Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 674/2019-T
Data da decisão: 2020-07-14  IRC  
Valor do pedido: € 278.607,83
Tema: IRC de 2016 e 2017; Swap; Artigo 67.º do Código do IRC.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

a)            Em 07 de Outubro de 2019, a Requerente, A..., S.A., NIPC..., com sede no ...,  ..., n.º..., ..., em Lisboa, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), pedindo a anulação

•             da liquidação de IRC n.º 2019..., que inclui as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019... e 2019..., cujo saldo a pagar incluído na demonstração de acerto de contas n.º 2019... foi de € 217.766,11, referente ao período de tributação de 2016;

•             e da liquidação de IRC n.º 2019..., que inclui a liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., cujo saldo a pagar incluído na demonstração de acerto de contas n.º 2019... foi de € 60.841,72, referente ao período de tributação de 2017, num total de 278 607,83 euros.

b)           Conclui pedindo, além da anulação das liquidações de IRC, que a Requerida seja condenada no pagamento de uma indemnização por garantia indevidamente prestada, nos termos do artigo 53.º da LGT e artigo 171.º do CPPT.

c)            É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;

d)           O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 08-10-2019.

e)           Pelo Conselho Deontológico do CAAD foram designados árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 21.10.2019, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

f)            O TAC encontra-se, desde 02 de Janeiro de 2020, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

g)            A fundamentar o pedido, a Requerente alega o seguinte:

i.             No âmbito da sua atividade económica é proprietária e explora comercialmente o “...”, tendo recorrido, para financiar a sua construção, a diversos financiamentos através de capitais alheios.

ii.            Em 20.08.2007 celebrou com a instituição financeira B..– Sucursal em Portugal (“B...”) um contrato de abertura de crédito com hipoteca, consignação de rendimentos, cessão de créditos, penhor de ações e penhor de contas bancárias e para assegurar a cobertura do risco de taxa de juro até à data do reembolso do crédito,  contratou com a mesma entidade um produto de cobertura (“swap”),  que assegurasse o cumprimento do rácio de cobertura do serviço da dívida), durante o período de tempo (no mínimo, até ao dia 20.08.2012) de contagem de juros em que estes fossem apurados por referência a uma taxa variável;

iii.           No ano de 2015 - em consequência do endividamento perante o B..., a Requerente suportou encargos de € 2.469.361,11, registados contabilisticamente na conta 6886, decorrentes do passivo assumido em resultado do swap contratado que considera serem fiscalmente dedutíveis e não estão sujeitos ao limite à dedutibilidade de gastos de financiamento, previso no artigo 67.º do Código do IRC.

iv.           Neste ano, tendo em consideração a limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento, prevista no artigo 67.º, do Código do IRC, e, em particular a definição fiscal de “resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos” (“EBITDA Fiscal”) e de “gastos de financiamento líquidos”, o montante dos gastos incorridos pela Requerente, durante o período de 2015, foi de  € -1 686 086,13, bastante inferior ao limite máximo legal;

v.            No ano de 2016 - em consequência do endividamento perante o B..., a Requerente suportou encargos no montante total de € 4.044.898,85, registados contabilisticamente nas contas 626810 – Serviços Bancários – Isento, 681231 – Imposto do selo liquidado, 681232 – Imposto do selo suportado, 69111 – Juros de financiamento obtidos e 691140 – Outros empréstimos obtidos – isentos. Mas uma vez que teve proveitos financeiros no montante de € 941,25, os gastos de financiamento líquido foram no valor de € 4.043.957,60;

vi.           Tendo em consideração a limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento, prevista no artigo 67.º, do Código do IRC, o montante dos gastos incorridos pela Requerente, durante o período de 2016, foi de € 2 502 972,04, excedendo o limite máximo legal;

vii.          No ano de 2017 – em consequência do endividamento existente perante o B..., a Requerente suportou encargos no montante total de € 3.958.641,23, registados contabilisticamente nas contas 626810 – Serviços Bancários – Isento, 681231 – Imposto do selo liquidado, 681232 – Imposto do selo suportado, 69111 – Juros de financiamento obtidos e 6918 – Outros Juros;

viii.         Tendo em consideração a limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento, prevista no artigo 67.º, do Código do IRC, o montante dos gastos incorridos pela Requerente, durante o período de 2017, foi de € 2 174 046,67, excedendo o limite máximo legal;

ix.           O dissentimento entre a Requerente e a Requerida tem a ver com (1) os cálculos efetuados pela Requerente para apurar os limites à dedutibilidade de gastos por aplicação do artigo 67.º do Código do IRC não coincidem com os resultados apurados pela AT no Relatório de Inspeção; e adicionalmente, (2) a AT desconsidera os valores acrescidos pela Requerente nas respetivas declarações de rendimentos Modelo 22, sem explicar minimamente por que razão não concorda com os valores resultantes dos cálculos da Requerente.

x.            A Requerente não contesta, nesta sede, a questão da dedutibilidade dos gastos de financiamento ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, porquanto esse tema se encontra a ser discutido em sede de reclamação graciosa autónoma deste processo.

xi.           Uma vez que, na sequência das ações inspetivas aos períodos de tributação de 2012, 2013 e 2014, a Requerente acresceu (erradamente, mas por instigação da AT) no campo 752 do quadro 07 das respetivas declarações de rendimentos Modelo 22 (declaração n.º ... e declaração n.º..., respetivamente, que se junta), os montantes dos gastos de financiamento suportados e contabilisticamente reconhecidos que vinham sendo corrigidos pela AT naqueles períodos de tributação anteriores;

xii.          Mas a Requerente manteve inabalada a sua convicção de que os referidos gastos são dedutíveis para efeitos fiscais, razão pela qual apresentou, no passado dia 29.05.2019, reclamação graciosa dos atos tributários de autoliquidação acima referidos, ao abrigo do artigo 131.º do CPPT, resultando que, no que concerne à correção do artigo 23.º do Código do IRC, a AT confirma que a Requerente “já efetuou ajustamentos” mediante o acréscimo, no campo 752 do quadro 07 das declarações de rendimentos Modelo 22 dos montantes dos gastos de financiamento incorridos nos períodos de tributação de 2016 e 2017, pelo que, relativamente a estes períodos, não efetua correções à dedutibilidade dos gastos de financiamento.

xiii.         Por esta razão, as liquidações adicionais de IRC que ora se impugnam não dizem respeito à dedutibilidade dos juros à luz do artigo 23.º, pois essa questão encontra-se a ser analisada em sede de reclamação graciosa das próprias autoliquidações, razão pela qual a presente impugnação tem a ver com as correções alicerçadas no artigo 67.º do Código do IRC, que originaram as liquidações oficiosas ora impugnadas;

h)           A Requerente considera que o acto impugnado padece das seguintes desconformidades com a lei:

i.             (1) de falta de fundamentação, uma vez que a AT se limita a apresentar um cálculo que considerou adequado, sem explicar minimamente os fundamentos dessa correção e de (2) erro de cálculo no âmbito da inspeção, para efeitos da aplicação do artigo 67.º do Código do IRC.

ii.            Falta de fundamentação – porque a AT “...sem nunca questionar a validade dos cálculos efetuados e apresentados pela Requerente e os valores acrescidos nas respetivas declarações Modelo 22, ... decreta uma correção, sem explicar minimamente os fundamentos dessa correção”, uma vez que se limitou “a apresentar um cálculo que considerou adequado, sem qualquer exteriorização do iter cognitivo percorrido para efetuar aquele cálculo e considerá-lo em detrimento dos cálculos da Requerente”.

