Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 393/2016-T
Data da decisão: 2016-12-14  IRC  
Valor do pedido: € 22.352.024,00
Tema: IRC - Mais-valias e menos-valias. Dedutibilidade. Mensuração de acordo com o justo valor
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Maria Alexandra Mesquita e Dr. Nuno Miguel Morujão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 04-10-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A… SGPS, S.A., NIPC…, com sede na Rua …, n.º …, …, …-…, Cascais, (doravante designada como "Requerente"), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa n.º …2015… e, bem assim, a declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC do grupo fiscal B… do exercício de 2012, no que respeita ao montante de € 223.520,24, com a sua consequente anulação nesta parte.

            A Requerente pede ainda o reembolso à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) daquela quantia, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, no que respeita a € 145.376,11 desde 27 de Maio de 2013, e no que respeita a € 78.144,09 desde 1 de Setembro de 2013.

Subsidiariamente, a Requerente pede que seja declarada a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC do grupo fiscal B… do exercício de 2012 no que respeita ao montante de € 56.383,88, com a sua consequente anulação nesta parte e com o consequente reembolso deste montante e o pagamento de juros indemnizatórios contados desde 27-05-2013 até ao seu integral reembolso.

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 04-08-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 19-09-2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 04-10-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e a não existência de direito a juros indemnizatórios.

Por despacho de 08-11-2016 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre decidir.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

·         A Requerente A… SGPS, S.A., é a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades ("RETGS"), e cujo objecto social se centra na gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas;

·         Na qualidade de sociedade dominante do referido grupo de sociedades, a Requerente procedeu à autoliquidação de IRC e derrama estadual e municipal consequente relativamente ao exercício de 2012 mediante apresentação da declaração Modelo 22 do Grupo, em 08-05-2013 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         Em 21-05-2013, a Requerente apresentou a declaração de substituição cuja cópia consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         No exercício de 2005, o Grupo B… adquiriu 1.101.085 acções da C…, Ltd. (doravante, C…), anteriormente denominada D…, sociedade cotada na Bolsa de Valores de Londres (London Stock Exchange), com um custo de aquisição de € 11.010.850,00, a que correspondeu a aquisição por atribuição a título gratuito de 1.376.356 acções preferenciais (C… preferenciais ou …) em 2010 (documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

·         A aquisição das referidas acções conferiu à Requerente uma participação representativa de menos de 5% do capital social da C… (acordo das Partes, artigos 16.º do pedido de pronúncia arbitral e 4.º da Resposta);

·         Até 31-12-2009, as participações sociais em causa encontravam-se mensuradas nas demonstrações financeiras da Requerente ao custo de aquisição, nos termos dos princípios contabilísticos definidos no Plano Oficial de Contas (POC) (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         Na sequência da aprovação do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), que entrou em vigor em 01-01-2010, a Requerente passou a mensurar, nas suas demonstrações financeiras, as participações sociais detidas no capital da C… de acordo com a Norma Contabilística e de Relato Financeiro 27 (NCRF 27) (acordo das Partes, artigo 20.º do pedido de pronúncia arbitral e 6.º da Resposta);

·         Em virtude da adopção pela primeira vez das novas regras contabilísticas, a Requerente apurou uma variação patrimonial negativa associada à mensuração da participação detida na C… de acordo com o justo valor, no montante de € 7.982.866,25 (acordo das Partes, artigo 26.º do pedido de pronúncia arbitral e 7.º da Resposta);

·         Em 22-01-2011, a Requerente efectuou um Pedido de Informação Vinculativa no sentido de confirmar o entendimento da Autoridade Tributária (AT) sobre o enquadramento fiscal daquela variação patrimonial, nomeadamente no que respeita à limitação da dedução a 50% constante do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC;

·         Em resposta ao Pedido, informou a Direcção de Serviços de IRC que “No caso de ser apurada uma perda por redução do justo valor, o artigo 45º, nº 3 do CIRC, estabelece que “outras perdas relativas a partes de capital concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”, concluindo que “Sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perdas deverão ser consideradas, nos termos do referido artigo 45º, nº 3, do CIRC, em 50% do seu valor” (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         A Requerente, seguindo o entendimento da AT, considerou, para efeitos fiscais, na autoliquidação de IRC de 2012, em apenas 50%, a variação patrimonial negativa respeitante à participação na C… decorrente da transição para o novo referencial contabilístico (adopção pela primeira vez) em matéria de reconhecimento do justo valor (de forma diferida por cinco períodos de tributação);

·          No que respeita à valorização ocorrida em 2012 com a participação financeira na C…, a Requerente considerou-a em 100% na autoliquidação desse exercício, segundo enquadramento confirmado pela AT em resposta a um novo Pedido de Informação Vinculativa, datado de Setembro de 2013;

·         Em 22-04-2013, a Requerente apresentou a sua declaração modelo 22 individual relativa ao período de tributação de 2012 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         No campo 705 do quadro 07 da sua declaração modelo 22 individual relativa ao ano de 2012, respeitante a «Variações patrimoniais negativas (regime transitório previsto no art.º 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do DL 159/2009, de 13/7)», considerou, a título de variação patrimonial negativa decorrente da transição para o novo referencial contabilístico (adopção pela primeira vez) em matéria de reconhecimento do justo valor, o montante de € 798.286,70, o qual corresponde a 50% de 1/5 da variação patrimonial negativa acumulada total (7.982.866,25 €) (documento n.º 7 junto com a petição inicial);

