Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 767/2022-T
Data da decisão: 2023-08-10  IRS  
Valor do pedido: € 53.274,87
Tema: IRS – Adiantamento por conta de lucros – Presunção –
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SUMÁRIO:

 

I – O artigo 5.º, n.º 2, al. h), do CIRS, após a delimitação dos rendimentos de capitais como frutos e demais vantagens económicas, independentemente da sua natureza ou denominação, empreendida no n.º 1, dispõe que os mesmos compreendem “os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º”. É em conjugação com este preceito que o artigo 6.º, nº 4, do CIRS estatui que “os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”.

 

II – Estando em causa a ilisão de uma presunção legal relativa (iuris tantum), impede sobre o sujeito passivo o ónus de produzir prova do contrário, ou seja, de desenvolver atuação probatória dirigida contra o facto presumido, com o objetivo e de molde a convencer o julgador de que, não obstante a ocorrência do facto que serve de base ao funcionamento da presunção invocada (lançamentos em contas correntes dos sócios, escrituradas em sociedades comerciais), o facto presumido não se verificou.

 

III – Não se mostrando infirmada a presunção em que assenta o ato tributário objeto da presente ação arbitral, falece a pretensão anulatória da Requerente.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

A árbitra, Susana Mercês, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído a 20.02.2023, decide o seguinte:

  1. RELATÓRIO
  1. A..., LDA., com o número de identificação fiscal ..., com sede sita em ..., ...-... ..., Mafra, (doravante “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de retenção na fonte do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante “IRS”) n.º 2021..., e respetivos juros compensatórios, relativo ao exercício de 2017, no montante total de €82.475,45 (oitenta e dois mil quatrocentos e setenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos), na parte referente às correções descritas no ponto III.3.2.4 –Rendimentos da Categoria E – Montantes de €33.000,00 e €201.250,00 –, do relatório de inspeção tributária.
  2. A Requerente juntou, ainda, 9 (nove) documentos.
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Requerida em 13.12.2022.
  4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º e da alínea a), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, a qual comunicou a aceitação do cargo no prazo aplicável.
  5. Em 31.01.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação de árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
  6. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 20.02.2023.
  7. No dia 29.03.2023, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta, na qual se defendeu por impugnação e juntou aos autos o processo administrativo.
  8. Em 30.03.2023, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:  

Não sendo requerida prova testemunhal, não se vê utilidade na realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2; 29.º, n.º 2, do RJAT) dispensa-se a realização da reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT.

Mais, notifica-se as Partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, no prazo de 30 dias, nos termos do artigo 18.º, n.º 3, do RJAT.

Indica-se o dia 21 de Agosto de 2023, como prazo limite para prolação da decisão arbitral.

Até esta data deverá o Sujeito Passivo pagar a taxa arbitral subsequente.

  1. A Requerida apresentou as suas alegações finais, em 10.05.2023.
  2. A Requerente não apresentou alegações finais.

 

I.1. POSIÇÃO DAS PARTES

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, em síntese, com vista à declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de retenção na fonte de IRS (e respetivos juros compensatórios), na parte referente às correções descritas no ponto III.3.2.4 –Rendimentos da Categoria E – Montantes de €33.000,00 e €201.250,00 –, do relatório de inspeção tributária, o seguinte:

Rendimentos da Categoria E – Montante de €33.000,00 –

  1. Em 06.05.2016, foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, entre a Requerente e B..., para a aquisição do prédio urbano, composto por cave destinada a armazém e rés do chão, destinada a fábrica de bolos, sito na ..., ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de ... e ..., sob o artigo ...;
  2. De harmonia com a cláusula terceira do aludido contrato, o preço acordado de €600.000,00, seria pago, no prazo de 3 (três) anos, com início em novembro de 2016, em prestações mensais de €16.500,00, sendo a última prestação de €22.500,00;
  3. Os pagamentos realizados no âmbito do contrato promessa de compra e venda, nos meses de abril e outubro de 2017, na importância de €16.500,00, cada um, correspondente aos registos n.º ... e ..., foram efetuados na conta do sócio C...– conta n.º 27821022, quando deveriam ter sido lançados na conta 27822108 –B...;
  4. A regularização destes registos veio a ser efetuada em dezembro de 2019, em ambas as contas, do C... para a conta da B...– 27822108;
  5. Tais importâncias consideradas na conta do sócio C..., não consubstanciam, assim, qualquer adiantamento por conta de lucros/empréstimos ao sócio, nos termos do n.º 4, do artigo 6.º, do Código do IRS, mas, sim, o pagamento das verbas estabelecidas no já referido contrato;

Rendimentos da Categoria E – Montante de €201.250,00 –

  1. A verba corrigida no valor de €201.250,00, no mês de dezembro de 2017, corresponde a um lançamento de regularização da conta do sócio C... para a conta do D..., de quem tinha obtido um empréstimo particular;
  2. Em março de 2009, o E..., pai do referido D..., efetuou um empréstimo de €100.000,00, titulado por dois cheques, um de €90.000,00 e outro de €10.000,00, tendo de novo, em março de 2010, efetuado novo empréstimo de €100.000,00, titulado, também, por um cheque;
  3. Os cheques correspondentes àqueles empréstimos foram depositados na conta bancária de C..., que posteriormente os transferiu para as contas bancárias da Requerente;
  4. Aquelas transferências ocorreram em 2009, conforme conta 255101 – C..., para o banco Millennium BCP, conta n.º 12106, conforme se verifica em Março pelo registo ... – €50.000,00, registo ... – €4.500,00, registo ... – €40.000,00, em abril através do registo ...- €5.000,00 e em maio através do registo ... – €400,00;
  5. De igual modo, e no que se refere ao empréstimo obtido no ano de 2010, foram transferidos para a conta da CGD, através do registo n.º ... - €14.000,00; e para a conta do Millennium BCP, através do registo n.º ... - €15.000,00, registo ... - €50.000,00 em março de 2010, em abril de 2010, através do registo n.º ...- €7.900,00, registo n.º ... - €6.500,00, registo ... - €13.500,00 para a conta BES - €12,104, em junho para a conta Millennium €13.800,00 – registo ...;
  6. As entradas nas contas bancárias da Requerente foram contabilizadas como se de empréstimos efetuados pelo sócio C... se tratasse, totalizando nos anos de 2009 e 2010 o montante de €220.600,00;
  7. Os pagamentos efetuados dos mencionados empréstimos foram lançados na conta do D..., ao longo dos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, sendo que aquela conta 27822093 – D...apresentava um saldo devedor que não correspondia à realidade; tal conta apresentava um saldo de €18.375,00 em 2014; um saldo de €115.250,00 em 2015, um saldo de €181.250,00 em 2016 e em 2017 um saldo devedor de €201.250,00;
  8. Verificado o erro, foi corrigida a conta do sócio C..., pelos já mencionados €201.250,00, por contrapartida da conta do D..., saldando assim esta conta;
  9. Não estamos em presença de nenhum adiantamento por conta de lucros ou empréstimos aos sócios, mas apenas um lapso de lançamentos, por falta de informação, corrigidos logo que a situação foi clarificada;
  10. As verbas em questão, por se encontraram escrituradas na conta do sócio C..., foram, nos termos do n.º 4, artigo 6.º, do Código do IRS, presumidos como rendimentos de capitais; Porém, as verbas em apreço correspondem a correções de lançamentos contabilísticos cuja factualidade nada tem com adiantamentos por conta de lucros, mas tão somente a correção de erros verificados em momentos muito anteriores;
  11. Tendo-se demonstrado a origem dos movimentos contabilísticos efetuados, julga-se ilidida a presunção legal em que se fundamentou a liquidação por parte da AT.
  1. Por sua vez a AT contra-argumentou com base nos seguintes argumentos:

