Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 364/2016-T
Data da decisão: 2017-03-16  Selo  
Valor do pedido: € 9.876,60
Tema: Imposto do Selo – verba 28 e 28.1 da TGIS (2015) – terreno para construção.
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 Decisão Arbitral

 

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 4 de Julho de 2016, A… SUCURSAL EM PORTUGAL, com o NIPC…, com sede na Rua …, nº…, …-… …, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar o seguinte Pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à declaração de Ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de Imposto de Selo, verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2015, com uma colecta de € 9.876,60 (nove mil oitocentos e setenta e seis euros e sessenta cêntimos), respeitante ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo U-…, da União das Freguesias de … e … (indicação corrigida para artigo U-…, da mesma freguesia, após interpelação da Requerida de 30 de Setembro), requerendo o reembolso das quantias pagas a título de imposto de selo, verba 28.1 da TGIS e respectivos juros moratórios e indemnizatórios. Para além da procuração forense e comprovativo de pagamento da taxa de arbitragem inicial juntou quatro documentos (e um outro, junto em 30 de Setembro) todos referentes ao prédio com o artigo matricial … . 

2. No Pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, tendo sido, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

3. Notificadas as partes dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar tendo o tribunal arbitral ficado constituído em 21 de Setembro de 2016.

4. A Resposta da Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida), após concessão de prorrogação do respectivo prazo, foi apresentada em 9 de Novembro de 2016, suscitando uma excepção, a que se sucedeu a apresentação de requerimentos por ambas as Partes, em 22 de Novembro, 24 de Novembro e 7 de Dezembro de 2016.

5. De acordo com as posições das Partes, o Tribunal decidiu a dispensa de reunião do artigo 18º do RJAT mas não de alegações escritas, que foram apresentadas a 11 e 24 de Janeiro de 2017, respectivamente. Foi indicado que a decisão arbitral seria proferida até  21 de Março de 2017.

 

6. O Pedido de Pronúncia

A Requerente sustenta, em síntese (da nossa responsabilidade):

-          É comproprietária de um prédio urbano - sito na Rua … e … descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … da União das Freguesias de … e … e inscrito na competente matriz predial urbana com o artigo …

-          Na sequência de um pedido de informação prévia relativamente ao uso previsto ou autorizado pelo Plano Director Municipal, a Câmara Municipal de … respondeu que a área em que se situa o terreno em causa, lote nº … do alvará de loteamento nº…, se destina à localização predominante de actividades residenciais, complementadas com outras actividades, nomeadamente comerciais, de equipamento, de serviços, empresariais e industriais, desde que não criem incompatibilidade com a actividade residencial;

-          O terreno em questão foi objecto de liquidação - de Imposto do Selo nos termos da Verba 28.1 da TGIS no montante de 9.876,60 euros - que incorre em erro sobre os pressupostos.

-          Na aplicação da referida verba 28.1, com a redacção introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, há que ter em conta o disposto nos artigos 6º, nº 1 e nº 3, 45º e 38º do CIMI: para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação – atendendo se estamos perante habitação, comércio, serviços ou indústria – e o valor da área da implantação é determinado em função do valor das edificações autorizadas ou previstas.

-          No conceito de “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” constante da Verba 28.1 o legislador omitiu os casos de operações de loteamento em que são aprovadas edificações com fracções afectas a fins diversos.

-          Na presente situação não se pode asseverar que os mesmos são afectos a habitação, porque podem ser destinados, conjunta ou isoladamente, a muitas outras finalidades (comércio, serviços, indústria, estacionamento coberto, etc.), que nem o texto nem o animus da norma de incidência contemplam, sendo certo que a norma de incidência real tipifica como facto gerador, no caso dos mesmos terrenos para construção, a edificação autorizada ou prevista unicamente para habitação, nos termos do Código do IMI.

-          Este foi o entendimento na decisão arbitral no processo nº 480/2015-T.

-          Aliás o legislador terá pretendido sujeitar unicamente a imposto as casas cuja construção se encontre aprovada ou prevista nos termos do Código do IMI, na medida em que pretendeu atingir os imóveis de luxo e os terrenos para construção não são bens de luxo, mas meras expectativas jurídicas, nem legitimando um imposto solidário.

-          Os imóveis para construção poderão ter valor significativo pela sua área mas depois de construídos a imputação a cada fracção será de valor inferior a 1.000.000 euros.

-          Verifica-se violação dos princípios constitucionais de igualdade tributária, capacidade contributiva e da legalidade porque a capacidade contributiva da requerente surge com o exercício efectivo da sua actividade [ou seja, promoção e alienação dos bens imóveis quer seja para habitação, serviço ou comércio ou estacionamento (des)coberto] sendo tributável de acordo com as normas do CIRC, enquanto a detenção de um terreno para construção por parte de uma empresa do ramo imobiliário, ainda que destinado a construção de prédios habitacionais, não evidencia qualquer capacidade contributiva especial.

-          O acto de liquidação impugnado enferma ainda de ilegalidade por falta de fundamentação porque a Autoridade Tributária encontrava-se obrigada a fundamentar que estamos perante um terreno “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, mas não o fez. 