·         Em Setembro de 2013, a Requerente apresentou um novo pedido de informação vinculativa (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         Em 21-05-2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa do acto de autoliquidação do IRC respeitante ao período de tributação de 2012, reclamação essa que teve o n.º …2015… (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         No dia 21-04-2016, a Requerente foi notificada, por intermédio do Ofício n.º…, de 19-04-2016, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por despacho proferido em 18-04-2016, pela Senhora Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, que manifesta concordância com um parecer e uma informação em que se refere, além do mais o seguinte: (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor agora se reproduz)

III - ANÁLISE DO PEDIDO

1 - A reclamante tem legitimidade (art° 9 do Código de Procedimento e Processo Tributário) e o pedido é legal e foi apresentado em tempo, dentro do prazo dois anos após a entrega da declaração de rendimentos, nos termos do n° 1 do art° 131° do CPPT (data da entrega da declaração mod. 22 do grupo, 21-05-2013, fl. 37; reclamação entrada no Serviço de Finanças em 21-05-2015, fl. 4).

Para efeitos do disposto no n° 3 do art° 111° do CPPT, verificou-se, por consulta ao Sistema informático, que até à presente data não consta qualquer impugnação judicial apresentada com o objeto da reclamação em análise.

2 - A reclamante alega que não está correto o seu procedimento de considerar apenas em 50% (no campo 705 da declaração mod. 22 individual) o montante da desvalorização acima referida verificada nas ações ordinárias da C…, Ltd, porque a norma em que se baseou, o n° 3 do art° 45° do CIRC, não é aplicável aos ajustamentos de justo valor previstos na al. a) do n° 9 do art° 18° do CIRC.

O n° 3 do art° 45° (Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais) do CIRC, norma revogada pelo art° 13° da Lei 2/2014 de 16/1, com efeitos nos períodos de tributação iniciados em 01-01-2014, teve, até à sua revogação, a seguinte redação que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 (como art° 42°, posteriormente renumerado para art° 45° do DL 159/2009): "A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor."

3 - Alega, nomeadamente, que o n° 3 do art° 45° não deve ter aplicação neste caso porque as variações de justo valor resultam de oscilações de preço que o sujeito passivo não controla (por o preço ser formado em mercado regulamentado e a participação não ser superior a 5%), pelo que a norma, nesse aspeto, não tem eficácia em termos de combate à fraude e evasão fiscais, um dos objetivos da mesma.

Alega também que os diferentes padrões em termos de oscilações no preço ocorridas ao longo de vários períodos de tributação levam, se considerados globalmente, a diferentes resultados (conforme os padrões) quanto ao cálculo do lucro tributável e do imposto.

Tais alegações não parecem ser de molde a considerar não aplicável a referida norma, tanto mais que não constam, nem se deduzem, do texto legal e a expressão "perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital", parece ser suficiente para acomodar as reduções verificadas no justo valor das ações ordinárias da C… .

4 - Quanto a alegação de que não se incluem no sentido da norma os "gastos", e de referir que, na al. f) do art° 8° do DL 159/2009, diploma que procede à adaptação do Código do IRC ao SNC, esclarece-se que o conceito «custos e perdas» é substituído pelo conceito ‹‹gastos››. Assim o conceito de gastos inclui o de perdas, tendo este, de resto, continuado a ser utilizado no Código do IRC, como é o caso do art° 45°.

5 - A reclamante alega também que o n° 3 do art° 45° do CIRC contraria em parte o n° 9 do art° 18° do CIRC (aplicável via al. i) do n° 1 do art° 23° do CIRC, quanto às reduções do justo valor), ao criar uma limitação que o n° 9 do art° 18° não prevê.

No entanto, essa alegação não se justifica, visto que e frequente a ocorrência de normas que limitam o âmbito de aplicação de outras. Era, de resto, esse o efeito do art° 45° em relação à dedutibilidade de diferentes tipos de gastos previstos no art° 23° do CIRC, tendo o atual art° 23°-A o mesmo efeito.

6 - A reclamante informa que efetuou dois pedidos de informação vinculativa, nos termos do art° 68° da LGT.

Na primeira (fls. 62 a 64), sobre o enquadramento das variações negativas do justo valor em questão no n° 3 do art° 45° do CIRC, a conclusão da Direção de Serviços do IRC foi que as perdas tem que ser tratadas separadamente dos ganhos (porque o legislador se refere a "perdas" e não à "diferença negativa entre ganhos e perdas") e que, quanto às perdas, embora sejam consideradas dedutíveis nos termos da al. i) do n° 1 do art° 23° do CIRC, a respetiva dedutibilidade fica sujeita à limitação imposta pela parte final do n° 3 do art° 45°, ambos do CIRC.

