Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 391/2016-T
Data da decisão: 2016-11-18  Selo  
Valor do pedido: € 13.939,25
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

A…, S.A., contribuinte n.º …, com sede na Avenida …, n.º…, … esquerdo, …-…, Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a anulação do indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra o acto de liquidação de IS n.º 2015…, 2015…, 2015 … relativos ao ano 2014, no valor total de €13.939,25.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 04.08.2016 e automaticamente notificado à AT.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 12.10.2016.

 

 

A AT respondeu, defendendo a improcedência do pedido, pugnando pela manutenção do acto de liquidação por consubstanciar correcta interpretação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a realização de alegações finais, em face do teor da matéria contida nos autos.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

II.                MATÉRIA DE FACTO

 

Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.    A Requerente é uma sociedade anónima de direito português que desenvolve a sua actividade com o CAE … - construção de edifícios (residenciais e não residenciais);

B.     No contexto da sua actividade, a Requerente é proprietária do lote de terreno para construção (doravante prédio), descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …, da freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia dos …, do concelho de Lisboa (documento n.º 5 e 6);

C.    O prédio é um lote de terreno para construção cuja edificação é para habitação (documento n.º 5);

D.    O VPT do prédio para efeito de IMI é de €2.906.945,26 (documento n.º 5);

E.     A Requerente foi notificada do acto de liquidação de IS identificado nos autos, nos termos da verba 28.1 da TGIS;

F.     A Requerente procedeu ao pagamento do montante subjacente ao acto de liquidação de IS, no valor de €13.939,25 (documento n.º 1);

G.    A 27 de Agosto de 2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa do acto de liquidação de IS sub judice;

H.    A 18 de Abril de 2016, através do Ofício n.º…, a Requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

III.             MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se a norma constante da verba 28.1 da TGIS subjacente ao acto de liquidação Sub Judice é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva.

 

Neste sentido defende a Requerente, em síntese, o seguinte:

 

1.      O acto de liquidação em apreço foi praticado em manifesta violação do princípio da igualdade tributária, previsto nos artigos 12.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e artigo 55.º da Lei Geral Tributária, que impõe que os sujeitos passivos com maior capacidade contributiva sejam tratados de maneira diferente do que aqueles que possuem menor capacidade contributiva;

 

2.      Neste sentido Casalta Nabais refere que, o princípio da igualdade fiscal teve sempre ínsita sobretudo a ideia de generalidade ou universidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério – o critério da capacidade contributiva (cf. Casalta Nabais, José – Direito Fiscal, 6.ª Edição, 2010, p. 149).

 

3.      Com efeito, apenas o critério da capacidade contributiva pode legitimar um tratamento fiscal igual a situações iguais e um tratamento fiscal diferente a situações diferentes, razão pela qual, o entendimento de Casalta Nabais vá no sentido de que a capacidade contributiva implica “igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical) “  (cf. Casalta Nabais, José – Direito Fiscal, 6.ª Edição, 2010, p. 149).;

 

4.       Assim, como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, enquanto limite à discricionariedade legislativa, não proíbe que se estabeleçam distinções, antes proíbe que se promovam distinções desprovidas de justificação objectiva e racional;

 

5.      Não se logra encontrar justificação plausível, dentro do espírito do legislador, quanto à discriminação negativa feita pela Verba 28.1 da TGIS quanto aos terrenos com afectação habitacional cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00 relativamente à tributação de prédios habitacionais edificados e que se achem constituídos em propriedade horizontal, ou em propriedade vertical, cujas fracções autónomas ou unidades de afectação individual não excedam, no respectivo VPT, o valor de €1.000.000,00, mas cujo VPT total seja igual ou superior a esse mesmo valor, uma vez que de tal resulta que o titular do direito de propriedade de um terreno para construção, destinado a habitação, com um VPT superior a €1.000.000,00, sofre uma tributação agravada relativamente àquela a que virá a estar sujeita a partir do momento em que tenha procedido à edificação de prédio habitacional sobre o terreno para construção.

