Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 362/2016-T
Data da decisão: 2017-06-23  Selo  
Valor do pedido: € 12.486,80
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS – Propriedade vertical – Prestação de garantia indevida – Dever de indemnizar – Competência do Tribunal Arbitral
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Relatório

 

 

A…, residente na Rua …, n.º … …,  …-… e, em Lisboa, com o NIF…, formulou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do disposto nos art.s 2º, n.º1, alínea a), art. 5, nº 2, alíneas a) e b) º e 10º, nº 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), com as alterações subsequentes, com vista à declaração de ilegalidade anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo (respeitantes à verba 28.1 da correspondente Tabela Geral e ao ano de 2015), com o valor total de 12 486,80 € (doze mil, quatrocentos e oitenta e seis euros e oitenta cêntimos).

 

O pedido deu entrada no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a 4 de julho de 2016 e foi aceite.

 

É Requerida a Administração Tributária e Aduaneira (AT).

 

A Requerente não procedeu à designação de Árbitro. Para o efeito, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou, então, o signatário, que expressamente aceitou essa nomeação. As partes foram devidamente notificadas desta, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

O tribunal arbitral foi assim constituído em 21 de setembro de 2016.

 

A AT apresentou tempestivamente a sua resposta, sustentando a constitucionalidade, primeiro, e a legalidade, depois, do ato tributário em crise, afirmando não ser devida condenação em compensação por garantia indevida, subsidiariamente, primeiro por incompetência do tribunal arbitral para determinar da “existência de erro imputável aos serviços” (arst.s 82º a 84º da Resposta) e, substantivamente, por ausência de culpa dos serviços (art.s 85º e ss da Resposta), com correspondente improcedência total do pedido e consequente absolvição da Requerida.

 

A Requerida entendeu, ainda, que em caso de pronúncia por escrito do Requerente, deveria haver lugar a alegações escritas sucessivas, mas com dispensa da reunião do art. 18 do RJAT, tudo sem oposição deste,

 

Por despacho arbitral subsequente (6/11/2016), foi dada indicação para a notificação do Requerente para responder à matéria da exceção (o que este não apresentou), dispensada a junção do processo administrativo e a realização da reunião referida, fixando-se ainda que haveria lugar a alegações escritas e sucessivas.

 

O Requerente respondeu á exceção e apresentou alegações, reiterando o pedido de anulação dos atos controvertidos, nomeadamente com referência a jurisprudência abundante do STA, e a competência do tribunal arbitral a funcionar no CAAD para a análise de erro imputável aos serviços para efeitos de condenação em compensação por prestação de garantia indevida.

 

Por fim a Requerida apresentou contra alegações, com reafirmação pontual da sua posição inicial, tendo para o efeito citado os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº.s 630/2015, de 3/12 e de 16/12, respetivamente.

 

Por vicissitudes várias a conclusão dos autos foi sucessivamente prorrogada e finalmente marcada a data de 23 de junho de 2017 para a prolação da arbitral.

 

A posição das partes é absolutamente clara e inexistem questões de facto controvertidas.

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

As partes têm personalidade jurídica, capacidade judiciária e são legítimas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

 

 

Matéria de facto

 

 

O pedido do Requerente estriba-se, primeiro, em erro nos pressupostos de facto e de direito dos atos tributários (art. 12º da PI), considerando serem estes ilegais e também, em segundo, por entender ser constitucional a interpretação feita pela AT da norma aplicada (art. 13º da PI).

 

Daí decorre o pedido de anulação dos atos tributários em crise e, como foi prestada garantia bancária para a suspensão da correspondente execução fiscal, o Requerente peticiona ainda indemnização por prestação de garantia indevida.

 

Os atos tributários correspondem às liquidações da verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo para o ano de 2015, relativas às várias divisões destinadas à habitação e suscetíveis de utilização independente, e por isso objeto de registo matricial autónomo, mas integrantes do prédio urbano em propriedade total, ou vertical (não constituído, portanto, em propriedade horizontal), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, da freguesia da …, em Lisboa, com um VPT total superior a um milhão de euros (o prédio), correspondente ao somatório dos VPT individuais das divisões suscetíveis de utilização independente que o integram e destinadas a habitação, que supera pois o montante de um milhão de euros, mas sem que qualquer daquelas divisões exceda tal valor.

 

Tal prédio é composto por 4 pisos (cave, rés do chão, primeiro andar e águas furtadas), que correspondem a 3 (três) dessas divisões destinadas a habitação e constituindo divisões com utilização independente.

 

Cada uma dessas 3 divisões independentes afetas a habitação tem um VPT atribuído e separadamente determinado nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 7º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), sendo que o valor patrimonial tributário de qualquer uma das referidas partes ou divisões independentes com afetação habitacional, não excede, em qualquer caso, o montante de um milhão de euros.

 

Assim, a 31 de dezembro de 2015, nenhuma das divisões do identificado prédio a que correspondem as liquidações (anuais) em causa e as aludidas notas de cobrança (da primeira prestação e correspondente execução fiscal), possuía um Valor Patrimonial Tributário (VPT) igual ou superior ao montante de um milhão de euros.

