Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 663/2019-T
Data da decisão: 2020-06-23  IRS  
Valor do pedido: € 47.060,56
Tema: IRS - Rendimentos prediais; opção pelo não englobamento; dedução de perdas.
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 DECISÃO ARBITRAL

                I. RELATÓRIO

1. No dia 4 de outubro de 2019, A..., NIF..., viúva, residente na Rua ..., n.º..., ..., Lisboa (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2017, da qual resultou o montante a reembolsar de € 1.284,21.

 

A Requerente juntou 3 (três) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente faz assentar a impugnação do ato tributário controvertido, sumariamente, no seguinte:

                No exercício de 2017, a Requerente auferiu um total de rendimentos prediais brutos de € 14.700,00, provenientes de três prédios urbanos, tendo apurado, em sede de categoria F de IRS, perdas no valor de € 54.958,45; posteriormente, na sequência de um procedimento de resolução de divergências, a AT corrigiu alguns valores, relativos a dois dos três mencionados prédios, tendo as ditas perdas sido reduzidas para € 47.060,56.

                A Requerente não optou pelo englobamento dos rendimentos prediais.

                Apesar de a Requerente ter as sobreditas perdas a reportar, a liquidação de IRS controvertida não refere quaisquer “Perdas a reportar” na tabela respetiva, em virtude de a AT considerar que o resultado líquido negativo da categoria F apenas pode ser reportado para os anos seguintes se o sujeito passivo optar pelo respetivo englobamento, tanto no ano em que é apurado, como no ano em que o pretenda deduzir ao rendimento líquido positivo da mesma categoria.  

                Assim, a AT entende que a tributação autónoma à taxa de 28%, prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea e), do Código do IRS, apenas se aplica a rendimentos brutos; consequentemente, o não englobamento do resultado líquido da categoria F implicaria a inaplicabilidade do regime de dedução de perdas previsto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS.    

                Tal entendimento afigura-se errado e violador do artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, bem como do princípio da tributação do rendimento-acréscimo líquido que constitui princípio estruturante do referido tributo.

                Porquanto, atento o disposto nos artigos 55.º, n.º 1, alínea b) e 72.º, n.ºs 1, alínea e) e 12, ambos do Código do IRS, constata-se que, além da limitação temporal à dedução das perdas apuradas no âmbito da categoria F, aquele artigo 55.º não estabelece qualquer outro requisito para o reporte de perdas ou para a sua dedutibilidade, designadamente não requer que o sujeito passivo opte pelo englobamento, contrariamente ao que se encontra expressamente previsto na alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo, para algumas mais-valias.

Pelo que, caso o legislador pretendesse apenas aceitar o reporte de perdas no âmbito da categoria F na hipótese exclusiva de o sujeito passivo ter optado pelo englobamento, tê-lo-ia previsto expressamente, como o fez a propósito da dedução de perdas no âmbito da categoria G, relativamente às operações previstas na mencionada alínea d) do n.º 1 do artigo 55.º, onde estatui que o saldo negativo das mais-valias apenas pode ser reportado “quando o sujeito passivo opte pelo englobamento”.

Nesta conformidade, a liquidação de IRS controvertida, ao não refletir o reporte do rendimento líquido negativo apurado pela Requerente no ano de 2017 para os anos seguintes, nos termos previstos no artigo 55.º do Código do IRS, é ilegal, com fundamento em erro na aplicação do direito, o que consubstancia vício de violação de lei e, consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA, determina a anulabilidade parcial da referida liquidação de IRS. 

      

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 14 de outubro de 2019.

               

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 27 de novembro de 2019, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 30 de dezembro de 2019.

 

5. No dia 29 de janeiro de 2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

 

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

 

6. A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação:   

                O rendimento líquido de cada categoria é uma expressão funcionalizada à obtenção de um rendimento líquido total, isto é, o rendimento coletável. Por sua vez, esse rendimento coletável corresponde a um montante adstrito à aplicação de uma taxa progressiva. Ora, como aos rendimentos prediais da Requerente foi aposta uma taxa especial, em virtude de ter sido afastada a opção de englobamento, todo o método definido encontra-se prejudicado; situação que redunda na impossibilidade de dedução, ao rendimento coletável dos períodos de tributação ulteriores a 2017, das perdas da categoria F calculadas nesse ano.