 

6.      Da mesma forma, não se encontra justificação à luz do princípio da igualdade para a discriminação negativa operada relativamente aos prédios habitacionais com um VPT igual ou superior a €1.000.000,00 e relativamente aos terrenos para construção com afectação habitacional com o mesmo valor, pois o valor actual de riqueza e / ou o valor potencial de enriquecimento, propiciado pela raiz não edificada, não é igual – é antes, necessariamente inferior – ao valor actual de riqueza e, por essa via, de capacidade contributiva, real ou presumivelmente propiciada pela propriedade edificada, porquanto a mera propriedade de um terreno para construção não se afigura, de per se, critério indiciário da maior capacidade contributiva do seu proprietário;

 

7.      É, assim, de concluir que a norma da verba 28.1 da TGIS, na redacção introduzida pela Lei n.º. 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, por ofensa do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, por se aplicar a terrenos para construção com VPT igual ou superior a €1.000.000,00 para os quais a construção autorizada ou prevista não inclui qualquer fracção susceptível de utilização independente com valor igual ou superior àquele.

 

8.      Neste sentido, a decisão arbitral proferida no âmbito do processo arbitral n.º 507/2015-T, de 17 de Março de 2016, a qual refere que “Na verdade, carece de justificação racional tributar com base em hipotética capacidade contributiva elevada as situações em há titularidade de direitos sobre terrenos para construção em que estão autorizadas ou previstas edificações exclusivamente constituídas por fracções de valor individual inferior a €1.000.000,00 e não aplicar mesma tributação às situações em que no terreno já foram construídas essas edificações, com enorme aumento do valor patrimonial tributário da edificação, já que «o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas». Já relativamente aos terrenos para construção destinados a edificação de habitações autónomas de valor igual ou superior a €1.000.000,00, a titularidade de direitos sobre terrenos com esta finalidade revela, só por si, uma situação de riqueza, a nível dos «padrões mais elevados da sociedade portuguesa»: isto é, se o terreno, só por si, tem valor igual ou superior a €1.000.000,00 e se destina construção de habitações individuais de valor também igual ou superior a este está-se perante situações em que a mera titularidade de direitos sobre o terreno revela riqueza correspondente «aos padrões mais elevados da sociedade portuguesa». A verba 28.1 da TGIS, na parte relativa a terrenos para construção, não contém, porém, qualquer limitação à sua aplicação em função do valor das habitações autorizadas ou previstas, pelo que tem de se concluir que apenas faz depender a sua aplicação do valor patrimonial tributário do próprio terreno.”

 

9.      O terreno em apreço constitui, para a Requerente, um factor de produção essencial à prossecução do seu objecto social, o substrato patrimonial da sua actividade económica, que pretende gerar lucro através da construção e revenda das fracções autónomas identificadas;

 

 

10.  Donde se conclui que os terrenos para construção e revenda, independentemente do respectivo VPT, quando constituam propriedade de sociedades comerciais que tenham por objecto social a actividade imobiliária, são apenas meio de prossecução da respectiva actividade económica, pelo que, neste caso, não poderá atribuir-se-lhe o pressuposto essencial da Verba 28, de que a propriedade sobre tais terrenos possa ser sintomática de uma maior capacidade contributiva ou “de riqueza”.

 

11.  Acresce, ainda, que a tributação, em sede de IS, dos prédios previstos na verba 28.1, da TGIS se encontra, assim, sujeita a uma dupla tributação, constitucionalmente inadmissível, decorrente da sobreposição entre IS e IMI.

 

12.  Com efeito, os prédios habitacionais e os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação estão, já, sujeitos a IMI, residindo na esfera de legitimidade deste imposto a tributação sobre os prédios urbanos situados em território português, conforme resulta do disposto no artigo 1.º do CIMI.

 

13.  Ora, o IMI é um imposto que incide sobre prédios e cujo facto tributário é, precisamente, a propriedade desses bens, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do CIMI.

 

14.  Assim, verifica-se haver dupla tributação, quer em IS, quer em IMI, de uma mesma realidade jurídica – a propriedade de prédios.

