Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 788/2022-T
Data da decisão: 2023-05-08  IVA  
Valor do pedido: € 49.332,46
Tema: IVA – Regularizações a favor do sujeito passivo – Créditos relativos a empresa declarada insolvente com actividade cessada.
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Sumário:

As interpretações a efectuar (consoante os casos), quer do nº 11 do artigo 78º, quer do nº 9 do artigo 78º-B do Código do IVA que se compaginam com o Direito da União e, por isso, têm de ser adoptadas por força do princípio da sua primazia sobre o Direito Nacional (que decorre do disposto nº 4 do artigo 8º da CRP), são no sentido de as obrigações de comunicação ali previstas não se aplicarem nos casos em que o adquirente dos bens ou prestação de serviços já não é sujeito passivo de IVA, no momento em que o fornecedor procede à regularização (por terem cessado a sua actividade), legitimando implicitamente os casos de regularização de créditos relativos a esses adquirentes, tornando incompatível com o Direito da União a interpretação adoptada pela Requerida.

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

Requerente – A..., Lda.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O Árbitro Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em
27-02-2023, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

 

RELATÓRIO

 

1.1.   A..., Lda., NIPC ..., com sede na..., n° ..., ..., em Aveiro (doravante designada por Requerente), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 21-12-2022, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida).

 

1.2.   A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral que seja apreciada a “(…) legalidade de liquidações do Imposto sobre o Valor Acrescentado (…) n.° 2022 ..., de 10-08-2022, n.° 2022..., de 23-08-2022, n.° 2022..., de 13-09-2022 e 2022 ..., de 02-11-2022, relativas aos períodos de 202205, 202206, 202207 e 202208, respetivamente, e da demonstração de liquidação de juros n° 2022..., de 10-08-2022”, no montante total de EUR 49.332,46, peticionando que as mesmas sejam anuladas, condenando-se a “(…) AT na restituição do excessivamente cobrado à Requerente, bem como no pagamento de juros indemnizatórios devidos (…) e com a extensão peticionada nos presentes autos, bem como no pagamento das demais custas legalmente devidas”.

 

1.3.   O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 22-12-2022 e foi notificado à Requerida na mesma data.

 

1.4.   A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em
08-02-2023, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.   Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.   Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 27-02-2023, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data no sentido de notificar a Requerida para “nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional”.

 

1.7.   Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.8.   Em 11-04-2023 a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído a mesma no sentido de que “(…) deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, absolvendo-se a Requerida dos pedidos, com todas as consequências legais”.

 

1.9.   Na mesma data, a Requerida juntou o processo administrativo.

 

1.10. Por despacho arbitral datado de 12-04-2023 (notificado a 13-04-2023), foram ambas as Partes notificadas que “(…) este Tribunal Arbitral, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT (…)” veio determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, a apresentar no prazo simultâneo de 10 dias, a contar nos termos legais e designar o dia 08-05-2023 para efeitos de prolação da decisão arbitral, devendo a Requerente até à data da prolação da decisão arbitral proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

1.11. Em 24-04-2023, a Requerente apresentou as suas alegações, concluindo como no pedido.

 

1.12. A Requerida não apresentou alegações.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.   A Requerente começa por referir que apresentou “(…) o pedido de constituição de Tribunal Arbitral para efeitos de impugnação e apreciação de legalidade de liquidações do Imposto sobre o Valor Acrescentado (…) n° 2022..., de 10-08-2022, n° 2022..., de 23-08-2022, n° 2022..., de 13-09-2022 e 2022..., de 02-11-2022, relativas aos períodos de 202205, 202206, 202207 e 202208, respetivamente, e da demonstração de liquidação de juros n° 2022..., de 10-08-2022, referente ao período 202205”, visando a anulação das referidas liquidações, no montante total de EUR 49.332,46.

 

2.2.   Refere que “todas as referidas demonstrações de liquidação de IVA e de juros tiveram por base os mesmos factos e a mesma fundamentação de direito”, “isto é, todas (…) tiveram por base a notificação recebida pela Requerente, através da comunicação n.°..., de 07/07/2022, sendo que todas as liquidações em causa foram efetuadas nos termos do artigo 87.° do Código do IVA (…), e em resultado da correção automática da declaração periódica enviada para o período indicado, de que resultou falta de entrega de imposto ao Estado”, “e os juros respetivos foram calculados nos termos do art° 96° do CIVA e dos art° 35° e 440 da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou por se ter verificado atraso ou insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte”.

 

2.3.   Esclarece que “a Requerente é uma sociedade comercial de direito português, enquadrada no regime normal do IVA de periodicidade mensal e no regime geral do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (…), que tem como atividades principais a consultoria de empresas, estudos económicos, recrutamento, seleção de pessoal e formação profissional” e que, “no âmbito da prossecução do seu objeto social, prestou diversos serviços à B..., S.A. (…), relativamente aos quais emitiu diversas faturas, entre as quais (…) as faturas que constam da tabela que se segue” (montantes expressos em Euros):

 

FACTURA Nº

BASE TRIBUTÁVEL

IVA

150007

100.000,00

23.000,00

150029

2.195,00

504,96

150036

228.610,80

52.580,48

150098

6.148,54

1.414,16

TOTAL

336.954,34

77.499,60

 

 

2.4.   Alega a Requerente que “as referidas faturas referem-se aos serviços prestados pela Requerente no âmbito de três contratos de prestação de serviços celebrados entre a Requerente e a B..., no âmbito dos quais a Requerente se obrigou a elaborar três processos de candidaturas (…)” mas tendo em consideração que a “B... não procedeu ao pagamento dos honorários devidos pela prestação de serviços e titulados pelas faturas suprarreferidas”, “a Requerente apresentou um Requerimento de Injunção, no dia 05-10-2016 (Processo n.° .../16.2YIPRT), através do qual peticion[ou] o pagamento destes montantes em dívida”.

 

  1. Dado que “a B... apresentou oposição à referida injunção” e tendo em consideração que houve conhecimento “(…) de processo de insolvência que havia, entretanto, sido instaurado contra si, o Tribunal proferiu sentença, a 10/09/2020, nos termos da qual determinou a extinção do processo de injunção, por impossibilidade superveniente da lide (…)”, não tendo a Requerente obtido “qualquer decisão sobre os créditos peticionados (…)”.

 

  1. Atendendo à inexistência de uma decisão judicial que efetivamente se pronunciasse sobre a exigibilidade dos créditos peticionados (…) no âmbito do procedimento injuntivo, (…), a Requerente solicitou a elaboração de um parecer (…) sobre o ponto de situação destes créditos e a real exigibilidade dos mesmos (…)” tendo da análise jurídica da litigância descrita sido concluído que “(…) parte dos créditos peticionados pela aqui Requerente no âmbito do procedimento injuntivo não seriam devidos, concluindo-se pela necessidade de retificar o valor dos mesmos”.

 

  1. Como resultado da revisão efetuada, conclui-se que, de facto, a fatura n.° 150007, de 19/01/2015, deveria ser anulada e a fatura n.° 150036, de 16/04/2015, reduzida para metade do seu valor, em consonância com o argumentado pela B...”, “isto porque, e no que diz respeito à fatura n.° 150007, tratou-se de um caso de anulação da fatura, na medida em que os montantes constantes da mesma já haviam sido considerados nas faturas n.os 140145 e 140179” e “No que à fatura n.° 150036 concerne, a redução do seu valor para metade suporta-se no facto de a mesma incluir serviços que não foram integralmente prestados pela Requerente, importando a redução do âmbito do contrato acordado com a B...”.

 

  1. Assim, e de forma a retificar os valores faturados, a aqui Requerente procedeu à emissão da Nota de crédito n.° NCC 0/22006, de 27-05-2022 que procedeu à anulação da fatura n.° 150007 e da Nota de crédito n.° NCC 0/22007, de 27-05-2022 que procedeu à redução para metade do valor constante da fatura n.° 150036”.

 

  1. Desta forma, após a emissão das notas de crédito supra mencionadas, permaneciam em dívida os seguintes montantes” (montantes expressos em Euros):

FACTURA Nº

BASE TRIBUTÁVEL

IVA

15029

2.195,00

504,96

150036

114.305,40

26.920,24

150098

6.148,54

1.414,16

TOTAL

122.648,94

28.839,36

 

 

  1. Como tal, segundo a Requerente, “o montante global em dívida pela B... passou de 336 954,34 €, ao qual acresce um valor de IVA no montante de 77 499,60 €, para
    122 648,94€ ao qual acresce um valor de IVA no montante de 28 839,36
    ” e, “considerando que os créditos reclamados junto do Processo de Insolvência n.° .../20.5T8VNF foram retificados, a aqui Requerente deu conhecimento da emissão das referidas notas de crédito ao Administrador de Insolvência, remetendo-lhe cópias das mesmas, através do envio de carta registada com aviso de receção, a qual foi devidamente rececionado pelo destinatário”.

 

  1. Como consequência, a emissão das notas de crédito implicou a regularização de IVA no montante de 49 290,24 € (…)” e, “tendo em consideração que se encontravam (e encontram) preenchidos os requisitos previstos no artigo 78.°, n.° 2 e n.° 5 do CIVA, a Requerente procedeu à regularização do IVA em causa”.