Rendimentos da Categoria E – Montante de €33.000,00 –

  1. A mera coincidência de valores não logra demonstrar que os pagamentos efetuados, através das contas bancárias tituladas pela Requerente, corresponderam a prestações realizadas, a título de sinal, no âmbito da cláusula terceira do contrato promessa de compra e venda, celebrado entre a Requerente e a B..., em 06.05.2016, que foi apresentado apenas em sede de direito de audição;
  2. Da descrição constante dos mencionados lançamentos contabilísticos ou dos respetivos documentos de suporte não consta qualquer indicação que os mesmos são pagamentos efetuados pela Requerente a B..., a título de sinal, por conta do mencionado contrato;
  3. Conforme retratado nos quadros dos pontos III.3.1.1.1 (ano de 2016) e III.3.2.1.1 (ano de 2017) do relatório de inspeção tributária (e nos respetivos documentos de suporte que integram os anexos n.º s 22 e 31) é evidente que, ao longo dos anos de 2016 e 2017, foram efetuadas várias transferências bancárias a favor de B..., de diferentes valores, as quais foram registadas, contabilisticamente, a débito na conta 27821002 – C...;
  4. Se os referidos pagamentos fossem efetivamente realizados neste âmbito (ou seja como adiantamentos relativos à aquisição de ativos fixos tangíveis), para efeitos do cumprimento das normas contabilísticas previstas no Sistema de Normalização Contabilística, esses valores deveriam ter sido reconhecidos no conta 454 – “Adiantamentos por conta de investimentos”, conforme previsto nas notas de enquadramento ao código de contas, que apresenta a seguinte descrição: “454 – Adiantamentos por conta de investimentos Regista as entregas feitas pela entidade por conta de investimentos cujo preço esteja previamente fixado. Pela receção da fatura, estas verbas devem ser transferidas para a conta 2711 – Fornecedores de investimentos – contas gerais”;
  5. Da análise do Balancete final do período de tributação de 2017, disponibilizado pelo sujeito passivo, não se detetou o reconhecimento de qualquer valor a título de adiantamentos por conta de Investimentos;
  6. O lançamento contabilístico apresentado pelo sujeito passivo relativamente a dezembro de 2019, apenas evidencia a transferência de montantes reconhecidos na conta 27821002 – “C...”, para a conta 27822108 – “B...”, não tendo sido reconhecido qualquer valor a título de adiantamento por conta de Investimentos, em conta apropriada, conforme previsto para efeitos de SNC;
  7. Até à data da elaboração do relatório de inspeção tributária, o imóvel a que respeita o contrato promessa de compra e venda apresentado, permanece em nome de F..., NIF..., apesar de já ter sido ultrapassado o prazo de três anos previsto na cláusula terceira do mencionado contrato para ser efetuada a respetiva escritura definitiva de compra e venda ou ato com o mesmo valor;

Rendimentos da Categoria E – Montante de €201.250,00 –

  1. Os documentos apresentados pela Requerente, relativamente ao montante de €201.250,00, não demonstram que os valores a que respeitam os cheques emitidos por E... se destinaram efetivamente à Requerente, nem tão pouco que os mesmos foram depositados em contas bancárias tituladas pelo sujeito passivo, uma vez que apenas foi apresentada a parte da frente dos respetivos cheques, encontrando-se estes emitidos ao portador;
  2. Na contabilidade do sujeito passivo não se encontra reconhecida qualquer dívida da Requerente ao Sr. E... ou à sua herança, uma vez que o mesmo faleceu em 15.06.2015, de acordo com a informação constante do cadastro da AT; da participação de bens apresentada pelo respetivo cabeça de casal na sequência do dito óbito, com data de 03.08.2015, não constam quaisquer valores a receber da Requerente;
  3. Não obstante se encontrem assinaladas, nos extratos apresentados, entradas de verbas, alegadamente com origem no sócio-gerente, pelo montante total de €201.250,00, estes não provam a sua proveniência;
  4. Do extrato da conta 255101 – “C...”, apresentado relativamente ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2009 e 30 de junho de 2009 apresenta movimentos a débito (saída de verbas a favor do sócio gerente), no montante de €302.719,22 e movimentos a crédito (entrega de verbas efetuadas pelo sócio-gerente), no montante de €127.920,46 e não apresenta qualquer saldo inicial; ou seja, as saídas de valores a favor do sócio são superiores às entradas de valores pelo sócio, pelo que, caso tenha existido um empréstimo efetuado pelo sócio à sociedade Requerente, este foi objeto de regularização no mesmo período;
  5. Relativamente ao ano de 2010, a Requerente apresenta cópia do extrato da conta 255101 – “C...”, relativo ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2010; esta conta não apresenta qualquer saldo inicial e apresenta movimentos a débito (€248.223,74) superiores aos movimentos a crédito (€231.234,82);
  6. Ou seja, mesmo que os valores entregues pela Requerente, que se encontram assinalados nos extratos de conta apresentados tenham origem nos cheques emitidos por E..., estes valores foram objeto de regularização pela sociedade Requerente junto do sócio gerente nos períodos indicados;
  7. Consultadas as demonstrações financeiras constante do Anexo A das IES/DA apresentas pela Requerente, constatou-se que: - Relativamente ao período de tributação de 2009, não se encontra reconhecido no ativo ou no passivo, quaisquer valores relativos aos sócios; - Relativamente ao período de tributação de 2010, encontra-se refletido no Passivo Corrente, uma dívida aos sócios no montante de €2.500,00 (campo A6161 – Acionistas/sócios) e no Ativo Corrente, uma dívida dos sócios, no montante de €3.688,21 (campo A5118 – Acionista/sócios);
  8. Resulta evidenciado que os pagamentos efetuados a D... e que foram registados na conta do sócio gerente através do lançamento do Diário Operações diversas de dezembro de 2017, são de cariz particular do sócio gerente C..., o que não ilide assim a presunção prevista no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS;
  9. Competia à Requerente demonstrar que os lançamentos resultam de mútuos, prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, o que não conseguiu alcançar, porquanto, vem invocar argumentos destituídos de prova cabal;
  10. A Requerente não consegue fazer prova, sem margem para qualquer dúvida, que não estamos na presença de adiantamentos por conta de lucros;
  11. Em suma, e face à prova apresentada, pode concluir-se que a Requerente não logrou ilidir a presunção ou, pelo menos, abalar a convicção decorrente da presunção, como lhe estava legalmente imposto, pelo que, ficou provado que a transferência dos fundos não ocorreram a título de mútuo, prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, os mesmos só podem ter ocorrido a título de adiantamento por conta de lucros, nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS.
  1. SANEAMENTO
  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos do n.º 1, do artigo 10.º, do RJAT.
  2. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  4. Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se.
  5. O processo não enferma de nulidades.
  6. Inexiste, deste modo, quaisquer obstáculos à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente encontra-se inscrita pelo exercício da atividade principal de Pastelaria, a que corresponde o CAE 10712, Panificação – CAE Secundário 1 – 010711 e Fabrico de Bolachas, Biscoitos, Tostas e Pastelaria Conservação, a que corresponde o CAE Secundário 2 – 010720 (Cf. Relatório de inspeção tributária, cujo teor se dá por reproduzido). 
  2. No ano de 2017, C... era sócio e gerente da Requerente (Cf. Relatório de inspeção tributária, cujo teor se dá por reproduzido).
  3. A coberto da Ordem de Serviço n.º O12020..., primeiramente parcial (IVA e IRC), passando a geral, em 23 de julho de 2020, a Requerente foi sujeita a uma ação inspetiva externa, incidente sobre o ano 2017 (Cf. Relatório de inspeção tributária, cujo teor se dá por reproduzido).
  4. Foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual foram propostas, para além do mais, as correções descritas no ponto III.3.2.4 – Rendimentos de Categoria E – Período de tributação de 2017 – Montantes de €33.000,00 e €201.250,00 –, do aludido relatório, com os fundamentos que, sucintamente, se enunciam:

Da análise efetuada à contabilidade do sujeito passivo detetou-se a existência de um elevado número de lançamentos ao longo do ano de 2017, por débito na conta 27821002 – “C...”, que correspondem, na sua maioria, a saídas efetivas de verbas monetárias da sociedade a favor do sócio-gerente C... .

(...)

  1. Relativamente ao débito na conta 27821002 – “C...” de “dois cheques de 16.500,00 e cada no total de 33.000,00” alegados pelo sujeito passivo, da análise ao extrato da referida conta não se conseguiu identificar, em concreto, os lançamentos contabilísticos a que o mesmo se refere.

Os únicos lançamentos contabilísticos efetuados na conta 27821002 pelo montante de €16.500,00, são os n.ºs 4000299 e 10000229 do Diário de Bancos de abril e outubro de 2017. O primeiro tem como suporte o comprovativo de uma transferência bancária para B...; o segundo, apesar de ter apenas o documento interno correspondente às contas movimentadas, através da consulta ao extrato bancário da conta da A..., Lda no banco Millenium BCP de outubro de 2017 (Anexo n.º 37) foi possível aferir que se trata de uma transferência bancária com a descrição “TRF P/B...”. O sujeito passivo não apresentou qualquer documento comprovativo da regularização que alega ter efetuado em dezembro de 2019.

  1. Relativamente ao débito no montante no montante de €201.250,00, este respeita ao lançamento n.º 12000018 do Diário de Operações diversas de dezembro de 2017 (de que se apresenta o respetivo print) e para o qual não existe outro suporte documental além do documento interno do referido lançamento:

 

A conta 27822093 – “D...” apresentava, no início do período de tributação de 2015, um saldo devedor de €18.375,00. Durante os períodos de tributação de 2015, 2016 e 2017 foram registados débitos nos montantes totais de €96.875,00, €66.000,00 e €20.000,00, respetivamente, que se traduzem em efetivas saídas de verbas da esfera da Sociedade. No final de 2017, esta conta foi saldada pelo lançamento n.º 12000018 do Diário de Operações diversas de dezembro de 2017 acima referenciado.

Junta-se no Anexo n.º 38, cópia do extrato da conta 27822093 – “D...”, relativo aos períodos de tributação de 2015, 2016 e 2017, assim como cópia dos documentos de suporte aos lançamentos n.ºs 11000209, 12000157 e 12000233 do diário de bancos de novembro e dezembro de 2016 e dos lançamentos n.ºs 1000059, 1000060 e 2000008 do diário de bancos de janeiro e fevereiro de 2017, recolhidos a título exemplificativo. 

Apesar do sujeito passivo referir que o montante de €201.250,00 respeita ao pagamento de um empréstimo efetuado ao sujeito passivo, este não se encontra refletido na contabilidade, nem tão pouco o sujeito passivo logrou comprovar a existência do mesmo com o envio de prova documental, designadamente cópia do contrato celebrado entre as partes ou dos recibos de quitação do mesmo.

Neste contexto, considera-se assim que, com exceção do lançamento n.º 1000011 do Diário de Operações Diversas de janeiro de 2017 (no montante de €2.000,00), os lançamentos efetuados a débito na conta 27821002 – “C...” corresponderam a efetivas saídas de verbas da esfera da sociedade a favor do sócio. Assim, tendo em consideração tudo o exposto no ponto III.3.1.4 e atento o disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, os respetivos valores presumem-se feitos a título de adiantamento por conta de lucros.”

