técnicos indeterminados, um juízo que nada tem a ver com a margem de livre apreciação e decisão que caracterizam o genuíno juízo de discricionariedade, antes se reconduz às regras próprias da interpretação jurídica em via de aplicação puramente subsuntiva e, portanto, passível de controlo jurisdicional.

Com a técnica do conceito jurídico indeterminado não há discricionariedade: a lei refere-se a uma esfera de realidade cujos limites não aparecem bem enunciados, mas que podem ser determinados no caso concreto, por via de interpretação, não se admitindo mais do que uma solução, mais do que uma "densificação" do conceito.

Na discricionariedade técnica "stricto sensu" cabe, sim, o juízo de valoração assente em conhecimentos e regras próprias da ciência ou da técnica não-jurídicas que estejam em causa, sendo certo que não cabe ao Tribunal controlar a boa ciência ou a boa técnica empregues pela entidade administrativa, por manifesta falta de competência nas matérias extrajurídicas para tanto necessária.

Trata-se de casos em que a apreciação pela Administração exige a utilização de critérios técnicos, e a solução de questões técnicas deve realizar-se conforme regras e conhecimentos próprios – e a lei não apenas o reconhece, como o impõe a todos os operadores do Direito (e não somente à Administração, sua primeira destinatária).

Verificando-se discricionariedade técnica "stricto sensu", o controle jurisdicional terá, portanto, que cingir-se às zonas de vinculação adjacentes, ou seja, novamente, limitar-se à verificação do respeito, ou não, dos limites legais da discricionariedade, dos limites positivos que presidiram à atribuição legal do poder discricionário e correspondentes prerrogativas – podendo especificamente sindicar-se, nas fronteiras da "margem de livre apreciação", (1) um erro grosseiro ou manifesto de apreciação (2) um erro nos pressupostos de facto (3) um desvio de poder ou (4) a violação manifesta dos princípios gerais da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa fé como princípios conformadores da actividade administrativa.

Mais especificamente, se a lei comete à Administração o poder de especificar uma valoração não previamente fixada pela própria lei, não pode um Tribunal proceder à reponderação dos juízos efectuados pela Administração nesse âmbito, a não ser que esteja demonstrada a existência de erro grosseiro ou manifesto – nomeadamente a falta de apoio em informações e estudos técnico-profissionais corroborados por especialistas e reclamados pela densificação de conceitos extrajurídicos.

 

7. A INIMPUGNABILIDADE DAS REGRAS TÉCNICAS

 

Estamos aqui muito próximos do âmbito no qual se tem desenvolvido, nos EUA, o tema da "discricionariedade técnica", lá muito centrado na delimitação da competência das agências reguladoras, seja para definir os limites de sua função normativa, seja para estabelecer os limites do correspondente controle jurisdicional.

Aí emergiu a técnica dos "standards", pela qual a lei se limita a estabelecer parâmetros, princípios, ficando para as agências a função de especificarem normas reguladoras, directrizes – regras especializadas e descentralizadas, assentes em conhecimentos técnicos inabarcáveis, na sua especificidade, seja pelo próprio legislador, seja pelo controle judicial.

Não pode um Tribunal sindicar aqueles juízos, insiste-se, por muito que eles divirjam do entendimento dos particulares ou do entendimento do próprio julgador – tendo um Tribunal que cingir-se às zonas de vinculação adjacentes, e quando muito demonstrar, através de outras informações técnico-profissionais corroboradas por especialistas, que as informações e estudos utilizados pela Administração em apoio dos seus juízos eram gritantemente falsos, caprichosos ou inadequados, ou que foram ostensivamente, grosseiramente, desconsiderados nos próprios juízos efectuados pela Administração para a pretendida densificação de conceitos extrajurídicos.

Insistamos que a mera divergência de juízos entre a Administração e os particulares, ou até entre a Administração e o Tribunal, não constitui prova de qualquer erro ou vício do acto impugnado que seja passível de sindicância contenciosa, e não legitima de modo algum que o Tribunal se substitua à Administração na formulação de um juízo que cabe estritamente no mérito e na oportunidade da acção desta.