 

  1. A Requerente refere que “para o efeito reportou o valor de 49 520,24 €, a título de IVA regularizado a favor do sujeito passivo no campo 40 da declaração periódica do período de maio de 2022, referindo-se 49 290,24€ ao sujeito passivo com o NIF ...(que corresponde à B...) e 230,00 € ao sujeito passivo com NIF...”.

 

  1. Consequentemente, e sendo o montante de imposto a favor do sujeito passivo, campo 91 — 53 052,74 €, superior ao imposto a favor do Estado, campo 92 — 23 861,63 €, a Requerente optou por reportar o excesso (29 191,11 €), no campo 96 (…)”.

 

  1. Porém, (…), a Requerente foi notificada, através da Comunicação n.° ...1 de 07/07/2022 de incorreções verificadas no anexo 40 da declaração periódica de IVA” porquanto “nos termos da referida notificação, [o] valor do imposto indevidamente regularizado no campo 40, a favor do sujeito passivo, correspondente às incorreções agora verificadas, poderá resultar na correção do excesso a reportar apurado — com repercussão par aos períodos de imposto seguintes — bem como do imposto a entregar no período, pelo montante de € 49.290,24 (…)”, “(…) ficando notificada para proceder à correção dos erros assinalados através da submissão da declaração periódica e do Anexo 40, para o período em referência”.

 

  1. Posteriormente, e uma vez que não procedeu à substituição da declaração periódica do período de maio de 2022, foi a Requerente notificada das demonstrações de liquidação de IVA e da respetiva demonstração de liquidação de juros (…)” objecto do pedido, com os seguintes valores a pagar (montantes expressos em Euros):

PERÍODO

LIQUIDAÇÃO Nº

DATA

NATUREZA

VALOR A PAGAR

DATA LIMITE PAG.º VOLUNTÁRIO

2205

2022 ...

10-08-2022

Imposto

20.099,13

28-09-2022

2022 ...

10-08-2022

Juros moratórios

42,22

28-09-2022

2206

2022 ...

23-08-2022

Imposto

13.059,30

17-11-2022

2207

2020 ...

13-09-2023

Imposto

8.178,42

24-11-2022

2208

2022 ...

02-11-2022

Imposto

7.953,39

26-12-2023

TOTAL

49.332,46

 

 

 

  1. Com o intuito de evitar a instauração das execuções associadas às liquidações de imposto em crise, “(…)  a Requerente procedeu ao pagamento dos montantes liquidados pela AT, referentes aos períodos de maio, junho e julho no valor de 41 379,07€ (…)”, “mais declarando (…) que irá proceder ao pagamento do montante de 7 953,39 € referente à liquidação adicional por respeito ao período de agosto, dentro do prazo estipulado para o efeito — 26/12/2022”.

 

Da preterição de audição prévia às Liquidações

 

  1. Neste âmbito, refere a Requerente que devem “as liquidações em crise ser anuladas em virtude do vício de preterição de formalidade legal essencial, consubstanciada no dever legal da sua notificação para exercício do seu direito de audição em momento anterior ao ato de liquidação”.

 

  1. Com efeito, “constata-se que, a 07/07/2022, a Requerente foi notificada de que haviam sido identificadas incorreções no número de identificação fiscal indicado no Anexo Regularizações do Campo 40” e “da mesma notificação constava a informação que na falta de correção dos alegados erros acima identificados, através da retificação da declaração periódica e respetivo anexo 40, a AT procederia à emissão de liquidação adicional, em sede de IVA, sem que lhe tenha sido concedido, segundo entende a Requerente, o direito de audição, nos termos do art. 60º, n.° 1, al. a) LGT”.

 

  1. Assim, entende a Requerente que “em nenhum momento do processo a Requerente foi notificada para se pronunciar quanto aos atos de liquidação que lhe viriam a ser notificados”, “sendo certo que, a sê-lo, deveria tê-lo sido (…), conforme o dispõe o art. 60°, n.° 4 LGT.[2]

 

  1. Segundo entende a Requerente, “(…) resulta forçoso concluir que o exercício do direito de audição prévia se apresentava como essencial para a completa aferição pela AT dos requisitos cumpridos pela Requerente para proceder à regularização do IVA das notas de crédito emitidas” sendo que “a preterição de formalidade essencial de direito de audição constitui invalidade dos atos administrativos de liquidação, na modalidade de anulabilidade, por preterição de formalidade legal essencial no procedimento tributário, nos termos conjugados do disposto nos arts. 60° LGT, 163° do Código de Procedimento Administrativo e 267°, n.° 5 da Constituição da República Portuguesa”.

 

Do vício de violação de Lei consubstanciado em erro sobre os pressupostos de Facto e Direito

 

  1. Nesta matéria, segundo alega a Requerente, “a AT nega a possibilidade de regularização de IVA nos termos efetuados pela Requerente”, situação com a qual esta não concorda porquanto alega que “(…) para que a regularização seja admissível, é à luz dos (…) normativos que o sujeito passivo terá de avaliar o integral cumprimento dos requisitos constantes dos mesmos, e, de igual modo, é à luz dos mesmos normativos que deve ser realizada a aferição por parte da AT sobre o seu cumprimento”.

 

  1. Ou seja, “por um lado o sujeito passivo tem de garantir e por outro lado a AT tem de fiscalizar que: (i) o valor de determinada operação registada nos termos do artigo 45.° foi anulado ou reduzido; (ii) que essa anulação/redução foi operada em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos; (iii) que a regularização do IVA em causa só pode ser efetuada quando o sujeito passivo tiver em sua posse a prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação”.

 

  1. Assim sendo, segundo defende a Requerente, “apenas o incumprimento destes requisitos poderá determinar a impossibilidade de proceder à regularização do IVA, pelo que (…) a não aceitação por parte da AT da regularização efetuada por um sujeito passivo só será aceitável se devidamente fundamentada com base no incumprimento de algum dos requisitos legalmente estabelecidos para que a regularização se possa verificar”, o que para a Requerente não aconteceu.

 

  1. No caso, segundo entende a Requerente, a AT refere que existe um “erro”, o qual designa por “L04” e que se relaciona com o “SP cessado”, mas a Requerente levanta dúvidas quanto ao que isto significa ou a que se reporta, qual a relevância que tem este aspecto para a regularização do IVA e de que forma a existência deste “erro” justifica a posição da AT.

 

Do alegado vício de falta de fundamentação

 

  1. Para a Requerente, “a rejeição da regularização e o fundamento para a mesma não é alcançável da notificação efetuada à requerente, em manifesta violação do disposto no art. 77°, n.° 2 LGT, o que equivale a vício de falta de fundamentação (…)” porquanto, “(…) a não aceitação da regularização do IVA tem de ser legalmente fundamentada, o que, neste caso, significa a identificação clara e objetiva dos requisitos supra elencados que, no entender da AT, não estariam cumpridos”.

 

  1. Para a Requerente, “um sujeito passivo que cessou a atividade não se trata de um sujeito passivo extinto ou inexistente”, “razão pela qual a Requerente conserva pleno direito ao exercício de regularização de IVA e a AT não tem direito de a impedir — nem alega factos constitutivos desse mesmo direito (…)”.

 

  1. Reitera ainda a Requerente que “a AT não põe em causa, nem poderia fazê-lo, as prestações de serviços realizadas, não discute a preterição de quaisquer formalismos relativos à emissão das respetivas faturas, nem das notas de crédito posteriormente emitidas, nem questiona a existência de prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação, ou seja, concede que a Requerente cumpriu com todos os requisitos do n.° 2 e n.° 5 do artigo 78.° do CIVA” pelo que “(…) jamais poderá a (…) Requerente ser impedida de regularizar o IVA que corretamente incluiu no campo 40 e respetivo anexo da declaração periódica de maio de 2022”.[3]

 

  1. Assim, peticiona a Requerente que “deve ser julgado procedente o pedido de anulação das demonstrações de liquidação de IVA n.° 2022 ..., de 10-08-2022, n.° 2022..., de 23-08-2022, n.° 2022 ..., de 13-09-2022 e 2022..., de 02-11-2022, relativas aos períodos de 202205, 202206, 202207 e 202208 e da demonstração de liquidação de juros n.° 2022..., de 10-08-2022, referente ao período 202205, por vício de violação de lei, consubstanciada em erro sobre os pressupostos de facto e de direito”.

 

Dos Juros Indemnizatórios

 

  1. A Requerente solicita ainda que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, à taxa anual de 4%, a incidir sobre o montante de imposto e juros de mora indevidamente liquidados pela Requerida e pagos pela Requerente, no montante total de EUR 49.332,46.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.   A Requerida, na Resposta apresentada, defendeu-se por impugnação tendo começado por referir, quanto à preterição de audição prévia às liquidações (alegada pela Requerente) que “a Requerente foi notificada de que, perante as incorreções verificadas no anexo 40, deveria proceder ao envio de declaração de substituição e respetivos anexos dentro do prazo legalmente previsto para o efeito, findo o qual, não sendo efetuadas as correspondentes retificações” e “seria, nos termos do n.º 1 do art.º 87.º do Código do IVA, emitida a liquidação adicional respetiva”.