  1.  A Requerente foi notificada do ato de liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2021..., respeitante ao exercício de 2017, no valor de €70.923,57 (setenta mil novecentos e vinte e três euros e cinquenta e sete cêntimos), e da respetiva liquidação de juros compensatórios, no valor de €11.551,88 (onze mil quinhentos e cinquenta e um euros e oitenta e oito cêntimos), resultando um montante total de €82.475,45 (oitenta e dois mil quatrocentos e setenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos), com data de limite de pagamento até 13.01.2022 (Cf. Documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  2. Nessa sequência, a Requerente apresentou, em 12.05.2022, reclamação graciosa, onde contestou a argumentação aduzida pela AT, apenas no que toca às correções descritas no ponto III.3.2.4 – Rendimentos de Categoria E – Período de tributação de 2017 – Montantes de €33.000,00 e €201.250,00 –, do aludido relatório (Cf. Documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  3. Em 06.05.2016, foi celebrado contrato promessa de compra e venda, entre a Requerente e B..., para a aquisição do prédio urbano, composto por cave destinada a armazém e rés do chão, sito na ..., ..., em Alqueidão, inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de ... e ..., sob o artigo ... (Cf. Documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido);
  4. De harmonia com a cláusula terceira do aludido contrato, o preço acordado de €600.000,00 (seiscentos mil euros), seria pago no prazo de 3 (três) anos, com início em novembro de 2016, em trinta e cinco prestações iguais e mensais de €16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros), sendo a última prestação de €22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros) (Cf. Documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido);
  5. Os únicos lançamentos contabilísticos efetuados na conta 287210002 – “C...” –, pelo montante de €16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros) são os n.ºs 4000299 e 10000229 do Diário de Bancos de abril e outubro de 2017 (Cf. Relatório de inspeção tributária, cujo teor se dá por reproduzido).
  6. O primeiro lançamento tem como suporte um comprovativo de uma transferência bancária para B..., de abril de 2017, e o segundo tem como suporte um extrato bancário da conta da Requerente, no banco Millennium BCP, de outubro de 2017, com a descrição: “TRF P/B...” (Cf. Relatório de inspeção tributária, cujo teor se dá por reproduzido).
  7. Foi efetuado um lançamento contabilístico, em dezembro de 2019, que corresponde à transferência de montantes, no total de €148.500,00 (cento e quarenta e oito mil e quinhentos euros), reconhecidos na conta 27821002 – “C...” – para a conta 27822109 – “B...” – (Cf. Documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  8. À data do relatório de inspeção tributária, o imóvel objeto do contrato promessa supra referido, permanecia em nome de F..., NIF... (Cf. Relatório de inspeção tributária, cujo teor se dá por reproduzido).
  9. Em 2009, E... emitiu dois cheques, um sobre a Caixa Económica Montepio Geral com o n.º ..., com a data de 04.03.2009, pelo montante de €90.000,00, e outro sobre a Caixa Geral de Depósitos com o n.º ..., com a data de 04.03.2009, pelo montante de €10.000,00 (Cf. Documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido);
  10. Em 2010, E... emitiu um cheque sobre a Caixa Económica Montepio Geral com o n.º..., com a data de 08.03.2010, pelo montante de €100.000,00 (Cf. Documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido);
  11. Nos anos de 2009 e 2010, deu entrada, na esfera da Sociedade Requerente, verbas no montante total de €220.600,00 (duzentos e vinte mil e seiscentos euros), conforme os extratos contabilísticos infra

Extrato da conta 255101 – “C...” -, relativo ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2009 e 30 de junho de 2009; Extrato da conta 12106 – “Millenium BCP” -, relativo ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2009 e 30 de junho de 2009; Extrato da conta 12105 – “CGD” -, relativo ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2010 e 31 de março de 2010; Extrato da conta 12106 – “Millenium BCP” -, relativo ao período compreendido entre 1 de março de 2010 e 31 de março de 2010; Extrato da conta 12104 – “BES” –, relativo ao período compreendido entre 1 de abril de 2010 e 30 de junho de 2010 e Extrato da conta 255101 – “C...” -, relativo ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2010 (Cf. Documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido);

  1. A conta de 27822093 – “D...” – apresentava no início do período de tributação de 2015, um saldo devedor de €18.375,00. Durante os períodos de tributação de 2015, 2016 e 2017 foram registados débitos nos montantes totais de €96.875,00, €66.000,00 e €20.000,00, respetivamente, que se traduzem em saídas de verbas da esfera da Sociedade Requerente (Cf. Relatório de inspeção tributária, cujo teor se dá por reproduzido).
  2. No final de 2017, esta conta foi saldada pelo lançamento n.º 12000018 do Diário de Operações diversas de dezembro de 2017, sendo debitado na conta 27821001 – “C...”, o valor de €201.250,00 (Cf. Relatório de inspeção tributária, cujo teor se dá por reproduzido).
  3. Em 13.12.2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cf. Sistema informático de gestão processual do CAAD)

III.2 FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não se considera provado:

  1. Que os lançamentos contabilísticos efetuados na conta 28721002 – “C...” –, pelo montante de €16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros) – n.ºs 4000299 e 10000229 do Diário de Bancos de abril e outubro de 2017 – correspondem a prestações realizadas, a título de sinal, no âmbito da cláusula terceira do contrato promessa de compra e venda, celebrado entre a Requerente e B..., em 06.05.2016;
  2. Que o valor de €201.250,00 (duzentos e um mil e duzentos e cinquenta euros) respeita a um empréstimo particular do sócio gerente da Requerente,  C..., que obteve de D...;
  3.  Que os cheques emitidos por E..., pai de D..., se destinavam ao sócio gerente da Requerente, C...;
  4. Que os cheques referidos no número anterior foram depositados na conta bancária do sócio gerente da Requerente, C... .
  5. Qual a proveniência das verbas que deram entrada na sociedade no período de 2009 e 2010, num montante total de €220.600,00 (duzentos e vinte mil e seiscentos euros).

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (doravante “CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e, a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

No tocante aos factos não provados, cumpre dizer que os mesmos foram assim considerados em virtude da insuficiência ou inexistência de meios probatórios que os confirmassem.

Quanto ao facto dado como não provado no ponto A. acima elencado, estamos em crer que, a mera coincidência de valores, desacompanhada de outros meios de prova idóneos, não logra demonstrar que os pagamentos efetuados através das contas bancárias da Requerente, e registadas a débito, alegadamente, por lapso, na conta 28721002 – “C...” –, correspondem a prestações realizadas, a título de sinal, no âmbito da cláusula terceira do contrato promessa de compra e venda, celebrado entre a Requerente e B..., em 06.05.2016.

Ora, os dois pagamentos de €16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros), mencionados pela Requerente, respeitam aos seguintes lançamentos:

 

É certo que dos mencionados lançamentos contabilísticos e dos respetivos documentos de suporte foi possível aferir que a Requerente efetuou duas transferências bancárias, no valor de €16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros), a favor de B...; contudo, nem os lançamentos contabilísticos em apreço, nem os aludidos documentos de suporte, fazem qualquer referência, nos respetivos descritivos, ao mencionado contrato. Ou seja, das suas descrições não consta qualquer indicação que aqueles valores são pagamentos efetuados pela Requerente a B..., a título de sinal, por conta do dito contrato, dando, até, a entender que se tratam de pagamentos de natureza diversa (Cf. descritivos dos lançamentos supra – “C...”; “Quota B...” –).

Por outro lado, resulta do relatório de inspeção tributária e seus anexos (designadamente, anexos n.ºs 22 e 31) que, no decorrer dos anos de 2016 e 2017, foram efetuadas diversas transferências bancárias para B..., de diferentes montantes, as quais, foram, novamente, mensuradas a débito na conta 28721002 – “C...” –.

Mais uma vez, crê o Tribunal Arbitral, que o facto de, no meio de inúmeras transferências de valores distintos, existirem duas, no valor de €16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros), não prova, por si só, que aquelas respeitam aos pagamentos, alegadamente, efetuados, a título de sinal, no âmbito do aludido contrato.

Aliás, decorre do alegado pela própria Requerente, bem como da documentação constante dos autos, que, nos anos de 2016 e 2017, apenas foram feitas duas transferências naquele montante (lançamentos contabilísticos n.ºs 4000299 e 10000229 do Diário de Bancos de abril e outubro de 2017), o que, na verdade, não se coaduna com o estabelecido na cláusula terceira do contrato promessa de compra e venda, segundo a qual o preço acordado de €600.000,00 (seiscentos mil euros), seria pago no prazo de 3 (três) anos, com início em novembro de 2016, em trinta e cinco prestações iguais e mensais de €16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros), sendo a última prestação de €22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros).