E tanto assim é que, em casos de erro grosseiro em que possa concluir-se que a Administração exorbitou dos seus poderes e saiu abertamente do campo da discricionariedade técnica para entrar no da ilegalidade, a ponto de o Tribunal poder anular a decisão administrativa em causa, é pacífico que o Tribunal não pode nunca substituir a decisão administrativa anulada por outra que repute mais adequada – ou seja, não pode, sem violação do princípio constitucional da separação de poderes, avocar para si aquela discricionariedade técnica.

Não pode um Tribunal sindicar aqueles juízos, em suma, salvo nesses pressupostos estritos, salvo quando seja patente um erro crasso, palmar, ostensivo, traduzido em grave desajustamento da decisão à situação concreta e à prossecução do interesse público, em termos em que poderia ter-se arbitrária a exclusão da sindicabilidade por meios não-técnicos – pois a não ser assim, sem todas estas salvaguardas, a discricionariedade técnica "stricto sensu" seria letra morta, tudo soçobrando em vinculação estrita ou em arbítrio judiciário, e a invocação de uma margem de livre apreciação e valoração técnica cometida à Administração passaria a ser uma bizarra ficção antijurídica.

 

8. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O DEVER DE IMPARCIALIDADE

 

É possível que o nº 2 do artigo 31º do CIRC e o n.º 3 do artigo 5° do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, quando utilizam ambos a expressão "são aceites" relativamente às taxas de depreciação ou amortização, induzam um pouco em erro o leitor, na medida em que parecem sugerir que essa aceitação é o culminar de um diálogo, caso a caso, contribuinte a contribuinte, de propostas e contrapropostas de taxas – um diálogo que eventualmente conduziria, seja a um consenso ("são aceites"), seja a uma discórdia (implicitamente, "são rejeitadas").

Só que não é isso o que manifestamente resulta da letra da lei, porque se fosse isso não apenas se incorreria no risco de parcialidade, incongruência, errância, falta de generalidade nas decisões da Administração, como se estaria a remeter para um "casuísmo" que é precisamente o contrário daquilo que o sistema jurídico impõe que aconteça no preenchimento de critérios legais através do exercício de poder discricionário.

Os valores da segurança e da justiça reclamam que, quando à Administração é legalmente cometido o poder discricionário de preencher casos omissos na própria lei, a Administração deva agir no mesmo plano de abstracção e generalidade que presidem idealmente à fixação dos critérios legais, quando estes existam. É isso que decorre logicamente do dever de fixar taxas "que não se encontrem fixadas".

No caso das normas em apreço, quando a lei alude ao "são aceites", não pode, pois, deixar de referir-se às taxas que passam a vigorar para um universo de equipamentos omissos, tenham eles sido já, ou não, objecto de amortização ou depreciação, de liquidação de imposto ou de litígio com a própria Administração.

A Administração tem despertada ou não pela iniciativa declarativa de algum contribuinte, que tentar apurar, com imparcialidade, com generalidade, abstracção e congruência, as taxas que, uma vez fixadas, passam a ser as "aceites" para aquele caso – e para todos os outros.

A não ser assim, as próprias garantias que, para os contribuintes, resultam da imparcialidade e da generalidade seriam colocadas em xeque: um contribuinte veria a sua taxa de 5% ser aceite – mas quem lhe garantiria que outro contribuinte, com o mesmo tipo de equipamento mas com mais habilidade persuasiva, ou até mesmo com mais sorte, não conseguiria ver "aceite" uma taxa de 7 ou 8%?

