Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 385/2016-T
Data da decisão: 2017-03-29  IMT  
Valor do pedido: € 12.000,00
Tema: IMT – Imposto do Selo – Verba 28.1.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

A – RELATÓRIO

 

1.    A…, com o número de identificação fiscal…, cuja entidade gestora é a sociedade B…– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, SA, com sede na Rua …, …–…, …-… Lisboa, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos art. 2º, n.º 1, a) e 10º, n.º 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no DL 10/2011, de 20 Janeiro, doravante designado “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 respeitante ao artigo matricial urbano … da União das Freguesias de … e …, do concelho de Loures (anterior artigo…, da freguesia de …), bem como do despacho de indeferimento de recurso hierárquico, com o consequente reembolso da quantia paga, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”).

 

2.    O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 11-07-2016, tendo sido aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 13-07-2016 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3.    Admitido o pedido de constituição do tribunal arbitral singular, e não tendo a Requerente optado pela designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro.

 

4.    As partes foram notificadas dessa designação em 19-09-2016 e, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral ficou constituído em 04-10-2016.

 

5.    Notificada, a AT veio apresentar resposta em que não suscitou qualquer excepção.

 

6.    Foi dispensada, com a anuência das partes, a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

* * *

 

7.    Pretende a Requerente que seja declarada a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo n.º 2012…, por aplicação da verba 28.1 da TGIS, respeitante ao artigo matricial urbano … da União das Freguesias de … e …, do concelho de Loures (anterior artigo…, da freguesia de …), bem do como do despacho de indeferimento ao recurso hierárquico que apresentou, com a consequente restituição do montante pago e o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios, alegando em síntese:

 

       a)  Face à notificação da liquidação do imposto do selo em causa, apresentou reclamação graciosa da mesma e, porque na mesma apenas obteve deferimento parcial, deduziu em 16-01-2015, recurso hierárquico no qual foi proferido despacho de indeferimento em 18-03-2016 e que lhe foi notificado em 11-04-2016.

       b)  Para que estejam cumpridos cumulativamente os pressupostos objectivos da incidência previstos na verba 28.1 é necessário que:

            - exista um direito de propriedade, de usufruto ou de superfície de um prédio urbano;

            - o prédio em causa tenha um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000,00 €;

            - o prédio urbano tenha “afectação habitacional”.

       c)  O imóvel em causa tem um valor patrimonial de 2.400.000,00 €, sendo um terreno para construção, o que o qualifica como prédio urbano nos termos do disposto nos art. 4º e 6º do CIMI.

       d) Nos termos do disposto no art. 67º, n.º 2 do CIS, às matérias nele reguladas respeitantes à verba 28 da TGIS, aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI.

       e)  Assim, na ausência de enquadramento do que se tem por “afectação habitacional” em sede de CIS, deverá o intérprete socorrer-se das disposições subsidiariamente aplicáveis, in casu, as disposições do CIMI.

       f)  O prédio em causa não tem, nem poderia ter dada a sua natureza de terreno para construção, uma “afectação habitacional”.

       g)  O critério do n.º 2 do art. 6º do CIMI remete, em primeira linha, para a utilização atribuída pelo licenciamento e, na falta de licença, para o critério de afectação normal.

       h)  Compulsados os art. 41º e 43º do CIMI é fácil verificar que neles não se enquadram os terrenos para construção, como é o caso do prédio em apreço, uma vez que os terrenos para construção, não sendo prédios edificados, não se diferenciam pela sua afectação.

       i)   A decisão de indeferimento do recurso hierárquico, sustentada na errada relevância da “afectação habitacional” do imóvel, enferma de vício por errada interpretação da lei fiscal concretamente aplicável.

