Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 370/2016-T
Data da decisão: 2017-01-09  IRS  
Valor do pedido: € 30.595,62
Tema: IRS – Rendimentos da Categoria B – Regime da contabilidade organizada
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Decisão Arbitral

 

I.              RELATÓRIO

 

A…, NIF…, e B…, NIF…, residentes na Rua …, n.º…, em …, (doravante apenas designados por Requerentes), apresentaram, em 06-07-2016, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

Os Requerentes deduzem pedido de pronúncia arbitral com referência ao acto de liquidação de IRS do ano de 2011, com saldo a pagar de € 30.595,62 e à decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra aquele acto.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 07-07-2016 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 06-09-2016 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 22-09-2016.

Notificada para se pronunciar, a Requerida apresentou a competente resposta em que conclui pela total improcedência do pedido deduzido pelos Requerentes.

A 12-01-2017, teve lugar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para inquirição da testemunha arrolada pelos Requerentes, tendo sido concedido às partes prazo para apresentação de alegações escritas sucessivas.

 

II.          OBJECTO DA PRONÚNCIA ARBITRAL

 

Os Requerentes vêm solicitar a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2011, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra tal acto, por entenderem ter havido um erro de determinação do rendimento tributável.

Em concreto, os Requerentes alegam que houve um erro na determinação do rendimento tributável obtido na actividade independente (Categoria B) do Requerente marido, erro esse derivado do incorrecto enquadramento deste no regime simplificado de tributação.

Na verdade, no ano de 2008, o Requerente marido pretendeu adoptar o regime de contabilidade organizada para efeitos de determinação do rendimento da Categoria B do IRS. No entanto, foi informado pelo Serviço de Finanças de … que, ao abrigo do disposto no n.º 6 do art. 28.º do Código do IRS, seria enquadrado oficiosamente em tal regime de contabilidade atento o facto de, no exercício de 2007, ter ultrapassado, em mais de 25%, o limite previsto no n.º 2 do mesmo artigo.

No entender dos Requerentes, este regime de determinação do rendimento colectável manter-se-ia em vigor pelo período mínimo de três anos, sendo que só haveria alteração do mesmo em caso de opção do Requerente marido. Não tendo este optado pelo regime simplificado de tributação, em 2011 o regime de contabilidade organizada manter-se-ia como regime aplicável à determinação dos rendimentos da Categoria B do Requerente marido.

Sucede que, em 2011, a Requerida enquadrou oficiosamente o Requerente marido no regime simplificado de tributação, pelo que a liquidação de IRS desse ano teve por base esse método de determinação do rendimento colectável.

Os Requerentes consideram que o enquadramento oficioso efectuado pela Requerida viola o disposto no n.º 5 do art. 28.º do Código do IRS, sendo, por isso, inválido. Consequentemente, o acto de liquidação de IRS praticado com referência ao ano de 2011 também é ilegal por erro na determinação do rendimento colectável, devendo, por isso, ser anulado.

Em resposta, a Requerida sustenta a legalidade do acto de liquidação contestado, alegando que:

“(i) No caso destes autos, a aplicação dos regimes, simplificado ou de contabilidade organizada, decorreu de imposições legais, de acordo com os limites definidos pelo legislador para um, ou outro caso;

(ii) O R. nunca fez a opção pelo regime de tributação da contabilidade organizada, nos termos do nº 4 do art. 28º do CIRS;

(iii) Atento o montante de rendimentos auferido em 2010 (último ano do triénio em que esteve enquadrado, por imposição legal, no regime da contabilidade organizada), o R. ficou, portanto, abrangido, para o ano de 2011, no regime simplificado;

(iv) A jurisprudência invocada pelo R. não incide sobre a mesma factualidade que está presente nestes autos, ainda que possa aproveitar à AT porquanto se reconduz ao entendimento vertido nas liquidações objecto da reclamação graciosa aqui posta em causa.

(v) “Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior os limites referidos no nº 2 do art. 28º do CIRS e não tenham optado pelo regime da contabilidade organizada. A opção pelo regime da contabilidade organizada tanto pode ser tomada logo na declaração de início de actividade, como anualmente em declaração de alterações a apresentar até ao fim do mês de Março do ano em que se pretenda alterar a forma de determinação dos rendimentos (art. 28, nºs 3 e 4)” (cfr., por todos, ac. do STA de 28/11/2012, Proc. 709/12.

(vi) Carece, pois, de razão o R. quando, não tendo feito, em momento algum, opção pelo regime de contabilidade organizada e apresentando no último ano do triénio 2008-2010, um volume de negócios inferior a 150.000,00€, pugna pela manutenção, em 2011, do mesmo regime de tributação.”.

Em face do exposto, a Requerida pugna pela improcedência do pedido e pela manutenção do acto de liquidação impugnado.

 

III.         SANEADOR

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

IV.         MATÉRIA DE FACTO

 

                        A. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

1.             Durante os anos de 2000 a 2011, o Requerente marido obtinha rendimentos de actividade profissional, estando enquadrado com a actividade com o código 1003 – Engenheiro.