Não que uma solução dessas não seja abstractamente possível: um casuísmo, uma reavaliação caso a caso, argumento a argumento, aceitando nuns casos e recusando noutros, podia compaginar-se com os valores de justiça e de segurança se vigorasse, nesse universo, algo similar à "cláusula da nação mais favorecida": "aceite" a um contribuinte uma taxa de depreciação mais elevada dos seus equipamentos, essa taxa fixada passaria a aplicar-se a todos os outros contribuintes – retroactivamente até, para salvaguarda dos que já tivessem pago anteriormente.

Mas essa solução não é a que vigora nas circunstâncias em apreço: "aceite" uma taxa de depreciação pela AT, é essa que passa a vigorar para todos os casos similares, pela simples razão de que, nos termos expressos do regime legal, com esse "aceite" fica resolvida a omissão e a taxa em vigor deixa de ser a taxa "da AT" para ser a taxa da própria Lei.

Por isso não se afigura aceitável o argumento de que a AT deveria fundamentar particularmente, neste caso especifico ou noutro qualquer, as razões da sua rejeição, já que a sua rejeição pode assentar – como é próprio do exercício de um poder de discricionariedade técnica – na simples demonstração de que é razoável a taxa que adoptou para a universalidade de casos que envolvam aqueles equipamentos, e que se converteu "ope legis" na taxa legal em vigor.

Insisto: o que decorre do nº 2 do artigo 31º do CIRC e do n.º 3 do artigo 5° do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro não é a obrigação de início de um diálogo entre AT e Contribuinte no termo do qual se conclua que "são aceites" ou "são rejeitados" as taxas e prazos de depreciação ou amortização "propostos" pelo Contribuinte. O que decorre daquelas normas é que a AT "fixará" as taxas que a lei não "fixou" ainda, e que tais taxas têm que ser "fixadas" – ou seja, têm que ser determinadas num valor único, invariável, o único compatível com a tutela dos interesses dos contribuintes face à prevalência do princípio da igualdade.

A ideia da "fixação" da taxa, os interesses da prevalência dos princípios da igualdade e da generalidade jurídicas, o dever genérico de imparcialidade que impende sobre a Administração, mesmo nos seus momentos de exercício de poder discricionário técnico "stricto sensu", vedam a ideia de que à AT pudesse ser cometida a amplitude de fixar, não uma taxa, mas um "intervalo de taxas", uma "banda de razoabilidade", se nos é permitido o conceito – pois subsistiram, nesse caso, face a uma taxa ainda variável, todas as dificuldades e melindres que acabámos de especificar: fixado o "intervalo de taxas", quem decidiria qual a taxa efectiva que recairia em cada caso? Como se evitaria o casuísmo ou o arbítrio? A quem seria cometido esse segundo poder discricionário, o da "especificação" da taxa fixa dentro de uma "banda de razoabilidade de taxas"?

Em ponto algum daqueles preceitos vislumbro, remotamente implícito sequer, um "dever de rejeitar fundamentadamente" que a AT pudesse ter violado, ou do qual decorresse um ónus da prova que recaísse sobre a AT.

E, muito enfaticamente, temos que sublinhar que não são admissíveis aqui considerações sobre o dever de fundamentar que recai sobre a Administração quando ela interpreta e aplica conceitos jurídicos indeterminados – porque neste segundo caso há uma vinculação legal que não existe nos casos de discricionariedade; há um espaço de sindicabilidade que a discricionariedade veda, e veda intencionalmente em atenção à superioridade dos interesses que presidem ao seu estabelecimento.

Como dissemos anteriormente (início do ponto 6 deste voto, supra), voltamos a frisar aqui: com a técnica do conceito jurídico indeterminado não há discricionariedade. Há lugar à sindicância da fundamentação e do mérito – logo, não há discricionariedade "stricto sensu".

E, no entanto, como se verá de seguida, excedendo até o cumprimento estrito do que a Lei lhe impunha em termos de exercício de discricionariedade técnica e de preservação do valor da imparcialidade e da igualdade na fixação da taxa aplicável, a AT produziu abundante prova de que o prazo aplicado pela Requerente nas suas amortizações não era razoável.