É certo que as partes poderiam muito bem ter alterado as condições estipuladas no contrato promessa de compra e venda inicial; contudo, tal não foi alegado, nem tampouco provado, através da apresentação de qualquer meio de prova admissível em direito, por parte da Requerente.

Ademais, conforme refere, e bem, a AT, se os referidos pagamentos fossem efetivamente realizados naquele âmbito (ou seja, como adiantamentos relativos à aquisição de Ativos Fixos Tangíveis), para efeitos de cumprimento das normas contabilísticas previstas no Sistema de Normalização Contabilística, esses valores deveriam ter sido reconhecidos na conta 454 – “Adiantamentos por conta de investimentos”, o que não sucedeu.

E, mesmo que se pudesse “perdoar” a conduta da Requerente em matéria de registos e práticas contabilísticas, a verdade, é que os elementos factuais aduzidos por esta sugerem, com preponderância probatória, a existência de uma prática recorrente em efetuar lançamentos incorretos contabilisticamente, o que à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, já nos parece censurável e pouco credível.

Por outro lado, o lançamento contabilístico apresentado pela Requerente, respeitante a dezembro de 2019 (Cf. Documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral), que evidencia a transferência de montantes, no valor total de €148.500,00 (cento e quarenta e oito mil e quinhentos euros), reconhecidos na conta 27821002 – “C...” – para a conta 27822108 – “B...” –, trata-se de um simples documento interno, que, como é bom de ver, não é suficiente para comprovar a materialidade da operação aqui em crise, ou seja, que o valor de €148.500,00, corresponde a pagamentos efetuados no âmbito do aludido contrato promessa – dois em 2017 (sobre os quais a prova é manifestamente insuficiente e equivoca) e sete em 2019 (sobre os quais não existe qualquer prova nos autos, tendo a Requerente alegado tal facto apenas em sede de inspeção tributária).

Por fim, refira-se, que, à data da elaboração do relatório de inspeção, o imóvel objeto do dito contrato permanecia no nome de F... (Cf. Relatório de inspeção tributária), apesar de já ter sido ultrapassado o prazo de três anos previsto na cláusula terceira para ser realizada a respetiva compra e venda definitiva; Sendo que a Requerente, mais uma vez, não alegou, nem fez prova, da situação atual do imóvel, ou seja, desconhece-se por completo se, efetivamente, foi celebrada alguma escritura definitiva de compra e venda, se existiu qualquer alteração aos termos e condições do contrato promessa que levasse à prorrogação dos prazos aí estabelecidos, ou, até, se este contrato foi resolvido, com a consequente, devolução dos alegados pagamentos efetuados.

Dito tudo isto, é convicção do Tribunal Arbitral que a Requerente não logrou provar que os lançamentos contabilísticos efetuados na conta 28721002 – “C...” –, pelo montante de €16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos) – n.ºs 4000299 e 10000229 do Diário de Bancos de abril e outubro de 2017 – correspondem a prestações realizadas, a título de sinal, no âmbito da cláusula terceira do contrato promessa de compra e venda, celebrado entre a Requerente e B..., em 06.05.2016.

No que concerne aos factos dados como não provados nos pontos B., C., D. e E. acima indicados, veio a Requerente alegar, em suma, que a verba, no montante de €201.250,00 (duzentos e um mil e duzentos e cinquenta euros), diz respeito a um empréstimo particular do sócio gerente C..., que obteve de D..., e que tais importâncias foram, posteriormente, transferidas pelo sócio gerente para as contas bancárias da Requerente.

Para o efeito, apresentou a Requerente, como prova, os cheques emitidos por E..., pai de D..., – cheque sobre a Caixa Económica Montepio Geral com o n.º..., com a data de 04.03.2009, pelo montante de €90.000,00; cheque sobre a Caixa Geral de Depósitos com o n.º..., com a data de 04.03.2009, pelo montante de €10.000,00;  cheque sobre Caixa Económica Montepio Geral com o n.º ..., com a data de 08.03.2010, pelo montante de €100.000,00 – e os extratos contabilísticos discriminados infra, nos quais se encontram realçados a cor amarela os movimentos referidos pela Requerente e que totalizam o montante de €220.600,00 (duzentos e vinte mil e seiscentos euros): Extrato da conta 255101 – “C...” -, relativo ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2009 e 30 de junho de 2009; Extrato da conta 12106 – “Millenium BCP” -, relativo ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2009 e 30 de junho de 2009; Extrato da conta 12105 – “CGD” -, relativo ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2010 e 31 de março de 2010; Extrato da conta 12106 – “Millenium BCP” -, relativo ao período compreendido entre 1 de março de 2010 e 31 de março de 2010; Extrato da conta 12104 – “BES” –, relativo ao período compreendido entre 1 de abril de 2010 e 30 de junho de 2010 e Extrato da conta 255101 – “C...” -, relativo ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2010 (Cf. Documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

Quanto ao alegado empréstimo particular do sócio gerente C..., cumpre, desde logo, salientar que não existe nos autos qualquer elemento probatório que confirme tal operação.

No caso concreto, em que estão em causa pelo menos dois alegados empréstimos, um efetuado em 2009, de €100.000,00 (um cheque de €90.000,00 e outro de €10.000,00) e, outro efetuado em 2010, de €100.000,00 (um cheque de €100.000,00), os mesmos teriam de ser titulados por contratos de mútuos, os quais revestiriam aqui, um carácter formal, pois, a exigência de forma contida no artigo 1143.º, do Código Civil – escritura pública ou documento particular autenticado – constitui uma formalidade ad substantiam, cuja inobservância determina a nulidade do contrato (Cf. artigo 220.º, do Código Civil); ademais, exigindo a lei determinada forma escrita para a validade do contrato, a sua falta não pode ser suprida senão nos termos limitados em que o n.º 1 do artigo 364.º do Código Civil o permite, ou seja, o documento “não pode ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”. 

Assim, não tendo a Requerente procedido à junção aos autos de quaisquer contratos de mútuo, entre o sócio gerente C... e o referido D..., que observassem os respetivos ditames legais, maxime quanto aos requisitos de forma, dá-se como não assente o facto constante da alínea B. dos factos não provados.

Por outro lado, os cheques melhor identificados supra, não logram demonstrar que os valores a que respeitam se destinaram, efetivamente, ao sócio gerente C..., nem tampouco que os mesmos foram depositados em contas bancárias tituladas por este, porquanto, todos os cheques foram emitidos ao portador (tendo sido apresentada apenas a sua parte da frente), desconhecendo-se o seu real destinatário, e a própria Requerente, em sede inspetiva, reconheceu não saber em que conta haviam sido depositados tais montantes.

Assim sendo, dá-se como não assente os factos constantes das alíneas C. e D. dos factos não provados.

