Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 373/2016-T
Data da decisão: 2016-11-25  Selo  
Valor do pedido: € 14.955,60
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS. Classificação de prédios urbanos
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DECISÃO ARBITRAL

1.    RELATÓRIO

O A…, sujeito passivo com o NIPC …, representado pela sua Sociedade Gestora B…– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO MOBILIÁRIO, SA, com o NIPC … e com sede no …, n.º…, …, em Lisboa, da área de competência do Serviço de Finanças de Lisboa …, (doravante designado por Requerente), vem, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS) identificada na nota de cobrança n.º 2016…, no valor total de € 14 955,60, relativa ao ano de 2015 e ao prédio urbano inscrito sob o artigo … da União das Freguesias de … e …, concelho de ..., de que é proprietário.

Pede ainda o Requerente a condenação da Requerida na restituição do valor do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento, assim como nas custas do processo arbitral.

Síntese da posição das Partes:

a.      Do Requerente

  1. O Requerente é proprietário do prédio urbano sobre o qual incidiu a liquidação de Imposto do Selo (IS) da verba 28.1, da Tabela Geral do Impostos do Selo, do ano de 2015, cuja primeira prestação lhe foi notificada através da nota de cobrança n.º 2016…;
  2. Considera que a referida liquidação é ilegal, por erro nos pressupostos de facto e de direito, porquanto o prédio tributado, não sendo um prédio habitacional, não integra o âmbito de incidência da verba 28.1, da TGIS:
  3. O prédio urbano em apreço não possui atualmente licença de utilização, nem se encontra afeto a habitação, como é do conhecimento da AT, não se enquadrando na classificação do artigo 6.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código do IMI (ex vi do n.º 2 do artigo 67.º, do Código do IS), que define os prédios habitacionais como “edifícios ou construções para tal licenciadas ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”;
  4. O prédio objeto da liquidação impugnada foi adquirido por compra pelo Requerente, em 5 de agosto de 2008 e foi arrendado ao estabelecimento de ensino “C…, Ld.ª”, ao qual foi atribuído, pela Câmara Municipal de … o Alvará de Licença Parcial de Obras, n.º…, de 16 de março de 2010 (tipo de construção: Alteração; Utilização: Equipamento de Apoio à Infância) e o Alvará de Obras de Construção n.º…, de 9 de junho de 2011 (Tipo de obra: construção nova; Uso a que se destinam: Equipamento escolar);
  5. Embora as obras tenham sido concretizadas, tendo o prédio inscrito na matriz sido demolido e reconstruído com as especificações necessárias e atualmente ali funcione o estabelecimento de ensino, ao abrigo de “Concessão de Autorização Provisória de Funcionamento”, emitida pela entidade competente, a emissão de licença de utilização da nova construção encontra-se pendente da resolução do litígio que opõe o diretor da obra ao arrendatário, sem a qual a Câmara Municipal de … não emite a respetiva licença de utilização;
  6. Porém, na falta de licença, há que atender ao fim normal a que o prédio se destina, nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 6.º, do CIMI, e este não tem como utilização normal a habitação, mas sim a de serviços;
  7. Ainda que se entendesse que o imóvel integra o âmbito da incidência da verba 28.1, da TGIS, sempre o mesmo aproveitaria da isenção de IS a que se refere a alínea h) do n.º 1 do artigo 44.º, do EBF, por remissão do n.º 6 do artigo 7.º, do Código do Imposto do Selo;
  8.  Considera ainda o Requerente que a interpretação da verba 28.1, da TGIS, segundo a qual a mesma abrange os prédios inscritos na matriz como habitacionais, ainda que não se encontrem licenciados nem tenham por destino normal a habitação, seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade tributária (n.º 2 do artigo 103.º, da CRP) e dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

 

b.      Da Requerida

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou processo administrativo (PA) e resposta, em que diz entender não assistir razão ao Requerente, com os seguintes fundamentos:

1.    O prédio de que o Requerente é proprietário foi avaliado nos termos do CIMI, no âmbito da avaliação geral dos prédios urbanos e encontra-se inscrito na matriz como prédio em propriedade total sem andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, afeto a habitação e com um valor patrimonial tributário superior a € 1 000 000,00;