-          Devem ser anulados os actos de liquidação de Imposto de Selo, ordenando-se o reembolso do Imposto de Selo pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios

 

7. A Resposta

A Requerida respondeu, em síntese (da nossa responsabilidade):

Por excepção

-          A Requerente pretende que em face da liquidação seja sindicada a avaliação e qualificação do prédio, elementos consolidados na caderneta predial e cujos prazos de contestação através de procedimentos previstos no CPPT se encontram amplamente ultrapassados,

-          Trata-se de acto administrativo em matéria tributária não sindicável através de impugnação judicial (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT), pelo que o Tribunal arbitral é incompetente para conhecer da matéria (artigo 2.º do RJAT), determinando a absolvição da Entidade Requerida da instância (artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

Por impugnação

-      Para aplicação do Imposto de Selo (verba 28.1. da TGIS) criado pela Lei nº 55-A/2012, de 29/10, há que ter em conta a aplicação das normas do CIMI (artigo 67º, nº 2, do CIS), designadamente os artigos 2º, nº1, 6º, nº 1, 45º e 37º, e que a própria verba 28.1 TGIS, na redacção conferida pela Lei nº 83-C /2013, de 31 de Dezembro, contém uma definição de terreno para construção que se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do art. 6º do CIMI.

-          A determinação do VPT dos terrenos para construção (com aplicação do nºs 1 e 2 do art. 45º do CIMI) é feita com base no alvará de loteamento, ou na falta deste, do alvará de licença de construção, projecto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva (art. 37º, nº 3, do CIMI), ou seja, a avaliação do terreno para construção atende necessariamente à área a construir autorizada e à utilização a ser dada a essa construção, às características do prédio urbano que nele se vai construir, à afectação das edificações autorizadas (artigo 38º).

-          O documento junto pela Requerente emitido pela edilidade competente refere que o prédio em causa se encontra inserido em área predominantemente residencial (as outras actividades previstas serão sempre um complemento desta), o que confirma que o mesmo integra a definição de terreno para construção para efeitos da verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei 83-C/2013.

-          Atendendo a que o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, entre outros elementos, o número de lotes e a indicação da área de localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos, número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previstos, nos termos da alínea a) do art.º 77.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e que os Planos Directores Municipais estabelecem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção muito antes da efectiva edificação do prédio.

-          A liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 83-C/2013, que expressamente prescreve os terrenos para construção como elemento objectivo de incidência da norma, tal como em situação idêntica foi julgado na decisão arbitral no proc. 483/2016.

-          Quanto à falta de fundamentação, resulta claro que a AT considerou que o prédio urbano em apreço era subsumível ao conceito de “terreno para construção com afectação habitacional” e que por esse motivo tributou a Requerente, na qualidade de proprietária desse prédio, em imposto do selo ao abrigo da verba 28.1 da TGIS.

-          A fundamentação afigura-se elucidativa quanto ao iter cognoscitivo e valorativo seguido pela AT para decidir nos termos que decidiu, especialmente se tivermos em conta que se trata de um acto de massa, tudo de acordo com a lei e a jurisprudência sobre a matéria, pelo que se considera ter sido cumprido o ónus de fundamentação.

-          Quanto à invocação de inconstitucionalidade da norma aplicada à liquidação por não incluir os prédios comerciais, industriais ou para serviços, não colhe, havendo que ter em conta o contexto em que forma tomadas as opções políticas (necessidade de reanimação da actividade económica e o aumento das exportações), não podendo a aplicação dos princípios constitucionais de igualdade e proporcionalidade desconhecer o direito de conformação económica do legislador, como vem sendo decidido pelo Tribunal Constitucional.

-          Não são devidos juros indemnizatórios porque a liquidação não provém de erro dos serviços e decorre da aplicação da lei.

 

8. Resposta à excepção e Alegações

Quanto à excepção, a Requerente respondeu que não estava a impugnar o resultado da avaliação, havendo sim, quanto ao terreno em causa, de ter em conta que embora o coeficiente de habitação utilizado na respectiva avaliação seja justificado com o facto de se tratar de área residencial, o mesmo não se encontra apenas afecto a habitação nos termos do Código do IMI. É que, apesar de haver uma autorização para nele se construir edificação destinada a habitação, encontra-se afecto também a comércio, serviços, equipamentos e indústria[1].

Nas alegações, as Partes reproduziram o mesmo tipo de argumentação utilizada no Pedido e na Resposta.

 

9. Questões a decidir  

Para além da apreciação da questão, suscitada pela Requerida, relativa a competência do tribunal para sindicar a avaliação e inscrição matricial, as ilegalidades que a Requerente imputa à liquidação, considerando-as susceptíveis de conduzir à anulação do acto tributário, implicam apreciação jurídica das seguintes questões:

-          Aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS a terrenos para construção quando a edificação autorizada não se destina exclusivamente a habitação;

-          Constitucionalidade da referida verba 28.1 da TGIS, na parte em que sujeita a tributação os terrenos para construção “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do Código do IMI”;

-          Cumprimento, pelo acto impugnado, do dever de fundamentação consagrado na lei e na Constituição.

 

10. Saneamento

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

A questão suscitada relativamente a incompetência do tribunal será objecto de análise após a fixação da factualidade.

O processo não padece de qualquer nulidade.

Decidindo:

 

II Fundamentação

 

11. Factos provados

Com base na documentação apresentada pelas Partes são considerados provados os seguintes factos:

11.1. A Requerente é proprietária, em compropriedade, de metade de um prédio descrito como terreno para construção, descrito actualmente sob o artigo U-… na matriz predial urbana da União das Freguesias de … e … descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º… .