 

 

O Requerente foi notificado dos documentos de cobrança com os números 2016 …, 2016 … e 2016…, todos de 5 de abril de 2016, e relativos à primeira prestação do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da correspondente Tabela Geral, relativo ao ano de 2015 e às ditas divisões independentes, no valor correspondente a 1.534,60 €, 1.149, 38 € e1.478,38, a pagar em abril de 2016.

 

Essas liquidações não foram pagas, dando lugar a processo executivo, para o qual o Requerente foi citado em 5 de maio de 2016 para cobrança das primeiras prestações e, nessa sequência, à prestação de garantia bancária emitida pelo B… (em 31 de maio subsequente), para suspensão da execução, a qual foi apresentada em 2 de junho do mesmo ano.

 

As decisões arbitrais proferidas nos processos 247/2013-T e 464/2014-T, ambas de 2014 e, portanto, anteriores á liquidação de 2015 emitida em 2016, reportam-se ao Imposto do Selo devido, relativamente aos anos de 2012 e 2013, ao abrigo da mesma norma (28.1 da TGIS) e por referência ao mesmo prédio, já então propriedade do Requerente, tendo os Tribunais Arbitrais a funcionarem no CAAD procedido à anulação dos atos tributários em causa (em tudo semelhantes aos dos presentes autos).

 

Há abundante jurisprudência no mesmo sentido, exemplificativamente a decisão arbitral do ano de 2013, proferida no processo número 50/2013-T.

 

 

Síntese da matéria de facto relevante à boa decisão da causa

 

 

Consequentemente e em síntese, dá-se por provada a factualidade que segue:

 

a)      Em 2014, a Requerente era proprietária do identificado prédio urbano em propriedade vertical, i.e. em propriedade total, não constituído em propriedade horizontal;

b)     A esse prédio correspondia um VPT total superior ao valor de um milhão de euros (€ 1.248.680,00);

c)      O mesmo era composto por três divisões suscetíveis de utilização independente;

d)     Tais divisões eram objeto de inscrição matricial autónoma;

e)      E destinavam-se a habitação;

f)       A nenhuma dessas divisões suscetíveis de utilização independente correspondia um VPT igual ou superior ao valor de um milhão de euros;

 

g)     Em 2016 a AT procedeu à liquidação do Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS respeitante a essas divisões independentes destinadas a habitação e ao ano de 2015;

h)     Bem assim como à notificação para pagamento da primeira prestação;

i)       O valor total das liquidações para 2015 ascende a € 12.486,80;

j)       Este valor corresponde a 1% do somatório do VPT das ditas divisões com inscrição matricial autónoma;

k)      Os atos de liquidação em causa deram lugar aos documentos de cobrança das correspondentes primeiras prestações acima referidas;

l)       Essas prestações tinham vencimento em Abril de 2016;

m)   As mesmas deram lugar a execução fiscal para a correspondente cobrança coerciva;

n)     A qual foi suspensa pela prestação de garantia bancária apresentada pelo Requerente em 2 de junho de 2016;

o)     Tal garantia foi emitida em 31 de maio de 2016, pelo B…, com a referência …, no valor de € 5.549,65;

p)     As liquidações de imposto do selo relativo aos anos de 2012 e 2013, emitidas ao abrigo da mesma norma e por referência ao mesmo prédio haviam sido já anuladas, em 2014, por decisões arbitrais proferidas nos processos 247/2013-T e 464/2014-T;

q)     Isto em sintonia com vasta jurisprudência no mesmo sentido, como sucede com a decisão arbitral do ano de 2013, proferida no processo número 150/2013-T.

 

Não há outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se encontrem provados.

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos fornecidos pelo Requerente, cuja correspondência à realidade não é controvertida.

 

 

 

Matéria de direito

 

 

Posição das partes

 

 

Como referido, o Requerente vem pedir a constituição de Tribunal Arbitral para que este se pronuncie sobre as liquidações ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Código de Imposto do Selo, aditada pelo art. 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29/12, com referência ao ano de 2015, incidentes sobre as divisões suscetíveis de utilização independente do já identificado prédio.

 

Para o efeito invoca, por esta ordem, a ilegalidade das liquidações, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e a inconstitucionalidade da interpretação feita pela AT da norma em causa (verba 28.1 da TGIS), pelo que pede a anulação dos atos tributários com aqueles fundamentos, bem como indemnização pelos danos decorrentes de prestação de garantia indevida, com o limite legal.

 

Para a AT o ato não enferma de qualquer vício de inconstitucionalidade, nem de ilegalidade, nem tão pouco a interpretação dele feita pela AT merece censura, nomeadamente na ótica da sua constitucionalidade.

 

 

Síntese da questão controvertida

 

A questão dos autos corresponde pois à aplicação, nas situações da denominada propriedade vertical, da tributação em Imposto do Selo incidente sobre prédios urbanos com afetação habitacional e VPT igual ou superior a um milhão de euros.

 

A factualidade subjacente não é pois equivalente à que se analisava no caso do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 590/2015, proferido no processo nº 542/2014 e citado pela Requerida, a propósito da constitucionalidade da norma de incidência – com efeito, o Acórdão em causa respeita à tributação dos imóveis habitacionais em geral, e não à dos prédios urbanos constituídos em propriedade total ou vertical, em particular. Por essa razão, não confere apoio hermenêutico para a boa resolução da presente contenda.