iii.           Constatando-se que “... a AT não gastou uma linha que fosse do Relatório a tentar demonstrar que os valores inscritos nas declarações Modelo 22 não tinham correspondência com a contabilidade ou a realidade ou ainda que violavam algum preceito legal”, limitando-se a “citar a legislação aplicável à dedutibilidade dos gastos de financiamento, sem, em momento algum, colocar em causa os valores inscritos pela Requerente nas declarações Modelo 22 dos períodos de tributação de 2016 e 2017”.

iv.           Concluindo que “há aqui, na verdade, uma dupla falta de fundamentação: por um lado, a AT não fundamenta porque razão desconsidera os cálculos efetuados e valores declarados pela Requerente e, por outro, não fundamenta os cálculos que efetuou para realizar as correções que originaram as liquidações impugnadas”, resultando que “... a AT não logrou exteriorizar o raciocínio subjacente à desconsideração dos valores declarados pela Requerente e consideração de novos valores (igualmente não explicados)”.

v.            Correcção ilegal que consistiu na “NÃO CONSIDERAÇÃO DO EXCESSO DE EBITDA NÃO UTILIZADO NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2015” – na medida em que a AT “determina que o limite dedutível nos termos do disposto no artigo 67.º do Código do IRC, no período de tributação de 2015 (o limite referente a 2015 terá impacto nas liquidações impugnadas, que são referentes a 2016 e 2017, como se verá), se fixa em € 3.485.764,89 (conforme pág. 21 do Relatório)” não tendo considerado que “os gastos de financiamento incorridos estavam abaixo do limite de dedutibilidade estabelecido pelo artigo 67.º do Código do IRC e eram, por isso, dedutíveis na totalidade”.

vi.           A AT em primeiro lugar “... terá sido erroneamente influenciada pelas informações que a A... fez constar na IES de 2015 e que, por lapso seu, continham um erro”, ao indicar no Relatório de Inspecção “... que o EBITDA da A... apurado contabilisticamente para o período de tributação de 2015 ascendia a € 6.971.529,78, sendo esta a importância que a ora Requerente havia indicado – mal – na IES”, “contudo, atentas às demonstrações financeiras da A..., verifica-se que o montante do EBITDA Fiscal corretamente apurado para esse período de tributação ascende a € 7.117.915,67”.

vii.          Em segundo lugar a AT “... efetua uma errada interpretação do conceito de “gastos de financiamento líquidos”, presente no artigo 67.º, do Código do IRC”, porquanto “... considerou os gastos com o swap como concorrendo para o cômputo dos “gastos de financiamento líquido” do período de tributação de 2015, sujeitando-os, ilegalmente como veremos, ao limite à dedutibilidade de gastos de financiamento previsto no artigo 67.º do Código do IRC”.

viii.         Considera que se em 2016 “... a Requerente registou um EBITDA de  € 7.117.915,67, o limite dedutível nos termos do artigo 67.º do Código do IRC ascendia a  € 3.588.957,84, correspondente a 50% daquele valor”, pelo que tendo “... a Requerente incorrido em gastos de financiamento líquido no montante de € 1.902.871,71, a parte não utilizada do limite previsto no artigo 67.º, n.º 1 do Código do IRC ascende a € 1.686.086,13”.

ix.           Refere que “para apurar o excesso de limite ou a “folga” reportável, impõe-se apurar um “novo limite”, válido para efeitos de reporte, correspondente a 30% do EBITDA do período de tributação de 2015”, resultando que uma vez que o “EBITDA de 2015 corresponde a € 7.117.915,67, o limite para efeitos de reporte ascende a € 2.135.374,70.”, pelo que “...tendo em consideração que a Requerente deduziu gastos de financiamento no montante de  € 1.902.871,71, tem ainda um excesso de limite não utilizado por utilizar nos 5 anos seguintes no valor de € 232.502,99 (€ 2.135.374,70 - € 1.902.871,71)”, concluindo-se que “... ao limite da dedutibilidade de gastos de financiamento apurado pela AT para o período de tributação de 2016 (€ 1.439.513,95) teria de se acrescer o excesso ou “folga” de limite não utilizado no período de tributação anterior, no montante de € 323.502,99, fixando-se o limite em € 1.763.016,94, por força da utilização, neste período de tributação, da “folga” de limite não utilizada no período de tributação anterior”.

i)             Termina pedindo que a Requerente seja ressarcida dos prejuízos resultantes da prestação indevida de garantias bancárias.

j)             A AT apresentou resposta em 17.02.2020 e juntou o PA, composto por 6 ficheiros informatizados designados por PA, PA2, PA3, PA4, PA5 e PA6.

k)            Na sua Resposta a AT adere ao que consta no PA, nomeadamente ao Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que sustentou as correcções ao luco tributável aqui impugnadas.

l)             Relativamente às desconformidades com a lei invocadas no PPA, refere a Requerida o seguinte:

i.             Quanto à invocada falta de fundamentação: “O EBIDTA contabilístico (n.º 3 do art.º 67.º do CIRC), corresponde ao resultado antes de depreciação, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos e o EBIDTA Ajustado (ou fiscal) é o apurado na contabilidade com os ajustamentos (correções) mencionadas no n.º 13 do art.º 67.º do CIRC”. “Os EBIDTA contabilístico e fiscal considerados pela AT nos períodos de tributação de 2016 e 2017 ascendem, respetivamente, a €3.598.874,87 e a €5.695.430,87. (conforme pág. 20 do RIT)”, sendo estes EBITDA “... os que constam nas Declarações de IES submetidas  junto da AT com referência aos períodos de tributação de 2016 (cfr. campo A5017 da IES identificada com o n.º2016 -...) e de 2017 (cfr. campo A5017 da IES identificada com o n.º2017 -...)”.

ii.            Daqui extraindo que “... o iter cognitivo percorrido encontra-se perfeitamente espelhado no RIT, está previsto no n.º 3 do art.º 67.º do CIRC e foi recolhido a partir das demonstrações financeiras da requerente as quais se encontram espelhadas na IES”, além de que “observando as tabelas expostas no §.14.º e §.18.º do PPA, verifica-se sim, que é a requerente que retira sem qualquer explicação do cálculo do EBIDTA, outros gastos e perdas no montante de €253.589,03 em 2016 e €253.217,68 em 2017”, acrescendo que “... o apuramento dos valores a acrescer efetuados pela própria requerente são superiores aos indicados no quadro 07 da Dec. Mod.22.”.

iii.           A Requerida aponta aos cálculos feitos pela Requerente no PPA as seguintes divergências com os cálculos constantes do RIT:

“(1) ...  considerou EBITDA diferentes do que consta nas IES dos períodos de 2   016 e 2017, sem qualquer explicação; 

(2) com referência ao período de 2016 apurou um acréscimo a efetuar de €2.502.972,04 (cfr. última linha do §. 14.º do PPA), mas na realidade só acresceu o montante de €1.815.821,56 correspondente ao somatório das importâncias indicadas no campo 752 (€1.267.419,16) e no campo 748 (€548.402,40) do quadro 07 da Dec. Mod.22;

(3) com referência ao período de 2017 apurou um acréscimo a efetuar de €2.174.046,67 (cfr.  última linha do§. 18.º   do PPA), mas na realidade só acresceu o montante de €2.019.280,72 correspondente ao somatório das importâncias indicadas no campo 752 (€1.278.207,45) e no campo 748 (€741.073,27)”.