11.2. O mesmo terreno teve anteriormente o artigo matricial … (correspondente aos anteriores dos artigos…, … e …, todos do concelho e freguesia de …, distrito do Porto), (cf. Documentos 1, 2 e 3, juntos aos autos pela Requerida em 24/11/2016).

11.3. Em 28 de Dezembro de 2011, a Requerente e a comproprietária entregaram uma declaração mod. 1 de IMI relativa ao terreno em causa, incorporando os três artigos matriciais referidos na alínea anterior e indicando as seguintes áreas em m2: total de terreno 1.038.76,0000; implantação de prédio 904,0000, área bruta de construção 7.951,0000 e área bruta dependente 1.808,0000 (Doc. 3 junto em 24/11/2016).

11.4. Foi então elaborada a ficha de avaliação nº … (artigo provisório…) apurando para o terreno qualificado como terreno para construção urbana um valor patrimonial tributário de € 2.454.890 (Doc. 4 junto pela AT aos autos, em 24/11/2016). Em ficha complementar, referia-se afectação a habitação (doc. 2 junto aos autos em 24/11/2016).

11.5. Durante o ano de 2015 os serviços da Câmara Municipal de … comunicaram à comproprietária da Requerente, em resposta a pedido de informação, o seguinte: "Face ao solicitado, cumpre-me informar que o terreno em causa, lote nº … do alvará de loteamento nº…, encontra-se, de acordo com o PDM e do Plano de Urbanização de …, em área predominantemente residencial. Destina-se à localização predominante de actividades residenciais, complementadas com outras atividades, nomeadamente comerciais, de equipamento, de serviços, empresarias e industriais, desde que não criem condições de incompatibilidade com a actividade residencial nos termos da lei. A tipologia predominante de edificação é a habitação colectiva, sendo, no entanto, admitidas outras tipologias, desde que, no caso de edifícios mistos, se garantam entradas e acessos separados às habitações, e ainda a existência de comércio nos pisos térreos” (art. 7º do Pedido e Doc. nº 4 junto com o Pedido).

11.6. Em 4 de Janeiro de 2016, a Requerente e a empresa co-proprietária do mesmo terreno, entregaram uma declaração mod. 1 de IMI relativa ao terreno com matriz … da União das Freguesias de … e … descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º…, sendo indicadas as áreas em m2: total de terreno 1.038.76,0000; implantação de prédio 904,0000, área bruta de construção 7.951,0000 e área bruta dependente 1.808,0000.

11.7. Esta comunicação deu origem a ficha de avaliação nº…, apurando um valor patrimonial tributário de € 1.975.320,00, referindo-se que a avaliação, datada de 2 de Janeiro de 2016, teve em conta dados de acordo com o alvará de loteamento nº…/91 e aditamento …/15 (Documentos nº s 1, 2, 3 e 4 juntos com a Resposta).

11.8. A Requerente foi notificada de liquidação de Imposto do Selo, datada de 5 de Abril de 2016, referente a 2015 (documento n.º 2016…), efectuada por aplicação da taxa de 1% prevista na verba 28.1 da TGIS, sobre o prédio referido nos números anteriores, aplicada ao VPT de € 1.975.320,00, importando para o titular da quota-parte de ½, a colecta de € 9.876,60, tendo entretanto pago pelo menos duas prestações de € 3.292,20 cada (Doc. nº 1 junto com o Pedido e doc. junto aos autos em 30/9/2016).

11.9. Em 4 de Julho de 2016 a Requerente apresentou o presente pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

12. Factos que não se consideram provados

Não existem factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

13. Apreciação de direito

13.1. A questão prévia - objecto do Pedido e competência do tribunal

A Requerida defende que o Pedido de pronúncia arbitral tem como objecto a avaliação do prédio, acto que considera consolidado na ordem jurídica e para além de que se trata de matéria não abrangida pela competência dos tribunais arbitrais tributários.

 

Da análise da fundamentação constante no Pedido e nas alegações da Requerente não resulta que esta pretenda alterar a avaliação do terreno para construção (aliás tê-lo-á conseguido em termos que desconhecemos mas esse processo não está em discussão nos autos).

O que a Requerente pretende defender é que: a) a verba 28.1 não abrange na sua incidência os terrenos que não se destinem unicamente a construção de habitação; b) a verba 28.1 sofre de inconstitucionalidade ao incidir sobre detenção de terrenos para construção por empresas que os utilizam como activo necessário à actividade tributada pelo lucro, nos termos do CIRC. 

 

Assim, considera-se que não assiste razão à Requerida quanto à excepção suscitada, sendo o tribunal arbitral materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT. 

 

13.2. A legalidade da liquidação

13.2.1. A aplicação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo

Está em causa a aplicação da verba nº 28 da Tabela Geral do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS). Esta verba foi aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, então com o seguinte conteúdo:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%.

28.2 -………………………………………………………”

Segundo resulta das alterações ao Código do Imposto do Selo introduzidas pelo artigo 3º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, o Imposto do Selo previsto na verba 28 da TGIS incide sobre uma situação jurídica (nº 1 do artigo 1º e nº 4 do artigo 2º do CIS), em que os respectivos sujeitos passivos são os referidos no artigo 8.º do CIMI (nº 4 do art. 2º do CIS), aos quais cabe o encargo do imposto (alínea u) do nº 3 do artigo 3º do CIS). 