 

3.2.   Assim, reitera a Requerida, “a falta da entrega da declaração devida, deu lugar à emissão das liquidações adicionais aqui em análise (…)”, “o que significa que a emissão das liquidações em causa decorre (…) da circunstância do sujeito passivo não ter cumprido as obrigações declarativas de apresentação das declarações periódicas de substituição e respetivos anexos, regularizando os erros detetados, conforme lhe havia sido comunicado” pelo que entende que, ao notificar a Requerente, foram-lhe comunicados “(…) os erros detetados e advertindo-o, simultaneamente, para as consequências da falta de apresentação da declaração de substituição para o período respetivo (…)”.

 

3.3.   Nestes termos, considera a Requerida que “(…) foi facultada a possibilidade de participação no procedimento de liquidação, e por isso, não colhe o alegado vício de preterição de audição prévia”.

 

3.4.   No que diz respeito ao vício de violação de Lei e do erro sobre os pressupostos de Facto e de Direito invocado pela Requerente, alega a Requerida que a regularização efectuada “(…), que tem carácter facultativo, só é, todavia, admitida quando o fornecedor ou prestador de serviço tenha prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sob pena de ser considerada indevida (…)”.

 

3.5.   “Na situação em apreço, este pressuposto do exercício do direito à regularização, de natureza formal, encontra-se respeitado, pois a Requerente, além de ter procedido às devidas diligências de anulação das faturas e emissão de documentos retificativos (…), deu conhecimento da emissão das notas de crédito (…), por carta registada com aviso de receção, (…), ao adquirente, que assinou (…) (através do administrador judicial)” mas alega a Requerida que “(…) não são os requisitos formais da regularização do IVA que estão postos em causa, mas sim as condições materiais desse mesmo exercício, face à situação de cessação de atividade em sede de IVA da adquirente à data da regularização e da submissão das declarações periódicas de IVA”.

 

3.6.   Nesta matéria, entende a Requerida que, tendo em consideração o quadro factual subjacente ao procedimento de regularização, “(…) constata-se que, apesar de a adquirente dos serviços ter tomado conhecimento da regularização do IVA a favor da prestadora, não procedeu à operação bilateral e devida, nos termos do n.º 4 do art.º 78.º, de correção da dedução efetuada (…)” e, “(…) uma vez que a adquirente se encontrava com a sua atividade cessada, para efeitos de IVA, à data de regularização daquele imposto, e não à data da emissão das faturas, as operações foram registadas contabilisticamente pela adquirente, e deduzido o respetivo imposto sem a consequente correção a favor do Estado (…)”.

 

3.7.   Assim, defende a Requerida que “(…) o prejuízo que advém da perda de receitas fiscais para o Estado encontra-se confirmado, e deriva precisamente do facto de a adquirente encontrar-se cessada para efeitos de IVA à data de regularização, mas não à data da fatura, fundamento que motivou a não aceitação das regularizações efetuadas pela Requerente, o que se considera ser de manter, visto que se encontra legalmente justificado à luz do mecanismo de regularização do art.º 78.º do Código do IVA”.

 

3.8.   “Em suma, se assim não se entendesse, o Estado ficaria lesado pelo reconhecimento do direito da Requerente à regularização do imposto liquidado, cuja dedução pela adquirente não foi alvo de retificação”.

 

3.9.   No que diz respeito ao vício de falta de fundamentação das liquidações em análise, alegado pela Requerente, entende a Requerida que “(…) no caso sub judice, conclui-se que as liquidações não padecem do vício invocado, sendo patente que a fundamentação apresentada é clara e suficiente, permitindo-lhe apreender as razões de facto e direito que a sustentaram, optando, de forma consciente entre aceitar os atos tributários em causa, ou acionar os meios legais legalmente disponíveis para os impugnar, como veio a suceder através do presente procedimento contencioso”.

 

3.10. Nestes termos, conclui a Requerida que “(…) foi possível à Requerente identificar as incorreções detetadas, apresentando os argumentos pelos quais pretende contestar os valores apurados em sede de liquidação” pelo que “(…) as liquidações em crise encontram-se fundamentadas, observando-se os requisitos legais de síntese, clareza e suficiência, exigidos por lei (…),”.

 

3.11. Adicionalmente, esclarece a Requerida que “(…) a jurisprudência arbitral que é citada pela Requerente não tem aplicação ao caso concreto em apreço, na medida em que, na factualidade subjacente à mencionada decisão estava em causa a aplicabilidade do regime de regularização de créditos de cobrança duvidosa ou incobráveis”.

 

3.12. Por último, e no que diz respeito aos juros indemnizatórios peticionados, alega a Requerida que “não sendo reconhecida razão à Requerente no presente PPA no que concerne à questão suscitada, não devem ser reconhecidos juros indemnizatórios (…)” concluindo que “(…) deve o presente PPA ser julgado improcedente, por não provado e, consequentemente, deve a Requerida ser absolvida do pedido”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.   O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.2.   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.   O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea e) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.4.   A cumulação de pedidos é legal porquanto todas as liquidações de IVA e de juros impugnadas tiveram por base os mesmos factos e a mesma fundamentação de direito.

 

4.5.   Não foram suscitadas na Resposta quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.6.   Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.      MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.   Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.   Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.   A Requerente é uma sociedade comercial de direito português, enquadrada no regime normal do IVA de periodicidade mensal, que tem como actividades principais a consultoria de empresas, estudos económicos, recrutamento, selecção de pessoal e formação profissional (em conformidade com o alegado e não contestado).

 

5.4.   No âmbito da prossecução do seu objeto social, prestou diversos serviços à B..., S.A., Pessoa Colectiva nº..., no âmbito de três contratos de prestação de serviços, nos quais a Requerente se obrigou a elaborar três processos de candidatura, e relativamente aos quais emitiu as seguintes faturas (em conformidade com doc. nº 2 e 3 anexados com o pedido):

 

FACTURA Nº

DATA

MONTANTE

IVA

150007

19-01-2015

100.000,00

23.000,00

150029

03-04-2015

2.195,48

504,96

150036

16-04-2015

228.610,80

52.580,48

150098

24-06-2015

6.148,54

1.414,16

TOTAL

336.954,82

77.499,60

 

 

5.5.   A B... não procedeu ao pagamento dos honorários devidos pela prestação de serviços titulados pelas faturas referidas no ponto anterior (em conformidade com o doc. nº 3 anexado com o pedido).

 

5.6.   Por este motivo, a Requerente apresentou um Requerimento de Injunção, em 05-10-2016 (Processo n° .../16.2YIPRT), que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, através do qual peticionou o pagamento dos montantes em dívida (em conformidade com o doc. nº 3 anexado com o pedido)

 

5.7.   A B... apresentou oposição à referida injunção com fundamento, nomeadamente, (i) no facto de a factura n° 150007 se tratar de um caso de faturação indevida, na medida em que repete os serviços constantes de outra factura (já paga) e (ii) no caso da factura nº 150036, atendendo a algumas “alegadas” falhas na execução do contrato por parte da Requerente, a referida fatura deveria ser reduzida a metade (em conformidade com o doc. nº5 anexado com o pedido).

 

5.8.   A B... foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado e proferida em 28-04-2020, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga (em conformidade com o referido no doc. nº 4 anexado com o pedido).

 

5.9.   O crédito da Requerente foi reclamado no Processo de Insolvência B... (em conformidade com o referido no doc. nº 5 anexado com o pedido).

 

5.10. A B... cessou actividade em sede de IVA e de IRC em 02-12-2020, por força do disposto no nº 3 do artigo 34º do Código do IVA e do nº 3 do artigo 65º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) (em conformidade com o alegado e não contestado).

 

5.11. A apresentação da última declaração periódica de IVA da B... foi em 03-01-2021 (em conformidade com o alegado e não contestado).

 

5.12. O Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, competente para julgar o processo de injunção acima identificado, veio determinar, em 10-09-2020, o seguinte (em conformidade com o doc. nº 4 anexado com o pedido):

 

 

 

5.13. Da análise efectuada pela Requerente aos valores das facturas objecto do processo de injunção, concluindo-se pela necessidade de retificar o valor dos mesmos, no sentido de que a factura n° 150007, de 2015-01-19, deveria ser anulada e a factura n° 150036, de 2015-04-16, reduzida para metade do seu valor, em consonância com o argumentado pela B... (vide ponto 5.7., supra).

 

5.14. De forma a retificar os valores facturados à B..., a Requerente emitiu a Nota de Crédito n° NCC 0/22006, de 27-05-2022, que procedeu à anulação da factura n° 150007 (IVA de EUR 23.000,00) e da Nota de Crédito n° NCC 0/22007, de 27-05-2022, que procedeu à redução para metade do valor constante da fatura n° 150036 (IVA de EUR 26.920,24), em conformidade com o doc. nº 6 anexado com o pedido.

 

5.15. A Requerente enviou Administrador Judicial (do processo de Insolvência da B...), através de carta registada (RH ... PT), com aviso de recepção (A/R), datada de 31-05-2022, cópia das notas de crédito identificadas no ponto anterior, para que fosse possível “(…) efetuar os procedimentos que entender por convenientes, incluindo a regularização do IVA que seja devido” (em conformidade com o doc. nº 7 anexado com o pedido).