iv.           Conclui a Requerida que não tem fundamento a posição da Requerente quando menciona que a AT se limita a apresentar um cálculo que considerou adequado, sem qualquer exteriorização do iter cognitivo percorrido para efetuar aquele cálculo e considerá-lo em detrimento dos cálculos que apresenta.

v.            Quanto ao alegado excesso do EBDITA não utilizado no período de 2015 - uma vez que Requerente alega que os cálculos da AT não estão corretos, por terem sido influenciados pelas informações que fez constar na IES e, que por lapso seu, não se encontravam absolutamente corretos, nomeadamente  a nível dos valores declarados de EBITDA, de € 6.971.529,78, sendo o valor  correto  do EBITDA, no exercício de 2015 de € 7.117.915,67, defende que “... nos termos do artigo 75° da LGT, presumem- se verdadeiros os valores declarados pelo sujeito passivo, mediante declarações de rendimentos apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade de gastos”.

vi.           Daqui retirando que “... se de acordo com a contabilidade disponibilizada no decurso do procedimento de inspeção e, nomeadamente, o declarado à AT, quer através da IES (que consubstancia a prestação de contas), quer da Mod. 22, os valores são aqueles, não pode agora vir alegar erro nos valores declarados, sem que apresente declarações de substituição para o efeito”.

vii.          Considera ainda a Requerida que a Requerente “não excedeu o limite máximo previsto no artº 67° do CIRC, ficando um excesso de limite a reportar para os períodos seguintes”, pela razão de que “faz uma incorreta interpretação do disposto no art.  67° do CIRC”, uma vez que “para efeitos do excesso a reportar considerar-se-ia em primeiro lugar os excessos verificados há mais tempo”.

viii.         Quanto ao reporte da “folga” prevista no nº 3 do artigo 67º do CIRC refere que:

(a)          nas situações em que o montante dos «gastos de financiamento líquidos» deduzidos, seja inferior a 30% do EBITDA, a parte não utilizada deste limite («folga») é adicionada ao limite máximo dedutível nos termos da alínea b) do n.°1 do artigo 67. °, até ao quinto período de tributação posterior (reporte da «folga»);

(b)          o valor de referência para o cálculo desta «folga» é sempre, independentemente do período de tributação, o que corresponde a 30% do EBITDA, não se aplicando para este efeito as percentagens definidas no referido regime transitório previsto no n.º 2 do artigo 192.º da Lei do OE 2013 e no n.º 7 do artigo 12.° da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que dispõe nos seguintes termos: «nos períodos de tributação iniciados  entre 2013 e 2017, o limite referido na alínea  b)  do n.º  1 do artigo 67.º  do Código do IRC, sem prejuízo do limite máximo dedutível  previsto no  11.º  3  do mesmo artigo,  é de 70 % em 2013, 60 % em 2014, 50 % em 2015, 40 % em 2016 e 30 % em 2017»

ix.           Concluindo que “mesmo que se aceitasse os novos valores de EBITDA, "lançados" pela Requerente, não existe qualquer folga a reportar para os exercícios seguintes”.

x.            A Requerida refere que a Circular nº 7/2013 foi emitida face a dúvidas de interpretação do artigo 67º do CIRC, tendo sido o seu conteúdo sancionado por Despacho de 2 de agosto de 2013, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, daqui extraindo a conclusão de que  “os rendimentos ou gastos relativos a um instrumento financeiro designado como instrumento de cobertura de um endividamento do sujeito passivo devem ser considerados no cômputo dos "gastos de financiamento líquidos" no período de tributação em que concorrem para a formação do lucro tributável”.

xi.           Quanto ao apuramento do EBITDA ajustado, nos termos do n.º13 do art.º 67.º do CIRC - refere que “... os SIT afastaram da dedutibilidade parte dos encargos financeiros suportados, procederam ao recálculo dos gastos de financiamento líquidos passíveis de dedução no período de tributação de 2015, nos termos do art.º 67.º do CIRC, utilizando para o efeito a informação constante na declaração Anual/lES”.

xii.          Indica que “consultada a base de dados da AT, verifica-se que a requerente com referência ao período de 2015, submeteu a IES no dia 22 de julho de 2016 à qual foi atribuída a identificação nº 2015...”. “Mais se verificou que não foi apresentada qualquer IES de substituição relativamente ao período de tributação de 2015”, sendo certo que se trata de “... uma declaração da requerente, apresentada perante a AT e outras entidades, nos termos previstos na Lei, que goza da presunção da veracidade e que não pode ser alterada com a apresentação de outras "demonstrações financeiras preparadas pela A...", fora da AT”.

xiii.         Quanto ao “swap  de  taxa de  juro - inclusão da perda suportada no período de 2015 na determinação dos gastos de financiamento líquidos” – defende a Requerida que a AT não errou “na interpretação do art.º 67.º do CIRC ao inserir na determinação dos gastos de financiamento líquidos as perdas verificadas em instrumentos financeiros derivados, mais concretamente as perdas suportadas com swap de cobertura de risco de taxa de juro, por invocação da Circular n.º7/2013”, uma vez que “o produto financeiro (swap) de cobertura de risco de taxa de juro, está associado ao financiamento obtido juro do B..., por exigência desta instituição financeira, no sentido de assegurar o cumprimento do rácio de cobertura do serviço da divida”, sendo certo que “... foi em consequência desse endividamento que a requerente suportou os encargos onde se incluem as perdas verificadas no swap de taxa de juro”.

xiv.         Acontecendo que “... a alteração efetuada ao n.º 12 do art.º 67.º do CIRC pela Lei n.º 32/2019, de 3 de maio, apresentando a partir da sua entrada em vigor a noção pormenorizada de gastos de financiamento, coincide na sua essência com a noção vigente na redação anterior articulada com a clarificação do conceito e outras instruções emitidas na Circular n.º 7/2013”, sendo que tais alterações “elencando minuciosamente os elementos que integram a noção de gastos de financiamento, decorrem da transposição da Diretiva da União Europeia (EU) 2016/1164, do Conselho, de 16 de julho, que estabelece regras contra as práticas de elisão fiscal que tenham incidência direta no funcionamento do mercado interno”.

xv.          Concluindo que “os esclarecimentos relativos à dedução de gastos de financiamento divulgados na Circular n.º7/2013, de 19 de agosto de 2013, vão de encontro às recomendações da OCDE levadas a efeito em 2013 e que esta instrução administrativa se limitou a acolher as orientações daquela entidade contra a erosão da base tributável e a transferência de lucros (BEPS)”.

xvi.         Termina referindo que “bem andaram os serviços da entidade Requerida ao promover as correções melhor espelhadas nos Relatórios de Inspeção, pelo que as liquidações ora impugnadas estão manifestamente assentes na lei”, devendo o PPA improceder.

 

m)          Em 16-06-2020, a Requerida apresentou alegações escritas e em 17-06-2020 a Requerente apresentou também alegações escritas.

 

II – SANEAMENTO

a)            As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

b)           Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 07 de Outubro de 2019. A Requerente impugna os actos de liquidação de IRC de 2016 com data limite de pagamento de 08.07.2019 e de IRC de 2017 com data limite de pagamento de 11.07.2019.

c)            A AT não alegou a extemporaneidade da apresentação do pedido. Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea a), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.

d)           O processo arbitral não padece de nulidades.

 

Cumpre apreciar.