 

O CIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, quer no artigo 4º, nº 6 (“Nas situações previstas na verba 28 da Tabela Geral, o imposto é devido sempre que os prédios estejam situados em território português”), quer no artigo 23º, nº 7 (“Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”), em conjugação com o art. 1º do CIMI, considera o prédio em si como o facto tributário (a situação que desencadeia a tributação) desde que atinja o valor previsto na verba 28 da Tabela Geral do Selo, independentemente do número de sujeitos passivos, possuidores (enquanto proprietários, usufrutuários ou superficiários) dos bens em causa.   

 

A sua aplicação pela administração tributária aos terrenos para construção fez surgir, de forma generalizada[2], a dúvida sobre se tais imóveis – terrenos para construção – eram subsumíveis no conceito de “prédios com afectação habitacional” e, por isso, incluídos no âmbito da incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, no caso do respectivo VPT ser igual ou superior a € 1. 000. 000.

 

Verificando que nem a Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, nem o Código do Imposto do Selo, definem “prédio urbano com afectação habitacional”, procurou-se, face à remissão do n.º 2 do artigo 67.º do CIS, a definição daquele conceito no âmbito do CIMI, tendo em conta o disposto nos respectivos artigos 4.º (definição de prédios urbanos) e 6º (espécies de prédios urbanos). Da análise dos nºs 2 e 3 deste artigo 6º concluiu-se que o CIMI também não contém uma definição específica do que sejam “prédios urbanos com afectação habitacional”, o que denunciaria uma deficiente técnica legislativa por utilização, em normas de incidência tributária, de conceitos que não estão legalmente definidos.

 

Diversas apreciações convergiram na interpretação de que a expressão “afectação habitacional” não parecia poder ter outro sentido que não o de “utilização” habitacional, ou seja, prédios urbanos que tenham uma efectiva utilização para fins habitacionais, seja porque para tal estão licenciados, seja porque têm esse destino normal, o que não é o caso dos terrenos para construção que, não estando edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios com afectação habitacional, já que nem possuem licença de utilização para habitação, nem são habitáveis, por não estarem sequer edificados. Nos terrenos para construção apenas existe a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder, após a edificação, vir a ter uma “afectação habitacional”, mas isso apenas quando a “afectação habitacional” se concretizar, e nunca antes da sua edificação, é que o prédio urbano se enquadra no âmbito da norma de incidência tributária objectiva em apreço[3].

 

Assim, as decisões então proferidas no âmbito do CAAD foram no sentido de que, resultando do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos «habitacionais» e «terrenos para construção», estes não poderiam ser considerados, para efeitos de incidência descrita na verba 28 da TGIS, como «prédios com afectação habitacional».

 

Também a jurisprudência do STA foi nesse sentido, citando-se, por todos, o Acórdão proferido em 15 de Fevereiro de 2017, no proc. 277/2016, que, apreciando o recurso de uma sentença que anulara liquidação de Imposto do Selo referente de 2012, conclui: «(…) em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba nº 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro»


Esta situação terá conduzido à alteração legislativa introduzida pelo artigo 194º da Lei nº 83-C/2013, de 31/12 (que aprovou o OE para 2014), passando a verba 28.1 da TGIS a dispor “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

 

Com essa redacção, vigente ao tempo da liquidação objecto do presente processo, torna-se inequívoco que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros) (neste sentido confrontar Acórdão do STA de 01870/13, de 09-04-2014, Relatora, Isabel Marques da Silva).

 

Temos então que a actual redacção da verba 28 e 28.1 da TGIS abrange objectivamente os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais.

 

Quanto ao conceito de terreno para construção, dispõe o artigo 6º, nº 3, do CIMI que são assim considerados, «(…) os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos».

 

Segundo os factos considerados provados, o terreno em causa, qualificado na matriz e caderneta predial como terreno para construção, constitui “o lote nº … do alvará de loteamento nº…”, “com aditamento …/15” (11. 6.), pelo que é sem dúvida um terreno para construção.

 

Quanto à aplicação do segmento da norma “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”, cremos ser pertinente a interpretação resultante dos diferentes números do artigo 6º do CIMI: embora na classificação contida no nº 1 não se distinga, quanto a terrenos para construção (alínea c) e nº 3), entre os destinados a construção para habitação ou outro tipo de edificações, no nº 2, quanto à distinção entre as espécies de prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, dá relevância ao respectivo licenciamento ou, na falta de licença, surge como critério relevante o respectivo destino normal.

 

No caso, sabemos por informação prévia da Câmara Municipal de … junta aos autos pela Requerente, que de acordo com o Plano Director Municipal (PDM) e o Plano de Urbanização de …, o prédio se encontra “em área predominantemente residencial” e “destina-se à localização predominante de actividades residenciais, complementadas com outra actividades, nomeadamente comerciais, de equipamentos, de serviços, empresariais e industriais, desde que não criem condições de incompatibilidade com actividade residencial nos termos da lei”.

 

E quanto ao pressuposto de se tratar de “edificação prevista ou autorizada”, também se concorda com a interpretação acolhida na decisão arbitral proferida no processo nº 483/2015-T - “a edificação deve considerar-se autorizada quando foi requerida uma licença de construção aos serviços competentes e essa licença foi concedida”. No caso não é referida a licença, mas existe alvará de loteamento que consiste numa licença de urbanização de uma área urbana com vista à construção de edificações. Esse alvará, que implica uma intenção de construção, é pedido pelos interessados, que se submeterão às condições permitidas que, no caso, sabemos serem fundamentalmente destinarem-se a habitação (“área predominantemente residencial”; “tipologia habitação colectiva”).