  1. Está, pois, em causa, uma liquidação que resulta da aplicação direta da norma de incidência, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária, que está correta e é devida, não havendo lugar a juros indemnizatórios, por não existir qualquer erro imputável aos Serviços;

3.    A norma da verba 28.1, da TGIS, não viola a princípio da igualdade, princípio que, embora plasmado no n.º 3 do artigo 104.º, da CRP, não tem hoje expressão ao nível da tributação do património, segundo a doutrina;

  1. O Requerente suscita a violação do princípio da igualdade perante a lei fiscal, na dimensão da proibição de diferenciação em situações iguais, questão sobre a qual já se debruçou o Tribunal Constitucional, entre outros, no Acórdão n.º 187/2013, de 5 de abril, nos seguintes termos: «só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que dela resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem”, bem como que "[e]ste princípio, na sua dimensão de proibição do arbítrio, constitui um critério essencialmente negativo (...) que, não eliminando a "liberdade de conformação legislativa" - entendida como a liberdade que ao legislador pertence de "definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente" -, comete aos tribunais não a faculdade de se substituírem ao legislador, "ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução razoável, justa e oportuna (do que seria a solução ideal do caso)", mas sim a de "afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insuscetíveis de se credenciarem racionalmente»;
  2. No que respeita à verba 28.1, da TGIS, o legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, como manifestação da capacidade contributiva e o facto de estabelecer o valor de €1.000.000,00 como critério delimitativo da incidência do imposto, constitui uma escolha legítima quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretendeu tributar de modo mais gravoso;
  3. No contexto em que foi aprovada, a verba 28.1, da TGIS, visou reequilibrar a repartição dos sacrifícios, de modo a que estes não incidissem apenas sobre «aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho» e obedece ao critério da adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00.

Termina a AT por requerer a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, bem como de apresentação de alegações escritas.

O PA que acompanhou a Resposta da AT cujo resumo antecede, contém informação do Serviço de Finanças de ... …, área da localização do prédio objeto da liquidação impugnada, do seguinte teor:

“(…)

1. O prédio urbano em causa situa-se na Rua … Lote … …-… … e é composto por moradia de 2 pisos c/v e r/c com 2 divisões 2 arrecadações, lavabo, câmara frigorífica e instalação sanitária, r/c com 6 divisões 3 casas de banho, garagem, cozinha, lavabo e despensa, conforme consta da ficha de avaliação … de 2008/12/19.

2. Posteriormente não foi apresentada qualquer declaração modelo 1 do I.M.I., conforme determina a alínea d) n.º 1 do Art.13º do C.I.M.I., quer por alteração, construção ou afectação do prédio;

3. Pelo exposto, a liquidação de I. Selo verba 28.1, está conforme os dados matriciais comunicados à AT, uma vez que não foi participada a alteração e o imóvel continua inscrito com a afectação de “habitação”;

4. Porém, foi solicitada informação à C. M. …, que confirma ter havido um pedido de alvará de obras nº…, requerido por C…, LDA, NIPC-…, na qualidade de arrendatário do prédio, de que junto fotocópias.

5. No sentido de ser corrigida a afectação e a composição do prédio deveria o requerente apresentar a já referida declaração modelo 1 do I.M.I., com a data da conclusão da obra, anexando para o efeito, cópia do fecho do livro de obra, uma vez que não existe licença de utilização emitida, bem como comprovativo em como o estabelecimento de ensino funciona e desde que data, conforme o nº 2 do Artº 6º do C.I.M.I.;

Em conclusão, a liquidação em referência é consequência da falta de cumprimento do disposto na alínea d) n.º 1 do Artº 13º do C.I.M.I e não da má aplicação ou interpretação da lei, pelo que o seu cumprimento será o meio correto para a alteração e correção do ato tributário, com consequente anulação do imposto liquidado.

(…)”.

Convidadas para o efeito, as Partes não produziram alegações.

 

II – SANEAMENTO:

1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no CAAD em 7 de julho de 2016, tendo sido aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 22 de julho de 2016.

2. A Requerente informou que não pretendia utilizar a faculdade de designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º, do RJAT, foi a signatária nomeada árbitro pelo Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, encargo que aceitou no prazo legalmente previsto, sem oposição das Partes.