 

III - MÉRITO

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

Factos considerados provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

 

a)            A Requerente tem como objeto social a “gestão de imóveis próprios. Subsidiariamente, compra de prédios ou terrenos e desenvolvimento das respectivas urbanizações” e no âmbito da sua atividade económica é proprietária e explora comercialmente o prédio urbano, composto por edifício de seis caves e doze pisos sito na ..., n.º..., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º..., da freguesia de ..., habitualmente designado por “...” – conforme artigos 1º e 2º do PPA, artigos 5º e 6º da Resposta da AT e Documento nº 1 em anexo ao PPA;

 

b)           A Requerente celebrou em 20.08.2007, com o B...– Sucursal em Portugal  “B...” um contrato de abertura de crédito com hipoteca, consignação de rendimentos, cessão de créditos, penhor de ações e penhor de contas bancárias e, para  assegurar a cobertura do risco de taxa de juro até à data do reembolso do crédito e no âmbito deste contrato, celebrou um “swap” para assegurar o cumprimento do rácio de cobertura do serviço da dívida, durante o período de tempo, no mínimo até ao dia 20.08.2012, de contagem de juros em que estes fossem apurados por referência a uma taxa variável - conforme artigos 5º e 6º do PPA; página 12 do RIT – página 12 do PA4 junto pela AT com a resposta e Documento nº 2 junto com o PPA;

 

c)            Em 31.12.2015, a Requerente apresentou um endividamento total para com o B..., no montante € 110.228.486,88 dos quais uma parte correspondia ao capital em dívida decorrente da abertura de crédito e outra parte resultava do passivo assumido em resultado da contratação do produto financeiro de cobertura do risco de taxa de juro (“swap”), tendo suportado encargos, no período de 2015, no montante total de € 4.376.962,98, assim discriminado:  (1) € 2.469.361,11, registados contabilisticamente na conta 6886; e (2) € 1.907.594,37, registados contabilisticamente na conta 6911 – conforme artigos 7º e 8º do PPA e Documento nº 3 em anexo ao PPA;

 

d)           O endividamento total, os gastos de financiamento da Requerente e o limite do endividamento relevante para efeitos fiscais foram os seguintes:

 

2015

 

2016

 

2017

 

                - conforme artigos 10º a 18º do PPA e Documentos nºs 4 a 8 juntos com o PPA;

e)           A AT emitiu as Ordens de Serviço n.ºs OI2018..., OI2019... e OI2019..., visando uma ação inspetiva externa à Requerente de âmbito parcial – IRC e IVA – aos períodos de tributação de 2015, 2016 e 2017, tendo em resultado dessa inspeção, efetuado os seguintes ajustamentos ao lucro tributável e ao imposto devido, nos períodos de tributação em análise:

 

- conforme artigo 8º da Resposta da AT, páginas 24 e 25 do RIT (Parte 4 do PA) artigos 21º e 22º do PPA;

 

f)            Consta do RIT resultante da Inspecção Tributária referida na alínea anterior, nomeadamente o seguinte:

III.1.2 - APLICAÇÃO DO ARTIGO 67º DO CIRC - LIMITAÇÃO À DEDUTIBILIDADE DE GASTOS DE FINANCIAMENTO

No que se refere á dedutibilidade de gastos de financiamento, o artigo 67º do CIRC estabelece o regime da limitação á dedutibilidade dos gastos, dispondo nos seguintes termos: “1- Os gastos de financiamento líquidos são dedutíveis até à concorrência do maior dos seguintes limites:

a)            (euros) 1.000.000,00 ou

b)           30% do resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquidos e impostos”

O nº 2 do artigo 192º da Lei nº 66-B/2012 de 31 de dezembro prevê uma disposição transitória, que estabelece: "nos períodos de tributação iniciados entre 2013 e 2017, o limite referido na alínea b) do nº 1 do artigo 67º do Código do IRC é elevada parta 70% em 2013 e 60% para 2014, 50% em 2015, 40% em 2016 e 30% em 2017".

Importa referir que, o legislador optou por clarificar também no artigo 67º do CIRC, os dois conceitos fundamentais desse regime. Assim, no nº 12º do mesmo artigo define o conceito de gastos de financiamento líquidos como sendo "as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazo, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza".

Por sua vez, o nº 13, do mesmo artigo, esclarece que “o resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos de impostos é o apurado na contabilidade, corrigido de:

a) Ganhos e perdas resultantes de alterações de justo valor (1) que não concorrem para a determinação do lucro tributável;

b) Imparidades e reversões de investimentos financeiros não depreciáveis ou amortizáveis;

c) Ganhos e perdas resultantes da aplicação do método da equivalência patrimonial ou, no caso de empreendimentos conjuntos que sejam sujeitos passivos de IRC, do método de consolidação proporcional;

d) Rendimentos ou gastos relativos a partes de capital às quais seja aplicável o regime previsto nos artigos 51º e 51º C;

e) Rendimentos ou gastos imputáveis a estabelecimento estável situado fora do território português relativamente ao qual seja exercida a opção prevista no nº 1 de artigo 54º A; f) A contribuição extraordinária sobre o setor energético”

Conforme já referido, o regime de limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento líquidos, aplicáveis a todos os sujeitos passivos de IRC que sejam tributados com base no lucro, consiste em aceitar fiscalmente os gastos de financiamento líquidos até à concorrência do maior dos limites previstos no artigo 67º, nº 1, alíneas a) e b) do ÇIRC.

Constatou-se que o EBITDA contabilístico declarado pelo sujeito passivo, nos exercícios 2015, 2016 e 2017, é respectivamente de € 6.971.529,78, € 3.598.784,87, e € 5.695.430,87.

(1)          - O nº 9 do artigo 18 do CIRC dispõe que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando: a) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, quando se trate de instrumentos capital próprio, tenham um preço formado num mercado ou superior regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital igual ou superior a 5% do respectivo capital social; pu b) tal se encontre expressamente previsto no código.

Para cálculo da limitação à dedutibilidade de juros, ao EBITDA contabilístico (resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos) são afastadas algumas componentes que, integrando o mesmo, deverão ser excluídos para efeitos fiscais, que são os indicados no nº 13 do Artº 67º do CIRC supra transcrito. No entanto, no sujeito passivo em análise, não há lugar a ajustamentos, conforme quadro infra, pelo que o valor do EBITDA ajustado mantem-se inalterado.

 

Assim, poderá deduzir € 3.485.764,89 (2015), € 1.439.513,95 (2016) e € 1.708.629,26 (2017).

Partindo então para a análise aos gastos financeiros considerados pela A..., para efeitos da aplicação do regime previsto no artº 67º do CIRC, concluiu-se que:

Exercício de 2015

Tendo em consideração a aplicação do nºs 1, 12 e 13 do artigo 67º do CIRC para se apurar os gastos de financiamento líquidos do período, são de considerar as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios (de referir que relativamente aos gastos com serviços bancários e imposto de selo forem excluídos os Gastos correspondentes às transferências efectuadas para fornecedores, bem como os de manutenção das contas bancárias, daí que os valores não correspondem exactamente aos saldos das correspondentes contas - anexo VIII), deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza (anexo IX) conforme cálculos que se seguem:

 

Atendendo à correção proposta, no ponto III. 1.1 deste relatório, no montante de € 1.463.148,55, o sujeito passivo pode deduzir a totalidade dos gastos de financiamento liquido após a referida correção, que é de € 3.114.687,34. Considerando que acresceu no Quadro 07, Campo 748 da declaração modelo 22, o montante de € 858.821 ,39, propõe-se a correção, no montante de € 858.821 ,39, a favor do sujeito passivo, por aplicação do disposto no artº 67º do CIRC.