 

15.  Em face do que se deixou exposto, é manifesta, também, a ilegalidade do Despacho da Senhora Chefe de Divisão de Justiça Administrativa (em substituição), datado de 28 de Dezembro de 2015, que determinou o indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra o referido acto de liquidação de imposto que também constitui objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

16.   Atento o exposto no presente pedido de pronúncia arbitral, não subsistem quaisquer dúvidas de que o pagamento indevido do imposto já efectuado apenas a culpa dos serviços é imputável, pelo que se encontrarão reunidos todos os requisitos de que a Lei faz depender o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, o que desde já se requer.

 

 

Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:

 

1.  Na caderneta predial do imóvel, o tipo de prédio é “terreno para construção”;

 

2. Fiscalmente os imóveis são terrenos para construção, nessa qualidade foram adquiridos e assim estão predialmente classificados e, por isso, são sem dúvida, lotes de terreno para construção, mais exactamente prédios urbanos com vocação habitacional.

 

 

3.    Sobre a matéria da determinação do VPT dos terrenos para construção, considera JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, in Lições sobre o Património e do IS, Almedina, Coimbra, 2011, pag. 100 e 101, que “A metodologia seguida no Código do IMI para a determinação do valor patrimonial dos imóveis é também muito próxima dos termos usados no mercado imobiliário para apurar o valor destes terrenos.

No mercado, o valor de um terreno para construção não depende apenas das suas características intrínsecas, como sejam a sua área e a sua localização ou a sua orografia.

Mais importante que isso é um fator que lhe é intrínseco e que depende dos poderes públicos, que é o seu potencial de construção, nomeadamente a volumetria autorizada e as características de uma realidade que ainda não existe, que é o prédio urbano que nele se vai poder construir. O valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio.”

 

4.   Também não existe dupla tributação, uma vez que o IMI e o IS são tributos diferentes, como aliás a Requerente os distingue.

 

5.   A verba 28 é uma norma conforme a Constituição da República Portuguesa, pois, o legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, como manifestação da capacidade contributiva (cujos destinatários têm efectivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adoptado) exigida para o pagamento deste imposto.

 

6.    Veja-se que a diminuição de desigualdades, que presidiu, como infra se demonstrará, à apresentação da Proposta de Lei n.° 96/XII (2.a), nela pretendeu o legislador distribuir os sacrifícios impostos pela Austeridade, por todos permitindo a discriminação de patrimónios, sem que tal como pretende a Requerente, ofenda disposições Constitucionais, nomeadamente o principio da igualdade, quer de per si, quer na sua vertente da capacidade contributiva, pois que daqui não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes, pois que são tratadas de forma diferente situações diferentes, ao arrepio daquele principio constitucional.

 

7.    É, inequivocamente, uma norma de carácter geral e abstrato, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se preencham os respetivos pressupostos de facto e de direito.

 

8.    Com efeito, a diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços, ou até a um prédio rústico, resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa (habitação/serviços/comércio/indústria/atividade agrícola), a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais;

 

9.     A verba 28.1 TGIS surgiu num contexto excepcional e de evidentes dificuldades que o País, em especial as contas públicas, enfrentavam no decorrer do cumprimento do programa de ajustamento a que a República Portuguesa se obrigou e que teve como documento orientador o Memorando de Entendimento Sobre as Condicionalidades de Política Económica, de 17 de maio de 2011.

 

10.  Assume também relevo para o que aqui nos traz a referência ao Relatório que acompanhou a Proposta de Orçamento de Estado para o ano de 2013, de onde brotam os seguintes considerandos: «(...) foi necessário encontrar um conjunto de medidas substitutivas das consideradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional.

 

11.  A solução do Governo nesta matéria assenta numa abordagem abrangente que tem em conta as implicações do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos.

 

12.  Do expendido, é então claro que o legislador tributário considerou que a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse habitação, de VPT igual ou superior a €1.000.000,00 representava uma manifestação de riqueza e era suscetível, por si só, de revelar significativa capacidade contributiva, fazendo, por isso, incidir a verba 28.1 da TGIS sobre a posse de determinado tipo de prédios, por contraposição aos rendimentos do trabalho e de pensões, já atingidos por outras medidas fiscais (e não só).