 

Pode, pois, dizer-se que a Requerente é titular de um terreno para construção cujas edificações são para habitação (ainda que possam não ser unicamente para esse fim). A verba 28.1., na redacção já vigente ao tempo da liquidação em apreciação nos autos, abrange a tributação dos terrenos para construção de valor superior a um milhão de euros quando exista previsão de edificação, independentemente da sua futura concretização, e não exige que seja exclusivamente para habitação.

 

Tal como se decidiu no processo 483/2015-T, este tribunal também considera de rejeitar a tese da Requerente no sentido de que os terrenos em que se prevê edificações com outras funções para além da habitacional não são abrangidos pela norma de incidência, sendo antes de ter em conta que «um terreno para construção habitacional com um VPT igual ou superior a 1 000 000 de euros se destina, em princípio, à construção de edificações urbanas colectivas e que as edificações urbanas colectivas nunca são exclusivamente habitacionais, sendo sempre complementadas com fracções para fins comerciais ou para serviços”.

 

Ora, não é crível que, sendo essa a situação normal, o legislador tenha querido na verba 28.1 limitar o âmbito de incidência do imposto às edificações exclusivamente habitacionais. A norma não teria então sentido útil, o que está vedado pelo n.º 3 do art. 9.º do Código Civil (CC). Ou seja, concorda-se, que “ (…) procurando reconstituir o pensamento legislativo a partir dos textos, tendo em conta as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, como prescreve, em matéria de interpretação da lei, o n.º 1 do art. 9.º do CC, deve concluir-se que o legislador pretendeu que fossem tributados os terrenos para construção para os quais se encontre prevista a construção de edificações que sejam, predominantemente, para habitação.” (in Decisão arbitral proc. 483/2015-T, sublinhado nosso).

 

No caso presente, em que a informação prévia que nos é facultada diz, também claramente, que as actividades de serviços, comércio e equipamentos são complementares da actividade habitacional, sendo apenas admissíveis na medida em que não sejam incompatíveis com esta, fica patente que a parte não habitacional (de serviços, comercial, de equipamentos e industrial) tem um lugar unicamente complementar da parte habitacional nas edificações a construir no terreno em causa.

 

Ou seja, o prédio em questão nos autos é um terreno para construção “cuja edificação, autorizada ou prevista, é para habitação”, na medida em que é predominantemente para habitação.

 

E também se recusa a possibilidade de retirar qualquer efeito útil da declaração do SEAF, aquando da discussão na Assembleia da República da Proposta de Lei que deu origem à norma em discussão, sobre a intenção de tributar “casas de luxo”. Essa justificação referia-se ao texto da norma inicialmente referente a “prédio com afectação habitacional” (hoje “prédio habitacional”) não se estendendo aos terrenos para construção (como confirmado então por abundante jurisprudência já referida).

 

Com as alterações introduzidas pelo OE para 2014, passaram a ficar abrangidos pela verba 28.1 da TGIS os terrenos para construção, cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação, e não apenas as casas de valor patrimonial igual ou superior a 1 000 000 de euros. O legislador alterou o âmbito da norma, passando a estender a tributação a terrenos para construção, de valor também igual ou superior a 1 000 000 de euros, sendo certo que o seu valor advém da finalidade, predominante, de edificações para habitação mas sem se exigir que seja esse exclusivamente o destino dos edificados.

 

Assim, conclui-se que no caso concreto dos autos se encontravam reunidos os pressupostos de facto e de direito necessários à aplicação da verba 28.1 da TGIS, pelo que não procede a invocação de ilegalidade, por “erro quanto aos pressupostos”, do acto de liquidação de Imposto do Selo verba 28. 1, referente ao ano de 2015, relativamente a um “terreno para construção” com VPT atribuído de € 1.975.320,00.

 

13.2.2. Sobre a inconstitucionalidade da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo

A tese da Requerente é a de que a incidência da verba 28 da TGIS sobre a sua situação não se justifica porque a sua capacidade contributiva não deve ser medida pelos bens de investimento mas sim pelos resultados obtidos através de apuramento de lucros em sede de IRC.

 

Apesar de não consagrado expressamente na CRP, é entendimento da doutrina e da jurisprudência que o princípio da capacidade tributária decorre do princípio constitucional da igualdade (artigo 13º da CRP), como exposto designadamente nos Acórdãos números 348/97 e 84/03 do Tribunal Constitucional.[4]

 

No sistema jurídico tributário português a lei explicita que a capacidade contributiva se revela “através do rendimento ou da sua utilização e do património” (art. 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT). A caracterização dos impostos mais importantes do sistema fiscal, reflectida no artigo 104º da CRP, distingue os impostos sobre o rendimento (pessoas singulares e empresas), património e consumo. Tendo em conta a distinção doutrinal entre impostos pessoais e reais, que atende à estrutura interna dos impostos e a respectiva adequação à força económica do contribuinte, poderá dizer-se que a personalização do imposto se revela largamente impraticável nos impostos sobre o consumo, se concretiza mais facilmente em sede de IRS, e fica tradicionalmente a meio caminho nos impostos sobre o património [5].