 

8.    Por seu turno a Requerida veio em resposta alegar, em síntese:

 

       a)  O que está aqui em causa é uma liquidação que resulta da aplicação directa da norma legal, que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária.

       b)  Consultando a Certidão do Teor do prédio urbano que está na base da presente liquidação, verifica-se que o terreno para construção está afecto à habitação.

       c)  Ora, os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações, constando tal afectação das respectivas matrizes, estão sujeitos a Imposto de Selo.

       d) Não existindo em sede de IS definição do que se entende por ‘prédio urbano’, ‘terreno para construção’ e ‘afectação habitacional’ é necessário recorrer subsidiariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67º, n.º 2 do CIS na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10.

       e)  O legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos ‘terrenos para construção’, como resulta da expressão ‘valor das edificações autorizadas’ a que se refere o artigo 45º, n.º 2 do CIMI e aplicando-lhe por conseguinte o coeficiente de afectação que vem previsto no artigo 41º do CIMI.

       f)  Em conclusão, na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, supra identificados, nomeadamente o coeficiente de afectação previsto no art.º 41.º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do n.º 2 do art.º 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção.

       g)  No caso, estamos face a um ‘terreno para construção’, mais concretamente, perante um lote de terreno para construção urbana, com as áreas de implantação do edifício e de construção perfeitamente definidas e identificadas na caderneta predial urbana.

       h)  Não pode a requerente desconhecer que a caderneta predial é claríssima ao definir para o lote de terreno para construção em causa, a respectiva área de implantação do edifício e de construção, assim perfeitamente definida e identificada, sendo, por isso, patente a afectação habitacional do edifício.

       i)   O legislador não refere ‘prédios destinados a habitação’, tendo optado pela noção ‘afectação habitacional’, expressão diferente e mais ampla, cujo sentido se vai encontrar na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6º, n.º 1, alínea a) do CIMI.

       j)   A verba 28 da TGIS é uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito, sendo que o próprio princípio constitucional da igualdade consignado no artigo 13º da CRP «obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedido a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante».

       k)  A tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado

       l)   Conclui, por isso, pela legalidade do acto de liquidação contestado o qual deve, assim, ser mantido.

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* * *

 

8.    O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

       As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

       O processo é tempestivo e não enferma de nulidades.

 

       Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa

 

B. DECISÃO

 

1. MATÉRIA DE FACTO

 

1.1. FACTOS PROVADOS

 

Atendendo às posições assumidas pelas Partes e à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a)    A requerente era proprietária, no ano de 2012, do artigo matricial urbano … da União das Freguesias de …, do concelho de Loures (anterior artigo…, da freguesia …);

b)    Da respectiva caderneta predial o imóvel consta como “terreno para construção” com o tipo de coeficiente de localização “habitação” e que o “terreno possui diferentes afectações, habitação, comércio e serviços”;

c)    A requerente foi notificada da liquidação de imposto do selo n.º 2012…, por aplicação da verba 28.1 da TGIS, relativamente àquele imóvel;

c)    Tendo apresentado reclamação graciosa daquela liquidação, tendo a mesma sido deferida parcialmente, apresentou recurso hierárquico que mereceu despacho de indeferimento que lhe foi notificado em 11-04-2016;

d)    A requerente procedeu ao pagamento do imposto;

 

1.2  FACTOS NÃO PROVADOS

      

       Não existem factos dados como não provados com relevância para a apreciação do pedido.

 

1.3  Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos, bem como das posições das partes, sendo de referir não emergir das posições assumidas por Requerente e Requerida discordância relativamente à matéria de facto, confinando-se o dissídio à matéria de direito.

 

2.    O DIREITO

 

A questão objecto do dissídio consiste em definir o âmbito de aplicação da verba 28.1 da TGIS, designadamente aos terrenos para construção, sendo certo que se deverá ter presente que, ao caso em apreço, é aplicável a redacção daquela norma dada pela Lei n° 55-A/2012, de 29 de Outubro e não a actual.

 

Com esse enquadramento o assunto foi já objeto de extenso tratamento jurisprudencial, tanto nos tribunais arbitrais, como nos tributários, designadamente nas instâncias superiores.

 

Tratando-se de tema recorrente em sede arbitral, sempre com semelhantes ou mesmo análogos contornos factuais e de direito, diga-se, desde já, que se seguirá o entendimento da posição dominante, senão unânime, sobre a matéria (veja-se, designadamente, as decisões arbitrais proferidas nos processos com os n.º 125/2015-T, de 12-10-2015, 56/2014-T de 31-07-2014, 210/2014-T de 30-07-2014, 231/2013-T de 03-02-2014, 53/2013-T de 02-10-2013 e 49/2013-T de 18-09-2013, todos do CAAD).