2.             No período em causa, o volume de negócios do Requerente marido foi de:

Ano

Volume negócios

2000

4.863,28 €

2001

8.746,56 €

2002

239,49 €

2003

25.000,00 €

2004

5.150,00 €

2005

3.551,12 €

2006

44.788,00 €

2007

126.047,35 €

2008

125.725,00 €

2009

136.850,00 €

2010

140.557,00 €

2011

146.686,30 €

 

3.             Nos anos de 2006 e 2007, o Requerente marido esteve enquadrado no regime simplificado de tributação.

4.             No ano de 2008, o Requerente marido foi enquadrado oficiosamente no regime de contabilidade organizada, nos termos do n.º 6 do art. 28.º do Código do IRS. 

5.             No triénio de 2008-2010, o Requerente marido manteve-se enquadrado no regime de contabilidade organizada.

6.             Em 2011, o Requerente marido foi enquadrado oficiosamente no regime simplificado de tributação.

7.             Durante o período de 2008 a 2011, o Requerente nunca submeteu nenhuma declaração de alterações, com vista à opção pelo regime simplificado de tributação ou pelo regime de contabilidade organizada.

8.             Em 2012, os Requerentes submeteram a declaração Mod. 3 do IRS relativa ao ano de 2011, declarando os rendimentos do Requerente marido no Anexo C (Rendimentos da Categoria B - Regime contabilidade organizada).

9.             O sistema informático detectou erros de preenchimento e não validou a declaração de rendimentos submetida.

10.         Em Setembro de 2015, os Requerentes foram notificados para submeter nova declaração de rendimentos, substituindo o Anexo C (Rendimentos da Categoria B - Regime contabilidade organizada) pelo Anexo B (Rendimentos da Categoria B - Regime simplificado / Acto isolado).

11.         Os Requerentes submeteram nova declaração Mod. 3 do IRS relativamente a 2011, declarando no Anexo B (Rendimentos da Categoria B - Regime simplificado / Acto isolado) o valor bruto total dos serviços prestados pelo Requerente marido naquele ano.

12.         Na sequência da declaração entregue, a Requerida efectuou a liquidação de IRS n.º 2015…, na qual apurou valor a pagar de € 30.595,62.

13.         A 08-02-2016, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa contra a liquidação de IRS identificada no ponto anterior.

14.         A reclamação graciosa foi indeferida por despacho datado de 21-04-2016, proferido pelo Senhor Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de… .

15.          Os Requerentes foram notificados da decisão de indeferimento pelo ofício n.º…, de 21-04-016.

 

B. Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral, não se tendo provado, em concreto, que no ano de 2008, o Requerente marido se tenha deslocado ao Serviço de Finanças de … para proceder à entrega de uma declaração para opção pelo regime de contabilidade organizada.

 

C. Fundamentação da matéria de facto

 

A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental invocada e não contestada. O depoimento da testemunha arrolada, o Senhor C…, funcionário do Serviço de Finanças de…, não obstante espontâneo, não foi relevado pelo tribunal porque não foi suficientemente concretizador quanto aos momentos em que o Requerente se teria deslocado ao Serviço de Finanças.

 

V.          MATÉRIA DE DIREITO

 

Para aferir da legalidade da liquidação de IRS contestada e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes, haverá que determinar se a decisão oficiosa de enquadramento do Requerente marido no regime simplificado de tributação, com efeitos ao exercício de 2011, é ou não válida à luz do art. 28.º do Código do IRS. A sua validade ou invalidade implicará a correcção ou incorrecção da determinação do rendimento tributável da Categoria B obtido pelo Requerente marido no ano em causa, com inevitável impacto em sede do imposto liquidado.

À data, dispunha o n.º 1 do art. 28.º do Código do IRS que “A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso de imputação prevista no artigo 20.º, faz-se: a) com base na aplicação das regras do regime simplificado; b) com base na contabilidade”. Estes eram, assim, os dois métodos legalmente admitidos de determinação do rendimento colectável relativo à actividade profissional ou empresarial de um sujeito passivo de IRS.

A aplicação de um ou outro regime dependia da opção do sujeito passivo que deveria ser efectuada aquando do início de actividade, sempre com respeito pelos requisitos legais. Não sendo feita qualquer opção expressa, o sujeito passivo seria automaticamente enquadrado no regime simplificado de tributação se apresentasse um volume de negócios inferior ao limite previsto no n.º 2 do art. 28.º do Código de IRS; se o volume de negócios declarado fosse superior a tal limite, o sujeito passivo seria imediatamente enquadrado no regime da contabilidade organizada.

Por forma a assegurar alguma estabilidade na relação tributária, dispunha o n.º 5 do mesmo artigo que “O período de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido”. Assim, independentemente do regime aplicado em concreto, a permanência no mesmo seria obrigatória por um período mínimo de 3 anos, findo o qual o sujeito passivo poderia alterar o enquadramento inicialmente efectuado. Se nada fizesse, o regime em vigor prorrogar-se-ía por novo período de três anos, e assim sucessivamente, salvo se, no caso do regime simplificado de tributação, fosse ultrapassado o limite máximo do volume de negócios, nos termos e condições fixados no n.º 6 do art. 28.º do Código do IRS.