 

Os artigos 104º da CRP e 4º da LGT, assim como o artigo 103º da CRP, validam a conclusão de que o sistema fiscal português considera que o “património” revela capacidade contributiva (riqueza possuída) sendo por isso susceptível de ser tributado sob o ponto de vista daquela princípio constitucional [6] [7].

 

As vantagens e dificuldades da tributação de património são muitas vezes analisadas e objecto de controvérsia dadas as dificuldades que enfrenta[8]. Por exemplo, a Comissão de Desenvolvimento e Reforma Fiscal nas suas conclusões em 1996, sugeria que a tributação periódica do património líquido não se justificaria como um fim em si mesmo mas como instrumento de correcção de insuficiências reveladas na tributação do rendimento, a ter em conta conjuntamente com outras propostas apresentadas naquele sentido. Aquando da “Reforma da Tributação do Património”, cujos trabalhos decorreram entre 2002 e 2004, a Contribuição Autárquica e a Sisa foram substituídas, respectivamente, pelo IMI e IMT e as transmissões gratuitas passaram a ser sujeitas a Imposto do Selo.

 

De realçar que o Imposto do Selo tem sido considerado um “meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abrangidas pela incidência de quaisquer outros impostos. Não revestindo a natureza de tributação de sobreposição, este imposto tende a assumir uma função residual preenchendo espaços deixados em aberto pela tributação do rendimento e do consumo”.[9]

 

A verba 28.1 da TGIS introduzida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, contém precisamente uma norma de incidência sobre o património - “a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos”. Como analisado também na decisão 483/2015, “é a mera detenção do prédio no património do sujeito passivo, e não o rendimento que do mesmo advenha (ao contrário do que acontecia na Contribuição Predial), que constitui, no caso da verba 28.1 da TGIS, o facto tributário”.

 

A referida Lei nº 55-A/2012, resultou da proposta de lei nº 96/XII (2ª), apresentada pelo Governo à AR e aí admitida em 26 de Setembro de 2012. Na sua exposição de motivos, as medidas fiscais contidas no diploma eram inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental, dizendo-se: “estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

 

As medidas fiscais, apresentadas como um conjunto, eram o agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias e criação de uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros[10].

 

Já foi recordado supra que, na discussão da proposta de lei, foi afirmado quanto à verba 28 da TGIS que se pretendia tributar casas de luxo, e que o texto da lei aprovada pela AR - Lei nº 55-A/2012 – veio a ser objecto, pelos tribunais arbitrais e fiscais, de recusa generalizada da interpretação, feita então pela Administração Tributária, de que a norma abrangia a tributação de terrenos para construção.

 

É muito possível – dado o contexto de exigências financeiras impostas - que tenha havido essa intenção por parte do poder político mas foi expressa inadequadamente. Para além de que nos trabalhos legislativos só foi manifestado então o animus de tributar casas, e de luxo.

 

Mas a Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro veio alterar o texto abarcando objectivamente no seu âmbito de incidência terrenos para construção.

 

Encaremos agora expressamente a tese da Requerente de que a propriedade de um activo da empresa destinado ao seu funcionamento não é susceptível de revelar a sua capacidade contributiva, e que esta apenas é aferível pela produção de ganhos. Mais uma vez citando a decisão do processo 483/2015, foi aí recordado que o IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) é diferente dos antecessores Contribuição Predial de 1963 e a Contribuição Autárquica de 1988 na medida em que assenta numa tributação não baseada no rendimento dos prédios mas no respectivo valor de mercado. Contudo, assinala-se, há aspectos que tornam difícil defender que em todas as hipóteses o IMI assenta no princípio da capacidade contributiva de tributação (p. ex. tanto incide sobre casas de férias ou de investimentos como de habitação permanente e, relativamente as estas tanto, incide sobre uma habitação de 100 000 euros como sobre uma habitação de 1000 000 de euros). E, relativamente a empresas, embora a alínea d) do n.º 1 do art. 9.º. do CIMI preveja tratamento especial para prédios que integram o activo circulante de uma empresa, não onerando com imposto os custos de produção das empresas cujo principal factor de produção são os terrenos de construção, não estão isentos de IMI os prédios em que outras empresas têm instaladas as suas fábricas, os seus escritórios ou os seus estabelecimentos comerciais. No caso dessas outras empresas, verifica-se que o IMI onera os respectivos custos de produção, que assim se reflectem nos preços finais. “Portanto, há que concluir, a tributação do património no sistema fiscal português não exclui a tributação de bens imóveis que integram o activo das empresas e que servem a realização do seu objecto. E, portanto, o legislador toma a propriedade destes bens como manifestação de capacidade contributiva”.

 

Vejamos o que acontece com a verba 28.1 da TGIS. Como recordado supra, começou por ser afirmada a intenção de o legislador tributar reforçadamente um património constituído por prédios de valor superior a um milhão de euros, explicando que se tratava de habitações de luxo[11]. Mas, a partir de 2014, a verba 28.1 da TGIS passou a incluir terrenos para construção de valor igual ou superior a um milhão de euros, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação. Sem que nada nos diga que se trata de terrenos destinados a habitação de luxo, nem se excluindo que a norma abranja activos integrantes do património de empresas.