 

É sabido que, não tendo o legislador definido o conceito de ‘prédios urbanos com afetação habitacional’, face ao disposto no artigo 67.º do Código do IS, deveremos socorrer-nos, para tal efeito, do que dispõe o CIMI.

 

Encontramos aí a classificação dos prédios urbanos através da sua divisão em categorias: habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.

 

Ora, resulta do n.º 2 do art. 6º do CIMI que prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins. Por sua vez, terrenos para construção são os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo (n.º 3 do mesmo preceito). O CIMI oferece, pois, inequivocamente, uma definição de prédios habitacionais e de terrenos para construção, como duas diferentes espécies de prédios urbanos.

 

No que respeita ao conceito de “prédio urbano com afectação habitacional”, a verdade é que a expressão afectação pressupõe que o prédio tenha uma efectiva utilização para fins habitacionais, o que implica, necessariamente, que não se está perante um mero terreno para construção. A este propósito refere-se na Decisão Arbitral, proferida no Proc. n.º 42/2013-T de 18-10-2013: “não podemos confundir uma ‘afectação habitacional’ que implica uma efectiva afectação de um prédio urbano a esse fim, com a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma ‘afectação habitacional’. Os terrenos para construção, não estando edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios com afectação habitacional, uma vez que, por um lado, não possuem licença de utilização para habitação, e, por outro lado, não são habitáveis (porque pura e simplesmente não estão edificados)”.

 

Acompanhando tal posição, efectivamente não se nos afigura bastante para ser enquadrável na norma de incidência objetiva em apreço que exista a expectativa de um prédio urbano vir a ter uma afectação habitacional ou de ter a potencialidade de vir a ter essa afectação.

 

Não podendo ser aceite o entendimento da Requerida quando sustenta que a expressão ‘afectação habitacional’, utilizada pelo legislador, é mais ampla do que se tivesse sido adoptada a formulação ´prédios destinados a habitação’.

 

Segue-se, também, o que a este propósito vem sustentando o STA, designadamente no Ac. de 09-04-2014 – Proc. 048/14: “não tendo o legislador definido o conceito de ‘prédios (urbanos) com afectação habitacional’, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre ‘prédios urbanos habitacionais’ e ‘terrenos para construção’, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional” (entre muitos outros mais recentes como, Ac. de 15-02-2017 - Proc. 0277/16; Ac. de 01-02-2017 – Proc. 01069/16 ou Ac. 14-12-2016 – Proc. 01099/16).

 

Do exposto resulta que as liquidações impugnadas enfermam de erro sobre os pressupostos, de facto e de direito, pois o prédio relativamente ao qual foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da verba n.º 28.1 da TGIS, é terreno para construção que não pode ser considerado como prédio urbano com afectação habitacional.

 

Em face do exposto, conclui-se pela anulação do acto de liquidação objecto da presente ação arbitral.

 

juros indemnizatórios

 

Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Tal direito vem consagrado no art. 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

 

O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no art. 24º, n.º 5 do RJAT.

 

No caso em apreço, ocorreu, de facto, erro imputável à AT na liquidação em crise.

 

Pelo que assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

***

 

 

 

3. DECISÃO

 

Face ao exposto, decide-se:

 

                                             a)  julgar procedente, por vício de violação de lei, o pedido de anulação do acto tributário objecto do pedido arbitral correspondente à liquidação de imposto do selo n.º 2012…, no valor de 12.000,00 €;

                                             b) condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir à requerente o montante de imposto pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios;

                                             c)  condenar a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

 

 

 

 

VALOR DO PROCESSO: De acordo com o disposto nos art. 306º, n.º 2 do Código de Processo Civil, art. 97º-A, n.º 1, a) do Código do Processo e de Procedimento Tributário e art. 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 12.000,00 € (doze mil euros).

 

 

CUSTAS: Nos termos do disposto no art. 22.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.836,00€ (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 29-03-2017

 

 

 

 

 

O árbitro

 

 

 

 

 

António Alberto Franco