Daqui resulta que, independentemente de se tratar de um regime aplicável por opção do sujeito passivo ou por imposição legal (por exemplo, nos casos em que o volume de negócios declarado fosse superior ao limite máximo permitido), a sua vigência mínima seria de 3 anos, com prorrogações sucessivas, salvo alteração da opção exercida pelo sujeito passivo ou alteração dos respectivos pressupostos de admissibilidade, no caso do regime simplificado.

Contrariamente ao que a Requerida invocou em sede de reclamação graciosa, com base entendimento divulgado através da Circular n.º 5/2007, de 13 de Março, o prazo mínimo de permanência previsto na referida norma é aplicável a qualquer um dos modelos de determinação do rendimento previstos no n.º 1 do art. 28.º do Código do IRS, independentemente da sua aplicação, em concreto, resultar de opção expressa do sujeito passivo ou de imposição legal. Nada, na letra da lei, permite sustentar entendimento contrário. Isso mesmo é, aliás, agora, expressamente reconhecido pela Requerida na resposta quando refere:

- “No triénio 2008-2010 o R. manteve-se enquadrado no regime de contabilidade organizada” (cfr. art. 27.º);

- “Acontece que, no caso destes autos, o reenquadramento cadastral ocorre após a finalização do triénio, consequência do volume de negócios do último ano não ter atingido os mínimos legais estabelecidos no n.º 2 do art. 28.º do CIRS” (cfr. art. 38.º);

- “Ora, no caso concreto, a avaliação da situação, para efeitos de eventual reenquadramento cadastral foi efectuada no último ano do triénio, não existindo uma opção do sujeito passivo no sentido de pretender manter-se no regime de contabilidade organizada” (cfr. art. 42.º).

Ora, no caso em apreço, o Requerente marido foi oficiosamente enquadrado no regime de contabilidade organizada com efeitos a partir de 2008, ao abrigo do n.º 6 do art. 28.º do Código do IRS, porquanto, no ano de 2007, o volume de negócios declarado foi superior, em mais de 25%, ao limite máximo previsto no n.º 2 do mesmo artigo.

Por determinação do supra referido n.º 5 do art. 28.º do Código do IRS, este regime manter-se-ía em vigor pelo período mínimo de três anos, ou seja, até 2010, inclusive (como a Requerida também reconhece), sendo automaticamente prorrogado por igual período “excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido” (cfr. parte final do n.º 5 do art. 28.º do Código do IRS). Não havendo qualquer comunicação do sujeito passivo, o regime em vigor no termo do período de três anos, seria renovado por um período de mais três anos, sem necessidade de qualquer reavaliação ou reenquadramento por parte da Requerida.

Como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 12-02-2014, proferido no proc. n.º 0736/13 (disponível em www.dgsi.pt), em caso de prorrogação de prazo não há que fazer reavaliação da situação do sujeito passivo como se estivesse a iniciar actividade; o regime em vigor é prorrogado automaticamente, sem qualquer necessidade de reavaliação, conforme se retira da parte que transcrevemos: “O ora recorrente incorreu em lapso por entender que, pelo facto de o prazo se prorrogar automaticamente por períodos de três anos e, no caso dos autos se ter verificado essa prorrogação, isso significava que o sujeito passivo devia ser tratado como se estivesse novamente a iniciar a actividade. Este entendimento, como vimos, não é correcto.”

Face ao exposto, não tendo o Requerente marido submetido qualquer declaração de alteração do enquadramento, após o termo do triénio 2008-2010, o regime em vigor nesse mesmo triénio – regime de contabilidade organizada – seria novamente aplicável para o triénio seguinte, ou seja, para o período de 2011-2013. Assim sendo, o enquadramento oficioso efectuado pela Requerida, com efeitos a 2011, foi efectuado em violação das disposições legais, em concreto o art. 28.º do CIRS. Tal acto é, assim, ilegal e inválido pelo que terá que ser anulado. Em consequência, a liquidação de IRS contestada, porque inclui rendimentos determinados com base num regime de determinação de rendimentos ilegalmente fixado, é, também e consequentemente, ilegal e, como tal, anulável [artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT].

O pedido deduzido pelos Requerentes merece, assim, integral provimento.

         

VI.         DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declara ilegal e anula a liquidação de IRS n.º 2015…, referente ao ano de 2011, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que sobre a mesma incidiu, por erro na determinação do rendimento tributável da Categoria B do Requerente marido (sujeito passivo A).

 

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 30.595,62 correspondente ao valor total do Imposto do Selo liquidado e cuja anulação aqui se ordenou.

 

Custas: Nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, 09-01-2017

O Árbitro Singular

 

 

(Maria Forte Vaz)