 

13.  No que concerne a uma diferença de situações entre a titularidade de património imobiliário “concentrado” (um só prédio com valor de €1.000.000) ou de património imobiliário “disperso” (vários prédios cujo valor total perfaz €1.000.000) tem imediatamente que se notar que a medida consagrada com a verba 28.1 da TGIS é, na sua essência própria, inteiramente alheia a qualquer ponderação ou avaliação global do património imobiliário do contribuinte;

 

 

14.  O objectivo essencial do legislador foi consagrar uma tributação individualizada de “propriedades de elevado valor destinadas à habitação", de "casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros", ou, corriqueiramente, de imóveis ou casas de luxo.

 

15.  Efectivamente a realidade fáctico-jurídica selecionada pelo legislador para constituir a base da incidência do imposto é o prédio em si considerado, em atenção à sua afectação e ao seu valor patrimonial tributário, não o património predial global dos sujeitos passivos.

 

16.  Uma vez que, à data dos factos, a Administração tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, nem há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Vejamos o que deve ser entendido.

 

 

 

IV.             DECISÃO

 

A.  Os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva

 

A Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece no seu artigo 13.º o princípio da igualdade, nos seguintes termos:

 

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

 

Estatui, por sua vez, o artigo 103.º da CRP que:

 

1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.

2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.

 

Nos termos do artigo 104.º da CRP:

 

1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.

2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.

4. A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo.

 

É à luz dos referidos normativos que deve ser apreciada a constitucionalidade da norma constante da verba 28 e 28.1. da TGIS, que determina a incidência de IS sobre:

 

Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a €1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1. – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI…… 1%.”

 

Da análise das normas constitucionais referenciadas resulta que o princípio constitucional da igualdade tributária constitui uma expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade, “que traduz não apenas uma igualdade formal – uma igualdade perante a lei, (…), mas também e sobretudo uma igualdade material – uma igualdade da lei, que obriga, em diversos termos, também o legislador.”[1]

 

Assim, o princípio da igualdade fiscal desdobra-se em dois aspectos: o aspecto da generalidade dos impostos e o aspecto da uniformidade dos impostos.

 

Na vertente da generalidade dos impostos, o princípio da igualdade fiscal determina que o dever de pagar impostos é universal, enquanto que na vertente da uniformidade dos impostos implica o referido princípio a adopção de um mesmo critério para todos os contribuintes.

 

No fundo, “o princípio da igualdade fiscal exige que o que é (essencialmente) igual, seja tributado igualmente, e o que é (essencialmente) desigual, seja tributado, desigualmente na medida dessa desigualdade.”[2]

 

Para aferir do que é igual e do que é desigual surge, então, o critério da capacidade contributiva, que se concretiza na vertente da igualdade horizontal quando impõe que os contribuintes com a mesma capacidade contributiva paguem o mesmo imposto, e na vertente da igualdade vertical, na medida em que conduz a que os contribuintes com diferente capacidade contributiva paguem impostos diferentes (qualitativa e/ou quantitativamente), sendo proibido o arbítrio.

 

A este propósito entende a Requerente que o IS sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional e de terrenos para construção, de valor patrimonial superior a €1.000.000,00, à taxa de 1%:

 

a)      Não respeita o princípio da igualdade, na medida em que a tributação incide apenas sobre terrenos para construção cuja edificação seja para habitação e não sobre a edificação de prédio habitacional sobre terreno para construção;

b)      Viola o princípio da igualdade, uma vez que determina uma discriminação negativa injustificada das empresas comercializadoras de terrenos para construção;

c)      Viola o princípio da proibição da dupla tributação decorrente da sobreposição entre IS e IMI.

 

Não assiste, no entanto, razão à Requerente.

 

Na verdade, do princípio da igualdade tributária não resulta a proibição da liberdade de opção por parte do Legislador de tributação de determinados factos tributários em detrimentos de outros, mas sim a proibição do arbítrio.