Por fim, e pese embora, se encontrem assinalados nos extratos apresentados, entradas de verbas, na Sociedade Requerente, alegadamente com origem no sócio gerente, estes, por si só e atendendo à factualidade descrita, não provam a sua proveniência, nem tampouco a existência de qualquer correlação com os alegados empréstimos efetuados; ademais, o montante total de tais verbas (€220.600,00) não coincide com o valor de €201.250,00 referido pela Requerente, nem com as importâncias indicadas nos aludidos cheques, divergências essas que esta também não esclarece.

Desta feita, dá-se, ainda, como não assente o facto constante da alínea E. dos factos não provados.

  1. MATÉRIA DE DIREITO

IV.1 APRECIAÇÃO

O objeto do presente pedido arbitral consiste na análise da legalidade do ato de liquidação de retenção na fonte n.º 2021... e juros compensatórios, o qual se encontra sustentado numa alegada falta de retenção na fonte de IRS sobre adiantamentos por conta de lucros, pagos ao sócio gerente da Requerente no ano de 2017. Em causa está, quanto ao mérito, indagar da aplicação ao caso concreto da presunção resultante do artigo 6.º, n.º 4, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”), tendo em vista aquilatar se o ato tributário controvertido padece do apontado vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

O artigo 5.º, n.º 2, al. h), do CIRS, após a delimitação dos rendimentos de capitais como frutos e demais vantagens económicas, independentemente da sua natureza ou denominação, empreendida no n.º 1, dispõe que os mesmos compreendem “os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º”. É em conjugação com este preceito que o artigo 6.º, n.º 4, do CIRS estatui que “o(s) lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”. Acrescentando o n.º 5, do citado artigo, que “as presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, ato administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Autoridade Tributária Aduaneira”.

Estabelece-se, assim, no n.º 4, do artigo 6.º, do CIRS, uma presunção de maior relevância, tendo em conta a própria natureza dos rendimentos de capitais, especialmente propícia a fácil sonegação. Da verificação de alguns eventos específicos, a lei, repousando em observações da experiência, extrai a ocorrência de um evento não observado, no caso o adiantamento de lucros. Esta presunção visa evitar a fraude e a evasão fiscal num domínio onde existe um risco sério de ocultação de rendimentos, assegurando eficiência na tributação diante das dificuldades probatórias da AT, as quais só seriam colmatadas através da mobilização de quantidades irrealistas de meios humanos e materiais e da realização de investigações altamente complexas e intrusivas. Esta presunção facilita a prova da AT relativamente à existência de certos rendimentos e à respetiva quantificação, resolvendo o problema da qualificação das quantias escrituradas cuja “causa” jurídica não tenha sido expressamente declarada. No entanto, sendo o IRS baseado, em primeira linha, na produção efetiva de rendimentos geradores de capacidade contributiva, compreende-se que as presunções neste âmbito tenham que ser necessariamente excecionais e relativas (iuris tantum). Na linha do que se dispõe para as presunções consagradas nas normas de incidência tributária (artigo 73.º da Lei Geral Tributária), a presunção em causa admite prova em contrário, dizendo-se expressamente que pode ser ilidível por um diversificado conjunto de meios (artigo 6.º, n.º 5, do CIRS).

Tal presunção adquire relevância, no caso em apreço, em virtude de o n.º 1, al. a), do artigo 71.º, do CIRS, sujeitar a retenção na fonte a uma taxa liberatória de 28% “os rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada”. Por sua vez, a al. a), do n.º 2, do 101.º, do CIRS, determina que, tratando-se de rendimentos referidos no artigo 71.º, a retenção na fonte nele prevista cabe “às entidades devedoras dos rendimentos (...)”, sendo que da leitura conjugada dos artigos 98.º e 101.º, do CIRS, a entidade devedora dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, é obrigada, no ato do pagamento, do vencimento, ainda que presumido, da sua colocação à disposição, da sua liquidação ou do apuramento do respetivo quantitativo, consoante os casos, a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses atos ocorrem.

Posto isto, cabe, à luz dos entendimentos acima sedimentados e da resenha normativa apresentada, apreciar o fundo da causa.

*

Crê a Requerente que se deverá considerar ilidida a presunção em que assenta o ato tributário objeto da presente ação arbitral, na parte referente aos dois segmentos por si contestados (débito na conta 27821002 – “C...” – de dois cheques de €16.500,00, cada um; débito na conta 27821001 – “C...” –, no montante de €201.250,00, relativo ao lançamento n.º 12000018 do Diário de Operações diversas de dezembro de 2017.

Conforme já referido, o artigo 6.º, n.º 4, do CIRS, consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, segundo a qual as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

Resulta do probatório que ocorreu a referida escrituração – pois, não se considera, para efeitos da aludida presunção, apenas os lançamentos efetuados na conta 26 (dos titulares do capital – acionistas/sócios), mas, também, os lançamentos efetuados na conta 27; tanto mais que, na prática de muitas pequenas e médias empresas, a conta 27 é utilizada de forma indiferenciada para os usos mais diversos[1] –, e que as quantias em questão não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, pelo que se presumem feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

Daí que, sem qualquer dúvida, se verificam os pressupostos da presunção em questão, que, portanto, opera os respetivos efeitos legais, que é uma presunção legal (estabelecida expressa e diretamente na lei), e não uma presunção simples, apenas natural ou judicial, que tenha por base os dados da experiência comum – e que, como se sabe, é admitida só nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal, de acordo com o disposto no artigo 351.º, do Código Civil, e em que não é necessário fazer a prova do contrário do facto presumido, bastando abalar a convicção resultante da presunção – valendo a regra do n.º 2, do artigo 350.º, do Código Civil, própria para as presunções legais, as quais, para serem afastadas (nos casos em que a lei o permite), têm de ser ilididas mediante prova em contrário.

Estando em causa a ilisão de uma presunção legal relativa (iuris tantum), impende, então, sobre a Requerente o ónus de produzir prova do contrário, ou seja, de desenvolver atuação probatória dirigida contra o facto presumido, com o objetivo e de molde a convencer o julgador de que, não obstante a ocorrência do facto que serve de base ao funcionamento da presunção invocada (lançamentos em contas correntes do sócio, escriturada em sociedade comercial), o facto presumido não se verificou. 

Tal prova, estando em causa a presunção estabelecida no artigo 6.º, n.º 4, do CIRS, aplicável por força do disposto no n.º 5 do mesmo preceito, a mesma só pode ser ilidida pelos quatro meios de prova aí, taxativamente previstos, decisão judicial (incluindo-se, aqui, a impugnação judicial e/ou arbitral[2]), ato administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direção-Geral de Impostos.

Aqui chegados, haverá, então, que apurar, face ao probatório, se a presunção se encontra ou não ilidida.

Relativamente ao débito na conta 27821002 – “C...” –, de dois cheques no valor de €16.500,00, cada um, alega a Requerente que tais montantes correspondem a prestações realizadas, a título de sinal, no âmbito da cláusula terceira do contrato promessa de compra e venda, celebrado em 06.05.2016, com B... e, que foi mensurado naquela conta em vez de na conta 27822108 – “B...” –, apenas por lapso, tendo tal situação sido objeto de regularização em dezembro de 2019.