 

5.16. O referido Administrador Judicial devolveu à Requerente, em 01-06-2022, cópia da carta e das notas de crédito identificadas nos pontos anteriores, devidamente assinadas e carimbadas, confirmando que delas tomou conhecimento (em conformidade com o doc. nº 7 anexado com o pedido).

 

5.17. Após a emissão das referidas notas de crédito permaneciam em dívida os seguintes montantes (expressos em Euros):

 

FACTURA Nº

DATA

MONTANTE

IVA

150029

03-04-2015

2.195,48

504,96

150036

16-04-2015

114.305.40

26.920,24

150098

24-06-2015

6.148,54

1.414,16

TOTAL

122.649,42

28.839,46

 

 

5.18. Em consequência da emissão das notas de crédito, a Requerente procedeu à regularização de IVA no montante de EUR 49.290,24, tendo reportado o valor de EUR 49.520,24, a título de IVA regularizado a favor do sujeito passivo no campo 40 da declaração periódica do período de 2022/05, entregue em 07-07-2022, referindo-se EUR 49.290,24 ao sujeito passivo com o NIF ... (B...) e EUR 230,00 (sujeito passivo com NIF...) (em conformidade com o doc. nº 8 anexado com o pedido).[4]

 

5.19. Conforme evidenciado em matéria declarativa pela Requerente, as referidas regularizações a favor do sujeito passivo foram efectuadas ao abrigo do disposto no artigo 78º nº 2 do Código do IVA (em conformidade com o referido no doc. nº 8 anexado com o pedido).

 

5.20. Na declaração período de IVA entregue por referência ao período 2022/05, o montante de imposto a favor do sujeito passivo (campo 91), no valor de EUR 53.052,74 foi superior ao imposto a favor do Estado (campo 92), no valor de EUR 23.861,63, tendo a Requerente optado por reportar o excesso (EUR 29.191,11), conforme evidenciado no campo 96 daquela declaração (em conformidade com o referido no doc. nº 8 anexado com o pedido).

 

5.21. A Requerente foi notificada, através da Comunicação n° ... de 07-07-2022, de incorreções verificadas no anexo 40 da declaração periódica de IVA porquanto “[o] valor do imposto indevidamente regularizado no campo 40, a favor do sujeito passivo, correspondente às incorreções agora verificadas, poderá resultar na correção do excesso a reportar apurado — com repercussão par aos períodos de imposto seguintes — bem como do imposto a entregar no período, pelo montante de € 49.290,24 (…)”, tendo a Requerente sido ainda notificada para proceder à correção dos erros assinalados através da submissão da declaração periódica e do Anexo 40, para o período em referência, “(…) no prazo de 15 dias contados a partir do 5º dia posterior ao registo da disponibilização desta notificação na caixa postal electrónica (…). Findo este prazo, a Autoridade Tributária procederá (…), à retificação da declaração periódica e respetivo Anexo (…) e, se for caso disso, à emissão de liquidação adicional (…). Da liquidação efetuada poderá deduzir, no prazo de 120 dias, reclamação graciosa (…) ou, no prazo de três meses, impugnação judicial (…)” (em conformidade com o referido no doc. nº 9 anexado com o pedido).

 

5.22. A Requerente não procedeu à substituição da declaração periódica do período de 2022/05 (em conformidade com o alegado).

 

5.23. A Requerente foi notificada das demonstrações de liquidação de IVA relativas aos períodos 2022/05, 2022/06, 2022/07 e 2022/08, bem como da respetiva demonstração de liquidação de juros moratórios relativa ao período 2022/05, como a seguir se indica (montantes expressos em Euros) (em conformidade com o doc. nº 1 anexado com o pedido).

 

LIQUIDAÇÃO

DATA

PERÍODO

NATUREZA

MONTANTE

DATA LIMITE PAGAMENTO

2022 ...

10-08-2022

2022/05

IVA

20.099,13

28-09-2022

JM

42,22

2022 ...

23-08-2022

2022/06

IVA

13.059,30

07-11-2022

2022 ...

13-09-2022

2022/07

IVA

8.178,42

24-11-2022

2022 ...

02-11-2022

2022/08

IVA

7.953,39

26-12-2022

TOTAL

49.332,46

 

 

5.24. As liquidações adicionais identificadas no ponto anterior evidenciam em cada uma delas como “FUNDAMENTAÇÃO”:

 

5.24.1.   No caso das liquidações de IVA, “Liquidação efetuada nos termos do art.º 87º do Código do IVA, em resultado da correção automática da declaração periódica enviada para o período indicada, de que resultou falta de entrega de imposto ao Estado”;

5.24.2.   No caso da liquidação de juros de mora, “Juros calculados nos termos do art.º 94 do CIVA e dos art.º 35º e 44º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou por se ter verificado atraso ou insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte. A sua contagem teve em conta a data em que foram enviados os pagamentos e ou, na sua falta ou insuficiência, a data da disponibilização de outros créditos”.

 

5.25. A Requerente procedeu ao pagamento dos montantes liquidados pela Requerida, referentes aos períodos de 2022/05, 2022/06 e 2022/07, no valor de EUR 41.379,07, dentro do prazo de pagamento voluntário (em conformidade com o doc. nº 10 anexado com o pedido).

 

5.26. A Requerente apresentou, em 21-12-2022, o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.27. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos aos autos pelas Partes, incluindo o processo administrativo.

 

Dos factos não provados

 

5.28. Por ser posterior à data de entrega do pedido de pronúncia arbitral, não foi obtida evidência do pagamento do montante de EUR 7.953,39 referente à liquidação adicional relativa ao período de 2022/08, dentro do prazo de pagamento voluntário, ou seja, até
26-12-2022(em conformidade com o referido no doc. nº 1 e 10 anexados com o pedido).

 

5.29. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.      MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.   No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pretende que seja apreciada a “(…) legalidade de liquidações do Imposto sobre o Valor Acrescentado (…) n.° 2022..., de 10-08-2022, n.° 2022..., de 23-08-2022, n.° 2022 ..., de 13-09-2022 e 2022..., de 02-11-2022, relativas aos períodos de 202205, 202206, 202207 e 202208, respetivamente, e da demonstração de liquidação de juros n° 2022..., de 10-08-2022”, no montante total de EUR 49.332,46, peticionando que as mesmas sejam anuladas, condenando-se a “(…) AT na restituição do excessivamente cobrado à Requerente, bem como no pagamento de juros indemnizatórios devidos (…), bem como no pagamento das demais custas legalmente devidas”.

 

6.2.   A Requerente sustenta a ilegalidade das liquidações de IVA e juros identificadas em três fundamentos:

6.2.1.     Preterição de audição prévia às liquidações adicionais notificadas, porquanto alega que “as liquidações em crise ser anuladas em virtude do vício de preterição de formalidade legal essencial, consubstanciada no dever legal da sua notificação para exercício do seu direito de audição em momento anterior ao ato de liquidação”;

6.2.2.     Vício de violação de Lei e erro sobre pressupostos de Facto e Direito, porquanto entende a Requerente que a Requerida refere que existe um “erro” designado por “L04” e que se relaciona com o “SP cessado”, mas a Requerente levanta dúvidas quanto à “(…) rejeição da regularização e o fundamento para a mesma (…)” por entender que este não é “(…) alcançável da notificação efetuada (…), em manifesta violação do disposto no art. 77°, n.° 2 LGT, o que equivale a vício de falta de fundamentação (…)”.

 

6.3.   A Requerida discorda dos fundamentos invocados pela Requerente porquanto:

6.3.1.     No que diz respeito á preterição de audição prévia às liquidações adicionais, entende a Requerida que “a Requerente foi notificada de que, perante as incorreções verificadas no anexo 40, deveria proceder ao envio de declaração de substituição e respetivos anexos dentro do prazo legalmente previsto para o efeito, findo o qual, não sendo efetuadas as correspondentes retificações”, “o que significa que a emissão das liquidações em causa decorre (…) da circunstância do sujeito passivo não ter cumprido as obrigações declarativas de apresentação das declarações periódicas de substituição e respetivos anexos, regularizando os erros detetados, conforme lhe havia sido comunicado” pelo que considera a Requerida que “(…) foi facultada a possibilidade de participação no procedimento de liquidação, e por isso, não colhe o alegado vício de preterição de audição prévia”.