3. O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 21 de setembro de 2016 e é materialmente competente para apreciar e decidir o litígio objeto dos presentes autos.

4. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

5. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

III - FUNDAMENTAÇÃO

1.    MATÉRIA DE FACTO

1.1.   Factos que se consideram provados:

1.1.1.      Quer à data da produção do facto tributário, quer da emissão da liquidação de Imposto do Selo impugnada, o Requerente era proprietário do prédio urbano inscrito na matriz da União das Freguesias de … e … sob o artigo …;

1.1.2.      De acordo com a caderneta predial com cópia junta aos autos, extraída via internet em 17 de maio de 2016, o referido prédio destina-se a habitação, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário (VPT) de € 1 462 650,00, na avaliação efetuada em 19 de dezembro de 2008 (ficha de avaliação n.º…), na sequência da aquisição por escritura pública de compra e venda, em 15 de julho de 2008;

1.1.3.      O VPT do prédio sobre que incidiu a liquidação do IS impugnada, em 5 de abril de 2016, é de € 1 495 559,63, conforme a nota de cobrança n.º 2016…, referente à primeira prestação do ano de 2015, com cópia junta aos autos;

1.1.4.      O Requerente procedeu ao pagamento da primeira prestação do IS (verba 28.1, da TGIS) do ano de 2015, no valor de € 4 985,20, em 29 de abril de 2016;

1.1.5.      Em 15 de julho de 2008, foram celebrados entre a Sociedade Gestora do Requerente, em sua representação, e “C…, Ld.ª” (Inquilina), um contrato de investimento e um contrato de arrendamento tendo por objeto o prédio de que tratam os autos, a fim de aí ser instalado um estabelecimento de ensino, bem como a sua alteração e ampliação, “por forma a satisfazer todas as necessidades técnicas e funcionais impostas pela mudança de uso”;

1.1.6.      Em 16 de março de 2010, foi emitido pela Câmara Municipal de … o Alvará de Licença Parcial de Obras n.º…, concedendo à Inquilina autorização para realizar obras de alteração do prédio, a ser utilizado como “Equipamento de apoio à Infância”;

1.1.7.      Em 9 de junho de 2011, foi emitido pela Câmara Municipal de … o Alvará de Obras de Construção n.º…, concedendo à Inquilina autorização para “construção nova” a implantar no prédio, destinada a “Equipamento Escolar”. Nos termos deste Alvará de Obras de Construção, o Alvará de Utilização dos Edifícios apenas seria emitido após cumprimento dos requisitos ali definidos;

1.1.8.      Através de ofício da Direção Geral dos Equipamentos Escolares, datado de 22 de outubro de 2015, foi a entidade titular do colégio “C…”, que funciona no prédio identificado, notificada da manutenção da renovação da Autorização Provisória de Funcionamento”, válida para o ano letivo de 2015/2016.

1.1.9.      Por ofício de 5 de agosto de 2016, do Serviço de Finanças de ... …, recebido pelo destinatário no dia 8 do mesmo mês, foi o Requerente notificado para, no prazo de 30 dias a contar da data da sua receção, apresentar a declaração modelo 1 de IMI, relativa a “alterações à descrição matricial atual”, com a cominação de que, não o fazendo naquele prazo, aqueles serviços promoveriam a avaliação oficiosa do prédio, nos termos do artigo 37.º, do Código do IMI.

 

1.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da análise crítica da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral e à resposta da Requerida.

 

 

1.3. Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

2.1.   As questões decidendas:

Em face da factualidade fixada supra, do teor do pedido de pronúncia arbitral e da resposta da entidade Requerida, identificam-se duas questões que cumpre ao Tribunal decidir:

  1. A de saber se um prédio urbano inscrito na matriz com destino a habitação e com um valor patrimonial tributário (VPT) superior a € 1 000 000,00, se encontra abrangido pelo âmbito de incidência da verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), ainda que não possua licença de utilização válida, se se destinar a fins diversos dos fins habitacionais;
  2. Se, em caso negativo, a restituição do imposto liquidado e pago ao abrigo da referida norma de incidência deve ser acompanhada do pagamento de juros indemnizatórios a favor do sujeito passivo, se a desatualização dos dados matriciais se dever a falta de entrega da declaração a que se refere o artigo 13.º, do Código do IMI.