 

Esta controversa tributação foi introduzida em 2012 para reforço das medidas de controlo orçamental pelo lado da receita, num quadro de estado de necessidade financeira (ou económico-financeira, cfr. Sustentabilidade e Solidariedade em Tempos de Crise, Suzana Tavares da Silva, in Sustentabilidade Fiscal em Tempos de Crise, Coord. José Casalta Nabais e Suzana Tavares da Silva, pág.s 61 e ss).

 

É bem sabido que aquela nova tributação em IS tem suscitado fortes dúvidas, elevada contestação e numerosa jurisprudência. Isto não apenas para casos pontuais da sua aplicação (e.g., propriedade vertical, compropriedade, terrenos para construção ou sua aplicação ao ano de 2012), como também em termos gerais, pela sua eventual inconstitucionalidade, seja do seu regime geral, seja do seu regime transitório (ver Luís Menezes Leitão, Sobre a Tributação em Imposto de Selo dos Imóveis de Luxo (verba 28.1 TGIS), in Arbitragem Tributária nº1, pág.s 44 e ss).

 

 

Requerente

 

Ora, o Requerente vem, precisamente, contestar a aplicação da nova verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos não constituídos em propriedade horizontal, mas que incluam divisões suscetíveis de utilização independente, em que o valor mínimo de incidência fixado na lei seja atingido pelo somatório do VPT dos registos matriciais separados (ou autónomos) correspondentes àquelas várias divisões, mas não por qualquer uma delas individualmente considerada.

 

Sustenta o Requerente não ser proprietário de um prédio com VPT igual ou superior ao referido montante mínimo, mas antes proprietário de um prédio em propriedade vertical em que o VPT superior a esse valor apenas é alcançado pelo somatório do VPT das divisões suscetíveis de utilização independente afetas a habitação, sem que nenhuma delas, considerada individualmente, atinja esse montante mínimo de relevância tributária.

 

Por essa razão, para o Requerente, as liquidações em crise padecem de erro nos pressupostos, o que as tornaria anuláveis (por erro nos seus pressupostos de facto e de direito).

 

A Requerente discorda ainda da interpretação que a AT faz do alcance da citada verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS, que considera ilegal e inconstitucional, por violação dos princípios da da igualdade e da capacidade contributiva.

 

Ao abrigo do art. 53º da LGT e nos termos do art. 171º do CPPT, o Requerente vem ainda peticionar indemnização por garantia indevida, pelos custos suportados com a prestação e manutenção da mesma, dado que apesar de ter sido mantida por menos de três anos (nº 1 do referido art. 53, in fine), deve ser reconhecido que o erro é imputável aos serviços (nº 2 do mesmo art.), com o limite de cccc (nº 3 do mesmo art.) – aludindo ainda aos art.s 100º da LGT, 24, alíena b) do RJAT e 173, nº 1, do CPPA, ex vi do art. 202, n.º 1 da CGT.

 

 

Requerida

 

Por seu lado, a Requerida contesta aquele entendimento, sustentando antes a manutenção na ordem jurídica das liquidações em crise.

 

A AT começa por notar que a norma foi já julgada conforme à Constituição e reitera os argumentos incluídos no Acórdão acima referido. Sucede que tal se reporta ao princípio da igualdade e capacidade contributiva no contexto da tributação (apenas) dos prédios habitacionais e não da comparação da tributação da propriedade dita vertical quando comparada com a propriedade horizontal, Ou seja, não trata da questão (relevante) suscitada pelo Requerente.

 

Por outro lado salienta a obrigatória aderência da AT à Lei (princípio da legalidade), não lhe competindo fazer juízos de constitucionalidade. Independentemente da posição assumida sobre essa possibilidade, o facto é que cabe aos Tribunais aferir da validade dos actos tributários na ordem jurídicas, tendo presente não apenas os comandos ordinários, mas também os constitucionais.

 

A propósito da incidência da nova verba aos imóveis de afetação (total ou parcial) a fins habitacionais, constituídos em propriedade vertical, a AT argumenta, em síntese, que:

 

a)      no CIS não há qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, pelo que terá que se aplicar o disposto no CIMI, para aferir da eventual sujeição a IS (Cfr. artigo 67.° n.° 2 do CIS na redação dada pela Lei n.º 55- A/2012);

b)      O artigo 2.° n.º 1 do CIMI define o conceito de prédio;

c)      O artigo 2° n.º 4 do CIMI só considera prédios as frações autónomas de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal;

d)      Em casos de propriedade total (vertical) inexistem frações autónomas;

e)      Sendo um prédio constituído em propriedade total com partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, é o prédio no seu todo, e já não cada uma daquelas partes, que integra o conceito de “prédio”, para efeitos de IMI e de IS, por remissão do artigo 1°, n° 6 do CIS;

f)       Sendo assim o Requerente proprietário de “um” prédio;

g)      Inexiste lacuna legal que justifique a aplicação analógica da propriedade horizontal à propriedade vertical;

h)      Pois são dois regimes jurídicos diversos;

i)        Cuja equiparação para efeitos tributários violaria o art. 11º, n. 2 da LGT;