 

Exercício de 2016

Tal como no exercício de 2015, tendo em consideração a aplicação do nºs 1, 12 e 13 do artigo 67º do CIRC para se apurar os gastos de financiamento líquidos do período, são de considerar as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios (de referir que relativamente aos gastos com serviços bancários e imposto de selo forem excluídos os gastos correspondentes às transferências efectuadas para fornecedores, bem como os de manutenção das contas bancárias, daí que os valores não correspondem exactamente aos saldos das correspondentes contas-anexo VIII), deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza (anexo IX) conforme os seguintes cálculos:

 

Constatou-se que o sujeito passivo acresceu no Quadro 07 da modelo 22, campo 752, o montante de € 1.267.419,162 (2) (Anexo X) referente a encargos financeiros não aceites fiscalmente, e no campo 748, o montante de €548.402,40, referente à limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento líquidos. Assim, e tendo em consideração a correção proposta, no ponto III.1.1 deste relatório, no montante de € 441,27, e a correção no montante de € 793.370,14, por infração ao nº 1 do Artº 67º do CIRC, o valor total da correção aos encargos financeiros é de € 793.811 ,41.

(2)          O valor acrescido no quadro 07 da modelo 22, campo 752 é de €1.777.295,09, engloba valores  não aceites fiscalmente: €2 835,05 (gasolina ...), e € 92,04 (gasóleo), €171,30 (...), €6.30 (...), €2.789,45 (outros contabilizados na conta SNC 626899), €503.966, 72 (Insuficiência da Estimativa pra impostos), €8,80 (regularização de contas correntes), € 6,27 (outros não especificados-contabilizados conta SNC 6888), €1.267.419,16 (Juros de empréstimos bancários contabilizados na canta SNC 69111).

 

Exercício de 2017

A semelhança dos exercícios anteriores, no que se refere à limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento, e tendo em atenção a aplicação do nºs 1 , 12 e 13 do artigo 67º do CIRC para se apurar os gastos de financiamento líquidos do período, são de considerar as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios (de referir que relativamente aos gastos com serviços bancários e imposto de selo forem excluídos os gastos correspondentes às transferências efectuadas para fornecedores, bem como os de manutenção das contas bancárias, daí que os valores não correspondem exactamente aos saldos das correspondentes contas-anexo VIII), deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza (anexo IX) fizeram-se os seguintes cálculos:

 

No exercício de 2017, verificou-se que o sujeito passivo, acresceu no Quadro 07 da modelo 22, campo 752, o montante de € 1.278.207,45 (anexo X) referente a encargos financeiros não aceites fiscalmente, e no campo 748, o montante de € 741.073,27, referente à limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento líquidos. Assim, e tendo em consideração a correção proposta, no ponto III.1.1 deste relatório, no montante de € 21.782,63, a favor do sujeito passivo, e a correção no montante de € 252.513,82, a favor do Estado, por infração ao nº1 do Artº 67º do CIRC resulta, afinal, a correção a favor, do Estado no montante de € 230.731,19. – conforme páginas 18 a 23 do RIT junto pela Requerente em anexo ao PPA com a designação de Documento nº 9 e páginas 18 a 23 da Parte 4 do PA junto pela AT com a resposta;

 

g)            As correcções constantes do RIT acima referidas deram origem às liquidações de IRC  (1) n.º 2019..., que inclui as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019... e 2019 ..., cujo saldo a pagar incluído na demonstração de acerto de contas n.º 2019... foi de € 217.766,11, referentes ao período de tributação de 2016 e (2) n.º 2019..., que inclui a liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., cujo saldo a pagar incluído na demonstração de acerto de contas n.º2019... foi de € 60.841,72, referentes ao período de tributação de 2017 – conforme artigo 23º do PPA, Documento nº 10 junto com o PPA e artigo 9º do Resposta da AT;

 

h)           A Requerente não pagou os valores liquidados tendo sido instauradas execuções fiscais e no seu âmbito prestou garantias bancárias para evitar o prosseguimento da cobrança coerciva – conforme artigos 24º d 25º do PPA e documentos nºs 11 e 12 juntos com o PPA;

 

i)             A Requerente, na IES de 2015 fez constar informações em divergência com os valores indicados no PPA, o que influenciou os cálculos que levaram a AT às correcções propostas no RIT – conforme artigos 69º a 71º do PPA

 

j)             Em 07 de Outubro de 2019 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.

 

Factos considerados não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

Resulta dos nºs 6 e 7 do artigo 110º do CPPT que, muito embora a falta de contestação não possa corresponder à confissão dos factos articulados pela Requerente, o certo é que a falta de contestação ou a falta de contestação especificada de factos articulados, é apreciada livremente pelo Tribunal segundo o standard da prova aplicável. Ou seja, tanto devem considerar-se como correspondendo à verdade (até que a parte os coloque em causa) os elementos constantes da IES de 2015 facultados pela Requerente, como também devem considerar-se assertivos os valores agora indicados pela Requerente no PPA, com respaldo na Contabilidade, mormente os cálculos que constam da alínea d) dos factos provados, que não mereceram uma contestação geral, nem especificada, por parte da AT.

 

III-2- DO DIREITO

 

III-2-1 - Quanto ao mérito

 

A)           O texto da lei cuja aplicação está aqui em causa.

 

O artigo 67.º do Código do IRC, com a epígrafe “limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento” com a redação da lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o CIRC, tinha a seguinte redacção nos anos de 2015, 2016 e 2017:

 1- Os gastos de financiamento líquidos concorrem para a determinação do lucro tributável até ao maior dos seguintes limites:

a) (euro) 1 000 000; ou

b) 30 % do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos.

2- Os gastos de financiamento líquidos não dedutíveis nos termos do número anterior podem ainda ser considerados na determinação do lucro tributável de um ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores, após os gastos de financiamento líquidos desse mesmo período, observando-se as limitações previstas no número anterior.

3- Sempre que o montante dos gastos de financiamento deduzidos seja inferior a 30 % do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, a parte não utilizada deste limite acresce ao montante máximo dedutível, nos termos da alínea b) do n.º 1, até ao 5.º período de tributação posterior.

4- Para efeito do disposto nos nºs 2 e 3, consideram-se em primeiro lugar os gastos de financiamento líquidos não dedutíveis e a parte não utilizada do limite referido no número anterior que tenham sido apurados há mais tempo.

5- Nos casos em que exista um grupo de sociedades sujeito ao regime especial previsto no artigo 69.º, a sociedade dominante pode optar, para efeitos da determinação do lucro tributável do grupo, pela aplicação do disposto no presente artigo aos gastos de financiamento líquidos do grupo nos seguintes termos:

a) O limite para a dedutibilidade ao lucro tributável do grupo corresponde ao valor previsto na alínea a) do n.º 1, independentemente do número de sociedades pertencentes ao grupo ou, quando superior, ao previsto na alínea b) do mesmo número, calculado com base no resultado consolidado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, relativo à totalidade das sociedades que o compõem;(Redacção da declaração de retificação n.º 18/2014, de 13 de março)

b) Os gastos de financiamento líquidos de sociedades do grupo relativos aos períodos de tributação anteriores à aplicação do regime e ainda não deduzidos apenas podem ser considerados, nos termos do n.º 2, até ao limite previsto no n.º 1 correspondente à sociedade a que respeitem, calculado individualmente;

c) A parte do limite não utilizado, a que se refere o n.º 3, por sociedades do grupo em períodos de tributação anteriores à aplicação do regime apenas pode ser acrescido nos termos daquele número ao montante máximo dedutível dos gastos de financiamento líquidos da sociedade a que respeitem, calculado individualmente;

d) Os gastos de financiamento líquidos de sociedades do grupo, bem como a parte do limite não utilizado a que se refere o n.º 3, relativos aos períodos de tributação em que seja aplicável o regime, só podem ser utilizados pelo grupo, independentemente da saída de uma ou mais sociedades do grupo.