Na segunda informação vinculativa (fls. 77 a 80), a conclusão e de que, quando estão em causa rendimentos associados a ganhos de valor de ativos valorizados ao justo valor e cuja variação de valor deve ser reconhecida em resultados, como acontece no caso em concreto, esses ganhos concorrem para a formação do lucro tributável na sua totalidade.

A reclamante não alega que as informações vinculativas tenham caducado por alteração superveniente dos pressupostos de facto ou de direito em que assentaram, conforme previsto no n° 15 do art° 68° da LGT, ou que as mesmas tenham sido revogadas, nos termos do n° 16 do mesmo artigo.

Assim, parece ser de aplicar o n° 14, segundo o qual a AT deve proceder conforme as informações prestadas, salvo em cumprimento de decisão judicial.

7 - No ponto 186 da reclamação (em conjugação com a argumentação no pedido de informação vinculativa datado de 17-09-2013 - cf. fls. 66 a 75), é defendido que, caso seja mantido o entendimento da AT de considerar aplicável o n° 3 do art° 45° do CIRC ã redução no justo valor das ações ordinárias da C…, deverá o ganho de € 402.742,02 obtido com essas ações em 2012 (cálculo no ponto 10 da reclamação) ser considerado apenas em metade do seu valor, no cálculo do lucro tributável desse período de tributação, por esses ganhos constituírem uma reversão de perdas anteriores, consideradas em metade do valor com base na referida norma legal.

No entanto, a reclamante não invoca qualquer norma legal naquele sentido.

De resto, essa questão é tratada nas duas informações vinculativas mencionadas no ponto anterior, particularmente na segunda, em que é dada resposta a essa mesma questão, exprimindo-se al o entendimento de que esses ganhos concorrem para a formação do lucro tributável na sua totalidade (ou seja, o referido n° 3 do art° 45° aplica-se apenas às perdas).

8 - Dado que, conforme exposto nos pontos anteriores, não assiste razão à reclamante, propõe-se o indeferimento do pedido, mantendo-se a liquidação objeto de reclamação.

Pelo mesmo motivo, e por não se comprovar a ocorrência de erro imputável aos serviços, não há lugar ao reconhecimento de juros indemnizatórios.

IV - AUDIÇÃO PRÉVIA

A reclamante foi notificada do projeto de decisão de indeferimento por carta registada no dia 10-03-2015, conforme consta a fls. 120 e 121 do processo, para exercer o direito de audição prévia previsto no art° 60° da Lei Geral Tributária.

Com a notificação foi enviada fotocópia do projeto de decisão, tendo sido respeitado o prazo de 15 dias conforme o n° 6 do art° 60° da Lei Geral Tributária.

Decorrido o referido prazo, a reclamante não exerceu o direito.

Dado o exposto, e tendo em atenção os factos e fundamentos invocados nos pontos anteriores e que reproduzem o referido projeto de decisão, propõe-se que o pedido seja decidido no mesmo sentido do indeferimento (cf. ponto III-8 acima).

 

·         Em 27-05-2013, a Requerente pagou a quantia de € 145.376,11, relativa à autoliquidação (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         Em 14-07-2016, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com a petição inicial e que constam do processo administrativo.

 

3. Matéria de direito

 

Está em causa a relevância fiscal, no exercício de 2012, da variação patrimonial negativa decorrente da variação no justo valor do instrumento de capital próprio “participação na C…” acima referenciada, no valor de € 7.982.866,25, no âmbito do ajustamento de transição derivado da adopção do SNC pela primeira (referente ao acumulado até 2009).

A referida variação patrimonial negativa concorreu para a formação do lucro tributável do período de tributação de 2012 em apenas metade (50%) de 1/5 do seu valor total (€ 798.286,70), quando a Requerente entende que deveria ter concorrido no referido 1/5 (€ 1.596.573,25), isto é, na íntegra (100%), por inaplicabilidade da restrição constante do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC.

É aceite pelas Partes que as participações financeiras em questão deverão ser contabilizadas de acordo com o critério do justo valor e que os ajustamentos foram reconhecidos através de resultados.

 

            3.1.      Quadro normativo

 

O artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, na redacção dada pelo DL 159/2009, de 13 de Julho, estabelece o seguinte:

           

3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

 

            A norma geral sobre a determinação do lucro tributável de IRC é o artigo 17.º do CIRC que estabelece que

1 – O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

           

Relativamente aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, o n.º 9 do artigo 18.º do mesmo Código, dispõe que:

9 – Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.

 

O artigo 20.º, n.º 1, do CIRC concretiza o conceito de rendimentos estabelecendo, no que aqui interessa, o seguinte:

 “Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:

 (...)

f) Rendimentos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

 (...)

h) Mais-valias realizadas;”.

           

O artigo 23.º, n.º 1, do CIRC define o conceito de «gastos», estabelecendo o seguinte:

 

1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

(...)

i)                   Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

 (...)

l) Menos-valias realizadas;”.

 

Relativamente às variações patrimoniais positivas, o artigo 21.º, n.º 1, do CIRC dispõe que:

“Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto:

 (...)

b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;

 

No que concerne às variações patrimoniais negativas, o artigo 24.º, n.º 1, do CIRC refere que:

Nas mesmas condições referidas para os gastos, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto:

(...)

b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade;”.