                A Requerente expressamente declarou, na declaração modelo 3 de IRS, não optar pelo englobamento dos rendimentos prediais por ela auferidos. Ao não optar pelo englobamento, a Requerente escolheu tributar separadamente o rendimento da categoria F mediante a aplicação de uma taxa liberatória fixa sobre aquele rendimento bruto, ainda que se tenha mantido a obrigação de fazer constar tal rendimento na respetiva declaração de IRS.

                Reunindo a Requerente o requisito da residência nacional plasmado na alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º do Código do IRS e tendo optado pelo não englobamento do rendimento da categoria F, naturalmente que lhe está agora vedada a possibilidade de ver refletido o resultado líquido negativo do ano de 2017.

                Com efeito, o reporte de prejuízos é uma operação a jusante que pressupõe a adoção a montante da opção do englobamento, o que não aconteceu no caso concreto; pelo que, não pode a Requerente pretender agora a aplicação de uma taxa liberatória aos rendimentos da categoria F em detrimento da opção do englobamento e, simultaneamente, o reporte de perdas subjacente a uma opção do englobamento que não foi tomada.

     

7. O Tribunal dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, concedeu prazo para a apresentação de alegações escritas facultativas e sucessivas, tendo fixado o dia 30 de junho de 2020 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

 

8. Apenas a Requerida apresentou alegações, reiterando a posição anteriormente assumida em sede de Resposta.

***

                II. SANEAMENTO

9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO 

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

10. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente é o único membro do seu agregado familiar. [cf. documentos n.ºs 1 e 2 anexos ao PPA] 

b) No ano de 2017, a Requerente auferiu um total de rendimentos prediais brutos de € 14.700,00, provenientes de três prédios urbanos, conforme declarou no quadro 4 do Anexo F da respetiva declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]    

c) No quadro 5 do mesmo Anexo F da dita declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, a Requerente declarou os seguintes gastos suportados e pagos, após o início dos contratos de arrendamento, no valor global de € 69.658,45 [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]:

(i) € 61.447,83, em despesas com conservação e manutenção;

(ii) € 2.823,76, em condomínio;

(iii) € 1.048,56, em Imposto Municipal sobre Imóveis;

(iv) € 370,00, em Imposto do Selo; e

(v) € 4.598,30, em outros gastos.

d) Em conformidade com o declarado no Anexo F da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, atinente ao ano de 2017, a Requerente apurou, em sede de categoria F, perdas no montante global de € 54.958,45. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]        

e) No quadro 7B do mesmo Anexo F da referida declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, a Requerente assinalou a opção pelo não englobamento dos rendimentos prediais auferidos no ano de 2017. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]    

f) No âmbito de um procedimento de resolução de divergências de IRS do ano de 2017, a AT corrigiu alguns dos valores elencados no facto provado c), relativos a dois dos três mencionados prédios urbanos e, por consequência, os ditos gastos suportados e pagos pela Requerente foram reduzidos para o montante total de € 61.760,56. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]  

g) Nessa sequência, as perdas apuradas pela Requerente, em sede de categoria F, referidas no facto provado d), foram reduzidas para o montante global de € 47.060,56 (€ 14.700,00 - € 61.760,56).

h) A Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRS n.º 2019..., atinente à liquidação de IRS n.º 2019..., datada de 19.07.2019 e referente ao ano de 2017, da qual resultou o montante a reembolsar de € 1.284,21. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]   

i) Nessa mesma liquidação de IRS, o montante de perdas mencionado no facto provado g) não foi considerado como “PERDAS A REPORTAR”. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]       

j) Em 04.10.2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

11. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

12. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada. 

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório de natureza documental (incluindo o processo administrativo) carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.   

 

III.2. DE DIREITO

§1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO

13. A questão jurídico-tributária que consubstancia o epicentro do dissidio entre as partes consiste em determinar se as perdas apuradas pela Requerente, em sede de categoria F, no ano de 2017, no montante de € 47.060,56 (cf. facto provado g)), podem ser reportadas aos seis anos seguintes – nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 55.º do Código do IRS  –, independentemente da opção pelo englobamento dos rendimentos prediais.    