 

Mais uma vez coincidimos com a análise feita no processo 483/2015:

 «A questão última que se coloca é se é possível identificar nesta situação uma manifestação de capacidade contributiva. Admitindo que no sistema fiscal português, a regra é a tributação, e não a exclusão, da tributação do património imobiliário empresarial, e que, portanto, o nosso legislador considera que existe aí capacidade contributiva, não nos parece defensável afirmar que se encontra totalmente ausente uma manifestação de capacidade contributiva no caso de um terreno para construção, de VPT igual ou superior a um milhão de euros, pertencente a uma empresa. O facto de o legislador ter limitado a tributação aos terrenos cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação afigura-se uma opção legítima do legislador. O Tribunal Constitucional, que tem salientado que o princípio da capacidade contributiva deve ser compatibilizado com outros princípios constitucionais, inclui nestes outros princípios constitucionais a liberdade de conformação do legislador (acórdão TC n.º 590/2015). No acórdão n.º 711/2006, o Tribunal afirma: “Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e factores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio».

“Não parece que no caso da verba 28.1 da TGIS exista uma situação de arbítrio. Por um lado, o legislador entendeu dever excluir da tributação os terrenos para construção destinados a fins não habitacionais, ie. a actividades económicas e de equipamentos sociais, e, por outro, visou aqueles terrenos que pela sua localização e classificação ao nível dos instrumentos de ordenamento do território são os que estão sujeitos a uma maior valorização especulativa, que são precisamente os destinados a edificações predominantemente habitacionais.”[12]

 

Assim, o presente tribunal arbitral conclui – tal como na decisão arbitral que vimos citando – que não se verifica a violação de princípios constitucionais de capacidade tributária e de igualdade tributária, não padecendo a liquidação, também nesse aspecto, de ilegalidade

 

13.2.3. Da falta de fundamentação do acto tributário

A Requerente considera ainda a liquidação viciada por falta de fundamentação porque a Requerida não invocou, como deveria, que estamos perante “um terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no CIMI” e que tal falta viola os artigos 268º da CRP, 123º do CPA, 77º da LGT.

 

Após citação de abundante jurisprudência, conclui que a fundamentação é inexistente (art. 154º do Pedido) ao mesmo tempo que lhe imputa várias insuficiências, enunciando que não se mencionou que os terrenos têm edificação prevista. Invoca também erro na qualificação do prédio (164º do Pedido).

 

A outra razão da imputada falta de fundamentação consiste na ausência de explicação da AT porque “liquidou Imposto do Selo sobre terrenos para construção com os diversos tipos de afectação autorizadas, quando é certo que a norma habilitante encerra a tributação no domínio dos terrenos para construção cuja edificação autorizada é apenas para habitação nos termos do Código do IMI”. (art. 165º do Pedido). E considera-se que a liquidação deveria ter contido as razões suficientes para a liquidação, a exemplo do decidido no acórdão do STA de 19/09/2012 (proc. nº 0659/12).

 

Começando por este último argumento, dir-se-á que a Requerente traçou um paralelo com situação bem diversa da sua – no caso julgado no proc. 659/12, tratava-se de uma situação de liquidação de IMI em que o contribuinte não fora notificado do apuramento da matéria tributável (como fora achado o VPT) e em que esse desconhecimento se mantinha na notificação da liquidação do imposto. No caso presente, a propósito da resposta à excepção suscitada pela Requerida, a Requerente afirmou que não punha em causa a avaliação, mas a interpretação do conceito de terreno para construção incluído na verba 28.1.

 

Quanto à imputação de falta de explicação quanto à liquidação de IS “sobre terrenos para construção com os diversos tipos de afectação autorizadas, quando é certo que a norma habilitante encerra a tributação no domínio dos terrenos para construção cuja edificação autorizada é apenas para habitação nos termos do Código do IMI”, configura não propriamente uma acusação de falta de fundamentação mas discordância da fundamentação, uma manifestação de divergência de interpretação da lei. 

 

Analisando agora o acto de liquidação face às normas invocadas e aplicáveis, da CRP, LGT e CPPT, e tendo em conta que se trata de situação de prática de actos de massa, considera-se que foram cumpridas as exigências previstas designadamente no artigo 77.º n.º 2 da LGT - fundamentação realizada de forma sumária, contendo as disposições legais aplicáveis (verba 28.1da TGIS) a qualificação e quantificação dos factos tributários

 

(terreno para construção e VPT) e as operações de apuramento da matéria tributável (liquidação por aplicação da taxa 1% ao VPT, tendo em conta a quota) e do Imposto do selo devido (colecta e prestação a pagamento) [cf. alínea f) dos factos provados].

 

 

De resto, a Requerente mostrou conhecer a fundamentação tendo-a atacado com argumentação que revelou compreender o raciocínio seguido pela interpretação subjacente à liquidação. E, se tivesse considerado a fundamentação insuficiente, a lei (art. 37º, nº1, do CPPT) prevê que se utilize a faculdade de requerer “a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha”, com suspensão do prazo de defesa.

 

Assim, tudo visto, improcede também a invocação de vício de falta de fundamentação da liquidação.

 

E, não se verificando ilegalidade da liquidação, improcede também o pedido de reembolso de imposto pago, assim como de juros indemnizatórios.

 

14. Decisão

 

Com a fundamentação exposta decide-se:

 

a)      Julgar improcedente a invocação pela Requerida de incompetência do Tribunal Arbitral;

b)      Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade, por erro sobre os pressupostos e por falta de fundamentação;

c)      Julgar improcedente a invocação de aplicação de norma inconstitucional;

d)      Julgar improcedente o pedido de reembolso do imposto pago e de juros indemnizatórios;

e)      Condenar a Requerente em custas.