 

No que diz respeito às mais e menos-valias, dispõe o artigo 46.º, n.º 1, do mesmo Código, que:

 

1 – Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a:

 (...)

b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º”

           

O artigo 5.º do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, estabelece o seguinte:

 

Artigo 5.º

Regime transitório

1 - Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

(...)

 

            3.2. Análise da questão

 

Na análise desta questão seguir-se-á de perto a fundamentação do acórdão arbitral de 25-11-2013, proferido no processo n.º 108/2013-T, que merece a concordância dos signatários.

O referido artigo 45.º, n.º 3, do CIRC decorre da renumeração do anterior artigo 42.º, n.º 3, efectuada pelo Decreto-Lei DL 159/2009.

            Este n.º 3 do artigo 42.º em causa, por sua vez, foi introduzido pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, com a seguinte redacção:

 

       “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.º.

           

De acordo com o Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento de Estado de 2003 (p. 33), a intervenção legislativa na área em causa (IRC) guiou-se por “duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável”, enquadrando-se a alteração que aqui interessa no âmbito do “Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade” (p. 51).

            A redacção actual da norma em análise, resultou já da alteração implementada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, sendo que nos termos do correspondente Relatório do Ministério das Finanças (p.31), a medida em causa se enquadrou no âmbito do “COMBATE À EVASÃO E FRAUDE FISCAIS E OUTRAS MEDIDAS DIRECCIONADAS À CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL”.

            Já o n.º 9 do artigo 18.º do CIRC aplicável, obtém directamente a sua justificação no preâmbulo do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, que o introduziu no referido Código, onde se pode ler:

“Ainda no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada. Assim, excluem-se os instrumentos de capital próprio que não tenham um preço formado num mercado regulamentado. Além disso, manteve-se a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados. (...)

No mesmo sentido, identificam-se como activos abrangidos pelo regime das mais-valias e menos-valias fiscais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis, as propriedades de investimento, os instrumentos financeiros, com excepção daqueles em que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável no período de tributação.º.

           

Estas intenções expressas têm correspondência naquela norma do n.º 9 do artigo 18.º, bem como na introdução, pelo mesmo diploma legal, das alíneas f) e i) do número 1 dos artigos 20.º e 24.º do CIRC, bem como da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º.

            Dentro do conjunto de alterações introduzidas pelo referido Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, cumpre ainda salientar que onde até aí se falava de proveitos e ganhos (artigo 20.º), passou-se a falar de rendimentos, e onde antes se falava de custos ou perdas (artigo 23.º), passou-se a falar de gastos.

            Previamente à adopção do justo valor para acções com as características do caso sub judice, por efeito do início de vigência do SNC, as variações patrimoniais relativas aos instrumentos financeiros eram irrelevantes do ponto de vista da formação do lucro tributável de cada período, por efeito da norma do artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, que estabelecia que não concorriam para a formação do lucro tributável «as mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reabilitação legalmente autorizadas». Apenas no momento da realização da mais ou menos-valia é que assumia relevância fiscal a variação patrimonial verificada.

            Este enquadramento fiscal, que se reconduzia uma tributação única (que ocorria uma só vez ao longo de todo o período de detenção dos instrumentos financeiros), dependente de uma actuação voluntária do sujeito passivo (na medida em que a transacção dos instrumentos geradores da variação patrimonial, condição da relevância tributária daquela, apenas se daria se e quando o sujeito passivo alienasse os activos) e em que a valorimetria da variação patrimonial era fixada em função da concreta transacção que desencadeava a sua relevância tributária propiciavam um terreno fértil para manipulações contabilísticas e fiscais, já que o sujeito passivo podia procurar desencadear a relevância tributária no momento e termos em que lhe tal lhe fosse fiscalmente mais proveitoso.

Por outro lado, e atenta a relevância da vontade do sujeito passivo no mecanismo de relevância tributária da variação patrimonial, o sistema estabelecido adequava-se à adopção de mecanismos de condicionamento daquela vontade, no sentido de a conformar a comportamentos economicamente mais desejáveis, que, no caso, passam pela preferência de realização de mais-valias, em detrimento da realização de menos-valias.

É neste quadro que se explica o surgimento da norma do anterior artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, que precede o actual artigo 45.º, n.º 3, do mesmo.

Tal norma, quer na sua redacção primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se objectiva e subjectivamente (ou seja, face à motivação expressa pelo legislador) por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à almejada consolidação orçamental das contas públicas.

A aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, operada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, na parte abrangida, um modelo radicalmente diferente, quer de valorização quer de relevância tributária das variações patrimoniais relativas à detenção daqueles instrumentos.

Com efeito, a intenção do legislador aquando do acolhimento do modelo do justo valor, devidamente evidenciada, foi, assumida e expressamente, a de manter “a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados”.

Já relativamente a “instrumentos financeiros” que correspondam a menos “de 5 % do capital social”, “cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, (...) nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada”, a intenção legislativa foi a de aceitar “a aplicação do modelo do justo valor”, excluindo o princípio da realização.