 

§2. DO MÉRITO

§2.1. ENQUADRAMENTO NORMATIVO

14. Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 1.º do Código do IRS, este imposto incide sobre o valor anual dos rendimentos das diversas categorias ali elencadas – sendo uma delas a categoria F – Rendimentos prediais –, depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos.

 

O n.º 1 do artigo 22.º do Código do IRS determina que o rendimento coletável em IRS é o resultante do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.

 

Todavia, o englobamento não é aplicável a todos os tipos de sujeito passivo nem a todos os tipos de rendimentos por este auferidos. No sistema de tributação em IRS coexiste um regime de englobamento e um regime de tributação a taxas liberatórias e a taxas especiais de tributação autónoma, não sendo englobados os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português (artigo 22.º, n.º 3, alínea a), do Código do IRS), cuja tributação se processa mediante a aplicação de taxas liberatórias ou taxas especiais, nem os rendimentos auferidos por sujeitos passivos residentes em território português que se encontrem sujeitos às taxas liberatórias ou às taxas especiais dos artigos 71.º e 72.º do Código do IRS (artigo 22.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRS).

 

No concernente aos rendimentos prediais, o n.º 1 do artigo 8.º do Código do IRS estatui que se consideram, como tal, as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares, quando estes não optarem pela sua tributação no âmbito da categoria B.

 

Aos rendimentos brutos referidos naquele artigo 8.º são, por força do disposto no n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRS, deduzidos, relativamente a cada prédio ou parte de prédio, todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir tais rendimentos, com exceção dos gastos ali mencionados, bem como do adicional ao imposto municipal sobre imóveis. No caso de fração autónoma, são dedutíveis, relativamente a cada fração ou parte de fração, outros encargos que, legalmente, o condómino deva obrigatoriamente suportar e que sejam efetivamente pagos pelo sujeito passivo (n.º 2 do mesmo artigo 41.º); se este detiver mais do que uma fração autónoma do mesmo prédio, aqueles encargos são imputados de acordo com a permilagem atribuída a cada fração ou parte de fração no título constitutivo da propriedade horizontal (n.º 3 do citado artigo 41.º). Nos termos do n.º 5 do mesmo artigo 41.º, o Imposto Municipal sobre Imóveis e o Imposto do Selo, pagos em determinado ano, apenas são dedutíveis quando respeitem a prédio ou parte de prédio cujo rendimento seja objeto de tributação nesse ano fiscal. Todos os referidos gastos devem ser documentalmente comprovados (n.º 8 do dito artigo 41.º). 

 

Como afirma Paula Rosado Pereira (Manual de IRS, Coimbra, Almedina, 2018, p. 141) esta «dedutibilidade fiscal dos gastos relativos ao imóvel gerador de rendimentos prediais corresponde a uma concretização, no contexto do CIRS, do princípio da capacidade contributiva e, mais concretamente, do princípio da tributação do rendimento líquido, ao admitir-se a dedução dos encargos inerentes à obtenção do rendimento», o que está em consonância com o propósito legislativo manifestado no Preâmbulo do Código do IRS em que se declara que “[n]o domínio dos rendimentos prediais (categoria F), incluem-se na base de incidência apenas os rendimentos efetivamente percebidos dos prédios arrendados, tanto urbanos como rústicos, e não já, como acontecia no sistema de contribuição predial, o valor locativo ou a renda fundiária dos prédios não arrendados, pois se visa tributar apenas os rendimentos realmente auferidos” (ponto 11). Como é salientado por Rui Duarte Morais (Sobre o IRS, Coimbra, Almedina, 2006, p. 98), «dar de arrendamento impõe que o senhorio suporte, por força da lei e/ou do contrato, determinados custos, nomeadamente os relativos a despesas de conservação e manutenção do locado».

 

Por outro lado, decorre do disposto no n.º 1 do artigo 55.º do Código do IRS que, relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos termos constantes das suas diversas alíneas, estatuindo a respetiva alínea b) que o resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F só pode ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita. Mais adiante no mesmo artigo, concretamente no seu n.º 8, é determinado que o direito àquele reporte do resultado líquido negativo fica sem efeito quando os prédios a que os gastos digam respeito não gerem rendimentos da categoria F em pelo menos 36 meses, seguidos ou interpolados, dos cinco anos subsequentes àquele em que os gastos foram incorridos.