6.3.2.     No que diz respeito ao vício de violação de lei e do erro sobre os pressupostos de Facto e de Direito, entende a Requerida que a regularização efectuada “(…) só é, todavia, admitida quando o fornecedor ou prestador de serviço tenha prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sob pena de ser considerada indevida (…)” e, “na situação em apreço, este pressuposto do exercício do direito à regularização, de natureza formal, encontra-se respeitado (…)” não sendo “(…) os requisitos formais da regularização do IVA que estão postos em causa, mas sim as condições materiais desse mesmo exercício, face à situação de cessação de atividade em sede de IVA da adquirente à data da regularização e da submissão das declarações periódicas de IVA” porquanto “(…) através da emissão dos documentos retificativos pela Requerente, e da posse de prova da comunicação à adquirente, transferiu-se para esta o dever de regularização a favor do Estado do IVA deduzido (…)” não tendo “(…) essa obrigação (…) [sido] cumprida”, alegando a Requerida que “(…) o prejuízo que advém da perda de receitas fiscais para o Estado encontra-se confirmado, e deriva precisamente do facto de a adquirente encontrar-se cessada para efeitos de IVA à data de regularização, mas não à data da fatura, fundamento que motivou a não aceitação das regularizações efetuadas pela Requerente (…)”, o que entende estar “(…) legalmente justificado à luz do mecanismo de regularização do art.º 78.º do Código do IVA”.

6.3.3.     Por outro lado, e no que diz respeito ao vício de falta de fundamentação das liquidações em análise (também alegado pela Requerente), entende a Requerida que “(…) no caso sub judice, conclui-se que as liquidações não padecem do vício invocado, sendo patente que a fundamentação apresentada é clara e suficiente, permitindo-lhe apreender as razões de facto e direito que a sustentaram, optando, de forma consciente entre aceitar os atos tributários em causa, ou acionar os meios legais legalmente disponíveis para os impugnar, como veio a suceder através do presente procedimento contencioso”.

 

6.4.   Nestes termos, as questões a decidir, tendo em consideração a matéria dada como provada, serão as de saber se (i) houve ou não preterição da formalidade de audição prévia relativa às liquidações adicionais notificadas; em caso de resposta negativa à questão anterior, (ii) aferir as referidas liquidações padecem ou não de vício de violação de Lei e de erro sobre pressupostos de Facto e Direito e/ou (iii) se padecem ou não de vício de falta de fundamentação.

 

Preterição de audição prévia às liquidações adicionais notificadas

 

6.5.   Neste âmbito, refira-se que o princípio da audiência dos interessados previsto no n.º 1 do  artigo 100º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), embora não corresponda a um direito fundamental, é uma concretização do modelo da administração participada expresso no nº 5 do artigo 267º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que impõe à Administração Pública o princípio da participação dos particulares na formação das decisões que lhe digam respeito, sendo uma das manifestações mais flagrantes do modelo da Administração aberta.[5]

 

6.6.   O direito de audição, encontra a sua consagração constitucional no artigo 267º, nº 5, da CRP, nos termos do qual se refere que “o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”.

 

6.7.   Como decorre da norma constitucional, o regime do direito de audição é relegado para «lei especial», a definição dos termos em que tal direito será exercido.

 

6.8.   Nesta matéria, e transcrevendo apenas o que ao caso interessa, o regime do direito de audição encontra-se previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT), sendo que:

 

6.8.1.     Nos termos do seu nº 1 se refere que “a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) Direito de audição antes da liquidação; b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições; c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal; d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção; e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária”;

6.8.2.     Já nos termos do nº 2 do mesmo artigo é referido que “é dispensada a audição: a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável; b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito”;

6.8.3.     Nos termos do disposto no nº 3, é referido que “tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado”;

6.8.4.     O nº 4 refere que “o direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte”;

6.8.5.     Nos termos do nº 5, refere-se que “em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação”;

6.8.6.     Nos termos do nº 6 refere-se que “o prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria”,

6.8.7.     E nos termos do nº 7 é referido que “os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.

 

6.9.   Assim, o direito ou o dever de audição prévia constitui uma garantia de defesa dos particulares, de modo a permitir a justeza e a correção do ato final do procedimento e, dada a sua importância, o direito de audição prévia só pode ser dispensado nas situações legalmente previstas no artigo 60º, nº 2 e 3 da LGT.

 

6.10. No caso, as liquidações cuja anulação é pretendida com o pedido foram efectuadas em consequência de uma notificação da Requerida à Requerente de alegadas incorreções (motivadas por erro respeitante a SP cessado), em matéria de regularizações a favor do sujeito passivo, verificadas no Anexo 40 da declaração periódica de IVA, relativa ao período 2022/05, as quais não foram sanadas, como sugerido pela Requerida, por via de entrega de uma declaração periódica de substituição relativa ao mesmo período, incluindo o Anexo 40.

 

6.11. Neste âmbito, entende este Tribunal Arbitral que, no caso, não seria necessário notificar a Requerente para exercer o seu direito de audição prévia relativo às correções propostas, porquanto se entende que os factos descritos estão abrangidos pelo nº 2 do artigo 60º da LGT, nos termos do qual se refere que “é dispensada a audição: a) (…); b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito”.

 

6.12. Nestes termos, tendo em consideração o disposto na alínea b), do nº 2 do artigo 60º da LGT, considera este Tribunal Arbitral que não houve preterição da formalidade de audição prévia relativa às liquidações adicionais notificadas, pelo que se considera improcedente este argumento apresentado pela Requerente.

 

6.13. Assim, importa agora analisar, tendo em consideração a resposta negativa dada à questão a decidir referida no ponto 6.4. (i), se as referidas liquidações padecem ou não de vício de violação de Lei e de erro sobre pressupostos de Facto e Direito e/ou se padecem ou não de vício de falta de fundamentação.

 

Do vício de falta de fundamentação

 

6.14. Começando pela questão do alegado vício de falta de fundamentação, refira-se desde logo que, como se escreve no Acórdão do STA nº 0723/15, de 07-06-2017 (Pleno da Secção do CT, Relator Pedro Delgado), “a exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. A fundamentação do acto administrativo deverá obedecer a três requisitos essenciais: deverá ser clara, deverá ser suficiente e deverá também ser lógica. Para que a fundamentação possa ser considerada suficiente terá de ser compreensível para um destinatário médio, o que exige clareza nas razões de facto e de direito apresentadas. A compreensibilidade do destinatário médio, postado numa situação concreta, será pois o critério adequado para aquilatar da suficiência da fundamentação. Como vem afirmando a jurisprudência e a doutrina o acto encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua pratica.[6] Ponto é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática. A fundamentação de um acto administrativo também não pode ser contraditória ou incongruente, o que se verificará sempre que são invocadas razões de facto ou de direito que entre si se desdizem ou se revelam incompatíveis, discordantes ou incoerentes. (…)”. Por sua vez, no que se refere aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo” (sublinhado nosso).[7]

 

6.15. No caso em análise, a Requerente invoca a falta de fundamentação dos actos de liquidação de IVA e juros de mora sindicados, porquanto entende que “a rejeição da regularização e o fundamento para a mesma não é alcançável da notificação efetuada à requerente, em manifesta violação do disposto no art. 77°, n.° 2 LGT, o que equivale a vício de falta de fundamentação (…)” sendo que entende que “(…) a não aceitação da regularização do IVA tem de ser legalmente fundamentada, o que, neste caso, significa a identificação clara e objetiva dos requisitos supra elencados que, no entender da AT, não estariam cumpridos”.

 

6.16. Por outro lado, a Requerida alega, no que diz respeito ao vício de falta de fundamentação das liquidações em análise, que “(…) no caso (…) conclui-se que as liquidações não padecem do vício invocado, sendo patente que a fundamentação apresentada é clara e suficiente, permitindo-lhe apreender as razões de facto e direito que a sustentaram, optando, de forma consciente entre aceitar os atos tributários em causa, ou acionar os meios legais legalmente disponíveis para os impugnar, como veio a suceder através do presente procedimento contencioso”, concluindo deste modo que “(…) foi possível à Requerente identificar as incorreções detetadas, apresentando os argumentos pelos quais pretende contestar os valores apurados em sede de liquidação” pelo que “(…) as liquidações em crise encontram-se fundamentadas, observando-se os requisitos legais de síntese, clareza e suficiência, exigidos por lei (…),”.

 

6.17. Vejamos, então, a qual das partes assiste razão nesta matéria.

 

6.18. Neste âmbito, referia-se que, em conformidade com a matéria dada como provada (vide ponto 5.24., supra), as liquidações adicionais aqui em crise, relativas aos períodos 2022/05, 2022/06, 2022/07 e 2022/08, no valor total de EUR 49.332,46, evidenciam em cada uma delas como “FUNDAMENTAÇÃO”:

 

6.18.1.   No caso das liquidações de IVA, “Liquidação efetuada nos termos do art.º 87º do Código do IVA, em resultado da correção automática da declaração periódica enviada para o período indicada, de que resultou falta de entrega de imposto ao Estado”;

6.18.2.   No caso da liquidação de juros de mora, “Juros calculados nos termos do art.º 94 do CIVA e dos art.º 35º e 44º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou por se ter verificado atraso ou insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte. A sua contagem teve em conta a data em que foram enviados os pagamentos e ou, na sua falta ou insuficiência, a data da disponibilização de outros créditos”.

 

6.19. Neste contexto, não pode este Tribunal Arbitral deixar de concluir que, quer da mencionada comunicação da Requerida à Requerente (nº ..., de 07-07-2022), quer de cada uma das liquidações acima já identificadas, constam os critérios que conduziram à liquidação do imposto e que indiciam, suficientemente, o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração, em termos tais que um destinatário normal e razoável – hipoteticamente colocado na situação do real destinatário e no concreto contexto circunstancial que rodeou a prática do acto - facilmente poderia apreender e sindicar.