Em consonância com esta intenção legislativa, o artigo 18.º, n.º 9, do CIRC veio dispor que, por regra, “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, o que consubstancia um afloramento evidente e deliberado do assumido princípio da realização.

Contudo, a mesma norma, na sua alínea a), estabelece a excepção a este regime, «quando: a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social;”.

Ou seja, quando os “rendimentos ou gastos (...) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “concorrem para a formação do lucro tributável” “desde que”:

a)                            Sejam reconhecidos “através de resultados”;

b)                           Se tratem “de instrumentos do capital próprio”;

c)                            “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e

d)                           “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”.

Cumpridas estas condições:

a)                             consideram-se rendimentos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros [artigo 20.º, n.º 1, alínea f), do CIRC]; e

b)                             consideram-se gastos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros [artigo 23.º, n.º 1, alínea i) do CIRC].

 

Deste modo, onde antes tínhamos uma relevância tributária única, aquando da transacção daqueles instrumentos, agora passamos a ter uma relevância tributária continuada. Ou seja, face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a estes passam a relevar directamente para a formação do lucro tributável [artigos artigo 20.º, n.º 1, alínea f), e artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do CIRC] do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º, n.º 9, do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias [artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do CIRC].

            Neste quadro, deixam de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um acto de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objectivamente fixada.

Por outro lado, e pelas mesmas razões, carece igualmente de sentido qualquer medida de condicionamento da vontade do sujeito passivo, no sentido de favorecer comportamentos economicamente mais “desejáveis” e, como tal, conformes aos interesses do alargamento da base tributável e consolidação orçamental.

Não obstante estas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, o anterior artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, renumerado para artigo 45.º, n.º 3, manteve a respectiva vigência, com a sua redacção inalterada.

Daí que se questione, como ocorre nos autos, se tal norma se aplicará, ou não, às depreciações relativas a instrumentos financeiros, que concorram para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC.

Numa primeira análise, baseada exclusivamente no teor literal do n.º 3 do artigo 45.º é sugerida uma resposta afirmativa e esta questão, em face da abrangência de previsão desta norma.

Mas, uma interpretação atenta e coordenada dos normativos relevantes para a análise da questão, que se indicaram, conduz a uma conclusão diferente.

Na verdade, o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC refere que:

A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”

 

A análise do texto normativo revela com clareza que o legislador elegeu, para nele incluir, três tipos de situações que se deverão ter, em função da presunção de boa técnica legislativa, por distintas, a saber:

a)                            “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital”;

b)                            “outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”;

c)                            “outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”.

 

Vejamos, então, se a situação dos autos se reconduz a alguma das elencadas situações.

A situação aludida sob a alínea a) supra, será manifestamente inaplicável, não só porque não houve qualquer realização operada mediante transmissão onerosa, mas também porque o artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do CIRC exclui as situações descritas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do conceito de mais-valias realizadas.

Deste modo, restam as possibilidades de integração da situação dos autos em alguma das situações elencadas nas alíneas b) e c) supra.

A aparente abrangência indiscriminada das previsões em causa, poderá, contudo, ser razoavelmente mitigada atentando que “perdas” e “outras variações patrimoniais negativas” serão conceitos, não redundantes, mas dotados de um sentido próprio e distinto.

Para compreender tal facto, será necessário recuar aos artigos 23.º e 24.º do mesmo Código, atentando na evolução terminológica operada pelo artigo 159/2009, de 13 de Dezembro.

 Com efeito, antes da entrada em vigor deste último diploma, os artigos referidos do CIRC referiam, respectivamente, que:

– “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)”;

– “Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto: (...)”.

 

Verifica-se, deste modo, que aquando da consagração da redacção do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC vigente em 2012, este Código distinguiu expressamente, para o que aqui releva, três tipos de situações, a saber:

a)      Custos;

b)      Perdas;

c)      Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício.

 

A previsão do artigo 42.º, n.º 3 do CIRC (predecessor do artigo 45.º, n.º 3, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24.º, nas redacções anteriores a este Decreto-Lei.

Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos “a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), relativas àquelas partes.

E que assim é, ou seja, que a expressão “outras perdas ou variações patrimoniais negativas” utilizada no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, na redacção vigente em 2012, não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido nos artigos 23.º e 24.º, decorre desde logo do facto de o legislador ter empregado a mesma distinção.

Para além disso, a inclusão no âmbito da norma em causa não só das perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), mas também dos custos (tal como definidos no artigo 23.º na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009), levaria a que, por exemplo, o custo de aquisição de partes de capital apenas concorresse em metade do respectivo valor para o apuramento do lucro tributável, o que seria, obviamente, inconcebível num legislador minimamente razoável e, consequentemente, trata-se de uma interpretação a rejeitar, por força da regra do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, que impõe que se presuma que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.

A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, não terá alterado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23.º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continua a utilizar a expressão “perdas”, incluindo no próprio artigo 23.º (cfr. n.º 1, alínea h)). Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3.e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de Julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas”.

Deste modo, conclui-se que o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC se reportará a:

a)                            diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital;

b)                            outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e

c)                            outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

 

Sendo que por “perdas” se deve entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, e por “variações patrimoniais negativas” se deverá entender variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, tal como definidas no artigo 24.º.

            Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

            A própria AT parece reconhecer isto mesmo, já que no “Manual de Preenchimento do Quadro 07, Modelo 22” ( [1] ), a propósito do campo 737, refere que “Neste campo são inscritas, em 50%, as importâncias relativas a outras perdas (que não sejam menos-valias, dado que estas obedecem ao “mecanismo” das mais-valias e menos-valias) relativas a partes de capital ou outras componentes de capital próprio. São, por exemplo, acrescidas neste campo 737 as importâncias correspondentes a 50% das perdas por reduções de justo valor, quando estas se enquadrem no âmbito do artigo 23.º, n.º 1, alínea i), por força do disposto no art.º 18.º, n.º 9, alínea a)”.

Sucede que o artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do CIRC não se refere às importâncias em causa como “perdas”, mas como “gastos”, pelo que será incorrecta a sua inscrição no campo em causa.

De resto, e se dúvidas houvesse, caso o legislador, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei 159/2009 de 13 de Dezembro, pretendesse abranger as situações elencadas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC, no âmbito do artigo 45.º, n.º 3, do mesmo, teria:

– incluído os “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, não no artigo 23.º, mas no artigo 24.º do CIRC ( [2] ); ou

– referido tais situações como “perdas resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros” e não como “gastos”.

 

No quadro que se acaba de expor, deve-se então considerar que o Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, no que respeita à parte abrangida pela aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, um regime especial de relevância para o cômputo do lucro tributável, justificado quer pela sua objectividade própria quer pela confessada intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade.

Esta circunstância não é, face à redacção do CIRC resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, susceptível de gerar qualquer tipo de dúvidas, como se verifica, designadamente, pela redacção dos artigos 20.º, n.º 1, alíneas f) e h), 23.º, n.º 1, alíneas i) e l), e, em especial 46.º, n.º 1, alínea b), face aos quais se evidencia de uma forma clara a intenção do legislador afastar os ajustamentos decorrentes da aplicação do critério do justo valor em instrumentos financeiros, nos termos reconhecidos pelo CIRC, do regime das mais-valias e menos-valias.

            Já o regime resultante da conjugação dos artigos 45.º, n.º 3, e 46.º do CIRC, apenas faz sentido na perspectiva da atendibilidade das variações patrimoniais em causa sob o prisma do referido princípio da realização.

            É que, estando em causa, face a tal princípio, a aferição da variação patrimonial em função de uma transacção, haverá sempre um factor voluntário em relação àquela.

            Ou seja, no regime para o qual foi pensada e instituída a norma do artigo 45.º, n.º 3, a realização de menos-valias, e demais situações elencadas estava dependente de uma actuação voluntária correspondente à realização das mesmas. Ora, neste quadro, será compreensível que o legislador institua mecanismos de desincentivo a uma actuação susceptível de ser considerada como desvaliosa, no caso a realização de menos-valias ou outras variações patrimoniais negativas. Ao dispor que tais situações apenas relevarão em 50% do montante contabilizado, o legislador fiscal está, objectivamente, a condicionar as actuações abrangidas pela previsão legal, impondo um incentivo negativo às mesmas.

            Por outro lado, e estando em causa instrumentos financeiros de valor não objectivamente quantificável, a desconsideração em 50% das variações patrimoniais negativas verificadas, teria também uma função de “compensar” a natural tendência dos operadores económicos para, ao nível fiscal, inflacionarem os prejuízos.

            Contudo, aqueles aspectos não se verificarão já nas situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a). Aqui, estando-se perante ajustes decorrentes da contabilização do justo valor, determinado por critérios objectivos (com “um preço formado num mercado regulamentado”), não há qualquer dúvida ou intervenção da vontade do sujeito passivo na verificação do ajustamento patrimonial negativo ou positivo. Ou seja, estes ocorrerão ou não, independentemente da actuação e da vontade do sujeito passivo.

            Ora, penalizar, nestes casos, o sujeito passivo com uma desconsideração de 50% do gasto incorrido, seria de todo injustificado, quer de um ponto de vista económico, quer de um ponto de vista jurídico.

            É que, recorde-se, esta situação de penalização contingente (aleatória, até) injustificada, só se daria por força da excepção das situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC ao regime do princípio da realização. Ou seja, se relativamente a essas situações se aplicasse o regime geral do corpo do artigo 18.º. n.º 9, segundo o qual as mesmas não concorreriam “para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, a apontada incoerência não se verificaria, já que o facto que desencadearia a concorrência para a formação do lucro tributável apenas se daria por vontade do sujeito do passivo, pelo que caberia a este optar por realizar a variação patrimonial negativa, com a consequente penalização fiscal, ou diferir esta para um momento em que fosse menos volumosa ou, até positiva, diminuindo ou eliminando a penalização decorrente da operação para si e para o Erário Público. É a excepção da alínea a), ao retirar as situações aí previstas do âmbito do princípio da realização, que justifica o novo regime de relevância para o lucro tributável, que foi instituído.