 

9. O CASO CONCRETO

 

Voltando ao caso, e resumindo:

Se aceitarmos que há um poder discricionário estabelecido a favor da AT, não podemos cair na tentação de proceder a uma "comparação de razoabilidades" entre períodos de depreciação, o proposto pela Requerente e o proposto pela AT: a lei vedou-o expressamente ao estabelecer um poder discricionário a favor da AT.

Assim, para rejeitar como "não razoável" um prazo proposto pela Requerente, bastou à AT desenvolver uma diligência no sentido de demonstrar que esse prazo não decorre do conceito de "vida útil esperada" que ela mesma, AT, perfilha. A AT fê-lo; e ao fazê-lo não violou ostensivamente, grosseiramente, quaisquer dos princípios gerais de Direito a que está submetida.

Dada a discricionariedade técnica, não compete a nenhum Tribunal entrar no mérito substantivo da liquidação, e menos ainda a um tribunal arbitral, que deve cingir-se a questões de legalidade (art. 2º do RJAT).

Pode este Tribunal, ou qualquer outro, achar que é mais razoável o prazo proposto pela Requerente, ou pode ao invés achar que é mais razoável o prazo proposto pela AT – mas essa avaliação é, e tem que ser, irrelevante no caso, porque, insiste-se, o estabelecimento por lei de um poder discricionário como o que foi exercido veda qualquer possibilidade de "comparação de razoabilidades" entre períodos de depreciação, como veda qualquer outro juízo de mérito.

O que restaria a este Tribunal, ou a qualquer outro Tribunal, seria sindicar as zonas de vinculação adjacentes ao exercício da referida discricionariedade técnica, demonstrando que a AT adoptou um procedimento gritantemente, grosseiramente, incorrecto, a ponto de não deixar dúvidas quanto a poder ferir de ilegalidade o exercício do poder discricionário – a ponto de permitir que, com base num juízo não-técnico, fosse evidente a anti-juridicidade dos resultados da actuação da AT.

Ora o que resulta muito evidente, pelo contrário, é que a AT agiu com irrepreensível diligência no preenchimento do único requisito objectivo em que tinha que assentar o exercício do seu poder discricionário: ela formou o seu entendimento na convergência entre a opinião de cientistas independentes, a literatura científica internacional actualizada, as normas técnicas convocadas pela própria Requerente (o Standard Internacional IEC …-1) e – ponto não despiciendo – o próprio contrato celebrado em Abril de 2006 pela Requerente.

Lembremos que:

"A Requerente celebrou, em Abril de 2006, na qualidade de adquirente / dono da obra ("PURCHASER"), com a empresa "C…, S.A.", esta na qualidade de fornecedora / empreiteira ("CONTRACTOR"), um contrato para a instalação de 5 aerogeradores no Parque Eólico, do qual consta, no seu ponto 1.3 ("General Information") que "The CONTRACTOR will design, manufacture build and assemble the WIND FARM for a operating period (design life) of at least twenty (20) years. [§] The CONTRACTOR will follow the latest Portuguese and international (IEC and ISO) regulations […]" (Anexo 7 do Relatório da IT)." (ponto 3 da matéria de facto dada como provada pelo presente Tribunal)

Lembremos ainda que:

"O Standard Internacional IEC …-1, de Agosto de 2005, aplicável por força do contrato, refere na sua p. 22 que há 3 classes de turbinas e estabelece que "The design lifetime for wind turbine classes I to III shall be at least 20 years" (Anexo 6 do Relatório da IT)." (ponto 4 da matéria de facto dada como provada pelo presente Tribunal)

E importa por fim recordar que:

"No Estudo Técnico "Período de Vida Útil Esperada" de Equipamentos de Conversão de Energia Eólica elaborado pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia em Dezembro de 2013, e junto aos autos tanto pela Requerente (Doc. nº 13 anexo à p.i.) como pela Requerida (Doc. nº 1 anexo à sua resposta), lê-se que "A metodologia desenvolvida pelo LNEG permitiu concluir que o período de vida útil máxima de uma turbina eólica se situa entre os 20 e os 25 anos" (p. 3), "o período de vida útil esperado para as turbinas eólicas (cerca de 20 anos)" (p. 6), "Na sua maioria, as análises económicas e ambientais dos projectos do sector eólico desenvolvem os estudos com base na vida expectável dos equipamentos, i.e. 20 anos" (p. 10); e, no caso específico de Portugal (pp. 17-20), "este valor de redução corresponde a um período de vida útil máxima entre os 20 e os 25 anos" (p. 20)." (ponto 5 da matéria de facto dada como provada pelo presente Tribunal)

Significa isto, portanto, que:

1)      A Requerente contratou em 2006 a compra dos equipamentos estipulando expressamente que o seu período de vida útil seria de "pelo menos" ("at least") 20 anos ("twenty (20) years"): um período mínimo, portanto;

2)      Volvidos 10 anos após a celebração do contrato, em plena vigência do mesmo e quando continua a ser exigível da contraparte que assegure uma vida útil ("operating period (design life)") de pelo menos 20 anos (até 2026), a Requerente invoca, para efeitos tributários, um outro prazo de vida útil mais curto, invocando que o período de 20 anos não é, como resulta do contrato, um mínimo, mas será quando muito um período máximo...

3)      A Requerente livremente convocou, no contrato, as normas IEC, e portanto a norma IEC …-1, que estabelece igualmente os 20 anos como prazo de vida útil mínimo;

4)      Volvidos 10 anos sobre a celebração do contrato, a Requerente assevera que essa mesma norma, a que livremente se vinculou, afinal é obsoleta (art. 26º da p.i.) e não-vinculativa (art. 33º da p.i.).

5)      E no entanto, volvidos esses 10 anos sobre a celebração do contrato, a Requerente junta aos autos um Estudo Técnico, "Período de Vida Útil Esperada" de Equipamentos de Conversão de Energia Eólica, elaborado pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia em Dezembro de 2013, no qual não só se mantém a referência ao mesmo período de 20 anos, como jamais surge a referência a qualquer período inferior, nomeadamente os 15 anos.

Mais ainda, uma perfunctória pesquisa na Internet permitirá a qualquer um, como permitiu ao signatário do presente voto, encontrar estudos que vão no mesmo sentido, o de fixação de um valor médio de utilidade esperada de 20 a 25 anos nas turbinas de energia eólica[11], com um procedimento de cálculo que esclarece que nesse período se encontram ainda na sua "escala de eficiência"[12].

É neste sentido que sustento que, para lá daquilo que lhe seria exigível, a AT fez prova, com perfeita diligência, de que o prazo aplicado pela Requerente nas suas amortizações não era razoável.

-          Consultou os peritos sobre o período mínimo: 20 anos

-          Consultou os fornecedores: 20 anos

-          Consultou as normas técnicas: 20 anos

-          E, facto não despiciendo, consultou, no caso, o próprio contrato: 20 anos (uma consulta que nem sequer se revelava necessária, mas evidencia o cuidado tido).

Insisto que não havia duas taxas que fossem igualmente razoáveis, nem a lei admitiu que se traçasse uma bissectriz num "diálogo" entre taxas "razoáveis", nem os princípios da segurança, da igualdade, da generalidade e da imparcialidade consentiam que a omissão inicial se espraiasse para um "intervalo de taxas" cuja aplicação reclamaria a adição de um novo, e ulterior, poder discricionário que a lei, pura e simplesmente, não previu.

A lei impunha, em suma, que a Administração aceitasse uma única taxa que fosse "considerada razoável" para toda aquela classe de equipamentos – e essa era a taxa correspondente ao prazo para que todas as fontes independentes apontavam: os 20 anos.

Todas as taxas diferentes desta eram, "ipso facto", irrazoáveis, sem necessidade de prova ulterior e "casuística".