6- A opção da sociedade dominante prevista no número anterior deve ser mantida por um período mínimo de três anos, a contar da data em que se inicia a sua aplicação.

7- A opção mencionada no n.º 5 deve ser comunicada à Autoridade Tributária e Aduaneira através do envio, por transmissão eletrónica de dados, da declaração prevista no artigo 118.º, até ao fim do 3.º mês do período de tributação em que se pretende iniciar a respetiva aplicação.

8- O previsto nos nºs 2 e 3 deixa de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efetuada a dedução ou acrescido o limite que, em relação àquele a que respeitam os gastos de financiamento líquidos ou a parte do limite não utilizada, se verificou a alteração da titularidade de mais de 50 % do capital social ou da maioria dos direitos de voto do sujeito passivo, salvo no caso de ser aplicável o disposto no n.º 9 do artigo 52.º ou obtida autorização do membro do Governo responsável pela área das finanças em caso de reconhecido interesse económico, mediante requerimento a apresentar na Autoridade Tributária e Aduaneira, no prazo previsto no n.º 14 do artigo 52.º

9 - O disposto no presente artigo aplica-se aos estabelecimentos estáveis de entidades não residentes, com as necessárias adaptações.

10 - Sempre que o período de tributação tenha duração inferior a um ano, o limite previsto na alínea a) do n.º 1 é determinado proporcionalmente ao número de meses desse período de tributação.

11- O disposto no presente artigo não se aplica às entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal e do Instituto de Seguros de Portugal, às sucursais em Portugal de instituições de crédito e outras instituições financeiras ou empresas de seguros, e às sociedades de titularização de créditos constituídas nos termos do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro.

12 - Para efeitos do presente artigo, consideram-se gastos de financiamento líquidos as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazos, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza.

13- Para efeitos do presente artigo, o resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos é o apurado na contabilidade, corrigido de:

a) Ganhos e perdas resultantes de alterações de justo valor que não concorram para a determinação do lucro tributável;

b) Imparidades e reversões de investimentos não depreciáveis ou amortizáveis;

c) Ganhos e perdas resultantes da aplicação do método da equivalência patrimonial ou, no caso de empreendimentos conjuntos que sejam sujeitos passivos de IRC, do método de consolidação proporcional;

d) Rendimentos ou gastos relativos a partes de capital às quais seja aplicável o regime previsto nos artigos 51.º e 51.º-C;

e) Rendimentos ou gastos imputáveis a estabelecimento estável situado fora do território português relativamente ao qual seja exercida a opção prevista no n.º 1 do artigo 54.º-A;

f) A contribuição extraordinária sobre o setor energético.

 

Por seu turno, a Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, estabelece no artigo 192º, nº 2:

Artigo 192.º

Disposição transitória no âmbito do Código do IRC

(…)

2 - Nos períodos de tributação iniciados entre 2013 e 2017, o limite referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do Código do IRC, sem prejuízo do limite máximo dedutível previsto no n.º 3 do mesmo artigo, é de 70 % em 2013, 60 % em 2014, 50 % em 2015, 40 % em 2016 e 30 % em 2017.

 

B)           – Quanto à questão de fundo face à matéria de facto provada

 

O presente pedido de constituição de tribunal arbitral incide apenas sobre as correcções ao lucro tributável efectuadas com base no artigo 67º do CIRC, pela AT, na sequência de uma acção inspectiva externa à Requerente, de âmbito parcial – IRC e IVA –, aos períodos de tributação de 2015, 2016 e 2017, e que deram origem aos actos tributários aqui em crise.

Da aplicação do limite de dedutibilidade do artigo 67º CIRC aos gastos líquidos com instrumentos financeiros derivados

A Requerente, no âmbito da sua actividade económica, celebrou com a instituição financeira B..., em 20.08.2007, um contrato no montante de € 125.500.000,00, com a finalidade de refinanciar um investimento de longo prazo não reembolsado. Tratava-se de um contrato de abertura de crédito com hipoteca, consignação de rendimentos, cessão de créditos, penhor de acções e penhor de contas bancárias, tendo a Requerente subscrito, para garantir a cobertura do risco da taxa de juros até à data do reembolso do crédito, um SWAP, durante o período de tempo de contagem de juros em que estes fossem apurados por referência a uma taxa de juro variável, como resulta do documento nº 2 junto pela Requerente e consta da pagina 12 do RIT.

A principal questão de fundo que se coloca nos presentes autos é então a de se saber se, em 2016 e 2017, os gastos com instrumentos financeiros derivados, designadamente com o swap contratado pela Requerente com a B...- SWAP da taxa de juros – se consideravam gastos de financiamento líquidos e estavam sujeitos à disciplina do artigo 67º (limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento) do CIRC.

Como resulta do artigo 67º, nº 1 do CIRC, na versão em vigor à data dos factos tributários, acima referido, «os gastos de financiamento líquidos concorrem para a determinação do lucro tributável até ao maior dos seguintes limites: a) € 1.000.000,00; ou b) 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos».

O regime de limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento líquidos aplicáveis aos sujeitos passivos de IRC que sejam tributados com base no lucro consiste em aceitar como fiscalmente dedutíveis os gastos de financiamento líquidos até à concorrência do maior daqueles limites, tendo de ter em atenção que, segundo o nº 2 do artigo 192º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, nos períodos de tributação iniciados entre 2013 e 2017, o limite referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do Código do IRC, sem prejuízo do limite máximo dedutível previsto no n.º 3 do mesmo artigo, é de 70 % em 2013, 60 % em 2014, 50 % em 2015, 40 % em 2016 e 30 % em 2017.

O legislador define, no nº 12, do mesmo artigo 67º, como gastos de financiamento líquidos «as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazos, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza».

Verifica-se assim que, ao contrário do que acontece na redacção actual do referido nº 12, da noção de “gastos de financiamentos líquidos” não constavam os gastos líquidos com instrumentos financeiros derivados como um SWAP da taxa de juro. E se tal era assim, foi por ser essa a intenção do legislador, o que resulta claramente da análise dos trabalhos preparatórios, quando se comparam os mesmos com a redacção que vingou então. Efectivamente, naqueles fazia-se referência a “gastos associados a instrumentos de cobertura de obrigações de empréstimos” enquanto esta referência foi eliminada da versão final. Acresce que os instrumentos financeiros derivados, como é o caso do swap a que se referem os presentes autos, são semelhantes a um seguro com vista a evitar eventuais consequências negativas resultantes da influência de um evento futuro sobre um financiamento contraído por um sujeito passivo. Logo, não seria coerente ou racional que o legislador penalizasse todos aqueles que, previdentes, contratassem instrumentos derivados de cobertura. Nesse pressuposto, os gastos com instrumentos financeiros de cobertura não podiam ser considerados como gastos de financiamento líquidos, para efeitos dos limites à dedutibilidade previstos no artigo 67º, nº 1 do CIRC, por não estarem incluídos na definição destes gastos constante do nº 12 do mesmo artigo. Assim sendo, ao serem erradamente qualificados como tais, os gastos com o swap, por um lado, não foram tidos em consideração na determinação do montante do EBITDA fiscal da Requerente relativo ao período de tributação de 2015. Por outro, foi-lhes aplicada indevidamente a disciplina do artigo 67º, nº 1 do CIRC, que estabelece limites à dedutibilidade de gastos, o que se vai reflectir necessariamente nas correcções efectuadas e consequentes atos de liquidação, padecendo estes de vício de violação de lei.

