Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 384/2016-T
Data da decisão: 2017-04-09  Selo  
Valor do pedido: € 13.796,49
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS (redação da Lei nº 83-C/2013) - Terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

I.                   Relatório

 

1.1              Trâmites iniciais

 

No dia 30-08-2016, a sociedade A…, S.A., (doravante apenas “A…” ou “Requerente”) com o número de identificação de pessoa coletiva…, veio, nos termos do disposto no artigo 10.°, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “Regime da Arbitragem Tributária” ou “RJAT”) e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março,  requerer a constituição de Tribunal Arbitral Singular contra a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida” ou “AT”).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 23-09-2016.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral ficou constituído em 11-10-2016, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

 

1.2              Pedido e objeto

 

A requerente pede a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto de Selo (IS) cobrado através das notas de cobrança n.ºs 2015 …, 2015 … e 2015 …, referente ao ano de 2014, por aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (de ora em diante “TGIS”) no montante global de € 13.796,49, (treze mil, setecentos e noventa e seis mil e quarenta e nove cêntimos), com referência ao prédio urbano com o artigo matricial … da União de Freguesias de …, …, …, …, … e …, concelho e distrito do Porto, bem como do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido contra a referida liquidação de imposto do selo.

 

A Requerente pede a anulação do ato de liquidação de IS, a devolução do imposto indevidamente pago e o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios, tudo com a seguinte fundamentação:

 

- A tributação dos terrenos para construção teve início com a redação dada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro à verba 28.1 da TGIS, pelo que, no conceito normativo inicial de prédio urbano com afetação habitacional, não cabiam os terrenos para construção;

- A sujeição dos terrenos para construção com VPT superior a um milhão de euros está expressamente consagrada quando exista edificação, autorizada ou prevista, para habitação, mas não quanto aos terrenos para construção sem qualquer edificação autorizada ou prevista, os quais não poderão estar sujeitos à verba 28.1 da TGIS;

- A existência da mera expetativa jurídica de, num “terreno para construção”, vir a ser edificado um prédio urbano com afetação habitacional nunca poderá configurar um facto tributário subsumível na norma em análise;

- Sem que aquela previsão ou expetativa de edificação para habitação esteja validamente verificada, não poderá considerar-se aplicável a norma em questão;

- No que respeita ao prédio em análise no presente processo, à data do facto tributário não existia uma “edificação, autorizada ou prevista” para “habitação”, não existindo assim uma válida e efetiva potencialidade de edificação para habitação;

- A Requerente acrescenta ainda que a opção do legislador em sujeitar a imposto do selo apenas os terrenos para construção com edificação autorizada ou prevista para habitação põe ainda em causa os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, constitucionalmente consagrados, e não cumpre os requisitos previstos na Lei Geral Tributária (LGT) como na Constituição da República Portuguesa (CRP) quanto à respetiva incidência objetiva.

- Nesta sequência, pede a Requerente:

a) a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo impugnadas;

b) a restituição do imposto indevidamente pago; e

c) a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º da LGT, desde a data do pagamento do imposto até ao seu efetivo reembolso.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta defendendo a manutenção dos atos tributários sindicados, pedindo a absolvição do pedido, e alegando que o prédio da Requerente possui as características constantes da definição de terreno para construção para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, ou seja, terreno para construção cuja edificação, prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.

- Refere ainda que a verba 28.1 não viola os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva porque se trata de uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito, de acordo com a Constituição e o Direito.

 

II.                SANEAMENTO

 

O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

III.             MATÉRIA DE FACTO

 

III.1 Factos que se consideram provados

 

  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano com o artigo matricial … da União de Freguesias de …, …, …, …, … e …, concelho e distrito do Porto.

 

  1. Nessa qualidade, foi notificada do ato de liquidação do imposto do selo ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, referente ao ano de 2014, através das notas de cobrança n.º 2015 …, n.º 2015 … e n.º 2015 … .

 

  1. O prédio em questão está descrito na respetiva caderneta predial como terreno para construção.

 

  1. A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa do ato tributário em causa,

 

  1. O qual foi objeto de indeferimento que lhe foi notificado a 12.04.2016.

 

  1. O imposto do selo em causa, no valor de € 13.796,49, encontra-se integralmente pago.

 

III.             2 Factos que não se consideram provados

 

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

III.             3 Fundamentação da decisão quanto à matéria de facto

 

A decisão de fixação da matéria de facto fundamenta-se nos elementos juntos aos autos pelas Partes, bem como nos factos articulados que não suscitaram controvérsia.