 

6.20. E tanto assim é que a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral alegando toda a argumentação que entendeu ser relevante para contrapor face à posição da Requerida.

 

6.21. Daí que se entenda que os actos de liquidação sindicados não padecem do invocado vício de falta de fundamentação, sendo negativa a resposta a dar à questão formulada no ponto 6.4. (iii), supra e declarado improcedente este alegado vício invocado pela Requerente.

 

6.22. Mas falta ainda analisar a questão de se saber se as referidas liquidações padecem ou não de vício de violação de Lei e de erro sobre pressupostos de Facto e Direito.

 

6.23. Neste âmbito, recorde-se que a Requerente alega que “a AT nega a possibilidade de regularização de IVA nos termos efetuados pela Requerente” porquanto “(…) para que a regularização [fosse] admissível, à luz dos (…) normativos (…) o sujeito passivo [teria] de avaliar o integral cumprimento dos requisitos constantes dos mesmos (…)”.

 

6.24. E refere a Requerente que a Requerida menciona que existe um “erro” (o qual designa por “L04” e que se relaciona com o “SP cessado”), mas interroga-se quanto à natureza do referido erro quanto a este poder impedir a regularização de IVA pela Requerente, porquanto alega, por um lado que “a rejeição da regularização e o fundamento para a mesma não é alcançável da notificação efetuada à requerente (…)” e, por outro que “o conceito de “erro” não consta de qualquer norma do CIVA e não fundamenta qualquer ato tributário associado a imposto desta natureza”.

 

6.25. Assim, conclui a Requerente que, por um lado, “os atos de liquidação não são fundamentados – o que determina a sua nulidade” e, por outro lado que “não infirmam o direito da Requerente de requerer a regularização de imposto, pois que dos requisitos legalmente estabelecidos no artigo 78.°, n.° 2 e n.° 5 do CIVA não resulta nenhuma indicação sobre o enquadramento em IVA do NIF do devedor”.

 

6.26. Por seu lado, a Requerida, reitera na sua Resposta que, “(…) tendo em consideração o quadro factual subjacente ao procedimento de regularização, (…) constata-se que, apesar de a adquirente dos serviços ter tomado conhecimento da regularização do IVA a favor da prestadora, não procedeu à operação bilateral e devida, nos termos do n.º 4 do art.º 78.º, de correção da dedução efetuada (…)” e, “(…) uma vez que a adquirente se encontrava com a sua atividade cessada, para efeitos de IVA, à data de regularização daquele imposto, e não à data da emissão das faturas, as operações foram registadas contabilisticamente pela adquirente, e deduzido o respetivo imposto sem a consequente correção a favor do Estado até ao fim do período seguinte ao da receção do documento retificativo”, pelo que “(…) o prejuízo que advém da perda de receitas fiscais para o Estado encontra-se confirmado, e deriva precisamente do facto de a adquirente encontrar-se cessada para efeitos de IVA à data de regularização (…) fundamento que motivou a não aceitação das regularizações efetuadas pela Requerente, o que se considera ser de manter, visto que se encontra legalmente justificado à luz do mecanismo de regularização do art.º 78.º do Código do IVA” (sublinhado nosso).

 

6.27. Analisemos.

 

6.28. Em matéria de direito da União Europeia, a Diretiva IVA (nº 2006/112/CE, de 28-11-2006, estabelece o sistema comum (harmonizado) de IVA, sendo que:

 

6.28.1.   Nos termos do seu artigo 90º é estabelecido que “em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efectuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros” (nº 1) e que “em caso de não pagamento total ou parcial, os Estados-Membros podem derrogar o disposto no n.º 1” (nº 2);

6.28.2.   De acordo com o seu artigo 273º, “os Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exacta do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efectuadas entre Estados–Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira. A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de facturação suplementares às fixadas no Capítulo 3”.

 

6.29. Assim, como se escreve no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo nº
P 12/2019-T, de 30-09-2019, “(…) de acordo com a Diretiva IVA, o legislador português poderia não ter previsto um regime de regularizações de IVA para créditos incobráveis” mas “não foi essa, contudo, a opção escolhida e ao contemplar um regime de regularizações, o Estado português vinculou-se no sentido de permitir que os sujeitos passivos pudessem recuperar o IVA dos créditos considerados incobráveis, nas condições determinadas pela legislação doméstica. Tais condições, sendo específicas de cada Estado-Membro, não podem comprometer os objetivos e finalidade do regime, nem tornar, na prática, impossível ou excessivamente difícil ou oneroso o exercício do direito à recuperação do IVA, que é conferido pela ordem jurídica comunitária, sob pena de violação do princípio da efetividade, para além da necessária coordenação ao parâmetro da proporcionalidade, segundo o qual os Estados-Membros devem recorrer a meios que, ao mesmo tempo que permitem alcançar eficazmente o objetivo prosseguido pelo direito interno, causem menos prejuízo aos objetivos e aos princípios decorrentes da legislação comunitária (…)” (sublinhado nosso). [8] [9]

 

6.30. Já no que diz respeito ao ordenamento interno, de acordo com o disposto no artigo 78º (Regularizações) na parte aplicável a créditos vencidos após 01-01-2013 (artigo 198º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro), dispõe:

         “1 - As disposições dos artigos 36.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a fatura, o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto venham a sofrer retificação por qualquer motivo.

         2 - Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.

         3 - Nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos.

4 - O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efectuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo, a dedução efectuada.

         5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.

6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado”.

 

6.31. O artigo 78º-A (Créditos de cobrança duvidosa ou incobráveis - Regularização a favor do sujeito passivo), na redação em vigor à data da regularização do imposto (2022/05) dispõe:

1 - Os sujeitos passivos podem deduzir o imposto respeitante a créditos considerados de cobrança duvidosa, evidenciados como tal na contabilidade, sem prejuízo do disposto no artigo 78.º-D, bem como o respeitante a créditos considerados incobráveis.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles que apresentem um risco de incobrabilidade devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

a) O crédito esteja em mora há mais de 12 meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento;

b) O crédito esteja em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento, o valor do mesmo não seja superior a (euro) 750, IVA incluído, e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito à dedução.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se que o vencimento do crédito ocorre na data prevista no contrato celebrado entre o sujeito passivo e o adquirente ou, na ausência de prazo certo, após a interpelação prevista no artigo 805.º do Código Civil, não sendo oponível pelo adquirente à Autoridade Tributária e Aduaneira o incumprimento dos termos e demais condições acordadas com o sujeito passivo.

         4 - Os sujeitos passivos podem, ainda, deduzir o imposto relativo a créditos considerados incobráveis em qualquer das seguintes situações, sempre que o facto relevante ocorra em momento anterior ao referido no n.º 2:

a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código do Processo Civil;

b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado ou quando for determinado o encerramento do processo por insuficiência de bens, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 230.º e do artigo 232.º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ou após a realização do rateio final, do qual resulte o não pagamento definitivo do crédito;

c) Em processo de insolvência ou em processo especial de revitalização, quando seja proferida sentença de homologação do plano de insolvência ou do plano de recuperação que preveja o não pagamento definitivo do crédito;

         d) (Revogada);

e) Quando for celebrado e depositado na Conservatória do Registo Comercial acordo sujeito ao Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE) que cumpra com o disposto no n.º 3 do artigo 27.º do RERE e do qual resulte o não pagamento definitivo do crédito;

5 - A dedução do imposto nos termos do número anterior exclui a possibilidade de dedução nos termos do n.º 2.

6 - Não são considerados créditos incobráveis ou de cobrança duvidosa:

         a) Os créditos cobertos por seguro, com exceção da importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório, ou por qualquer espécie de garantia real;

         b) Os créditos sobre pessoas singulares ou coletivas com as quais o sujeito passivo esteja em situação de relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC;

         c) Os créditos em que, no momento da realização da operação, o adquirente ou destinatário conste da lista de acesso público de execuções extintas com pagamento parcial ou por não terem sido encontrados bens penhoráveis e, bem assim, sempre que o adquirente ou destinatário tenha sido declarado falido ou insolvente em processo judicial anterior;

         d) Os créditos sobre o Estado, regiões autónomas e autarquias locais ou aqueles em que estas entidades tenham prestado aval.

7 - Os sujeitos passivos perdem o direito à dedução do imposto respeitante a créditos considerados de cobrança duvidosa ou incobráveis sempre que ocorra a transmissão da titularidade dos créditos subjacentes.

         8 - Nas situações previstas no número anterior, caso a transmissão da titularidade dos créditos ocorra após ter sido efetuada a dedução do imposto respeitante aos créditos considerados de cobrança duvidosa ou incobráveis, devem os sujeitos passivos observar, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 3 do artigo 78.º-C.

 

6.32. Do acima exposto, verifica-se que os artigos 78º e 78º-A do Código do IVA contemplam várias situações em que é admitida a regularização, com direito à dedução, de créditos considerados de cobrança duvidosa e créditos considerados incobráveis, não fazendo, contudo, qualquer referência a créditos sobre sociedades cessadas.