 

Neste conspecto, Paula Rosado Pereira (ob. cit., pp.151 e 152) afirma o seguinte:

«Tendo em conta o princípio da tributação do rendimento líquido seguido pelo IRS, nas categorias de rendimento que preveem deduções específicas, como é o caso da categoria F, é possível o apuramento de um resultado líquido negativo, quando tais deduções sejam, em determinado ano, de valor superior ao rendimento bruto.

O resultado líquido negativo da categoria F, apurado em determinado ano, só pode ser deduzido aos rendimentos líquidos positivos desta mesma categoria, apurados nos seis anos seguintes àquele a que respeita a perda. (…)

Verifica-se, portanto, no contexto do IRS, uma impossibilidade de compensação entre ganhos e perdas apurados pelo sujeito passivo num mesmo ano, mas em diferentes categorias de rendimento. Significa isto que não existe uma comunicabilidade horizontal de perdas entre as categorias de rendimento do IRS. Deste modo, as perdas apuradas numa categoria de rendimentos apenas podem ser reportadas para os anos seguintes, nos termos legalmente previstos, para serem deduzidas aos rendimentos líquidos positivos da mesma categoria.

(…)

A Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro (Lei da Reforma do IRS) introduziu uma limitação ao reporte das perdas da categoria F, concretizada na introdução de um requisito de continuidade de geração de rendimentos desta categoria pelos prédios a que os gastos dizem respeito. (…)»

 

Também a este propósito, Rui Duarte Morais (ob. cit., p.127) frisa que «a lei consagra – no que, realmente, constitui a regra geral – a compensação das perdas para a frente: o resultado líquido negativo de uma dada categoria é dedutível aos rendimentos positivos dessa mesma categoria obtidos nos anos seguintes (dentro de determinados limites temporais)».

   

Ainda quanto aos rendimentos prediais, como resulta do estatuído no artigo 72.º, n.º 1, alínea e), do Código do IRS, estes são tributados à taxa autónoma de 28%, sendo que o n.º 8 daquele artigo 72.º determina que os mesmos só podem ser englobados por opção dos respetivos titulares residentes em território português (o que está em consonância com o estatuído na alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º do Código do IRS).

                              

§2.2. O CASO CONCRETO: SUBSUNÇÃO NORMATIVA

15. Feito o necessário enquadramento normativo e volvendo ao caso concreto, resulta do probatório que na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2017, a Requerente assinalou a opção pelo não englobamento dos rendimentos prediais auferidos nesse mesmo ano (cf. facto provado e)). Ademais, naquela mesma declaração de rendimentos, a Requerente apurou um resultado líquido negativo, em sede de categoria F, no valor de € 54.958,45 (cf. facto provado d)) que, na sequência de correções efetuadas pela AT, foi fixado em € 47.060,56 (cf. facto provado g)); acontece que, este último valor não foi considerado como “PERDAS A REPORTAR” na liquidação de IRS controvertida (cf. facto provado i)).

 

A Requerente propugna que aquelas perdas devem ser reconhecidas, como perdas a reportar no exercício de 2017, podendo ser deduzidas nos termos do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, ou seja, mediante o reporte do mencionado resultado líquido negativo aos seis anos seguintes a 2017.  

 

A AT, por seu turno, sustenta que em virtude de a Requerente ter optado pelo não englobamento dos rendimentos prediais, está-lhe vedada a possibilidade de ver refletido o referido resultado líquido negativo da categoria F, porquanto entende que a dedução de perdas estatuída no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS apenas é possível nos casos em que houve a opção pelo englobamento dos rendimentos da categoria F.

 

16. Importa, pois, determinar se a dedução de perdas da categoria F, tal como prevista na citada norma do Código do IRS, está dependente do exercício da opção pelo englobamento dos rendimentos prediais.

 

Constitui nosso entendimento que assim não é, porquanto, como afirma Paula Rosado Pereira (ob. cit., pp. 152 e 153):

«O artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, que estabelece o regime da dedução de perdas da categoria F, não exige o englobamento dos rendimentos prediais como condição para o reporte de perdas. Tal conclusão parece-nos indubitável, atento o facto de o artigo 55.º, n.º 1, alínea d) do CIRS, pelo contrário, dispor expressamente que a dedução de perdas relativamente às mais-valias mobiliárias apuradas nos anos seguintes depende da opção do sujeito passivo pelo englobamento.