            Evidência de tudo o que vem de se dizer, apresenta-se no quadro elaborado de seguida, o qual demonstra a irrazoabilidade da aplicação da norma do artigo 45.º, n.º 3, às situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a):

 

Ano

Valor Inv. Financeiro

Variação anual de justo valor

Aplicação do artigo 45.º/3 do CIRC

0

Valor de aquisição (V.A.)

0

0

1

V.A.+ 40

+ 40

+40

2

V.A.+ 20

-20

-10

3

V.A

-20

-10

4

V.A.-40

-40

-20

5

V.A.

+40

+40

6

V.A. -20

-20

-10

 

           

A não aplicação da norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC aos gastos, e concretamente aos “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, com a consideração plena das repercussões patrimoniais verificadas, sejam positivas ou negativas, leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro. Ou seja, em qualquer altura que se escolha para proceder à alienação do instrumento financeiro, as alterações patrimoniais positivas e negativas compensam-se, de modo que, a final, o sujeito passivo apenas tenha acrescentado ou diminuído ao seu lucro tributável a diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda.

            Já se se aplicasse a norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, como pretende a Autoridade Tributária e Aduaneira, a partir do momento em que se verifique uma alteração patrimonial negativa, haverá uma discrepância entre a relevância fiscal das variações patrimoniais negativas e positivas, sem qualquer justificação, como se disse, uma vez que aquelas variações ocorrem de forma objectiva e independente da actuação ou vontade do sujeito passivo. Assim, se ao fim do segundo ano o sujeito passivo do exemplo supra procedesse à realização do instrumento financeiro em causa, não obstante ter realizado uma mais-valia de apenas 20 (que seria tributada como tal ao abrigo do princípio da realização), teria, afinal, pago imposto sobre 30 (40-10). Do mesmo modo, se procedesse àquela realização ao fim do terceiro ano, teria pago imposto sobre 20, não obstante não ter tido qualquer acréscimo patrimonial com a operação. E se procedesse à mesma realização ao fim do sexto ano, teria pago imposto como se tivesse tido um acréscimo patrimonial de 30 (80-50), não obstante ter tido uma variação patrimonial efectiva de -20, que, ao abrigo do princípio da realização consagrado no CIRC, seria atendível, ainda que em apenas 50% do respectivo valor (-10)!

            Tais resultados, meramente aleatórios e sem qualquer justificação substancial que os sustente, não poderão ter sido queridos por um legislador razoável, que, por imperativo do artigo 104.º, n.º 2, da CRP, tem de fazer assentar a tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

            O desacerto de uma hipotética solução legislativa a que conduz uma determinada interpretação é, seguramente, um argumento decisivo para rejeitar essa interpretação, pois, em boa hermenêutica, tem de se presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada para uma determinada situação jurídica e não uma solução insensata e sem fundamento lógico (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

            Para além disso, o direito tributário tem especificidades interpretativas e uma delas é a de que, a estar-se perante uma situação de dúvida sobre o alcance do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC (como patenteia a existência de decis arbitrais contraditórias), ter de se atender «à substância económica dos factos tributários» (por imposição do artigo 11.º, n.º 3, da LGT), que, em situações em que, findo o período de detenção de partes de capital, não ocorreu realização mais-valias ou até houve realização de menos-valias, conduz inexoravelmente à interpretação que afasta a incidência de imposto sobre o rendimento e não à que se reconduz a tributar o prejuízo como se fosse um rendimento.

            O que permite concluir que, ao contrário do que se terá entendido no processo arbitral n.º 90/2016-T, citado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na interpretação em matéria tributária, os Tribunais têm de atender ao «mérito das normas» que aplicam, numa dupla acepção, pelo menos: não podem ser aceites interpretações que conduzam a soluções desacertadas, por que a tal se opõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil; nem são admissíveis interpretações que se reconduzam à tributação de rendimentos inexistentes, porque tal não se compagina com as directrizes teleológicas que emanam do referido artigo 11.º, n.º 3, e dos princípios que lhe estão subjacentes, da justiça material, da igualdade e da tributação fundamentalmente com base na capacidade contributiva (artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2 da LGT), que têm suporte constitucional em princípios basilares do Estado de Direito democrático (artigos 2.º, 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP).

            É certo que a solução alternativa, que exclui a aplicação do artigo 45.º, n.º 3, leva a que, no caso de se verificar, a final, uma menos-valia, esta acabe por ter sido considerada a 100%, e não a 50%, como ocorreria ao abrigo do princípio da realização. Seria o caso de, no exemplo do quadro supra, a realização ocorrer nos anos 4 ou 6. Contudo, esta discriminação positiva (ou melhor, não discriminação negativa) pela opção pelo critério do justo valor, poderá justificar-se, desde logo, porquanto no regime do artigo 18.º, n.º 9, alínea a), deixa de fazer sentido qualquer desincentivo à realização de menos-valias, uma vez que as mesmas terão relevância fiscal independentemente da sua efectiva realização. Não se deverá desconsiderar igualmente que, por um lado, a contabilização pelo justo valor é considerada mais conforme à aproximação entre a contabilidade e a fiscalidade, finalidade confessadamente prosseguida pelo legislador do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, e, por outro, a circunstância de estarmos perante realidades objectivamente avaliadas, sem que haja margem significativas para manipulações fiscalmente convenientes.