 

6.33. De acordo com o disposto no artigo 78º -B (Procedimento de regularização), e no que ao caso interessa, “(…). 3 - No caso de créditos abrangidos pela alínea b) do n.º 2 e pelo n.º 4 do artigo anterior, a dedução é efetuada pelo sujeito passivo sem necessidade de pedido de autorização prévia, no prazo de dois anos a contar do 1.º dia do ano civil seguinte, reservando-se à Autoridade Tributária e Aduaneira a faculdade de controlar posteriormente a legalidade da pretensão do sujeito passivo. (…). 9 - No caso previsto no n.º 4 do artigo anterior, é comunicado ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada. (…)”.

 

6.34. No caso, pode afirmar-se que a Requerida interpreta as indicações de situações em que a regularização desses créditos é permitida como sendo taxativas, entendendo não ser permitida a regularização de um crédito relativo a um cliente que já cessou a sua actividade, alegando que “esta regularização, que tem carácter facultativo, só é, todavia, admitida quando o fornecedor ou prestador de serviço tenha prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sob pena de ser considerada indevida (…)” e afirmando que, não obstante “na situação em apreço, este pressuposto do exercício do direito à regularização, de natureza formal, encontra-se respeitado, pois a Requerente, além de ter procedido às devidas diligências de anulação das faturas e emissão de documentos retificativos (após o processo de insolvência), deu conhecimento da emissão das notas de crédito (…) ao adquirente (…) (através do administrador judicial)” afirma que “(…) não são os requisitos formais da regularização do IVA que estão postos em causa, mas sim as condições materiais desse mesmo exercício, face à situação de cessação de atividade em sede de IVA da adquirente à data da regularização e da submissão das declarações periódicas de IVA” (sublinhado nosso).

 

6.35. Nesta matéria, citando o Acórdão Arbitral proferido no âmbito do processo P 460/2022-T, de 07-07-2022, que entre outras matérias, abordou também a questão das regularizações em sede de IVA relativas a clientes cessados (ou seja, situações às que determinaram as correções subjacentes ao alegado erro identificado no caso em análise), e ao que ao caso interesse, refira-se que “o n.º 9 do artigo 78.º-B do CIVA (…) estabelece [que] (…) no caso previsto no n.º 4 do artigo anterior, é comunicado ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada. Em ambos os casos, prevê-se que a redução do valor tributável do IVA, em caso de não pagamento, não pode ser efetuada pelo sujeito passivo enquanto este não tiver previamente comunicado a sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do IVA ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto. Esta comunicação constitui uma formalidade que tem em vista que o sujeito passivo adquirente, rectifique a dedução do montante de IVA que pode efectuar. (…)”.

 

6.36. Refere ainda o Acórdão Arbitral identificado no ponto anterior que “o TJUE pronunciou-se sobre a compatibilidade destas exigência de comunicação no acórdão de 06-12-2018, proferido no processo C-672/17 Tratave, no sentido de que «o princípio da neutralidade e os artigos 90.° e 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê que a redução do valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), em caso de não pagamento, não pode ser efetuada pelo sujeito passivo enquanto este não tiver previamente comunicado a sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do IVA ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto, para efeitos de retificação da dedução do montante de IVA que este pôde efetuar»”.

 

6.37. E, refira-se que o Acórdão do TJUE identificado no ponto anterior foi exatamente proferido relativamente a situações de insolvência do devedor sendo que “da sua fundamentação inferem-se os limites e condições em que tal regime pode ser considerado compatível com aqueles artigos 90.° e 273.° da Diretiva 2006/112/CE”.

 

6.38. “Refere-se neste acórdão do TJUE o seguinte: 29 O artigo 90.º, n.º 1, desta diretiva, que visa os casos de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, obriga os Estados-Membros a reduzirem o valor tributável e, por conseguinte, o montante do IVA devido pelo sujeito passivo, sempre que, depois de efetuada uma transação, este não receba uma parte ou a totalidade da contraprestação. Esta disposição constitui a expressão de um princípio fundamental da Diretiva IVA, nos termos do qual o valor tributável é constituído pela contraprestação efetivamente recebida e que tem por corolário que a autoridade tributária não pode cobrar a título de IVA um montante superior ao montante que o sujeito passivo recebeu (Acórdãos de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska, C:588/10, EU:C:2012:40, n.ºs 26 e 27. de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi, C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 22. e de 20 de dezembro de 2017, Boehringer Ingelheim Pharma, C-462/16, EU:C:2017:1006, n.º 32). 30 No entanto, o artigo 90.º, n.º 2, da Diretiva IVA autoriza os Estados-Membros a derrogarem esta regra em caso de não pagamento total ou parcial do preço da operação (Acórdãos de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi,C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 23, e de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing,C404/16, EU:C:2017:759, n.º 27). 31 Além disso, nos termos do artigo 273.º da Diretiva IVA, os Estados-Membros podem prever as obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, desde que, nomeadamente, essa faculdade não seja utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às previstas no capítulo 3 da mesma diretiva (Acórdão de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi, C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 36). 32 Dado que, fora dos limites por elas estabelecidos, as disposições do artigo 90.º, n.º 1, e do artigo 273.º da Diretiva IVA não especificam as condições nem as obrigações que os Estados-Membros podem prever, há que concluir que essas disposições conferem a estes uma margem de apreciação, nomeadamente, quanto às formalidades a cumprir pelos sujeitos passivos perante as autoridades tributárias, para efeitos de proceder a uma redução do valor tributável (Acórdãos de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska, C-588/10, EU:C:2012:40, n.º 23. de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi, C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 37. e de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing, C-404/16, EU:C:2017:759, n.º 42). 33 Decorre, no entanto, da jurisprudência que as medidas adotadas para evitar fraudes ou evasões fiscais só podem, em princípio, derrogar as regras relativas ao valor tributável dentro dos limites estritamente necessários à prossecução desse objetivo específico. Com efeito, devem afetar o menos possível os objetivos e os princípios da Diretiva IVA e não podem, por isso, ser utilizadas de forma a pôr em causa a neutralidade do IVA (Acórdãos de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska, C-588/10, EU:C:2012:40, n.º 28. de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi, C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 38. e de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing, C-404/16, EU:C:2017:759, n.º 43). (...). 35 No caso em apreço, um requisito como o que está em causa no processo principal, que sujeita a redução correspondente do valor tributável de um sujeito passivo, em caso de não pagamento, à comunicação prévia, por este, ao seu devedor, que seja sujeito passivo do imposto, da sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do IVA, enquadra-se, simultaneamente, no artigo 90.º, n.º 1, e no artigo 273.º da Diretiva IVA (v., por analogia, Acórdão de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska,C-588/10, EU:C:2012:40, n.ºs 24 e 25). 36 Quanto à observância dos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, há que constatar que este requisito, que permite informar o devedor de que deve regularizar o valor do IVA que tenha eventualmente podido deduzir a montante, é suscetível de contribuir tanto para assegurar a cobrança exata do IVA e evitar a fraude como para eliminar o risco de perda de receitas fiscais (v., por analogia, Acórdão de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska,C-588/10, EU:C:2012:40, n.ºs 32 e 33). (...). 39 Além disso, uma vez que a satisfação do requisito em causa no processo principal permite ao sujeito passivo, fornecedor de bens ou serviços, recuperar a totalidade de IVA entregue em excesso à Autoridade Tributária a título de créditos não pagos, este requisito, em princípio, não põe em causa a neutralidade do IVA (v., por analogia, Acórdão de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska, C-588/10, EU:C:2012:40, n.º 37). (...). 42 Atendendo ao conjunto de considerações que precedem, há que responder à primeira questão que o princípio da neutralidade e os artigos 90.° e 273.° da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional (…) que prevê que a redução do valor tributável do IVA, em caso de não pagamento, não pode ser efetuada pelo sujeito passivo enquanto este não tiver previamente comunicado a sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do IVA ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto, para efeitos de retificação da dedução do montante de IVA que este pôde efetuar. Decorre dos transcritos parágrafos 33, 36 e 42, que o TJUE considera que esta exigência de comunicação prévia é uma medida adoptada para evitar fraudes ou evasões fiscais pelo que, em princípio, a derrogação das regras relativas ao valor tributável que da sua aplicação pode resultar só é admitida «dentro dos limites estritamente necessários à prossecução desse objetivo específico» (n.º 33), que, neste caso, é «informar o devedor de que deve regularizar o valor do IVA que tenha eventualmente podido deduzir a montante» (n.º 36), isto é, fornecer informação para que o «adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto», possa proceder à «retificação da dedução do montante de IVA que este pôde efetuar» (n.º 42). Tanto o texto do n.º 11 do artigo 78.º como o do n.º 9 do artigo 78.º-B do CIVA restringem a aplicação do dever de comunicação aos casos de se estar perante um adquirente do bem ou serviço, «que seja sujeito passivo do imposto», o mesmo resultando do citado acórdão do TJUE” (sublinhado nosso).