  Dessa forma, caso o legislador fiscal pretendesse que o reporte de perdas no âmbito da categoria F dependesse do exercício da opção pelo englobamento (englobamento esse que teria de ocorrer, nesse caso, tanto no ano do apuramento da perda, como no ano em que o sujeito passivo quisesse beneficiar da dedução da mesma), tê-lo-ia dito, tal como fez relativamente às mais e menos-valias mobiliárias.

Para além deste argumento de teor liberal, prevalecem igualmente, em prol da admissibilidade da dedução de perdas da categoria F no âmbito do regime de tributação autónoma dos rendimentos prediais, sem dependência do exercício da opção pelo englobamento, os argumentos (…) [seguintes]     

Com efeito, a inviabilidade da dedução de perdas fora do regime de englobamento – se porventura se verificasse, o que não sucede – tiraria atratividade ao regime de tributação dos rendimentos prediais através de taxas especiais de tributação autónoma. Ora, isto não faria sentido, se pensarmos na intenção do legislador fiscal ao criar o regime em apreço. A sujeição dos rendimentos prediais a um regime de tributação autónoma, mediante a aplicação de uma taxa especial e a exclusão da obrigatoriedade do englobamento, visou tornar mais apelativo para os investidores o regime de tributação dos rendimentos prediais. Objetivo que sairia bastante prejudicado, caso o regime de tributação autónoma excluísse a dedução das perdas de anos anteriores fora do exercício da opção pelo englobamento.»

 

A posição da AT carece, assim, de substrato normativo, pois nem a letra nem o espírito da lei permitem sustentá-la, pelo que deve necessariamente soçobrar.

 

A este propósito e na mesma linha de entendimento aqui adotada, já se pronunciaram diversas decisões arbitrais, sendo disso exemplo as prolatadas nos seguintes processos:

(i) Processo n.º 96/2015-T:

«(…) não existe norma que exclua a possibilidade de dedução de perdas, por parte de sujeitos passivos não residentes.

Se é certo que o englobamento opera numa fase posterior à da subtração das “deduções e abatimentos previstos nas secções seguintes”, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 22.º, do Código do IRS (o vocábulo “deduções” referir-se-á tanto às deduções específicas de cada categoria de rendimentos, como à dedução de perdas, enquanto deixou de haver “abatimentos”, desde a revogação do artigo 56.º, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro), daí não se seguirá, necessariamente, que, caso não seja possível o englobamento, deixe de ser possível beneficiar das “deduções” previstas nas secções seguintes.»

(ii) Processo n.º 338/2016-T:

«61. Não se vislumbra, no texto da lei, a existência de qualquer condicionamento do reporte de perdas na Categoria F de rendimentos do IRS à opção pelo englobamento desses rendimentos e consequente renuncia à sua tributação autónoma. Tampouco se compreende que esta tributação autónoma pudesse incidir sobre rendimentos brutos, em prejuízo do princípio da tributação do rendimento acréscimo líquido que constitui princípio estruturante do referido tributo.»

(iii) Processo n.º 314/2017-T:

«Assim, nos termos da lei, o reporte das perdas apuradas na categoria F não depende da prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais.»

(iv) Processo n.º 360/2017-T:

«É, assim, claro que não pode ser excluída a aplicação do reporte pelo facto de o contribuinte não ter exercido a opção pelo englobamento, havendo que dar razão à impugnação quanto a esta questão.»

(v) Processo n.º 481/2017-T:

«23. Assim sendo, resulta da interpretação conjugada dos normativos supra descritos que a possibilidade de dedução de perdas prevista no artigo 41.º, bem assim como o reporte de perdas nos anos seguintes, previsto no artigo 55.º, ambos do CIRS, antecede a opção prevista no artigo 72.º do mesmo Código. (…)

24. Assim, seguindo a letra da lei, resulta claramente que os rendimentos prediais, depois de deduzidas as despesas que nos termos da lei o possam ser, são tributados autonomamente à taxa de 28%, sem prejuízo do direito de poderem os respetivos titulares residentes em território português optar pelo englobamento desses rendimentos.

(…)

26. Assim, nos termos da lei, o reporte das perdas apuradas na categoria F não depende da prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais. Assim, a desconsideração infundada das perdas apuradas no âmbito da categoria F, ao arrepio do expressamente previsto no artigo 55.º, n.º 2, do CIRS, traduz violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes à liquidação impugnada.»