Os dois pagamentos de €16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros), mencionados pela Requerente, respeitam aos seguintes lançamentos:

 

Decorre dos lançamentos contabilísticos, bem como dos respetivos documentos de suporte que, efetivamente, a Requerente efetuou duas transferências bancárias, no valor de €16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros), a favor de B... .

Todavia, nem os referidos lançamentos contabilísticos, nem os aludidos documentos de suporte, fazem qualquer menção, nos respetivos descritivos, ao referido contrato promessa.

Como é bom de ver, as descrições constantes dos ditos lançamentos contabilísticos e dos respetivos documentos de suporte não têm qualquer indicação de que aqueles valores são pagamentos efetuados pela Requerente a B..., a título de sinal, por conta do contrato promessa, dando, até, a entender que se tratam de pagamentos de natureza diversa (Cf. descritivos dos lançamentos supra – “C...”; “Quota D. B...” –).

Aliás, resulta do relatório de inspeção tributária e seus anexos (designadamente, anexos n.ºs 22 e 31) que, no decorrer dos anos de 2016 e 2017, foram efetuadas diversas transferências bancárias para B..., de diferentes montantes, as quais, foram, também, mensuradas a débito na conta 28721002 – “C...” –.

Assim, diga-se, desde já, que o facto de, no meio de inúmeras transferências de valores distintos, existirem duas de valor coincidente com o estipulado no contrato promessa – €16.500,00 –, desacompanhado de outros meios de prova idóneos, não faz prova, por si só, de que os pagamentos efetuados através das contas bancárias da Requerente, e registadas a débito, alegadamente, por lapso, na conta 28721002 – “C...” –, correspondem a prestações realizadas, a título de sinal, no âmbito da cláusula terceira, daquele contrato.

Ademais, conclui-se do alegado pela própria Requerente, bem como da documentação constante dos autos, que, nos anos de 2016 e 2017, apenas foram feitas duas transferências naquele montante (lançamentos contabilísticos n.ºs 4000299 e 10000229 do Diário de Bancos de abril e outubro de 2017), o que, na verdade, não se coaduna com o estabelecido na cláusula terceira do contrato promessa de compra e venda, segundo a qual o preço acordado de €600.000,00 (seiscentos mil euros), seria pago no prazo de 3 (três) anos, com início em novembro de 2016, em trinta e cinco prestações iguais e mensais de €16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros), sendo a última prestação de €22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros).

É certo que as partes sempre poderiam ter alterado as condições e termos do dito contrato promessa; contudo, tal não foi alegado, nem tampouco provado, por parte da Requerente.

Mais, se os referidos pagamentos fossem efetivamente realizados naquele âmbito (ou seja, como adiantamentos relativos à aquisição de Ativos Fixos Tangíveis), para efeitos de cumprimento das normas contabilísticas previstas no Sistema de Normalização Contabilística, esses valores deveriam ter sido reconhecidos na conta 454 – “Adiantamentos por conta de investimentos”, o que não sucedeu.

E, mesmo que não se atribuísse grande relevância à conduta da Requerente em matéria de registos e práticas contabilísticas, a verdade, é que os elementos factuais aduzidos por esta sugerem, com preponderância probatória, a existência de uma prática recorrente em efetuar lançamentos incorretos contabilisticamente, o que à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, já nos parece censurável e pouco credível.

Por outro lado, o lançamento contabilístico apresentado pela Requerente, respeitante a dezembro de 2019 (Cf. Documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral), que evidencia a transferência de montantes, no valor total de €148.500,00 (cento e quarenta e oito mil e quinhentos euros), reconhecidos na conta 27821002 – “C...” – para a conta 27822108 – “B...” –, trata-se de um simples documento interno, que, como é bom de ver, não é suficiente para comprovar a materialidade da operação aqui em crise, ou seja, que o valor de €148.500,00, corresponde a pagamentos efetuados no âmbito do aludido contrato promessa – dois em 2017 (sobre os quais a prova é manifestamente insuficiente e equivoca) e sete em 2019 (sobre os quais não existe qualquer prova nos autos, tendo a Requerente alegado tal facto apenas em sede de inspeção tributária).

Conforme consabido, um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele refletidos. Tais elementos de prova devem incidir não só sobre a materialidade da operação em si mesma, mas também sobre os demais elementos indispensáveis à quantificação dos respetivos reflexos.

Na verdade, no caso concreto, temos dois documentos externos manifestamente insuficientes para assegurar a veracidade da operação subjacente – contrato promessa de compra a venda (que desconhecemos se o mesmo foi sequer cumprido) e um comprovativo de uma transferência bancária para B..., em abril de 2017, (com uma mera coincidência de valor) – e dois documentos internos que não permitem conhecer fácil, clara e precisamente a dita operação, evidenciado a causa, a natureza e o verdadeiro montante  – extrato bancário da conta da Requerente, no banco Millenium BCP, de outubro de 2017, do qual foi possível aferir de que se tratava de uma transferência bancária com a descrição: “TRF P/B...” (com uma mera coincidência de valor) e o aludido lançamento contabilístico (que indica o valor de €148.500,00, sem qualquer documento de suporte que nos esclareça a que respeita este montante) –.

Em suma, não existem elementos probatórios nos autos que permitam comprovar, de forma inequívoca, a operação subjacente ao registo contabilístico.

Por fim, refira-se, ainda, que, à data da elaboração do relatório de inspeção, o imóvel objeto do contrato promessa permanecia no nome de F... (Cf. Relatório de inspeção tributária), apesar de já ter sido ultrapassado o prazo de três anos previsto na cláusula terceira para ser realizada a respetiva compra e venda definitiva.

E quanto a este ponto, a Requerente nada alega, nem prova, desconhecendo o Tribunal se, efetivamente, foi celebrada alguma escritura definitiva de compra e venda ou outro ato de igual valor; se existiu qualquer alteração aos termos e condições do contrato promessa que levasse à prorrogação dos prazos aí estabelecidos, ou, até, se este contrato foi resolvido, com a consequente, devolução dos alegados pagamentos efetuados.

Dito tudo isto, é convicção do Tribunal Arbitral que a Requerente não logrou provar que os lançamentos contabilísticos efetuados na conta 28721002 – “C...” –, pelo montante de €16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros), correspondem a prestações realizadas, a título de sinal, no âmbito do dito contrato promessa e, por conseguinte, não conseguiu ilidir a aludida presunção.  

Já no que toca ao débito na conta 27821001 – “C...” –, no montante de €201.250,00 (duzentos e um mil e duzentos e cinquenta euros), relativo ao lançamento n.º 12000018 do Diário de Operações diversas de dezembro de 2017, alegou, em suma, a Requerente, que tal verba diz respeito a um empréstimo particular do sócio gerente C..., que obteve de D..., e que tais importâncias foram, posteriormente, transferidas pelo sócio gerente para as contas bancárias da Requerente.