 

15. Valor do processo

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 9.876,60 (nove mil oitocentos e setenta e seis euros e sessenta cêntimos).

 

16. Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

Lisboa, 16 de Março de 2017.

 

 

 

A Árbitro

 

 

 

Manuela Roseiro

 



[1] A Requerente considera que não se concebe a conclusão retirada pela AT, com base nos documentos que juntou, de que a Requerente pretende nos presentes autos a impugnação da avaliação do prédio em apreço efectuada em 02.02.2016, na sequência de um pedido de avaliação cuja data da recepção se verificou em 04.01.2016, quando estamos perante a impugnação de uma liquidação de imposto do selo cujo facto tributário se verificou em 2015. [Observar-se-á, contudo, que a presente liquidação, relativa a 2015, baseia-se nos valores de avaliação referida como feita em 2016].

 

 

[2] Foram emitidas centenas de decisões arbitrais e muitas decisões dos tribunais administrativos e fiscais, designadamente ao mais alto nível pela Secção de Contencioso Tributário do STA.

[3] O artigo 45.º do CIMI não permitiria qualificar os terrenos para construção como “prédios com afectação habitacional” porque se trata de uma norma que tem por objectivo a avaliação dos terrenos para construção, considerando como um dos seus elementos o destino autorizado ou possível, em função dos condicionalismos urbanísticos, tratando-se apenas de uma potencialidade, uma expectativa, não sendo bastante para alterar a natureza do prédio, que continua a ser considerado como terreno para construção, nem para sustentar que o prédio em causa passa a ter uma “afectação habitacional” para efeitos da incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS. A decisão proferida no processo 49/2013- T considerou que a circunstância de para um determinado terreno para construção estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser terreno para construção. 

[4] Acórdãos recordados na Decisão Arbitral proferida no Processo nº 483/2015, em situação semelhante à dos presentes autos.

[5] Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2013, pp. 193 a 195.

[6] Casalta Nabais, in “O Dever fundamental de pagar impostos”, Almedina, 1998, pp. 482 e 483. O autor considera que não decorre do critério da capacidade contributiva qualquer exclusão dos impostos sobre o património ou o capital (ao contrário do sustentado por alguns autores, quer os que reduzem a aplicabilidade do princípio às manifestações de riqueza que consubstanciem incrementos das fontes produtivas, excluindo as manifestações de riqueza que integrem as próprias fontes produtivas, quer os que limitam as manifestações de capacidade ao rendimento líquido, entendendo que o património só concorre para a formação da capacidade contributiva na medida em que produz ou possa produzir um rendimento se utilizado com diligência normal). Refere ainda o Autor que, mesmo quando se defenda existirem restrições na tributação ordinária e efectiva do património, derivadas da consagração e defesa da propriedade privada (enquanto direito social e princípio estruturante da constituição económica, baseada numa economia de mercado), as objecções serão mais difíceis em situações em que há que acorrer a necessidades financeiras anormais (ibidem, p. 483 e nota 838).

[7] Sérgio Vasques, in “Capacidade Contributiva, Rendimento e Património” (Revista Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte, ano 2, nº 11, pp-23-61, Set/Out, 2004), observa como a tributação do património está intimamente ligada à formação histórica dos impostos sobre o rendimento. Nas economias fundiárias verifica-se a impossibilidade de atingir directamente os rendimentos, recorrendo-se à tributação do património, primeiro o património fundiário (terra, habitação), depois o mobiliário, representado por manifestações de fortuna (cavalos, coches, escravos). À medida que se transita de uma economia fundiária para economias assentes no comércio e indústria, acentua-se a importância relativa da riqueza mobiliária e o sistema fiscal desloca-se do património para o rendimento, primeiro sob a forma de tributação cedular (impostos de estrutura real, largamente assentes em estimativa sou presunções), mais tarde, com a eficácia crescente das administrações estaduais, a tributação sobre o rendimento passa a ser global e universal. A defesa da subsistência da tributação do património passou a assentar no princípio da capacidade contributiva (fonte de reserva, capacidade contributiva especial e progressividade) (Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, ibidem., pp. 43 a 46). Posterior crise da progressividade e a quebra de associação entre o princípio da capacidade contributiva e a tributação do património produziram uma crise da legitimação da tributação do património (idem, ibidem, p. 46 e ss). 

[8] Muito sinteticamente referidas na nossa decisão arbitral de 2 de Maio de 2014, no processo 219/2013-T e que em parte aqui voltamos a lembrar.

[9] Silvério Mateus e Corvelo de Freitas In “Os Impostos Sobre o Património Imobiliário. O imposto do Selo. Anotados e Comentado, Engifisco, Lisboa, 2005, p. 251, citação in José Maria Pires, ob.cit. nota 314.

[10] No Parecer da Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (DAR II série A, nº 11/XII2 2012.10.04) diz-se: “as medidas vêm na sequência da identificação de desvios na execução orçamental do ano em curso, que tornaram as metas iniciais impossíveis de ser atingidas sem opções adicionais. As medidas surgem assim como uma solução para compensar, mesmo que apenas parcialmente, os desvios identificados e garantir que Portugal não falha as metas de consolidação orçamental com as quais se comprometeu”.

[11] Afirmou-se no Acórdão nº 590/2015 do TC: «[N]ão se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade”.

 

[12] Decisão arbitral nº 483/2015-T.