 

6.39. E prossegue o referido Acórdão Arbitral nº P 460/2022-T, citando o Acórdão Arbitral de 06-01-2017, proferido no âmbito do processo nº P 317/2016-T [10] nos termos do qual se refere que “(…) a circunstância de uma empresa não estar extinta, de manter a sua personalidade jurídica, de ter um representante fiscal e de manter (algumas) obrigações declarativas, não significa que ela tenha actividade. (…)” porquanto “a apresentação de uma declaração de cessação de actividade, devidamente aceite pela AT, indica que a pessoa em causa, cessou de exercer qualquer actividade económica, e deixou de praticar, justamente, operações tributáveis, não sendo, por isso, sujeito passivo, na acepção quer da Directiva IVA, quer do CIVA, não obstando a tal, manifestamente, quer [a] não extinção da empresa, quer a manutenção da personalidade jurídica, quer a existência de um representante fiscal, quer a manutenção de (algumas) obrigações declarativas. E, se é verdade, (…), que o TJUE tem entendido que o artigo 4.º, n.ºs 1 a 3, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa que tenha cessado uma actividade comercial mas continue a exercer alguma forma de actividade é considerada um sujeito passivo na acepção daquele artigo (…)” pelo que “(…) aparte a declaração de cessação de actividade (…) nada se apura mais, pelo que, se a AT, em ordem a fundar a correcção que operou, pretendia sustentar a obrigação da Requerente dar cumprimento ao disposto no artigo 78.º/11 do CIVA, deveria ter demonstrado que, não obstante a cessação de actividade para efeitos de IVA dos clientes da Requerente, estes continuavam a exercer algum tipo de actividade (como, por exemplo, pagar rendas ou outros encargos referentes ao local que serviu para o exercício da sua actividade)”.

 

6.40. E, “(…) nestes casos de regularização pelo fornecedor posterior à cessação de actividade do adquirente, este já não é sujeito passivo e, por isso, não poderá proceder à rectificação da dedução do montante de IVA que tivesse efectuado. Sendo assim, não pode ser atingida a finalidade a que se destinava a comunicação, o que a torna uma formalidade inútil e, por isso, não permite entrevê-la «dentro dos limites estritamente necessários à prossecução desse objetivo específico» de «evitar fraudes ou evasões fiscais», que são aqueles em que podem ser admitidas derrogações às regras relativas ao valor tributável, à face do artigo 273.º da Directiva n.º 2006/112/CE e da referida jurisprudência do TJUE (designadamente o n.º 33 do acórdão de 06-12-2018, proferido no processo C-672/17 Tratave).

Pelo exposto, é de concluir que as interpretações do n.º 11 do artigo 78.º e do n.º 9 do artigo 78.º-B do CIVA que se compaginam com o Direito da União e, por isso, têm de ser adoptada por força do princípio da sua primazia sobre o Direito Nacional que decorre do n.º 4. do artigo 8.º da CRP, são no sentido de as obrigações de comunicação ali previstas não se aplicarem nos casos em que o adquirente dos bens ou prestação de serviços não é sujeito passivo de IVA, no momento em que o fornecedor procede à regularização. Consequentemente, é errada, por incompatibilidade com o Direito da União, designadamente os artigos 90.º e 273.° da Diretiva IVA, a interpretação adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao efectuar as correcções relativas a créditos da Requerente sobre empresas cuja actividade cessara. Por isso, as liquidações enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, [na parte] que têm subjacentes essas correcções, o que justifica a anulação das liquidações (…)”.

 

6.41. Em face do acima exposto, concordando este Tribunal Arbitral com a conclusão referida no ponto anterior, porquanto se encontram legitimadas implicitamente os casos de regularização de créditos relativos a adquirentes cessados, tornando incompatível com o Direito da União a interpretação adoptada pela Requerida, entende-se ser afirmativa a resposta a dar à questão enunciada no ponto 6.4. (ii), supra, considerando-se ser de anular as liquidações de IVA e de juros aqui impugnadas, por padecerem de vício de violação de Lei e de erro sobre pressupostos de Facto e de Direito.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios

 

6.42. A par do pedido de declaração da ilegalidade das liquidações de IVA identificadas no processo, a Requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios, incidentes sobre o montante de imposto que alega ter pago em excesso (no valor total de
EUR 49.332,46).

 

6.43. No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.44. De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.45. Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).[11] [12]

 

6.46. Assim, nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido pelo que o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

6.47. Ora, na sequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IVA e de juros identificados, com os fundamentos apontados, terá de haver lugar ao reembolso dos montantes de imposto e juros pagos pela Requerente (na medida em que se determinou que tais liquidações deveriam ser anuladas), como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade já assinalada.

 

6.48. Assim, face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT, estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, a Requerente terá direito aos referidos juros, calculados à taxa legal em vigor, sobre a quantia de imposto e juros indevidamente cobrada e paga, os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.[13]

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.49. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC em vigor (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.50. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.51. Nestes termos, face ao acima exposto, da análise efectuada resulta que deverá ser imputada à Requerida a responsabilidade exclusiva em matéria de custas arbitrais.

 

7.      DECISÃO

 

7.1.   Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, determinando-se a anulação das liquidações adicionais de IVA e juros objecto do pedido e o reembolso das quantias indevidamente pagas;

7.1.2.     Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios incidente sobre as quantias a reembolsar pela Requerida, calculados nos termos legais;

7.1.3.     Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 49.332,46.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 2.142,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 08 de Maio de 2023

 

O Árbitro,

 

Sílvia Oliveira

 

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Neste âmbito, cita o teor do acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n° P 843/2019-T, de 16-11-2020.

[3] Neste âmbito, a Requerente cita decisão arbitral de 2022-05-06, proferida pelo CAAD, no âmbito do Processo n° 480/2021-T, de 06-05-2022, que parcialmente transcreve.

[4] A este respeito, refira-se que o valor correto relativo ao IVA regularizado referente à B... deveria ser EUR 49.920,24 (e não EUR 49.290,24) porquanto aquele valor é que corresponde ao descrito nas anulações que deram origem às notas de crédito emitidas à B... (vide ponto 5.14.). Não obstante, dado ter sido indicado na DP de 2022/05 (e respectivo Anexo 40) o montante de EUR 49.290,24 (e considerado para efeitos de liquidações da Requerida), é este valor que em conjunto com a liquidação de juros moratórios corresponde à utilidade económica do pedido, mantendo-se.

[5] Neste âmbito, vide acórdão arbitral proferido no âmbito do processo nº 218/2021-T, de 03-12-2021.

[6] Ver neste sentido, os acórdãos 01.04.1992, AD de 22.02.1995, pág. 590, de 28.5.87, in AD 315, 367, de 12.02.87, in AD 317, 581, de 11.05.89, in AD 335, 1398, de 19.05.88 in Ad 325, 38, de 25.10.88, in AD 327, 37, e de 10.01.1989, in AD 339, 303, todos citados no Código de Procedimento Administrativo, anotado e comentado, de José Manuel Botelho, Pires Esteves e José Cândido de Pinho, 2ª edição, págs. 396 e segs. e António Francisco de Sousa, Código de Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 2º edição, Quid Juris editora, págs. 382 e segs.

[7] Neste sentido vide Lei Geral Tributária Anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª edição, Encontro da Escrita, pag.677 e José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Meneses, Lei Geral Tributária anotada, Ed. Almedina, pág 836.

[8] Neste sentido, vide pontos 46 a 49 do Acórdão do TJ, de 18 de dezembro de 1997, Garage Molenheide, processo C-286/94.

[9] Neste âmbito, de acordo com o referido no Acórdão Arbitral proferido no P 480/2021-T, de 06-05-2022, com as necessárias adaptações, “fica assim claro entendimento jurisprudencial - não só do STA e deste CAAD, como inclusivamente do TJUE - relativamente à admissibilidade, por princípio, do direito à redução do valor tributável do imposto pelos sujeitos passivos, mesmo nas situações em que o devedor (e até o credor) já não mantenha a qualidade de sujeito passivo de imposto, sem que de tal perda de qualidade não decorra, automaticamente, qualquer especial ou acrescido risco de fraude ou evasão fiscais. Aliás, refira-se que a jurisprudência do TJUE é uniforme na ideia segundo a qual as restrições a efetuar ao princípio da neutralidade do IVA se devem reconduzir, tal como de resto, oportunamente supra se citou, às situações em que se imponha para o bom funcionamento do imposto, prevenir situações abusivas, potencialmente configuradoras de fraude ou evasão fiscais” (sublinhado nosso).

[10] Cuja jurisprudência é seguida no processo arbitral nº 605/2018-T, de 19-06-2019.

[11] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Edição, 2012, página 116).

[12] Sobre a temática dos juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo autor (Sousa, Jorge Lopes), “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, página 155 e sgts).

[13] Neste sentido, vide Acórdão do TCAS nº 1387/11.5BELRA, de 28 de Fevereiro de 2019, nos termos do qual se refere que “o direito a ser indemnizado pelo pagamento de juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resultou pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (…), reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação. (…). O conceito de erro imputável aos serviços deve ser contraposto ao conceito de vício. (…). O Erro, por seu turno, restringe-se às situações de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, traduzindo-se numa inadequada aplicação do quadro legal à factualidade sujeita a imposto. (…). Apenas os erros são suscetíveis de reparação pelo pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte”.