Para tanto, apresentou a Requerente, como prova, os cheques emitidos por E..., pai de D..., – cheque sobre a Caixa Económica Montepio Geral com o n.º..., com a data de 04.03.2009, pelo montante de €90.000,00; cheque sobre a Caixa Geral de Depósitos com o n.º ..., com a data de 04.03.2009, pelo montante de €10.000,00;  cheque sobre Caixa Económica Montepio Geral com o n.º ..., com a data de 08.03.2010, pelo montante de €100.000,00 – e os extratos contabilísticos discriminados infra, nos quais se encontram realçados a cor amarela os movimentos indicados pela Requerente e que totalizam o montante de €220.600,00 (duzentos e vinte mil e seiscentos euros): Extrato da conta 255101 – “C...” -, relativo ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2009 e 30 de junho de 2009; Extrato da conta 12106 – “Millenium BCP” -, relativo ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2009 e 30 de junho de 2009; Extrato da conta 12105 – “CGD” -, relativo ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2010 e 31 de março de 2010; Extrato da conta 12106 – “Millenium BCP” -, relativo ao período compreendido entre 1 de março de 2010 e 31 de março de 2010; Extrato da conta 12104 – “BES” –, relativo ao período compreendido entre 1 de abril de 2010 e 30 de junho de 2010 e Extrato da conta 255101 – “C...” -, relativo ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2010 (Cf. Documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

Ora, quanto ao alegado empréstimo particular do sócio gerente C..., cumpre, desde logo, salientar que não existe nos autos qualquer elemento probatório que confirme tal operação.

Como definido no artigo 1142.º, do Código Civil, “mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”; o subsequente artigo 1143.º determina a forma exigida para a validade do contrato de mútuo, nos seguintes termos: “Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a €25 000 só é valido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a €2 500 se o for por documento assinado pelo mutuário”. 

Estando em causa dois alegados empréstimos, um efetuado em 2009, de €100.000,00 (um cheque de €90.000,00 e outro de €10.000,00) e, outro efetuado em 2010, de €100.000,00 (cheque de €100.000,00), os mesmos teriam de ser titulados por contratos de mútuos, os quais revestiriam aqui, um carácter formal, pois, a exigência de forma contida no artigo 1143.º, do Código Civil – escritura pública ou documento particular autenticado – constitui uma formalidade ad substantiam, cuja inobservância determina a nulidade do contrato (Cf. artigo 220.º, do Código Civil); ademais, exigindo a lei determinada forma escrita para a validade do contrato, a sua falta não pode ser suprida senão nos termos limitados em que o n.º 1 do artigo 364.º do Código Civil o permite, ou seja, o documento “não pode ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”. 

Com efeito, a Requerente não juntou aos autos quaisquer contratos de mútuo, que observassem os respetivos ditames legais, maxime quanto aos requisitos de forma.

E, mesmo que se tratasse de empréstimos, em que a inobservância de tais requisitos de forma não prejudica a validade dos contratos, como é o caso do mútuo/empréstimo mercantil, sempre seria necessário, que a Requerente alegasse e provasse que a coisa cedida tinha como destino uma operação mercantil, não sendo bastante a qualidade de comerciante de uma ou de ambas as partes (Cf. artigos 2.º, 394.º, 395.º e 396.º, todos do Código Comercial.

Na verdade, a Requerente nada alega quanto à natureza dos alegados empréstimos, nem logra sequer provar a sua existência, porquanto, não existem nos autos quaisquer contratos de mútuo, ou outros documentos idóneos, suscetíveis de demonstrar a existência de um qualquer empréstimo (e respetiva natureza), entre o gerente C... e o referido D... .

Por sua vez, os aludidos cheques, também, não permitem demonstrar que os valores a que respeitam se destinaram, efetivamente, ao sócio gerente C..., nem tampouco que os mesmos foram depositados em contas bancárias tituladas por este, porquanto, todos os cheques foram emitidos ao portador (tendo sido apresentada apenas a sua parte da frente), desconhecendo-se o seu real destinatário, tendo a própria Requerente, em sede inspetiva, reconhecido não saber em que conta haviam sido depositados tais montantes.

Logo, não é possível, de forma alguma, concluir que tais cheques titulam qualquer empréstimo. 

Aliás, nem sequer existe nos autos quaisquer elementos probatórios que permitam fazer a ligação entre os cheques emitidos por E... e o alegado empréstimo particular que supostamente o sócio gerente obteve de D... .

E, pese embora, se encontrem assinalados nos extratos apresentados, entradas de verbas, na Sociedade Requerente, alegadamente com origem no sócio gerente, estes, por si só e atendendo à factualidade descrita, não provam a sua proveniência, nem tampouco a existência de qualquer correlação com os alegados empréstimos; ademais, o montante total de tais verbas (€220.600,00) não coincide com o valor de €201.250,00 referido pela Requerente, nem com as importâncias indicadas nos aludidos cheques, divergências essas que esta também não esclarece.

Acresce que o extrato da conta 255101 – “C...” –, apresenta, no período compreendido entre 1 de janeiro de 2009 e 30 de junho de 2009, movimentos a débito – saídas de verbas a favor do sócio gerente –, no valor de €302.719,22, e movimentos a crédito – entrega de verbas efetuadas pelo sócio gerente –, na importância de €127.920,46 e não apresenta qualquer saldo inicial; ou seja, as saídas de valores a favor do sócio são superiores às entradas de valores pelo sócio, do que se conclui que caso tivesse existido um empréstimo efetuado pelo sócio a favor da Requerente, este teria sido objeto de regularização no mesmo período.

O mesmo se diga relativamente ao ano de 2010, em que a conta 255101 – “C...” –, não apresentava, no período compreendido entre 1 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2010, qualquer saldo inicial e apresentava movimentos a débito (€248.223,74) superiores aos movimentos a crédito (€231.234,82).

Assim, atendendo à factualidade descrita e face ao probatório, impõe-se concluir, novamente, que a Requerente não logrou ilidir a presunção vertida no artigo 6.º, n.º 4, do CIRS, como lhe estava legalmente imposto, uma vez que não produziu prova suficiente – “prova em contrário” – que permita concluir pela não verificação do facto presumido. 

Face a todo o exposto, não se mostrando infirmada a presunção em que assenta o ato tributário objeto da presente ação arbitral, falece a pretensão anulatória da Requerente.

*

V. DECISÃO

Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, absolver a Requerida do pedido.

VI. VALOR DA CAUSA

Fixa-se ao processo o valor de €53.274,87 (cinquenta e três mil duzentos e setenta e quatro euros e oitenta e sete cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VII. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de agosto de 2023

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT)

 

A Árbitra,

 

Susana Mercês

 



[1] Acórdão do CAAD, de 25.11.2020, proferido no processo n.º 371/2020-T.

[2] Acórdão do STA, de 15.12.2004, proferido no processo n.º 01187/04.