Note-se que esta versão do artigo 67º, nº 12 já não se encontra em vigor no nosso ordenamento jurídico desde 4 de Maio de 2019. De facto, a Lei nº 32/2019, de 3 de Abril, veio incluir no conceito de gastos de financiamento, de forma expressa e clara, os “montantes de juros nacionais no âmbito de instrumentos derivados ou mecanismos de cobertura do risco relacionados com empréstimos obtidos”.

Da presunção de veracidade das declarações da Requerente e da falta de fundamentação das correcções da AT

Na sequência do contrato celebrado com a B..., a Requerente veio a apresentar, com referência a 31 de Dezembro de 2015, um endividamento total perante aquela entidade financeira no montante de € 110.228.486,88 (documento nº 3 junto com o pedido arbitral) correspondente ao capital em dívida decorrente da abertura de crédito, de que resultaram encargos que a Requerente suportou, no período de 2015, no montante global de € 4.376.962, 98, sendo € 2.496.361,11, registados contabilisticamente na conta 6886, e € 1.907.594,37, registados contabilisticamente na conta 6911, como resulta da leitura do documento nº 4 junto com o pedido arbitral, a pp. 23-26. Ora, da análise dos documentos juntos aos autos com o pedido arbitral, designadamente, do já referido nº 4, resulta que naquele período o montante dos gastos de financiamento líquidos em que a Requerente incorreu foi inferior ao limite máximo dos gastos de financiamento líquidos previsto no artigo 67º, nº 1, do CIRC, que no caso concreto seria de € 3.588.957,84 (50% de € 7.117.915,67, montante de EBITDA apurado contabilisticamente para o período de tributação de 2015, nos termos do artigo 192º, nº 2 da Lei 66-B/2012 de 31 de Dezembro e que a Requerente rectificou posteriormente à IES). Ascendendo o resultado financeiro a – € 1.902.807,71 (proveitos financeiros/€ 4.722,66 – gastos financeiros/– € 1.907.594,37).

Já com referência a 31 de Dezembro de 2016, a Requerente apresentava um endividamento total perante a mesma entidade no montante de € 110.183.588,64 (documento nº 5 junto com o pedido arbitral), de que resultaram encargos que suportou, no período de 2016, no montante global de € 4.044.898,85, como resulta do documento nº 6 junto com o pedido arbitral. Da análise do referido documento, resulta ainda que, naquele período, o montante dos gastos de financiamento líquidos em que a Requerente incorreu excedeu em € 2.502.972,04 o limite máximo previsto no artigo 67º do CIRC, que no caso concreto seria de € 1.540.985,56 (40% de € 3.852.463,90, montante de EBITDA apurado contabilisticamente para o período de tributação de 2016, nos termos do artigo 192º, nº 2 da Lei 66-B/2012 de 31 de Dezembro). O resultado financeiro/gastos de financiamento líquidos ascendeu a € 4.043.957,60 (proveitos financeiros/€ 941,25 – gastos financeiros/ € 4.044.898,85).

Por seu turno, com referência a 31 de Dezembro de 2017, a Requerente apresentava um endividamento total perante a B... no montante de € 109.388.690,40 (documento nº 7 junto com o pedido arbitral), de que resultaram encargos, no período de 2017, no montante global de € 3.958.641,23, como resulta do documento nº 8 junto com o pedido arbitral. Da análise do referido documento, resulta que, no período de 2017, o montante dos gastos de financiamento líquidos em que a Requerente incorreu excedeu o limite máximo previsto no artigo 67º do CIRC, que no caso concreto seria de €1.784.594,57 (30% de € 5.984.648,55, montante de EBITDA apurado contabilisticamente para o período de tributação de 2017, nos termos do artigo 192º, nº 2 da Lei 66-B/2012 de 31 de Dezembro). O montante dos gastos financeiros líquidos ascendeu a € 3.958.641,23, uma vez que não houve proveitos. O excesso em relação ao limite à dedutibilidade foi de € 2.174.046,67.

Consequentemente, a Requerente acrescentou, no campo 748 do quadro 07 da Declaração Modelo 22 relativa ao exercício de 2016, o montante de € 548.402,40 e o montante de € 741.073,27 na declaração relativa ao exercício de 2017, valores correspondentes ao excesso do limite dedutível previsto no artigo 67º do CIRC.

Dispõe o artigo 74º, nº 1, da Lei Geral Tributária (LGT), que o «ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque». Nos termos do artigo 75º, nº 1, do mesmo diploma legal, «presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita (…)». O nº 2, diz-nos, na alínea a), que esta presunção não se verificará quando «As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo». LEITE CAMPOS, SILVA RODRIGUES E LOPES DE SOUSA  ensinam que «se a administração tributária não demonstrar a falta de correspondência entre o teor de tais declarações, contabilidade ou escrita e a realidade, o seu conteúdo terá de se considerar como verdadeiro». Ora, em momento algum, até à apresentação do presente pedido arbitral, a AT veio questionar ou pôr em causa qualquer dos valores considerados pela Requerente para os períodos de tributação em análise – 2015, 2016 e 2017-, determinados de acordo com a sua contabilidade e que constam das Declarações Rendimentos Modelo 22, nem tal resulta do RIT. Efectivamente, deste não resultam as razões pelas quais foram desconsiderados os valores ali indicados pela Requerente e que a AT acabou de forma genérica por qualificar, como encargos financeiros não aceites, limitando-se esta a fazer constar dos quadros que designou como “Cálculos para aplicação do regime previsto no artigo 67º do CIRC”, relativos a 2016 e a 2017, valores cuja determinação não explica ou fundamenta, para concluir que, quer quanto ao período tributário de 2016, quer quanto ao período tributário de 2017, há valores a corrigir por limitação à dedutibilidade de gastos financeiros (€ 1.344.772,54 em 2016 e € 993.587,09 em 2017) de que resultam as correcções (€ 793.370,14 para 2016 e € 252.513,82 em 2017) e os actos de liquidação agora em crise.

Ora, é certo que era sobre a AT que recaía o ónus da prova da factualidade que deu origem às liquidações que a Requerente ora impugna. No Acórdão do TCAN, de 25.06.2015, que a Requerente invoca, considerou-se que cabe à AT provar a existência de todos os pressupostos (de facto e de direito) que a determinaram a efectuar correcções ao declarado pelo contribuinte, impondo-se-lhe abalar a presunção de veracidade a que se refere o artigo 75º da LGT, após o que competirá ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado. Se assim não acontecer e não fazendo a AT «prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela.»

A Requerente pugna ainda pela falta de fundamentação dos actos em causa. Sustenta que, «a AT, sem nunca questionar a validade dos cálculos efectuados e apresentados pela Requerente e os valores acrescidos nas respectivas declarações Modelo 22, decretou uma correção, não explicando minimamente por que razão desconsiderou os valores e cálculos da Requerente e aplicou os seus em detrimento daqueles». No seu entender, a falta de fundamentação não permite percepcionar satisfatoriamente o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelos serviços de inspeção tributária conducente à desconsideração dos valores por si suportados e acrescidos.