(vi) Processo n.º 534/2018-T:

«32. Efetivamente, para além da limitação temporal à dedução das perdas apuradas no âmbito da Categoria F, o artigo 55.º n.º 2 do Código do IRS não estabelece qualquer outro requisito para essa dedutibilidade, ao contrário do que fez quanto artigo 55.º n.º 6, onde refere expressamente “quando o sujeito passivo opte pelo englobamento”.

33. Concluindo, que o artigo 55.º, n.º 2, apenas impõem uma limitação temporal as deduções e não impõem que os rendimentos sejam englobadas para a sua dedução.

(…)

                41. Nestes termos, (…), a natureza jurídica do reporte das perdas apuradas na categoria F não depende da prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais, até porque, estamos perante norma que permite a dedução de despesas aos rendimentos brutos e não aos rendimentos englobados.

42. Assim sendo, (…) a possibilidade de dedução de perdas prevista no artigo 41.º, bem assim como o reporte de perdas nos anos seguintes, previsto no artigo 55.º, ambos do CIRS, antecede a opção prevista no artigo 72.º do mesmo Código, (…).»

(vii) Processo n.º 538/2018-T:

«(…) nem a letra nem o espírito da lei permitem concluir pela exigência legal da prévia opção pelo englobamento que a Requerida axiomaticamente pretende fazer vingar.

Com efeito, para além da limitação temporal da dedução das perdas na categoria F, o art. 55.º do CIRS não estabelece qualquer outro requisito para essa dedutibilidade.

O mesmo não ocorre relativamente à dedutibilidade dos prejuízos relativos à categoria G, pois aqui o n.º 6 do art. 55.º faz depender expressamente o reporte do sujeito passivo ter optado pelo englobamento.

Assim sendo, se nos socorrermos da regra de interpretação do art. 9.º do Código Civil, aplicável por força do art. 11.º, n.º 1, da LGT, que impede que o intérprete ficcione um pensamento legislativo que não tenha um mínimo de correspondência na letra da lei, forçoso é concluir que se o legislador quisesse exigir o englobamento na situação vertente, tê-lo-ia preceituado expressamente, a exemplo do que fez no n.º 6 relativamente à dedução de perdas no âmbito da categoria G.

Nesta conformidade, (…), concluímos que, nos termos da lei, o reporte das perdas apuradas na categoria F não depende de prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais.»

(viii) Processo n.º 701/2018-T:  

«(…) nada parece justificar o entendimento formulado pela Autoridade Tributária pelo qual no caso da não opção dos sujeitos passivos pelo englobamento, relativamente a rendimentos prediais, esses rendimentos seriam tributados separadamente à taxa especial de 28% sem qualquer possibilidade de dedução de perdas. De facto, (…), a dedução do resultado líquido negativo apurado pode ser deduzido aos resultados líquidos positivos nos termos do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, sem qualquer dependência da opção pelo englobamento dos rendimentos.»

 

Atento o acima exposto e o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do CC, não vislumbramos qualquer motivo para nos afastarmos do trilho decisório seguido nas citadas decisões arbitrais, pelo que, subscrevemo-lo e reiteramos o entendimento de que a dedução de perdas da categoria F, tal como prevista no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, não está dependente do exercício da opção pelo englobamento dos rendimentos prediais.

 

17. Nestes termos, a liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2017, na parte em que desconsidera/não reconhece o resultado líquido negativo apurado no âmbito da categoria F, naquele mesmo exercício, no montante de € 47.060,56, padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, pelo que deve ser anulada nessa mesma parte.

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18. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

a)            Declarar ilegal e anular a liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2017, na parte em que desconsidera / não reconhece o resultado líquido negativo apurado no âmbito da categoria F, naquele mesmo exercício, no montante de € 47.060,56, com as legais consequências;

b)           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente processo.

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VALOR DO PROCESSO

Atento o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 47.060,56 (quarenta e sete mil e sessenta euros e cinquenta e seis cêntimos).

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CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), cujo pagamento fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Notifique.

 

Lisboa, 23 de junho de 2020.

 

O Árbitro,

(Ricardo Rodrigues Pereira)