Eram aqueles os equipamentos? A taxa era a definida e já aceite, com imparcialidade, generalidade, objectividade e abstracção, pela Administração. Era a taxa legal.

Sendo assim, não encontro implícita – e decerto não explícita – nenhuma regra de "onus probandi" que fizesse recair sobre a AT a necessidade de provar a irrazoabilidade de toda e qualquer taxa que divergisse daquela que ela foi chamada a definir – e, fundamentadamente, definiu.

Daí que deste meu entendimento decorra que, estando resolvida, nos termos da lei, a omissão original, existe uma taxa legal, "a" taxa legal – e isso veda em absoluto a este tribunal, especialmente confinado, pelo seu regime, a puras questões de legalidade, que entre em considerações sobre "razoabilidades" que, para além de colocarem em dúvida o claro consenso de peritos, fornecedores, normas técnicas e das partes contratuais, não podem deixar de significar que é questionado o critério que a própria lei consagrou, louvando-se na discricionariedade técnica "stricto sensu" da Administração.

Mais decisivo é, no final, o seguinte: a partir do momento em que se reconhece que foi exercido um poder discricionário técnico "stricto sensu", como o reconhece o aresto em que se insere este voto, a única via possível de anulação dos actos praticados pela AT reclamaria a demonstração, através de outras informações técnico-profissionais corroboradas por especialistas, de que as informações e estudos utilizados pela Administração em apoio dos seus juízos foram gritantemente falsos, caprichosos ou inadequados, ou que foram ostensivamente, grosseiramente, desconsiderados nos próprios juízos efectuados pela Administração para a pretendida densificação de conceitos extrajurídicos.

Nada disso foi feito.

 

10. CONCLUSÃO

 

Por tudo o que antecede, concluo que a AT não errou ao exercer a discricionariedade técnica que lhe era cometida pelo art. 31º, 2 do Código do IRC e pelo art. 5º do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro.

Concluo que menos ainda a AT errou gravemente, em termos que permitissem a impugnação contenciosa do exercício legal do seu poder discricionário.

Assim sendo, nos termos do art. 31º, 2 do Código do IRC e do art. 5º do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro, a taxa de amortização legalmente aplicável é a de 5% (período de 20 anos) para os aerogeradores.

Tem razão a AT, não tem razão a Requerente.

Nestes termos deveria ter a Requerida, AT, sido absolvida, tanto do pedido de anulação dos actos de liquidação adicional como do pedido de indemnização por pagamento de quantia indevida; e a presente acção arbitral deveria ter sido julgada improcedente.

 

 

Fernando Araújo

 

 

 

 



[1] Cfr. Ac. do STA de 05-06-2013, proferido no processo 0433/13, disponível em www. dgsi.pt.

[3] Disponível em www.dgsi.pt.

[4] Sem necessidade, naturalmente, de qualquer diálogo entre AT e Contribuinte no termo do qual se conclua que "são aceites" ou "são rejeitados" as taxas e prazos de depreciação ou amortização "propostos" pelo Contribuinte.

[5] Que se presume verdadeira, nos termos do artigo 75.º/1 da LGT.

[6] Cfr. Ac. TCA-Sul de 16-01-2007, proferido no processo 00911/03, disponível em www.dgsi.pt.

[7] Daí que não se esteja a sustentar a necessidade de a AT provar a irrazoabilidade de toda e qualquer taxa que divergisse daquela que ela foi chamada a definir, mas, unicamente, que se entender que uma taxa devidamente declarada não está correcta, careça, como condição da legitimidade da sua intervenção correctiva, de demonstrar a sua incorrecção.

[8] De resto, a circunstância de ambos os períodos de vida útil caberem, dentro do que o Legislador, quando assim o entendeu, considerou serem aceitáveis, indicia, face ao disposto no artigo 9.º/3 do Código Civil, que ambas serão razoáveis.

[9] Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Coimbra, 2016, pág. 122.

[10] Disponível em www.caad.org.pt.