j)        Bem como o 10º do CC, ex vi do 11º, n. 1 da LGT, por inexistência de lacuna;

k)       Aliás em sintonia com o CCPIIA (art. 232, corpo, regra 1);

l)       Como também decorre do 37. 2 ss do CIMI;

m)   Pelo que deve ser valorizado o conceito de unidade do prédio em propriedade vertical, sob pena de violação do art. 103, n. 2 da CRP (elementos essenciais dos impostos – sendo que a alteração propugnada pelo Requerente modificaria um deles: o valor tributável);

n)      Até porque o Ofício Circulado de 11/8/00 da então DSCA reconhece que a constituição da propriedade horizontal é uma alteração jurídica do prédio, não havendo lugar a nova avaliação;

o)      Que o legislador pode discriminar positivamente a propriedade horizontal face á vertical;

p)      Nomeadamente por ser mais evoluída;

q)      Não tendo essa discriminação um caracter arbitrário;

r)       Sendo que, por fim, deve ser dado relevo à falta de autonomia da parte na matriz.

 

 

 

Síntese das questões controvertidas

 

Em síntese, no caso vertente, a questão relevante é a de saber qual o VPT a considerar nos casos de propriedade vertical e, em função desta, da competência para analisar do pedido de indemnização e, se for o caso, desse mesmo pedido.

 

A matéria de direito versará pois, inicialmente, sobre aquela questão, começando por um breve enquadramento da circunstância da nova tributação e da sua inserção no CIS.

 

 

Matéria de Direito

 

Propriedade vertical

 

Como referido, a Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, veio alterar o Código do Imposto do Selo, aditando uma nova verba à correspondente Tabela Geral.

 

Sobre a problemática da determinação do VPT (mínimo) relevante para a aplicação da verba 28.1 da TGS nos casos de propriedade vertical já se pronunciaram, de entre outras, além das acima referidas, as decisões do CAAD tiradas nos processos números 132/2013, 181/2013-T, 183/2013-T, 272/2013 2013-T, 280/2013-T, 26/2014-T, 30/2014-T, 88/2014-T, 177/2014-T e 206/2014-T, as quais foram posteriormente confirmadas por várias outras decisões, não apenas arbitrais, nomeadamente o Acórdão do STA de 9/9/15, proferido no processo 47/15 e citado pelo Requerente, assim como os Acórdãos do STA nos processos 1354/15 de 2/3/16, 1534/15 de 27/3/16, 1504/15 e 172/16, de 4/5/16, 1352/15 de 24/5/16, 498/16 de 29/6m 1097/16 de 30/11/16 e 71/16 de 172/17, que o Requerente vem ainda referir nas suas alegações,

 

Em todos a questão residia, tal como nestes autos, em saber se o VPT relevante para a norma de incidência (28.1 da TGIS) é o VPT correspondente a cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente separadamente consideradas na matriz ou se, pelo contrário, o VPT relevante deverá corresponder ao somatório de todas essas divisões suscetíveis de utilização independentes mas integrantes de um mesmo prédio e que se encontrem afetas a habitação.

 

E a resposta, naquelas decisões, foi sempre pela primeira opção e entende-se que bem.

 

No quadro das suas contra-alegações, a AT vem citar os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 620/2015 e 692/2015, respetivamente, de 3 e 16 de Dezembro, os quais concluem pela inexistência de inconstitucionalidade material no tratamento diverso, nesta sede, entre propriedade vertical e horizontal.

 

No entanto é de entender que a questão na constitucionalidade da norma não se chega a colocar e que se adere à Jurisprudência citada. Vejamos agora as razões subjacentes a tal Jurisprudência e à interpretação aqui seguida.

 

 

O CIS

 

A nova verba foi inserida no Código do Imposto do Selo, opção que não oferece contributo de relevo para enquadrar sistematicamente o novo tributo, pois aquele imposto “incide sobre uma multiplicidade heterogénea de factos ou actos … sem um traço comum que lhes confira identidade”, o que foi, aliás, agravado com a Reforma da Tributação do Património de 2003/2004, tornando ainda mais complexo “o problema da classificação deste imposto” (cfr. José Maria Fernandes Pires, Op. Cit., pág. 422).

 

Mas é sabido que esta nova verba foi introduzida como forma de reforço das medidas de controlo orçamental pelo lado da receita, num quadro de estado de necessidade financeira (ou económico-financeira, cf. Sustentabilidade e Solidariedade em Tempos de Crise, Suzana Tavares da Silva, in Sustentabilidade Fiscal em Tempos de Crise, Coord. José Casalta Nabais e Suzana Tavares da Silva, pág.s 61 e ss), com o propósito de identificar novas formas de exteriorização de capacidade contributiva que pudessem ser chamadas a apoiar o propósito de redução do saldo orçamental negativo.

 

E fê-lo optando por fazer incidir a nova tributação exclusivamente sobre determinados bens, implicando, pois, uma forte discriminação negativa destes, o que postula uma explicitação reforçada dessa opção, de modo a não colocar em crise o princípio da igualdade, ou equidade na terminologia de Glória Teixeira, quer no seu sentido de equidade horizontal, quer no de equidade vertical (Glória Teixeira, Manual de Direito Fiscal, pág. 56, 2º ed., Almedina).