 

IV.              DO DIREITO

           

O Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei nº 150/99, de 11 de setembro, iniciou a sua vigência em março de 2000, sendo significativamente alterado pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, que o republicou. Com a reforma da tributação do património operada em 2003, o Imposto do Selo passou a configurar-se sobretudo como um imposto sobre as operações que, independentemente da sua materialização, revelam rendimento e riqueza, aplicando-se a uma “multiplicidade heterogénea de factos ou atos”, sem “um traço comum que lhes confira identidade” (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, pág. 453). Essa capacidade de acolher no seu seio tributações de diferente natureza criou caminho a que o legislador fiscal lhe fosse atribuindo um papel complementar de outros impostos.

 

Como apontam J. SILVÉRIO DIAS MATEUS e L. CORVELO DE FREITAS (Os Impostos Sobre o Património Imobiliário – O Imposto de Selo, pg 251, Lisboa 2005) “o imposto de selo configura-se como meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abrangidas pela incidência de quaisquer outros impostos. Não revestindo a natureza de tributação de sobreposição, este imposto tende a assumir uma função residual preenchendo espaços deixados em aberto pela tributação do rendimento e do consumo”.

 

A Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu um conjunto de alterações nos diplomas codificadores de três impostos – IRS, IRC e Imposto do Selo – assim como na LGT, entre as quais a norma ora em análise, todas norteadas à obtenção suplementar de receita fiscal e, em geral, a contrariar o desequilíbrio orçamental. Assim, invocando os princípios da equidade social e justiça fiscal, foi agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, introduziram-se medidas de reforço de combate à fraude e evasão fiscal, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos e às transferências de e para paraísos fiscais, a que se somou a introdução, no âmbito do Imposto do Selo, da tributação de situações jurídicas (expressão aditada ao nº 1 do artigo 1º do Código do Imposto do Selo), que se entendeu capazes de suportar esforço fiscal acrescido, distribuindo desse modo mais equitativamente o sacrifício para atingir a consolidação orçamental exigido aos contribuintes.

 

Assim, com o aditamento da verba n.º 28 à Tabela Geral do Imposto do Selo pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, foi sujeita a este imposto uma situação jurídica, consubstanciada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio urbano com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a €1.000.000,00, fazendo recair sobre tal valor a taxa de 1%.

 

A redação da verba 28.1. sofreu alteração posterior, por via da Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, passando a ampliar a incidência do Imposto do Selo, à taxa de 1%, a  “(…)prédio urbano ou (por) terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

 

A incidência do imposto do selo remete, no que concerne a elementos essenciais da liquidação do tributo, nomeadamente quanto aos critérios normativos definidores do valor patrimonial a considerar, para a regulação constante do Código do IMI, assegurando, ou pelo menos, promovendo, um certo grau de sintonia entre os vários corpos legislativos no âmbito da tributação do património. A doutrina atribui-lhe mesmo a condição de “taxa adicional do IMI”, dirigido a “discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes” (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 504), explicando a criação de um novo facto sujeito a Imposto do Selo, para além da heterogeneidade que  reveste este imposto, pela necessidade de aumentar as receitas fiscais do Estado, uma vez que a receita do IMI reverte a favor dos municípios e o Imposto do Selo é uma receita do Estado (ob. cit., pág. 506).

 

A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba nº 28 assume a natureza de imposto parcelar (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário.

 

Da aplicação conjunta do n.º 4 do art. 2.º do Código do Imposto do Selo e n.º 1 do art. 8.º do CIMI, conclui-se que o facto tributário a que se refere a verba 28.1 da TGIS se verifica a 31 de Dezembro de cada ano. Nessa medida, a relação juridico-tributária será fixada em função da legislação em vigor nessa mesma data, independentemente de alterações posteriores que possam estar em vigor na data da liquidação do imposto. Assim sendo, o imposto do selo da verba 28.1 da TGIS referente ao ano de 2014, liquidado em 2015, deverá ser calculado e fixado de acordo com a redação da norma, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a redação que lhe foi dada pela LOE/2014 (Lei nº 83-C/2013).

 

Recorde-se que a redação original da norma em questão foi objeto de vários litígios que opuseram a AT e os contribuintes, proprietários de terrenos para construção tendo o STA entendido, v. g., no Acórdão proferido no processo n.º 048/14, de 09.04.2014, que “(...)não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba nº 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional( (...)”

 

Na verdade, o conceito de “prédio (urbano) com afetação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. Com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), o conceito foi abandonado, sendo agora o âmbito de incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS recortado através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI. Esta alteração dispõe que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros).

 

Aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República da respetiva referiu o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (cfr. Diário da Assembleia da República, I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades. O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs. 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI). Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redação daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indireta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI). Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afetação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

 

Na verdade, referindo-se aos prédios urbanos, o n.º 1 do artigo 6.º do CIMI distingue diversas espécies, dividindo-os em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros, de acordo com os seguintes critérios: «habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços» – os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins (cfr. artigo 6.º, n.º 2 do CIMI); «terrenos para construção», os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos» (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, na redação da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12); «Outros», são como tal considerados os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem sejam classificados como prédio rústicos, de acordo com o respetivo conceito legal, e ainda os edifícios e construções licenciados, ou na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os acima referidos (cfr. artigo 6.º, n.º 4 do CIMI).