 

No caso em análise, o Legislador considerou que sobre os prédios urbanos habitacionais e (mais tarde) sobre os terrenos para construção cuja edificação seja para habitação deveria incidir a vulgarmente designada “taxa de luxo”, no âmbito do esforço de consolidação orçamental.

 

Pretendeu-se com a referida tributação repartir os sacrifícios exigidos aos proprietários de prédios habitacionais de elevado valor com aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho (Vide Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF), acordado entre o Governo Português e FMI, a Comissão Europeia e o BCE).

 

A criação deste novo facto tributário ocorreu no contexto de crise económica e de grave crise nas finanças públicas, com o propósito de aumentar as receitas fiscais do Estado, através da tributação daqueles que revelam maiores indicadores de riqueza.

 

Na verdade, através da verba 28.1. da TGIS pretende-se tributar a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo que, pelo seu valor bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos, revela maiores indicadores de riqueza, susceptível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento.” – (Vide proposta de Lei n.º 96/XII).[3]

 

Neste contexto, a tributação incide não só sobre terrenos para construção cuja edificação seja para habitação, mas também sobre a edificação de prédio habitacional sobre terreno para construção, quando o VPT de tal prédio seja, posteriormente, elegível, nos termos da verba 28.1. da TGIS.

 

Não se encontra assim razão que justifique a violação do princípio da igualdade entre os referidos factos tributários, pois, ambos os factos são potencialmente objecto de tributação, nos termos legais, em diferentes momentos. Não sendo possível comparar o incomparável, isto é, o prédio presente e o ou os prédios futuros, por ausência de termo comparativo.

 

Também não procede o argumento da Requerente relativamente à discriminação negativa injustificada das empresas comercializadoras de terrenos para construção, dado o contexto de esforço de consolidação orçamental subjacente à criação da norma e ao interesse público assim invocado.

 

Ademais, não só estão previstos benefícios fiscais em sede de IMI e de IMT, certamente aplicáveis à Requerente, no âmbito da sua actividade de comercialização de imóveis, não aplicáveis aos restantes contribuintes, como também estão excluídos de tributação em sede de IS os prédios afectos a actividades empresariais.[4]

 

Tem sido entendido que “Só podem ser censurados com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que dela resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, tendo os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem (…) este princípio, na sua dimensão de proibição do arbítrio, constitui um critério essencialmente negativo (…) que, não eliminando “a liberdade de conformação legislativa” – entendida como a liberdade que ao legislador pertence de “definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente” – compete aos tribunais não a faculdade de se subtraírem ao legislador, “ ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução razoável, justa e oportuna (do que seria a solução ideal do caso)”, mas sim a de “afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insusceptíveis de se credenciarem racionalmente.”[5]

 

Tendo em conta o exposto, considera-se que os factos tributários contemplados pela verba 28.1 da TGIS não foram escolhidos de forma arbitrária, sendo a sua opção justificada pelo contexto político-económico subjacente. Tal entendimento já foi, aliás, por diversas vezes, expresso pelo Tribunal Constitucional[6] que, no Acórdão n.º 590/2015, entende o seguinte:

não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. (…) a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos com afectação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade.

(…)

Assim sendo, a aferição do respeito pelo princípio da igualdade fiscal na sua dimensão material carece de ser referida à unidade prédio afeto á habitação, o que importa a conclusão de que (…) não existe discriminação arbitrária entre contribuintes na operação uniforme do critério substantivo relevante, traduzido na atribuição a cada prédio com afetação habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.0000,00.”

 

Não procede assim o argumento da Requerente de que a norma de incidência aqui em discussão viola o princípio da igualdade.

 

Pelas razões expostas acima, este Tribunal também não considera que se encontre beliscado o princípio da capacidade contributiva pela exclusão de outros prédios, para além dos contemplados na norma, que revelam igual capacidade contributiva.

 

Na verdade, o princípio da capacidade contributiva não vale de igual modo relativamente a todo o tipo de imposto, tendo uma expressão de 1.º grau nos impostos sobre o rendimento, uma expressão de 2.º grau nos impostos sobre o património e uma expressão de 3.º grau nos impostos sobre o consumo.