 

Ora, parece vislumbrar-se no pensamento do legislador a intenção de identificar nos imóveis com VPT igual ou superior a um milhão de euros destinados a habitação (“de luxo”), um referencial, não arbitrário, de uma capacidade contributiva adicional, capaz de alargar o espectro de contributos para o desejado e necessário equilíbrio orçamental.

 

Neste quadro, a questão decidenda é a de saber se um prédio constituído em propriedade total ou vertical, mas com andares ou divisões com utilizações independentes, é um “prédio com afetação habitacional” para efeitos da aplicação do art.º 1.º do CIS e da verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro (até porque, tal como no caso dos autos, pode ter áreas afetas a fins não habitacionais) ou se por “prédio” devem considerar-se antes as divisões separadamente consideradas na matriz predial e, ainda, qual o VPT relevante (se o VPT relativo ao prédio, se o VPT inerente ao somatório das suas partes com afetação habitacional, ou se antes o VPT, autónomo, relativo a cada uma dessas partes).

 

Para o efeito, importa ter presente que cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição predial do prédio total, a qual discrimina também o seu valor patrimonial tributário (n.º 2 do art.º 12.º do CIMI), sendo o IMI liquidado individualmente em relação a cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente (art.º 119.º, n.º 1 do CIMI).

 

E, se assim é em IMI, também assim deverá ser em Imposto do Selo. Vejamos porquê.

 

 

Interpretação literal

 

Como se refere na decisão tomada no processo 206/2014-T: “Dado que o CIS remete para o CIMI, há que concluir que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, obedece às mesmas regras de inscrição do horizontal”.

 

Sendo o IMI e o Imposto do Selo “liquidados individualmente em relação a cada uma das partes”, também “o critério legal para definir a incidência do novo imposto terá de ser o mesmo”. Em consequência, haverá incidência da verba 28.1 da TGIS (apenas) caso alguma dessas partes, andares ou divisões com utilização independente apresente um VPT, pelo menos, igual ao montante previsto na norma de incidência.

 

Assim, para este efeito, “prédio” será a área independente, considerada separada e autonomamente na matriz, sendo sujeito a imposto caso se mostrem cumpridos dois requisitos: ser destinado a fins habitacionais e ter um VPT igual ou superior a um milhão de euros, critério de aferição dos imóveis habitacionais “de luxo”.

 

De outro modo, criar-se-ia uma realidade não prevista pelo legislador: a de um, por assim dizer, “prédio habitacional”, eventualmente inserido dentro de um prédio mais vasto com várias finalidades, em que o VPT daquele, espúrio aos registos matriciais, consistiria na ficção de um VPT dado pela adição do VPT autónomo de cada divisão (independente e com finalidade habitacional) considerado na inscrição matricial. Ou seja, onde o legislador considerou duas realidades, teria agora o intérprete, sem apoio no texto legislativo, tal como ocorre nas liquidações ora em crise, de ficcionar uma terceira realidade, híbrida, a meio caminho entre a totalidade do prédio urbano e cada uma das suas divisões independentes habitacionais. Divisões a que o legislador do IMI, e do IS por remissão para o CIMI, entendeu dar relevo tributário.

 

Também na decisão proferida no processo 272/2013-T (CAAD) se refere que “considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo Imposto de Selo, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo”. Aliás, é ainda referido nessa mesma decisão que a posição da AT “não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de Imposto de Selo”, razão pela qual “a adopção do critério defendido pela AT viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal”.

 

Neste mesmo sentido, a decisão arbitral proferida no processo 30/2014-T (CAAD) salienta encontrar-se na doutrina da AT uma “desconformidade com o elemento literal da parte final da norma de incidência (verba 28 da TGIS) que refere que o imposto incide sobre “o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI” e por isso, não deverá incidir sobre a soma de valores patrimoniais tributários de prédios, partes de prédios ou andares, não tendo suporte legal a operação de adição de valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente, de afectação habitacional, cindido do VPT dos demais com fins diferentes, por forma a atingir-se o limiar de tributação elegível de 1 000 000,00 de euros ou mais”.

 

Como também se refere na decisão arbitral tomada no processo 30/2014-T (CAAD), o que acontece no que respeita aos prédios urbanos com afetação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, é que a AT procede, nas operações de liquidação do IS, tal como procedeu no caso vertente, à adaptação das regras do CIMI (adicionando os valores patrimoniais tributários de um mesmo prédio, sem considerar os que correspondam a partes do prédio com fim não habitacional, dando assim lugar a um novo e híbrido VPT). Com efeito, essa “adaptação” corresponde a “somar os VPT de cada andar ou divisão independente afecta a fins habitacionais (cindido do VPT dos andares ou divisões destinados a outros fins), criando uma nova realidade jurídica, sem suporte legal, que é um VPT global de prédios urbanos em propriedade vertical, com afectação habitacional”, o que atenta “contra o elemento literal da norma de incidência” (incidência sobre “o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”). Assim, “nos prédios urbanos com afectação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente”, deverá considerar-se o valor patrimonial tributário “que resulta exclusivamente do nº 3 do artigo 12º do CIMI. Quer para o IMI, quer para este IS”.