 

Fazendo incidir a tributação sobre prédios urbanos «com afetação habitacional», o legislador não estabelece, na verdade, no Código do Imposto do Selo, qualquer conceito específico que para o efeito deva ser considerado, antes remetendo a aplicação do regime de tributação dos prédios a que se refere aquela Verba 28 para as normas do CIMI, que estabelece clara distinção entre prédios habitacionais e terrenos para construção, sendo os primeiros assim classificados em função da respectiva licença autárquica, ou, não existindo esta, em decorrência do uso normal e os segundos são definidos em função da sua potencialidade legal.

 

A esta luz, um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida, incluindo a destinada habitação - não preenche por si só o requisito previsto nos pontos 28. e 28.1, da TGIS (redação do DL nº 7/2015), ou seja, o de que “(...) a edificação “autorizada ou prevista, seja para habitação (...)”. Na verdade, reportando-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com afetação habitacional, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se, como se viu anteriormente, que na mesma se contenha uma potencialidade futura, juntamente com outras, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

Por outro lado, não pode também ser acolhido o entendimento de que o conceito de "afetação habitacional" decorre da norma do artigo 45.º do CIMI, porquanto esta se refere às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção estabelecendo que este é o que resulta do valor da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área considera-se uma percentagem, variável entre 15% e 45%, do valor das edificações autorizadas ou previstas.

 

Por outro lado ainda, nada na lei permite concluir que o legislador do imposto do selo tenha pretendido alargar, para efeitos da incidência deste tributo, às espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, sendo que a aplicação de um coeficiente de afetação se reporta a um dos elementos a considerar na avaliação no terreno, ou seja, na determinação do valor das edificações autorizados ou previstas.

 

Independentemente de, na determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas para um terreno para construção, se dever ou não considerar um coeficiente de afetação, admite-se, por ser óbvio e do conhecimento geral, que o valor de um terreno é determinantemente influenciado pelo tipo e características dessas edificações. Porém, é matéria que extravasa a questão sobre que incide o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Nas condições referidas, a circunstância de, para um determinado terreno para construção, estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado.

 

Como tal, resultando do artigo 6.º do CIMI uma clara distinção entre, por um lado, prédios urbanos habitacionais e, por outro lado, terrenos para construção, não podem estes últimos ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como «prédios com afectação habitacional».

 

Assim, em face da prova produzida, não é possível dizer-se que no terreno em causa estivessem, à data em que ocorreu o facto tributário, autorizadas ou previstas construções de edifícios a afetar exclusivamente a habitação. Tal circunstância implica, pois, necessariamente, a exclusão da tributação do prédio em questão à luz da verba 28. da TGIS (aliás, atualmente revogado pela Lei nº 42/2016 – Lei do Orçamento do Estado para 2017 – artigo 210º-2).

            Nesta linha essencial de orientação, estão, tal como se referiu, entre outras as decisões proferidas pelos Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, nos processos nºs 522/2015-T, 532/2015-T, 467/2015-T (citando diversos acórdãos do STA), 578/2015-T, 642/2015-T, 551/2015-T,  2016/2016-T e 412/2016-T, quase todas publicadas no site do CAAD (www.caad.org.pt).

 

V.        Questões de conhecimento prejudicado

 

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação objeto do presente processo – pedido principal -, por vício de violação de lei que impede a renovação dos atos, fica prejudicado o conhecimento dos vícios imputados pela Requerente.

           

Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento. Assim, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente aos atos cuja declaração de ilegalidade pediu, nomeadamente concernentes às questões de constitucionalidade colocadas no pedido de constituição do tribunal arbitral.

             

VI. Juros indemnizatórios

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

É essa a situação do caso em apreço, pelo que a AT deverá restituir o imposto pago e efetuar o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem), sendo os juros indemnizatórios devidos desde as data dos pagamentos ora julgados indevidos até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (cf. o artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

VII.  Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

  1. Julgar totalmente procedente o pedido;
  2. Declarar, em consequência, a ilegalidade da liquidação de imposto de selo objeto do pedido e anular as notas de cobrança que lhe correspondem;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição das importâncias pagas respeitantes às sobreditas liquidações e notas de cobrança, com juros indemnizatórios nos termos supra expostos;
  4. Condenar ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas deste processo.

 

Valor do processo

            Fixa-se o valor do processo em € 13.796,49, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas

            Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

  • Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 09 de abril de 2017

A Árbitro,