Ora, é sabido que o direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA e, posteriormente, nos arts. 77º nºs. 1 e 2 da LGT (acto administrativo tributário), como explica o Acórdão do CAAD, proferido no proc. nº 387/2018-T. No mesmo aresto diz-se que: «“Este dever legal de fundamentação do acto administrativo cumpre uma dupla função: endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência; exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa (cfr. o ac. STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05). Daí que essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. Ou seja, a fundamentação formal do acto tributário é distinta da chamada fundamentação substancial, devendo esta exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico.

Especificamente, também a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. o art. 77º da LGT), tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori (cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. nº 01674/13 e de 23/4/2014, proc. nº 01690/13). De referir, porém que, para a suficiência da fundamentação de direito da decisão do procedimento tributário ou do acto tributário não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência a princípios jurídicos ou a um regime jurídico que definam um quadro legal perfeitamente conhecido ou cognoscível por um destinatário normal, colocado na posição do destinatário real (cf. acórdão do STA, de 17/11/2010, proc. nº 1051/09 e jurisprudência nele citada).

Não devendo, ainda, esquecer-se que as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário, são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico. É que, neste domínio da fundamentação do acto, é relevante a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto.

Sendo que, no ensinamento de Vieira de Andrade , o dever formal cumpre-se «(...) pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».

Conforme “lapida” a nossa jurisprudência “Se a fundamentação das correcções operadas pela AT e que determinaram as liquidações adicionais impugnadas, exprime, em termos claros, suficientes, congruentes e inteligíveis, o critério legal e a motivação das mesmas, fica cumprida a dupla função de controlo endógeno e exógeno da legalidade de tais actos tributários e não ocorre insuficiência de fundamentação.”».

Também DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, sustentam que «a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente» e que «deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão». 

Mais, um acto só pode considerar-se fundamentado quando tanto o Tribunal como o administrado (colocado na posição de um destinatário normal) podem ficar esclarecidos acerca das razões que estiveram na base desse acto concreto e que o motivaram, como se decidiu nos Acórdãos do STA de 30.01.02, no Rec. nº 44.288, de 7.03.02, no Rec. nº 48.369 e de 21.01.03, no Rec. nº 48.447.

Ora, como já se disse não é o que se passa no caso sub judice, em que tem de se concluir pela falta de fundamentação à luz dos artigos 77.º, n.º 2, da LGT, 36.º do CPPT, 62.º do RCPITA, 152.º do CPA e 268.º, n.º 3, da CRP, das correcções impostas pelos serviços de inspeção, bem assim, das respectivas liquidações de imposto. Efectivamente, a AT não justifica a desconsideração dos valores indicados pela Requerente, nem tão pouco justifica os que indica em substituição daqueles, vindo a fazê-lo apenas em sede de resposta, sendo certo que o STA, em acórdão de 22.03.2018, proferido no processo nº 0208/17 já decidiu no sentido de não ser legalmente consentida a fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori. Assim sendo, temos de concluir pela ilegalidade dos actos em crise, por violação de lei, e pela sua consequente anulação.

Da rectificação do montante de EBITDA fiscal da Requerente relativo a 2015

Em relação ao montante de EBITDA apurado contabilisticamente para o período de tributação de 2015, o valor que a Requerente reputa correcto é de € 7.117.915,67, como resulta do documento nº 4 junto com o pedido arbitral, pese embora aquele valor constante na IES não estivesse correcto, por lapso da Requerente. A AT não aceita o referido valor de € 7.117.915,67, em vez do indicado € 6.971.529,78, apesar das demonstrações financeiras da Requerente, alegando que a Requerente não pode vir agora alegar erro nos valores declarados sem a apresentação de declarações de substituição para o efeito. Não impugna, todavia, o referido documento nº 4 ou o valor agora indicado pela Requerente.

Ora, a propósito de questão semelhante já se pronunciou o CAAD, no Acórdão proferido no processo nº 61/2018-T, em que também era Requerente a A..., S. A. Na senda do que ali se decidiu e que, desde já acompanhamos, não havendo impugnação do documento que demonstra inequivocamente que o valor correcto de EBITDA fiscal do período de tributação de 2015 é de € 7.117.915,67, nem sendo contrariado validamente este facto, terá de se concluir que é este o valor correcto.

Determina o nº 3 do artigo 67º do CIRC, que, quando o montante dos gastos de financiamento deduzidos seja inferior ao montante apurado nos termos da referida alínea b) do nº 1, a parte não utilizada deste limite acresce ao montante máximo dedutível até ao 5º período de tributação posterior. Na Circular nº 7/2013, de 19.08.2013, a AT veio estabelecer que o «valor de referência para o cálculo desta “folga” é sempre, independentemente do período de tributação, o que corresponde a 30% do resultado antes de depreciações/amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, não se aplicando para estes efeitos as percentagens definidas no nº 2 do artigo 192º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

Logo, ao partir de um valor de EBITDA fiscal referente ao ano de 2015 errado (€ 6.971.529,78), a correcção que a AT efectuou relativa ao período de 2016, baseada naquele valor, designadamente no que se refere à parte não utilizada do limite de gastos de financiamento líquidos relativo a 2015, enferma necessariamente de vicio de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, o que determina a sua anulação.

C) Indemnização por prestação de garantia indevida

 

A Requerente, além do pedido de declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação, pediu que lhe fosse reconhecido o direito a indemnização por garantia indevidamente prestada.

 

Provou-se que a Requerente não pagou o valor que lhe foi liquidado, tendo a AT instaurado processos de execução fiscal onde foram prestadas as garantias bancárias para evitar o prosseguimento da cobrança coerciva.

 

A cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

 

O regime do direito a indemnização por garantia indevida, consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que o erro subjacente à liquidação de IRC e juros compensatórios não pode ser imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as liquidações resultaram do facto da AT ter tomado por firmes os valores indicados pela Requerente na IES de 2015.

 

Por isso, a Requerente não tem direito a indemnização pelas garantias prestadas.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente o pedido e, em consequência:

a)            Determina-se, conforme pedido nessa parte,  a anulação da liquidação de IRC nº 2019..., que inclui as liquidações de juros compensatórios nºs 2019... e 2019..., cujo saldo a pagar incluído na demonstração de acerto de contas nº 2019... foi de € 217.766,11, referentes ao período de tributação de 2016 e da liquidação de IRC n.º 2019..., que inclui a liquidação de juros compensatórios nº 2019..., cujo saldo a pagar incluído na demonstração de acerto de contas nº 2019... foi de € 60.841,72, referentes ao período de tributação de 2017;

b)           Absolve-se a Requerida relativamente ao pedido de condenação por prestação de garantia indevida e

c)            Condena-se a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas atento o seu decaimento relativamente ao pedido, procedente nessa parte, de anulação dos sobreditos atos de liquidação.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 278.607,83, nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI – CUSTAS

 

Fixa-se em € 5.202,00 o valor das custas a suportar pela Requerida conforme condenação supra - artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

Lisboa, 14 de julho de 2020

 

O Tribunal Arbitral Colectivo,

 

José Poças Falcão

Presidente

 

Augusto Vieira

Árbitro Auxiliar

 

Cristina Aragão Seia

Árbitro Auxiliar