 

Com efeito, sobretudo nos casos de prédio com divisões susceptíveis de uso independente e com utilizações diversas, habitacionais e outras, teria de obter-se um inovador VPT, dado pelo somatório das divisões independentes destinadas a habitação, mas não das demais para se apurar o valor mínimo exteriorizador de especial capacidade contributiva (ou, o que vai dar ao mesmo, subtrair ao VPT do prédio em propriedade vertical o VPT das divisões independentes não destinadas a habitação, para então confirmar que ainda assim se mantinha um VPT total igual ou superior a um milhão de euros). E, isto claro, sem qualquer apoio, como se verá, na letra ou na rácio da lei.

 

Concretizando, como se concluiu na decisão proferida no processo 26/2014-T do CAAD, “para efeitos de aplicação da verba 28 do TGIS aos prédios em propriedade vertical, aplicam-se as mesmas regras do CIMI que ao prédios em propriedade horizontal, e no mesmo sentido o VPT para efeitos da aplicação da verba é o VPT individual de cada fracção independente habitacional, sendo que no presente caso nenhuma das fracções ultrapassa o critério de incidência de 1.000.000,00 €”, tal como precisamente ocorre também no caso dos presentes autos.

 

Conclui-se assim, em síntese, como claramente decorre das decisões citadas, que a interpretação literal da nova verba da TGIS não poderá deixar de ser oposta à sustentada pela AT, dada a clara e indiscutível remissão operada a propósito da nova verba da TGIS para as regras do CIMI, não podendo o interprete da norma “criar” um novo conceito de prédio para assim obter um VPT híbrido, nomeadamente nos casos de prédios com utilização habitacional e não habitacional, não reconhecido na matriz e sem qualquer apoio no texto da lei. O que deve valer também para prédios em propriedade vertical cujas divisões se destinem, todas, a fim habitacional e, por maioria ou identidade de razão para os prédios em que assim não suceda.

 

 

Substância económica

 

Mais, conforme bem se refere no Acórdão 117/2013 T do CAAD, "a interpretação exclusivamente baseada no teor literal .... não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada». Sendo que para se verificar uma correspondência entre a interpretação e a letra da lei bastará «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa”. 

 

E se olharmos agora para a substância económica dos factos tributários, em cumprimento do art. 11º, nº 3 da LGT, sem que para o efeito se adira a uma interpretação económica das normas de direito tributário, hoje condenada pela Doutrina (cfr. Impostos, Teoria Geral, Américo Fernando Brás Carlos, pág. 196, 2014, 4º ed. Almedina), teremos igualmente de reconhecer que a expressão “cada prédio urbano” usada no nº 7 do artigo 23º, por identidade de razões, abrange não apenas os prédios urbanos em propriedade horizontal, como também os andares, divisões ou partes de prédios urbanos em propriedade vertical, desde que afetos a fins habitacionais, partindo sempre, em qualquer dos casos, de uma só base tributável para todos os efeitos legais: o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI (parte final da verba 28 da TGIS), como se concluiu na decisão arbitral do processo 177/2014-T (CAAD).

 

Ou, como se salienta na decisão proferida no processo 272/2014-T do CAAD, “na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio”, pelo quepara o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização”.

 

Ou seja, releva a realidade económica da detenção de partes independentes, e.g. suscetíveis de utilização ou de arrendamento autónomos, tal como as frações autónomas no caso da propriedade horizontal, e portanto suscetíveis de permitir o uso ou a obtenção de rendimentos de modo similar e exteriorizando, por isso, igual capacidade contributiva (como o exteriorizaria o somatório do VPT de várias frações autónomas de um mesmo prédio em propriedade horizontal ou de vários prédios cujos VPT, no seu conjunto, superassem o valor de um milhão de euros, sem que tal tenha sido considerado pelo legislador como exteriorização de capacidade contributiva relevante para efeitos de IS).

 

 

Coesão do sistema

 

Caso se pondere agora a globalidade do sistema tributário, também não encontraremos indícios que venham infirmar a conclusão traçada até agora.

 

Como se refere no Acórdão proferido no processo 26/2014-T do CAAD, não se vislumbra qualquer censura do legislador à propriedade vertical. Com efeito, “dir-se-á, não sem razoabilidade, que o legislador, para efeitos de tributação em sede de IMI, optou por conferir autonomia, independência, a cada uma das partes ou a cada um dos andares de um único prédio, desde que umas e outros se mostrem de utilização independente, ao ponto de prever a inscrição individualizada na matriz de cada uma dessas partes independentes e de impor à tributação em sede de IMI uma cobrança também ela autónoma. Mau grado a existência jurídica de um único prédio, é o próprio legislador que não apenas recomenda mas impõe a consideração autónoma de cada uma das partes independentes, para efeitos de tributação do património”. Aliás, como decorre de uma interpretação económica do facto, com prevalência da sua substância sobre a sua forma, como acima se viu.

 

E se assim é em IMI, não se perceberia que assim não fosse, também, em Imposto do Selo, nomeadamente no caso da nova tributação sobre prédios (casas, melhor dizendo) “de luxo” (no sentido usado na Assembleia da República pelo então Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e a seguir referido).