 

2.2.  Do conceito de prédio urbano habitacional

De acordo com a norma de incidência contida na verba 28, da TGIS, na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, encontram-se sujeitas a imposto do selo as seguintes situações:

«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI — 1 %.

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.»

Constituem, assim, requisitos cumulativos de aplicação da norma ínsita na Verba 28.1, da TGIS, que o imóvel a tributar seja (a) um prédio urbano “habitacional” ou um terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja “para habitação” e que (b) o seu VPT, para efeitos de IMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

Embora o Código do Imposto do Selo não contenha qualquer definição ou classificação dos prédios, várias são as suas disposições que remetem para o conceito de prédio tal como definido no Código do IMI. Em especial, no que respeita às matérias atinentes à verba 28, da TGIS, dispõe o n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo, que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”.

O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2.º, do Código do IMI, englobando, entre outras realidades, os edifícios e construções de qualquer natureza incorporados ou assentes numa fração do território nacional, com carácter de permanência, desde que façam parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e que, em circunstâncias normais, tenham valor económico.

Tais edifícios ou construções são, em regra, classificados como prédios urbanos, definidos residualmente pelo artigo 4.º, do Código do IMI, como “todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte” (prédios mistos – os que sejam constituídos por uma parte urbana e uma parte rústica, sem que qualquer delas possa ser qualificada como parte principal).

Existem, contudo, diversas espécies de prédios urbanos, cuja classificação é dada pelo artigo 6.º, do Código do IMI, em função do seu licenciamento ou, na falta deste, do fim a que se destinam.

Assim, nos termos das várias alíneas do n.º 1, daquele artigo 6.º, do Código do IMI (Espécies de prédios urbanos), os prédios urbanos classificam-se como a) habitacionais, b) comerciais, industriais ou para serviços; c) terrenos para construção e, d) outros, delimitando os n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo, o que deve entender-se por cada uma daquelas designações.

No que concerne aos prédios urbanos habitacionais, especifica o n.º 2 do artigo 6.º, do Código do IMI, que estes são os edifícios ou construções licenciados para habitação ou, na falta de licença, que tenham como destino normal aquele fim.

2.3.Das matrizes prediais

Nos termos do artigo 12.º, n.º 1, do Código do IMI, “1 - As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caraterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superficiários”.

Sendo registos, as matrizes prediais contêm a inscrição e descrição dos prédios, assim como a sua caraterização, ou seja, entre outros aspetos, o fim a que se destinam.

Como qualquer outro registo, as matrizes prediais carecem de atualização sempre que se verifique a alteração de algum dos elementos que caraterizam os prédios nelas inscritos, atualização que pode ocorrer por iniciativa do respetivo titular, mediante apresentação da declaração de modelo oficial (modelo 1), a que se refere o n.º 1 do artigo 13.º, do Código do IMI, dentro do prazo ali previsto (60 dias), nomeadamente, se se verificar a ocorrência de “um evento susceptível de determinar uma alteração da classificação de um prédio” (alínea b), como ocorreu na situação em análise, ou, subsidiariamente, ser efetuada oficiosamente pelo Chefe de Finanças da área da localização do prédio, em caso de incumprimento da obrigação declarativa estabelecida pelo n.º 1 (n.º 3 do artigo 13.º, do Código do IMI).

No entanto, a desatualização matricial dos prédios, por omissão do cumprimento da obrigação declarativa do sujeito passivo, não poderá ser, só por si, suscetível de alterar a classificação do prédio, tal como decorre da realidade factual comprovada e da determinação legal do n.º 2 do artigo 6.º, do Código do IMI.

2.4.A liquidação impugnada

Tal como consta da factualidade dada como provada, na sequência do contrato de investimento e de arrendamento celebrado entre o Requerente e o titular do estabelecimento de ensino, “C…”, o prédio de que tratam os autos, foi objeto de demolição e reconstrução (“obra nova”, de acordo com a autorização titulada pelo Alvará de Obras de Construção n.º…, da Câmara Municipal de…, de 9 de junho de 2011), tendo em vista o seu uso como “Equipamento escolar”.