 

Deste modo, entende-se que quanto à tributação do património, o Legislador está essencialmente obrigado a contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104.º, n.º 3 da CRP), o que não o impede de proceder à discriminação de patrimónios, tributando os mais elevados e isentando os mais baixos, sendo certo que de tal princípio não resulta a obrigação da existência de um imposto sobre o património com taxas progressivas.

 

Atendendo ao princípio da capacidade contributiva, enquanto critério de determinação do respeito pelo princípio da igualdade tributária, constata-se que o facto tributário eleito pelo legislador na verba 28.1. da TGIS é revelador de capacidade contributiva, havendo também conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado pelo Legislador.

 

De facto, a norma em análise elegeu como pressuposto económico o direito propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos ou terrenos para construção cuja edificação seja para habitação, de valor patrimonial superior a €1.000.000,00 e a esse pressuposto económico fez corresponder uma taxa de 1%.

 

Em suma: tendo em conta que da caderneta predial urbana do prédio em análise consta que a afectação do prédio é a habitação e que o seu VPT é de €1.393.925,30, é aqui aplicável a taxa prevista na verba 28.1. da TGIS, não havendo violação do princípio da igualdade tributária.

 

B.  Da violação do princípio da dupla tributação

 

Alega a Requerente que a tributação em sede de IS dos prédios previstos na verba 28.1, da TGIS se encontra sujeita a uma dupla tributação, constitucionalmente inadmissível, decorrente da sobreposição entre IS e IMI.

 

Sucede que, para que se considere haver dupla tributação, é necessário que se verifique a identidade do objecto, a identidade do sujeito, a identidade do período de tributação e a identidade do imposto.[7]

 

No caso em análise, não se verifica essa identidade, conquanto, o facto tributário em sede de IS são os terrenos para construção com afectação habitacional, de valor superior a €1.000.000, enquanto, em sede de IMI, a tributação incide sobre todos e quaisquer prédios. Também, os sujeitos da relação jurídico-tributária são diferentes, pois, em sede de IS, a relação estabelece-se entre os sujeitos passivos e o Estado, e no caso do IMI, entre os sujeitos passivos e os Municípios.

 

Tendo em conta que a CRP não exige quanto aos impostos sobre o património, a existência de um imposto único e progressivo (Vide artigo 104.º, n.º 3, da CRP), e que não existe absoluta identidade entre os factos tributários em análise, entende-se que a tributação em sede de IS, através da verba 28.1. da TGIS, insere-se no âmbito da discricionariedade permitida pela Constituição, não havendo violação do princípio da proibição da dupla tributação.

 

 

 

 

V.                DECISÂO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de IS, relativo ao ano 2014, referente ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, da freguesia do…, do Concelho de Lisboa.

 

VI.             VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €13.939,25.

 

 

VII.          CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Novembro de 2016

 

 

A Árbitro,

 

 

 

Magda Feliciano

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)

 

 

 



[1] José Casalta Nabais, in O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Teses Almedina, 2009, pp. Pag. 435.

[2] Ob. Cit. pp. pág. 442.

[3] Vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, proferido no âmbito do processo n.º 542/2014.

[4] Como ensina José Maria Fernandes Pires, “a aplicação do imposto aos prédios com afectação a habitação e a terrenos para construção em que esteja prevista e aprovada a construção de habitação, revela a intenção de não onerar o sector produtivo e as empresas em geral. Na verdade, os prédios afectos a actividades empresariais, nomeadamente comércio, serviços ou actividade industrial, podem alcançar um valor superior a um milhão com relativa facilidade, sem que esse facto possa revelar uma relevância em termos de riqueza idêntica à que revelam os que têm afectação à habitação com o referido valor.

[5] Vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/2013, de 5.04, n.º s 33 e 35:

[6] Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, n.º 83/2016, n.º 247/2016 e n.º 568/2016.

[7] Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 6.ª Edição, 2010, p. 229.