 

Com efeito, se o legislador é indiferente a uma ou outra forma de estruturação da propriedade de prédios urbanos no CIMI, não se perceberia que pretendesse agora favorecer uma em detrimento da outra, nomeadamente por considerar uma forma de estruturação mais avançada do que a outra. Como se decidiu nos processos 26/2014-T e 272/2014-T do CAAD, “o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal”, razão pela qual “a discriminação operada pela AT traduz uma discriminação arbitrária e ilegal“, pois “não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º, nº2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.”

 

Ou seja, continua a valer a interpretação literal inicialmente alcançada.

 

 

Intenção do legislador

 

E o certo é que também nada induz o intérprete à conclusão que o concreto legislador da nova verba da TGIS, contrariamente ao legislador do IMI, que aliás permanece inalterado, tenha pretendido discriminar a propriedade vertical face à horizontal. Como bem se relembra no Acórdão proferido no já referido processo 26/2014-T do CAAD, “aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente: “O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (cfr. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32). Ora, como se salienta nesse Acórdão, “o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresenta esta proposta de lei referindo sem tibiezas a expressão “casas”… de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, pelo que “resulta com meridiana clareza que a verba 28.1 da TGIS não pode ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos cada um dos andares, divisões ou partes susceptíveis de utilização independente quando apenas do respectivo somatório resulta um VPT superior ao que prevê a mesma verba”. Isto porquanto, nesse caso, “nenhuma das “casas” … apresenta, de per se, “valor igual ou superior a 1 milhão de euros””.

 

Sendo, portanto, claro, tal como se refere na referida decisão 272/2014-T, que para o legislador só aquele valor de um milhão de euros, desde que afeto “a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal”.

 

E se assim é, teremos então de atender ao conceito de “casa” enquanto realidade física que possibilita um fim habitacional, uma unidade suscetível de utilização independente, incluindo o seu arrendamento, pois é nessa realidade económica que encontraremos a exteriorização da capacidade contributiva associada a “habitações de luxo” que o legislador considerou relevante. Mais, se assim não fosse, procederia o legislador a uma discriminação que não se encontraria justificada, pois como já se viu também não se encontra no sistema uma censura da propriedade vertical quando comparada com a horizontal. Mais, essa distinção chocaria com uma necessária equidade entre idênticas exteriorizações de uma mesma capacidade contributiva.

 

 

Capacidade contributiva e interpretação conforme à Constituição

 

Assegurou-se já a interpretação da norma no quadro do direito ordinário. A benefício de raciocínio, poderá agora analisar-se a questão em sede de maior compatibilidade com o normativo constitucional, sem que essa questão seja já relevante para a boa decisão da causa e, portanto, sem que se chegue à análise da temática concreta sobre a qual se debruçam os Acórdãos do Tribunal Constitucional acima referidos. Ou seja, o recurso aos princípios constitucionais visa apenas reforçar a interpretação das regras de direito ordinário já alcançada sem recurso a normas hierarquicamente superiores.

 

Tem-se por seguro que o legislador fiscal está subordinado ao princípio da igualdade, o qual, como bem refere Sérgio Vasques (Manual de Direito Fiscal, págs. 249 e ss, 2011, Almedina), é mais do que um mero limite negativo e impõe algo mais do que a mera proibição do arbítrio, postulando antes uma repartição dos impostos de acordo com o critério da capacidade contributiva. Assim, o legislador terá de ancorar a tributação em elementos económicos razoáveis e não arbitrários, suscetíveis de justificar a pretensão tributária numa capacidade contributiva concretamente exteriorizada pelo sujeito passivo.

 

Deste modo é imperativo procurar no texto da nova verba uma leitura que dê cumprimento àqueles princípios. Ou, o que vale o mesmo, não retirar daquele texto um sentido que se mostre contrário a esses mesmos princípios.

 

Ora, as capacidades contributivas exteriorizadas pela propriedade de um prédio composto por um conjunto de frações autónomas em propriedade horizontal ou por um conjunto de divisões de utilização independente em regime de propriedade vertical, não podem deixar de ser consideradas idênticas, se não mesmo, eventualmente, menores no caso da segunda hipótese. Ou seja, um prédio não tem, seguramente, um valor de mercado maior por estar organizado como propriedade vertical. Vale o mesmo (permitindo igual benefício pelo seu uso ou igual rendimento por via do seu arrendamento, como acima se referiu), ou terá mesmo um valor menor, já que as alternativas de transmissibilidade serão eventualmente menores. E sabemos que o VPT pretende ser uma aproximação, precisamente, ao valor de mercado dos prédios e será, portanto, a medida e o limite da capacidade contributiva relevante para a nova verba da TGIS.

 

Assim, a interpretação pugnada pela AT, não encontrando justificação hermenêutica, conforme se viu até agora, conduziria ainda a uma manifesta desigualdade entre proprietários de imóveis em propriedade horizontal e em propriedade vertical (e também já se viu que não se vislumbra uma qualquer intenção penalizadora destes, mesmo que se admitisse que tal fosse constitucionalmente admissível). Nesse mesmo sentido, como bem se salienta na decisão do processo 272/2014-T do CAAD, a “existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva. Pelo contrário, da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material”.