Fica ainda provado que, naquele prédio, no ano a que respeita a liquidação impugnada (2015) funcionava um estabelecimento de ensino, devidamente autorizado pela entidade competente, a Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares, para o ano letivo de 2015/2016.

Daqui resulta que, muito embora a anterior construção, que veio a ser demolida para dar lugar a uma nova construção, se encontrasse licenciada para habitação, a construção atual, por facto não imputável ao Requerente, não possui qualquer licença de utilização. Face aos meios de prova carreados para os autos, é, porém, indiscutível, que o fim a que se destina o novo prédio, não é a habitação, mas antes o de serviços, como se defende no pedido de pronúncia arbitral.

A conclusão de que o prédio objeto da liquidação de Imposto do Selo impugnada tem um destino efetivo diverso da habitação, permite afirmar, sem margem para dúvidas, que o mesmo não preenche o âmbito da norma de incidência da verba 28.1, da TGIS, não podendo tal liquidação manter-se na ordem jurídica.

2.5.Do pedido de juros indemnizatórios

Se a ilegalidade da liquidação impugnada não é controversa, já a procedência do pedido de juros indemnizatórios poderá gerar algumas dúvidas.

Tendo o processo arbitral tributário sido concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), tem a jurisprudência arbitral tributária vindo a considerar que, a par da competência atribuída pelo artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, aos Tribunais Arbitrais que funcionam junto do CAAD, para declarar a ilegalidade dos atos tributários, deve entender-se que estes detêm os mesmos poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços.

Por outro lado, determina a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que incluiu “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.

De igual modo, o artigo 100.º da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

E, de acordo com a previsão do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

Face à disposição legal acabada de transcrever, conclui-se que constituem requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios: “ – que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; – que ele seja imputável aos serviços; – que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; – que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido[1].

Ora, no caso em apreço, afigura-se manifesto que, a haver erro na liquidação, de que resultou o pagamento de imposto indevido, tal erro não pode ser imputado aos serviços da AT, que a emitiram com base nos elementos de que dispunham, ou seja, com base na inscrição matricial da qual consta ser o prédio do Requerente (a) destinado a habitação e (b) ter um VPT superior a € 1 000 000,00, situação em que não poderia deixar de ser efetuada a liquidação do Imposto do Selo, da verba 28.1, da TGIS.

De facto, como decorre da redação do artigo 13.º, do Código do IMI, a iniciativa da atualização dos elementos matriciais cabe, em primeira linha, ao contribuinte, sendo a atuação oficiosa do Chefe de Finanças da área da localização do imóvel meramente subsidiária.

Nem a tal iniciativa do sujeito passivo obstaria a ausência de emissão de licença de utilização do prédio pela respetiva Câmara Municipal, pois que, de acordo com o artigo 10.º, do Código do IMI, sempre poderia ser indicada, na declaração de inscrição na matriz, a data da conclusão das obras (artigo 10.º, n.º 1, alínea b, do Código do IMI), ou ser-lhe junta prova do início do novo uso a que o prédio foi destinado, após a sua reconstrução (artigo 10.º, n.º 1, alínea d), do Código do IMI).

Em face do exposto, decide-se não reconhecer ao Requerente o direito a juros indemnizatórios sobre o valor do imposto pago.

2.6.  Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada às questões decidendas acima enunciadas, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões, nomeadamente as da inconstitucionalidade da interpretação dada pela AT à norma da verba 28.1, da TGIS.

 

3.        DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º, do RJAT, decide-se:

3.1.Declarar a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo de 2015, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, determinando a sua anulação;

3.2.Condenar a AT à restituição da quantia indevidamente paga pelo Requerente a título de Imposto do Selo de 2015;

3.3.Absolver a AT do pedido de pagamento de juros indemnizatórios, por não se encontrarem reunidos os pressupostos de que depende a constituição do direito ao seu recebimento pelo Requerente.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € € 14 955,60 (catorze mil, novecentos e cinquenta e cinco euros e sessenta cêntimos).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 25 de novembro de 2016.

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] - Cfr. SOUSA, Jorge Lopes de, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado, I Volume, Áreas Editora, 2006, pág. 472.