Ou seja, como se havia adiantado já, não se verificam as razões de combate à fraude e evasão fiscal, nem as razões de consolidação orçamental, que demonstradamente estiveram na génese da norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC.

Assim, tem de se concluir que devem afastar-se do campo de aplicação deste artigo 45.º, n.º 3, as situações em que não vale a sua razão de ser, em sintonia com a velha máxima “cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)”. ( [3] ). “O método teleológico tem-se vindo a deslocar cada vez mais para um primeiro plano em relação à interpretação literal. Segundo o princípio de há longa data conhecido: cessante ratione legis, cessat lex ipsa, deve importar mais o fim e a razão de ser que o respectivo sentido literal. A ratio deve impor-se, não apenas dentro dos limites de um teor literal muitas vezes equívoco, mas ainda rompendo as amarras desse teor literal ou restringindo uma fórmula legal com alcance demasiado amplo”. ( [4] )

Deste modo, e em suma, em obediência às imposições hermenêuticas do artigo 9.º do Código Civil, segundo as quais “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1), e “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.º (n.º 3), é de interpretar o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, no sentido de na sua previsão não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º.

Nestes termos, considerando-se que o artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC impõe a concorrência “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, dos “rendimentos ou gastos” que “(...) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”, não se aplicando, nestes casos, o artigo 45.º, n.º 3, do referido Código, na medida em que não estão abrangidos pela previsão normativa do mesmo, entende-se que merece provimento o pedido.

Consequentemente, a autoliquidação é ilegal quanto à dedução em apenas 50% dos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor.

Pelo exposto, a autoliquidação e a decisão da reclamação graciosa que a manteve enfermam de vício de violação de lei, por errada interpretação do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, pelo que se justifica declaração da sua ilegalidade.

Embora a Requerente faça referência a derrama municipal, o pedido formulado e quantificado no documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral refere-se apenas a IRC e derrama estadual, pelo que apenas nessa parte se declara a ilegalidade da autoliquidação e da decisão da reclamação graciosa.

 

3.3. Questões de conhecimento prejudicado

           

            Procedendo o pedido principal nos termos indicados, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões colocadas, inclusivamente o pedido subsidiário.

 

4. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar-lhe juros indemnizatórios.

 

4.1. Admissibilidade do reconhecimento do direito e condenação a pagar juros indemnizatórios nos processos arbitrais

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

4.2. Reembolso da quantia paga a mais e direito a juros indemnizatórios nos casos de autoliquidação

 

Nos casos de pagamento indevido de imposto, o contribuinte tem direito a ser reembolsado, como decorre do preceituado nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 – São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4 – A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 – No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

No caso dos autos há pagamento de imposto indevido quanto à parte da autoliquidação que é objecto do pedido de pronúncia arbitral procede.

Das várias situações em que são devidos juros indemnizatórios indicadas no artigo 43.º da LGT, haverá lugar aos mesmos se se entender que ocorreu erro imputável aos serviços.

No caso em apreço, o imposto indevidamente pago foi autoliquidado, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não teve qualquer intervenção na prática do acto em que se baseou o pagamento, sendo à própria Requerente que é imputável a sua prática.

Por isso, quanto ao acto de autoliquidação, não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente, direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.

No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido acolhida a pretensão da Requerente, quanto à ilegalidade da autoliquidação e o não acolhimento das pretensões é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Este caso de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( [5] )

No caso em apreço, a reclamação graciosa foi apresentada em 21-05-2015, pelo que o prazo para decisão terminou em 21-09-2015 (artigo 57.º, n.º 1, da LGT).

Pelo que se referiu, deverá entender-se que, a partir do momento em que se completou o prazo de decisão da reclamação graciosa, começam a contar-se juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios serão calculados à taxa legal e pagos nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal).

 

5. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

 

a)       Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à pretensão de declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa proferido em 18-04-2016 pela Senhora Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, relativo à ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC e derrama estadual do grupo fiscal B… do exercício de 2012, no que respeita ao montante de € 798.286,70, inscrito no campo 705 do quadro 07 da declaração modelo 22 individual relativa ao ano de 2012;

b)      Anular o referido despacho de indeferimento;

c)       Anular a autoliquidação, na parte respeitante aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, relativamente ao montante de € 223.520,24 de IRC e derrama estadual;

d)      Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 223.520,24, acrescida de juros indemnizatórios, contados desde 22-09-2015, à taxa legal supletiva, até integral reembolso da quantia referida.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 223.520.24.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 14-12-2016

 

 

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

(Maria Alexandra Mesquita)

 

 

 

(Nuno Miguel Morujão)

 

 



[2] Em rigor, tal seria incoerente, na medida em que o artigo 18.º/9/a) refere-se a “instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados”, e o artigo 24.º se refere, como se viu a “variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício”.

[3] BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.

[4] KARL ENGISCH, Introdução ao pensamento jurídico, página 120.

( [5] )         ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:

«A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omis­são é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».