 

Tem por isso razão o Requerente quando subsidiariamente sustenta que a interpretação pugnada pela AT violaria princípios constitucionais.

 

Concluindo, “a verdade material é a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico-formal do prédio, visto que constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio não impondo sequer uma nova avaliação” (como se refere na decisão proferida no processo 26/2014-T do CAAD). E esse facto “não se afigura coerente com a decisão da AT tributar as partes habitacionais de um prédio em propriedade vertical, em função do VPT global do prédio e não do que é efectivamente atribuído a cada parte”. Assim, “não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal … e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal”, como se disse, pela criação ex novo de um conceito inovador e de um VPT híbrido, frequentemente correspondente apenas a parte de um prédio. 

 

 

Conclusão quanto à liquidação controvertida

 

Nestes termos, os atos tributários em crise enfermam de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, como sustenta o Requerente, pois nenhuma das partes suscetíveis de utilização independente e destinadas a habitação que compõem o referido prédio, possui um VPT de valor igual ou superior ao limiar decorrente da norma aplicada, o que torna os ditos atos tributários anuláveis e deve pois ser declarado, ao que agora se procede.

 

 

 

Indemnização pela prestação de garantia indevida

 

O Requerente solicita, igualmente, indemnização pelos encargos suportados com a emissão e manutenção da garantia bancária prestada para suspensão da execução das liquidações do ano em causa, nos termos do 53º, n. 1 da LGT e em conformidade com o art. 171, nº.1 do CPPT.

 

 

Competência

 

A AT sustenta ser o Tribunal Arbitral incompetente em razão da matéria para apreciação do direito à compensação, por lhe competir apenas um “mero controlo de legalidade da liquidação impugnada”, não lhe cabendo já analisar da existência de “erro imputável aos serviços”.

 

Sem razão, porém! Como é, aliás, pacífico e sobejamente reconhecido em matéria de juros a favor do sujeito passivo.

 

Neste sentido, a decisão arbitral proferida no processo 48/2013-T, citada pelo Requerente a que aqui se adere.

 

 

Do direito à compensação

 

 

Não obstante a garantia ter sido prestado por período inferior a três anos, a liquidação anulada decorre de manifesto erro imputável à AT, pois a interpretação a que procedeu enferma de erro na subsunção dos factos ao direito, quando havia já duas decisões arbitrais referentes ao mesmo prédio no sentido da não incidência de imposto. As quais eram do conhecimento da AT, pois haviam sido proferidas no ano civil anterior ao das liquidações aqui em causa. Isto, a par de vasta jurisprudência concordante, que a AT não poderia deixar de conhecer.

 

Há, pois, erro imputável à AT na liquidação controvertida, nos termos e para os efeitos do nº 2 do art. 53 da LGT.

 

Está demonstrado nos autos a prestação de garantia para a suspensão da execução da verba relativa às primeiras prestações, sendo plausível que hajam sido prestadas garantias bancárias para suspensão das segunda e terceira prestações da mesma liquidação, facto que a AT conhecerá.

 

Deve assim o Requerente ser ressarcido pelos custos efetivamente suportados e a suportar com a garantia ou garantias que foram prestadas para a suspensão da execução fiscal das liquidações relativas ao ano aqui controvertido, com o limite máximo que decorreria da aplicação da taxa de juros indemnizatórios prevista na Lei ao valor garantido (art. 53, n.º 3 da LGT).

 

 

Conclusão quanto á indemnização por prestação de garantia indevida

 

Decide-se, portanto, condenar a AT a ressarcir o Requerente dos encargos com a prestação de garantia, ou de garantias, bancárias, que efetivamente tenha suportado e que venha a suportar, para a suspensão da execução fiscal das liquidações de imposto do selo relativas ao ano de 2015 e ao imóvel aqui identificado, com o limite máximo que decorreria da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na Lei.

 

 

Dispositivo

 

Em resultado do exposto, decide-se julgar integralmente procedente o pedido do Requerente e, em consequência, anular os atos de liquidação em crise, com fundamento em violação de lei, decorrente de erro nos pressupostos.

 

Tendo sido prestada garantia bancária para suspensão da execução dos identificados atos de liquidação, deve o Requerente ser reembolsado dos custos suportados e a suportar com a emissão e manutenção das garantias bancárias que para o efeito haja prestado, com o limite máximo correspondente aos juros indemnizatórios que seriam calculados nos termos da lei sobre o valor garantido com os garantias bancárias prestadas.

 

 

Valor

 

Como referido acima as liquidações objeto do pedido e de anulação ascendem ao valor total de € 12.486,80 (doze mil, quatrocentos e oitenta e seis euros e oitenta cêntimos), por ser este o valor do imposto indevidamente liquidado e, portanto, o do pedido e o da sua utilidade económica.

 

Assim e de harmonia com o disposto no art. 306.º, nºs 1 e 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o dito valor de € 12.486,80.

 

 

Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00 € (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, integralmente a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, aqui Requerida.

 

 

Lisboa, 23 de junho de 2017

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco, revisto e assinado pelo árbitro signatário.

 

 

 

O Árbitro

 

 

(Jaime Carvalho Esteves)